O estudo das relações internacionais no Brasil
Paulo Roberto de Almeida
[Notas para uma
entrevista concedida a Alessandro Candeas, feita em 29/04/2016, no Anexo II do
Itamaraty; para divulgação em arquivo de vídeo pelo IPRI-Funag.]
Tendo exercido,
voluntária e episodicamente, desde o início dos anos 1990, atividades didáticas
e de pesquisa em diversos campos das relações internacionais do Brasil, e tendo
também elaborado alguns trabalhos de história diplomática do nosso país, o que
igualmente incluiu resenhas críticas das mais importantes obras publicadas
nesses campos, creio possuir alguma autoridade acadêmica, ou puramente pessoal,
para pronunciar-me sobre essa produção intelectual desde a primeira publicação
de um livro meu que traz exatamente esse título: O Estudo das Relações
Internacionais do Brasil (Brasília: LGE Editora, 2006).
Cabe primeiramente
esclarecer que o livro que leva esse título, tendo como subtítulo “um diálogo
entre a diplomacia e a academia”, tinha sido publicado uma primeira vez em 1999,
como resultado de aulas e palestras que eu havia ministrado no imediato seguimento
de um outro livro meu, publicado em 1998, chamado, precisamente Relações internacionais e política externa
do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 1998). Tendo continuado a exercer atividades didáticas e continuado a
pesquisar nesses diferentes terrenos no período imediatamente subsequente
publiquei, logo em seguida, o livro que pode ser considerado a primeira edição
dessa obra, intitulada apenas O Estudo
das Relações Internacionais do Brasil (São Paulo: Editora da Universidade
São Marcos, 1999), justamente no seguimento de cursos que eu havia ministrado
naquela instituição de São Paulo. Entre a primeira e a segunda edição, diversos
capítulos foram revistos, atualizados, expandidos, alguns suprimidos, outros
acrescentados. Nele já constava um capítulo sobre “A produção
brasileira em relações internacionais: tendências e perspectivas”, que tratava
justamente das obras mais relevantes no campo desde épocas pretéritas até os
anos 1990.
Esse texto descritivo e analítico foi transposto para
o livro de 2006, como primeiro capítulo, tendo recebido o conceito de
“avaliação” no seu subtítulo, o que indicava justamente o esforço de exame
qualitativo de cada uma das obras ali consideradas. Desde então, não voltei
mais a atualizar esse trabalho, que certamente mereceria complemento analítico
e descritivo, com base na produção acumulada nos últimos dez anos, mas a tarefa
foi, de certa forma, coberta em outros trabalhos e livros publicados desde
então. Por exemplo, em meu livro Relações internacionais e política externa do Brasil:
a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012), retomo um trabalho
pioneiro que havia publicado pela primeira vez em 1992, na revista Contexto Internacional, num plano bem
mais metodológico do que propriamente substantivo, inaugurando esse livro e
intitulado “Introdução ao Estudo das Relações Internacionais do Brasil”,
imediatamente seguido por um outro, chamado “Historiografia Brasileira de
Relações Internacionais”, no qual percorro a longa lista de grandes autores e
obras decisivas no campo puramente historiográfico – e menos em ciência
política – desde Pandiá Calógeras até as contribuições mais recentes de
diplomatas e acadêmicos, passando por Hélio Vianna, Delgado de Carvalho (cuja História Diplomática do Brasil, de 1959,
fiz reeditar facsimilarmente pela Editora do Senado), o manual bastante
conhecido de História da Política
Exterior do Brasil, de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, e uma recuperação por Ricardo Seitenfus de
aulas dadas no Instituto Rio Branco nos anos 1950 pelo historiador José Honório Rodrigues (até a gestão Rio Branco), que ele complementou até o ingresso do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Esse meu
livro também comporta uma extensa bibliografia de todas as obras relevantes
publicadas até 2012.
