Mais um "candidato", ou sugerido, para o Itamaraty, num governo de transição de Michel Temer, o atual presidente da CREDN-SF, senador Aloysio Nunes, junto com o embaixador Rubens Barbosa, atualmente presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, e do Conselho de Comércio Exterior da FIESP.
Paulo Roberto de Almeida
Em famosa carta endereçada à Dilma, mas enviada para todo o
Brasil, Temer afirma: democrata que sou, converso, sim, senhora
Presidente, com a oposição. Em termos de relações exteriores, a frase é
mais reveladora do que pode parecer. Temer já mobiliza nomes da oposição
como os primeiros formuladores e executores de sua política externa. O
primeiro chanceler do “vice-governo” Temer parace inclusive já ter sido
escolhido, é o senador Aloysio Nunes
Por Tomaz Paoliello*
A movimentação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff demanda
projeções sobre como seria um governo de seu vice-presidente, Michel
Temer. Apesar da grande dose de incerteza dos tempos atuais, já é
possível vislumbrar algumas das tendências do que seria, por exemplo, a
futura política externa de Temer. Em famosa carta endereçada à Dilma,
mas enviada para todo o Brasil, Temer afirma: democrata que sou,
converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Em termos de relações
exteriores, a frase é mais reveladora do que pode parecer. Temer já
mobiliza nomes da oposição como os primeiros formuladores e executores
de sua política externa. O primeiro chanceler do “vice-governo” Temer
parace inclusive já ter sido escolhido, é o senador Aloysio Nunes.
Na segunda-feira, 18 de abril, Nunes, presidente da
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado,
viajou a Washington, a pedido de Michel Temer, para empreender uma
campanha de relações públicas internacional centrada na desconstrução da
narrativa do golpe. Tanto Nunes quanto Temer reagiram negativamente às
afirmações de de Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA), e Ernesto Samper, Secretário Geral da União de
Nações Sul-Americanas (Unasul) sobre falta de legitimidade neste
processo em curso que pode culminar no afastamento da presidente. O
Senador Nunes, em resposta ao Secretário Geral da OEA, afirmou que a
viagem de Almagro ao Brasil teria sido um gesto oportunista, e que o
uruguaio tem “completo desconhecimento sobre a situação política
brasileira”. Vale nota sobre a biografia de Almagro: o Secretário Geral
tem longa e reverenciada carreira diplomática, representou o Uruguai em
diversas instâncias regionais e foi chanceler uruguaio de 2010 a 2015,
na administração Mujica. Sua expertise a respeito da América Latina e a
intimidade com a realidade brasileira são inquestionáveis.
Em coluna publicada na Folha de S. Paulo no dia 30 de
março, Aloysio Nunes já denunciava que o governo supostamente utilizou a
máquina pública para disseminar a narrativa do golpe. De acordo com o
Senador, o governo estaria se valendo dos canais oficiais, ou seja, da
diplomacia, com finalidades partidárias. A esquerda mobilizou, de fato,
suas tradicionais redes internacionais, mas não através da diplomacia.
Essas redes, compostas por políticos e partidos de esquerda, setores da
academia, ativistas, jornalistas e estudantes, se juntaram
internacionalmente à luta contra o impeachment. O nonsense de um
processo de impedimento conduzido por deputados denunciados por
corrupção contra uma presidente sob a qual não pesam processos na
justiça, até o momento ,certamente facilitou a repercussão internacional
majoritariamente negativa sobre o processo. A movimentação do Senador
Nunes, em contrapartida, tenta dar resposta aos receios de uma
comunidade internacional justamente alarmada e busca mobilizar os
possíveis parceiros de um futuro governo Temer. Não à toa, tenta diálogo
com aqueles atores que historicamente se preocupam menos com a
legitimidade política de seus parceiros e desejam apenas interlocutores
que permitam seu acesso privilegiado às elites políticas e econômicas
nacionais.
Os encontros de Aloysio Nunes em Washington miram
interlocutores de duas naturezas: autoridades políticas e o
empresariado. O Senador tem reuniões agendadas com o Presidente da
Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, o republicano Bob
Corker, e com o antigo embaixador dos EUA em Brasília, Thomas Shannon,
atual subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado. O
outro importante compromisso na agenda divulgada pela assessoria do
parlamentar brasileiro é uma reunião com empresários norte-americanos e
acontece no Albright Stonebridge Group. A consultoria que organiza a
reunião é dirigida por Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado no
governo Bill Clinton, e Carlos Gutierrez, ex-Secretário de Comércio no
governo George W. Bush. O empresariado norte-americano pode ser um
aliado importante, visto que historicamente se preocupou muito pouco com
a natureza política de seus parceiros, como chegou ao poder e o que fez
para se manter nele. Sempre valeu mais a estabilidade política e um bom
ambiente de negócios do que o regime político. Quanto aos prospectos
políticos, a viagem de Nunes se dedica a democratas e republicanos, mas
parece dar ênfase a uma aproximação com quadros próximos a um futuro
governo Hillary Clinton. De uma forma ou de outra, oferecer boas
oportunidades de negócios ao empresariado parece uma aposta certa.