Não cabe mencionar aqui
muitos outros artigos que publiquei em diversas revistas nessa mesma
problemática, com destaque para a Revista
Brasileira de Política Internacional, da qual sou editor-adjunto, e a já
referida Contexto Internacional. Mas cabe,
sim, mencionar que mantenho, desde 2004, a seção “Prata da Casa” na revista da
ADB, Associação dos Diplomatas Brasileiros, na qual faço curtas notas sobre os
livros (em todos os gêneros) de diplomatas, em sua grande maioria teses do
Curso de Altos Estudos, e portanto publicados não exatamente pelos diplomatas
em edições comerciais, mas pela Fundação Alexandre de Gusmão (o que não subtrai
em nada sua qualidade). Essas muitas dezenas de “miniresenhas”, junto com diversas
resenhas críticas, bem mais longas, de livros de diplomatas e não diplomatas,
sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil, bem
como sobre assuntos da política internacional e da economia mundial, foram por
mim coletadas em livros digitais livremente disponíveis em plataformas de
cooperação acadêmica, como Academia.edu ou Research Gate, com títulos sugestivos:
Prata da Casa: os livros dos diplomatas
(Edição de Autor; Versão de: 16/07/2014; completo), Polindo a Prata da Casa: mini-resenhas de livros de diplomatas
(Amazon Digital Services: Kindle edition, 2014), Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros
(Hartford, Edição de Autor, 2014) e uma compilação digital das resenhas de livro
de não-diplomatas Rompendo Fronteiras: a
Academia pensa a Diplomacia (Hartford, Edição de Autor, 2014).
Creio, assim, estar
plenamente habilitado a discorrer sobre a produção de acadêmicos e diplomatas
brasileiros nas diversas áreas setoriais das RRII do Brasil, muito embora eu
não seja um pesquisador em tempo integral – tendo de dividir o meu tempo entre
atividades profissionais e estudos voluntariamente conduzidos nas horas vagas –
e não exercendo sequer uma atividade didática nessa área específica, uma vez
que, desde mais de dez anos divido minhas atividades diplomáticas com a função
de professor de Economia Política nos programas de mestrado e doutorado em
Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Mas é a partir desse
patrimônio de estudos e publicações acumuladas desde pouco mais de três
décadas, coincidentes com minha carreira diplomática, que posso manifestar-me a
respeito dessa temática, a partir do roteiro muito bem traçado de perguntas
formuladas por meu colega e amigo Alessandro Warley Candeas, diretor do
IPRI-Funag.
1) Como evoluiu a produção do conhecimento na área de
RRII no Brasil nas últimas 2 décadas?
Ela acompanhou, de certa forma, a
expansão dos cursos de RRII em nível de graduação, bem como o surgimento de
diversos programas de mestrado em universidades públicas já possuindo uma
graduação nesse campo (as faculdades particulares, mais numerosas na oferta de
cursos de graduação, não se lançam, em sua grande maioria, nos estudos
pós-graduados stricto senso, embora possam fazê-lo no tipo lato senso ou cursos
de extensão mais genéricos ou focados em áreas mais operacionais, tipo
administração de negócios ou comércio exterior). Não tenho certeza de que se
possa falar concretamente de “produção de conhecimento”, pois isso implicaria
que a pesquisa nessa campo tenha avançado tanto quanto a multiplicação de
cursos em nível de graduação, nos quais a transpiração costuma ser bem maior do
que a inspiração.
Em todo caso, os professores desses
cursos tentam se posicionar numa escala mais favorável nos indicadores de
produtividade – bem mais quantitativos do que propriamente qualitativos – que
lhes possam permitir um belo currículo Lattes, ou a conhecida distinção entre
os pares. O grande elemento propulsor, aqui, foi a constituição da ABRI, em 2005,
e seu desenvolvimento satisfatório desde então, muito embora, antes de sua
aparição, a realização dos encontros anuais da ENERI ou FENERI tenha oferecido
uma boa plataforma para a apresentação de trabalhos, contatos com palestrantes
brasileiros e conferencistas estrangeiros. Cabe reconhecer o papel da ABRI no
aperfeiçoamento dos padrões de qualidade na pesquisa e interação entre os
atores da área, professores, alunos, alguns diplomatas ou personalidades da
vida civil com alguma atuação prática no campo das RRII do Brasil.
As “semanas de RRII” nas faculdades,
em número bem mais restrito do que o volume de cursos, também ofereceram espaço
para o aprofundamento de alguns temas desse campo, congregando o público
interno e alguns estudiosos externos, servindo também, tanto quanto os
encontros da ABRI, para a divulgação de obras produzidas pelos pesquisadores
brasileiros ou edições brasileiras das obras estrangeiras mais conhecidas e já
utilizadas. Os cursos de RRII, por sua vez, ascenderam quase exponencialmente
no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, para bater no teto do mercado,
em meados dessa data, para começar a diminuir lentamente a partir daí, mas se
trata de um fenômeno típico de oferta e demanda em função das oportunidades
ainda relativamente modestas de emprego nessa área (lembrando que a profissão
não se encontra regulada em formato de reserva de mercado para
“internacionalistas” e não parece haver chance de a hipótese se concretize).
Editoras universitárias ou comerciais
passaram a lançar maior volume de livros didáticos de RRII, ou obras gerais
dentro do campo, mas o fenômeno editorial mais relevante, com grande
intensidade nos últimos dez anos, foi a ascensão da Funag como a maior editora
e distribuidora (gratuitamente nas versões digitais) de um alto volume de obras
a cada ano. Esse fenômeno é provavelmente tão importante quanto a expansão da
diplomacia – no plano funcional corporativo – e da política externa brasileira
nos anos aparentemente gloriosos dos governos lulopetistas no Brasil, a partir
de 2003. O grande ativismo – alguns diriam a pirotecnia diplomática – conduzido
pelo próprio Lula e por seu chanceler foi um grande elemento de propulsão do
interesse pela carreira e pelos estudos de RRII nesse período, inclusive porque
grande parte da produção acadêmica nesse terreno se dedica mesmo às etapas
contemporâneas da diplomacia brasileira.
Em resumo, a produção de conhecimento
na área de RRII se densificou, se consolidou, e ao mesmo tempo se diversificou
(o que parece óbvio e natural), com a multiplicação de revistas, de seminários,
de encontros de pesquisa e de debates, com o aumento da oferta de livros e
outros recursos livremente disponíveis, mas não existem ainda condições para se
fazer um mapeamento metodológico muito preciso de todas as tendências
observadas nos últimos vinte anos, que foram certamente ricas, mas precisam ser
avaliadas nas suas diversas categorias analíticas e metodológicas. Talvez o
IPRI pudesse promover um encontro de discussão sobre a questão.
2) Quais os principais eixos analíticos e temas?
Existem duas grandes áreas de
trabalho, ou seja, de pesquisa e de produção de contribuições significativas
nas RRII: a história e a ciência política, ou de ciências sociais, num sentido
mais amplo (compreendendo, digamos, sociologia política ou relações econômicas
internacionais, esta aqui bem menos explorada na pesquisa ou nas publicações
especializadas. Em ambas as dimensões mais relevantes, existem estudos
monográficos, de amplo escopo analítico (ou de síntese), trabalhos diacrônicos
(ou seja, históricos), e em cada uma delas, o Brasil, sua diplomacia e suas relações
exteriores, também chamada de política externa, constituem naturalmente os
objetos centrais dos trabalhos de pesquisa e de elaboração na academia
brasileira. Mais raros, embora também existam, são os trabalhos na perspectiva
comparativa, seja com vizinhos que de fato possuem elementos comparáveis, como
a Argentina, por exemplo, seja com grupos ou blocos artificialmente reunidos,
como pode ser o Brics, uma assemblagem bizarra de cinco países totalmente
díspares em suas características próprias, mas unidos num mesmo foro apenas por
iniciativa diplomática de duvidosa racionalidade.
Os temas geralmente tangenciam a
grande agenda da diplomacia brasileira: as relações bilaterais (especialmente
com grandes atores mundiais), a integração regional (com destaque para o
Mercosul), o multilateralismo político (com ênfase na ONU e seu Conselho de
Segurança), os novos temas da cooperação internacional (como energia ou meio
ambiente, por exemplo) e os das negociações comerciais multilaterais ou mesmo
“minilaterais” (bilaterais ou regionais).
3) Quais as principais orientações
teórico-metodológicas?
Não existe muita unidade
teórico-metodológica nos trabalhos de RRII produzidos no Brasil, pelo menos numa
avaliação superficial da literatura publicada, em formato de artigos ou de
livros. Manuais à parte – e eles são poucos, inexistindo aqui o modelo dos
textbooks muito usados nas academias dos EUA ou da Europa – os textos
singulares publicados evidenciam grande diversidade nos métodos de abordagem e
nos chamados “marcos teóricos” utilizados, por vezes mais para responder a uma
demanda expressa de algum orientador do que a decisões voluntárias daqueles que
trabalham nessas áreas. Em situações “normais” de ensino e pesquisa, e em
condições normais de exercício da atividade diplomática, a academia brasileira
formulou suas próprias orientações em matéria de metodologia dos trabalhos
publicados, havido preferência, durante certo momento, pelos estudos em torno
da “diplomacia do desenvolvimento”, juntos ou separados com trabalhos sobre as
relações com os principais atores nessa equação, os Estados Unidos ou países
europeus.
Mas ocorreu, também, a importação de
modelos estrangeiros, seja no terreno da história – onde o conceito de “forças
profundas”, recolhido em Renouvin, fez sucesso a partir da sua disseminação por
um professor renomado como Amado Cervo – ou no da ciência política – como o de
Soft Power, aparentemente uma compensação teórica, no nosso caso, por ser um
país sem maior dotação de poder material. Aparentemente, no Brasil já fizemos a
nossa “substituição de importações” nos estudos de RRII, o que não garante, no
entanto, que os novos conceitos e orientações sejam metodologicamente
fundamentados e logicamente consistentes. Um dos grandes fantasmas não só dos
estudos, em si, mas da própria atividade diplomática e até da postura
internacional do Brasil, é a famosa “busca pela autonomia”, talvez uma espécie
de compensação psicológica justamente em virtude da pouca autonomia do Brasil
na dotação real de fatores de poder, o que se chama de “capacidades”, ou capabilities.
É provavelmente devido a essa
obsessão com a autonomia da política nacional, externa ou na área econômica,
que o conceito de soberania também é extremamente valorizado na ideologia
diplomática nacional. A construção da autonomia, ou da afirmação soberana do
país no cenário internacional, emerge naturalmente com o nacionalismo econômico
no decurso do século 20, até chegar à sua versão algo caricatural na chamada
diplomacia altiva, aquela que se afirmaria de forma autônoma, ou seja, sem a
tutela do imperialismo, esse tigre de papel de todos os esquerdistas que se
acreditam defensores da soberania nacional, quando na maior parte das vezes
estão contribuindo para a introversão econômica e o provincianismo diplomático.
4) Quais autores e obras de maior impacto?
Efetuar uma seleção de obras ou de
autores é extremamente arriscado, pois sempre se corre o risco de cometer alguma
injustiça com autores consagrados, ou até com autores menos conhecidos que
ofereceram trabalhos de alta qualidade, mas que se tornaram menos divulgados
por razões diversas. Entre os diplomatas, alguns nomes se tornaram ícones da
produção com pretensões a servir de referência nos estudos de área. Pode-se
mencionar, por exemplo, Gelson Fonseca, na área da ciência política, ou das
relações internacionais sentido estrito. Entre os não diplomatas, o cientista
político e ex-chanceler Celso Lafer também produziu uma obra relevante, feita
de estudos teóricos, de reflexões sobre os grandes temas de negociações
internacionais de que participou (e dos quais foi, muitas vezes, formulador) e
de incontáveis artigos de imprensa sobre os mais diversos temas da agenda internacional
do Brasil e da realidade política mundial.
Entre os diplomatas, existem
incontáveis trabalhos preparados no âmbito do Curso de Altos Estudos do IRBr, e
uma seleção certamente implicaria certa dose de arbítrio na indicação dos
melhores (que de toda forma foram publicados pela Funag e registrados em minha
seção Prata da Casa da revista da ADB e compilados em meus livros digitais de
resenhas de livros de diplomatas. Obras produzidas paralelamente a esse âmbito
ou fora do ambiente funcional, mas ainda assim atinentes ao universo da
diplomacia brasileira podem ser destacadas nos exemplos a seguir: Luis Cláudio
Villafañe Gomes Santos tem produzido trabalhos muito consistentes no terreno da
história diplomática brasileira, em especial no período imperial e primeira
República. Fernando Mello Barreto produziu uma sequência de três grandes obras,
resumindo a atuação diplomática de todos os chanceleres da República a partir
de Rio Branco até a atualidade, na gestão Celso Amorim, que aliás ofereceu
diversas contribuições tanto no terreno memorialístico, como de reflexão sobre
sua atividade em diversas grandes temas da política exterior brasileira, tendo
tido uma longevidade como chanceler (em duas administrações) que ultrapassou a
até então a mais longeva, a do Barão do Rio Branco. Eugênio Vargas Garcia,
historiador, trabalhou com grande competência a história (e a pré-história) do
multilateralismo brasileiro, em trabalhos de pesquisa sobre a Liga das Nações,
sobre a política externa brasileira no entre-guerras e sobre a participação do
Brasil na criação da ONU, ademais de ter editado compêndios de documentos
históricos e uma cronologia das relações internacionais do Brasil.
Caberia incluir nesse cômputo minha
própria contribuição, sob a forma de diversos livros de relações econômicas
internacionais, em especial o livro de pesquisa histórica, Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas
internacionais no Império (em duas edições pela Editora Senac- São Paulo, 2001
e 2005). Ainda no terreno da história, não se pode descurar alguns dos livros
do diplomata historiador pernambucano Evaldo Cabral de Melo, em especial O Negócio do Brasil, que trata da
“recompra” do Nordeste por Portugal aos Países Baixos. Os embaixadores Rubens
Ricupero, Luiz Felipe Seixas Correa, Samuel Pinheiro Guimarães e Rubens Barbosa
também produziram trabalhos dignos de registro em qualquer compilação de obras
de diplomatas, assim como o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, tanto no terreno
das memórias como no da análise de questões da atualidade diplomática
(atividade também reproduzida em veículos digitais e artigos de jornais).
Entre os não diplomatas, destacam-se,
obviamente, as diversas edições do livro de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno sobre
a História da Política Exterior do Brasil,
bem como diversos trabalhos organizados ou escritos por Henrique Altemani e
Antonio Carlos Lessa, entre eles a obra de referência organizada por ambos, Relações internacionais do Brasil,
ademais de coleções editadas no âmbito do Instituto Brasileiro de Relações
Internacionais (que edita a Revista
Brasileira de Política Internacional), do próprio IRel-UnB, ou com editoras
comerciais. Registre-se igualmente o ativismo de acadêmicos como Paulo
Vizentini, Demetrio Magnoli, Moniz Bandeira, Francisco Doratioto, Ricardo
Seitenfus, Tullo Vigevani ou ainda o eminente jurista Antonio Augusto Cançado
Trindade, autor de imponente obra no campo do direito internacional e juiz da
Corte da Haia.
Cabe aqui uma digressão pessoal
quanto ao que me parecem ser as orientações da produção brasileira em RRII
segundo a afiliação institucional de seus “produtores”, e se pode aqui distinguir
essa comunidade razoavelmente heteróclita – pois que feita de profissionais e
de “amadores” da diplomacia – como constituída, grosso modo, de agentes da
diplomacia real, que também se dedicam às artes da escrita independente, e de
analistas externos, ou seja, todos os acadêmicos e jornalistas, ou quaisquer
outros observadores não profissionais da diplomacia, que também se ocupam de
descrever, analisar, interpretar os aspectos mais relevantes da política
externa do Brasil ou as características da política internacional, incluindo
aqui os arqueólogos das relações internacionais, ou seja, historiadores da
diplomacia brasileira de eras passadas ou da política mundial ou regional
segundo escolhas pessoais.
As orientações da diplomacia
profissional, tal como reveladas num exame mesmo perfunctório dos trabalhos por
ela publicados (textos resultantes dos Cursos de Altos Estudos em sua vasta
maioria), são obviamente quase que um espelho fiel das orientações conjunturais
dessa diplomacia, ou seja, da política externa do governo em vigor. Não poderia
ser de outro modo: diplomatas são, na grande maioria dos casos, seres
perfeitamente imbuídos de princípios e valores da diplomacia tradicional, que
por vezes se deixam arrastar por inclinações temporárias ou opções políticas
momentâneas, e se guiam, salvo em poucos casos “libertários” (por sua própria
conta e risco) pelas duas características sempre repetidas como fazendo parte
do padrão comportamental da corporação (tanto quanto para os militares e
membros da Igreja Católica): hierarquia e disciplina. Não se pode esperar,
assim, que as análises e propostas de políticas feitas por esses profissionais
se afastem muito do cânon do momento, ou do governo.
Quanto à academia e ao jornalismo
especializado em RRII seria de se esperar uma maior diversidade de opiniões, de
metodologias, de orientações políticas e de posturas quanto às políticas
concretas que caberia adotar na frente externa das políticas públicas, o que de
certo modo ocorria até algumas décadas atrás. Desde o início do milênio, porém,
não por acaso coincidente com o governo do PT no Brasil, amplamente bem
acolhido, saudado e elogiado por vastos setores da comunidade acadêmica, não
foi o que ocorreu e o que se observou nestes anos todos, com uma ampla
aceitação, até entusiástica, por parte da academia brasileira, sobretudo (e
isso é óbvio) por parte dos professores das faculdades de humanidades em geral,
com destaque até para os da área específica de RRII. A falta de senso crítico
quanto aos aspectos nefastos, histriônicos e até danosos ou criminosos da
diplomacia lulopetista em relação sobretudo a “aliados” regionais, inclusive as
piores ditaduras do continente e de outras regiões. Que isso se tenha tornado
tão evidente, aos olhos de todos – com os empréstimos ditos “secretos” a
algumas dessas ditaduras, por exemplo, em total desrespeito ao Senado Federal e
à Constituição – e que isso não tenha despertado o espírito crítico dos
acadêmicos, é uma realidade que fere a consciência não só da cidadania
organizada, como deveria chamar a atenção de qualquer acadêmico dotado apenas
de senso de equilíbrio e espírito crítico.
Estas observações são importantes
porque elas revelam uma característica que se tornou marca registrada de grande
parte da produção acadêmica durante os anos do lulopetismo diplomático: a
adesão acrítica – e até imoral no caso das ditaduras – à tal de diplomacia
ativa e altiva que possui aspectos obscuros que não foram e talvez não sejam
jamais revelados em todos os seus matizes e fundamentação documental. O que é
ainda mais surpreendente é que esses acadêmicos tenham baseado seus argumentos
apenas nas declarações do próprio governo, sem o cuidado – que deveria ser uma
condição essencial do trabalho acadêmico – de ir buscar fontes independentes,
ou de aferir quanto ao resultado dessas políticas no mundo real, ou seja,
distante das declarações oficiais e sem embasamento num volume adequado de
dados empíricos quanto aos resultados e efeitos concretos dessas políticas – do
tipo Sul-Sul, politização do Mercosul, aliança com certos parceiros escolhidos
apenas por suas posturas antiocidentais – e sua própria adequação aos objetivos
iniciais (reforço do Mercosul, ingresso no Conselho de Segurança, conclusão de
negociações comerciais, por exemplo, todos frustrados).
5) Em termos comparativos com os Estados Unidos e a
Europa, como a produção brasileira recente se situa? É possível falar em uma
contribuição nacional específica para o avanço nessa disciplina?
Difícil fazer uma comparação nessa
área, pois a nossa produção ainda é muito incipiente quando confrontada à
diversidade e quantidade dos trabalhos de todos os tipos produzidos nos grandes
centros acadêmicos, think tanks e
mesmo de governos nas duas grandes massas democráticas e de conhecimento
avançado do Atlântico norte. Os autores ali são prolíficos, sofisticados e
atuantes em determinadas agendas diplomáticas, em função de uma osmose bem mais
frequente e mais intensa com os serviços nacionais da área diplomática, de
planejamento político e de inteligência, o que praticamente inexiste no Brasil,
onde esses órgãos estatais são excessivamente introvertidos e pouco abertos à
colaboração acadêmica na agenda efetiva das relações exteriores.
6) Quais são as tendências e perspectivas em RRII no
Brasil e no mundo?
Esta é uma questão que exigiria uma
elaboração bem mais cuidada e cuidadosa, do que a permitida neste espaço.
Melhor deixar a questão para uma discussão mais elaborada em oportunidade
futura. Entendo que uma aposta genérica possa se referir ao crescimento tanto
organizacional quanto substantivo dessa área, tanto no plano puramente
acadêmico, quanto sua crescente interação, talvez osmose futura, com os
profissionais da diplomacia e outros agentes das posturas externas do Brasil
(como os encarregados do comércio internacional, por exemplo, ou das finanças
internacionais).
Ocorrerá, provavelmente, uma
crescente diversificação das abordagens e dos objetos de trabalho, até num
sentido ridiculamente adepto de vertentes analíticas baseadas no politicamente
correto, como questão de gênero ou de minorias sociais na diplomacia, e várias
outras metafísicas metodológicas. Mas uma análise consistente dessas possíveis
tendências e perspectivas das RRII no Brasil depende de um balanço adequado do
que foi efetuado até aqui e de alguns prognósticos que possam ser feitos,
provavelmente de modo colaborativo, com base nesse balanço qualitativo dos
últimos vinte anos. Pretendo dedicar-me a isto num futuro não muito distante,
mas apenas e exclusivamente em relação ao Brasil, pois não tenho a pretensão de
tentar abarcar os mesmos aspectos em relação às RRII no mundo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29 de abril de 2016
Atualizado em 29/04/2016
33) Going Global: Brazil and Latin America in International Context
(em preparação, 2016).
32) Do
passado para o presente: clássicos revisitados na perspectiva da modernidade (em
preparação, 2016).
29) Die
brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die
Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker
Verlag, 2015, 204 p.; Übersetzung aus dem Portugiesischen ins Deutsche: Ulrich
Dressel; ISBN: 978-3-639-86648-3).
19) Integração Regional: uma introdução (São
Paulo: Saraiva, 2013, 174 p.; ISBN: 978-85-02-19963-7; site da
Editora: http://www.saraivauni.com.br/Obra.aspx?isbn=9788502199637).
Relação de Originais ns. 2996, 2998, 2300, 2303, 2304, 2313, 2316, 2317, 2373,
2383, 2431, 2438 e 2449. Divulgado no blog Diplomatizzando
(link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/integracao-regional-novo-livro-enfim.html).
(Academia.edu, link: https://www.academia.edu/attachments/32644653/download_file).
Relação de Publicados n. 1093.
10) Une histoire du Brésil: pour
comprendre le Brésil contemporain (avec Katia de Queiroz Mattoso; Paris:
Editions L’Harmattan, 2002, 142 p.; ISBN: 2-7475-1453-6; link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/48HistoireBresil2002.html). (Academia.edu,
link: https://www.academia.edu/attachments/32642309/download_file).
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