A revanche de 2014
Aloysio Nunes foi o vice-presidente da chapa do
também tucano Aécio Neves, derrotado no segundo turno das eleições de
2014. Os pontos principais do programa de Aécio Neves em 2014,
apresentam coincidências impressionantes com o documento ‘Uma Ponte Para
o Futuro’, formulado pelo PMDB e divulgado como um possível programa de
governo Temer. O ponto central coincidente aos dois documentos é a
ideia da construção de uma política externa focada na abertura
comercial, com ênfase em acordos bilaterais e regionais em detrimento de
diálogos de caráter multinacional, e uma postura declarada de
desconfiança com relação ao Mercosul enquanto espaço privilegiado de
formulação e execução de política externa para a região. Essa postura se
opõe à opção da política externa de Lula e Dilma, que privilegiou a
negociação comercial nas esferas multilaterais e teria transformado as
organizações regionais no que tucanos se referem pejorativamente como
“fóruns de discussão política e social”
(http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/04/rubens-barbosa-acao-do-pt-no-exterior-e-pessima-para-o-brasil.html).
A abertura comercial deve ter como foco, de acordo com ambos os
documentos tucano e temerista, alguns parceiros privilegiados. Os dois
documentos seguem coincidentes ao apontar quem seriam esses parceiros: o
Brasil deve buscar se aproximar da Ásia, da Europa e principalmente dos
EUA. O foco seria integrar a economia brasileira às “cadeias globais de
valor”.
(http://inter01.tse.jus.br/divulga-cand-2014/proposta/eleicao/2014/idEleicao/143/UE/BR/candidato/280000000085/idarquivo/229?x=1406050602000280000000085).
Cabe aqui a referência a uma outra figura pública que
é personagem principal da construção dessa articulação PSDB-PMDB que
tenta emplacar agora o que as urnas rejeitaram em 2014 em muitas agendas
– inclusive no que tange à política externa. O principal assessor para
política externa da chapa do PSDB, formulador da seção de política
externa do programa de governo de Aécio, foi o Ex-Embaixador do Brasil
em Washington, Rubens Barbosa. Barbosa, atualmente presidente do
Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, anunciou no último mês
de março a criação de um novo think-tank, o Instituto de Relações
Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). Apesar de se declarar
apartidário, o IRICE contou, em seu lançamento, com palestra do
Governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin. O instituto, focado
na agenda de comércio exterior, enfatiza os mesmos pontos do programa de
governo de Aécio e do documento do PMDB, notavelmente a ideia de que o
sucesso em política externa pode ser medido pela quantidade de acordos
comerciais assinados. As consequentes críticas à política externa dos
últimos anos vêm sempre associadas à opção brasileira sob governos do PT
pelas relações com os países de sul global e a supostamente malfadada
opção por negociações no âmbito da OMC. Apesar da ausência de dados
sobre os financiadores do IRICE, o vínculo de Barbosa com a FIESP e a
coincidência de discursos ajudam a revelar quais são os interesses
articulados ao redor da iniciativa. E permitem inferências sobre de onde
os recursos provém.
A política externa que se articula nas sombras do
governo Dilma parece bastante clara quanto ao que veio: seu objetivo
será aplicar, passo a passo, a ideia de relações exteriores derrotada
nas eleições de 2014. Para isso, se utilizará das mesmas figuras, como
Nunes e Barbosa; do mesmo referencial ideológico liberal; e do mesmo
argumento, que associa as relações regionais, sul-sul, e multilaterais a
uma política externa de cunho supostamente ideológica e partidária.
Muitos têm receio de aderir à narrativa do golpe para se referir ao
processo de impeachment. Mas a narrativa já tem a adesão de grandes
veículos da imprensa internacional e mobiliza atores políticos
relevantes no exterior. Os conspiradores o sabem, e parecem bastante
preocupados em reverter o jogo, evitando a pecha que lhes cabe de
golpistas aos olhos da comunidade internacional. Os esforços nesse
sentido, contudo, deixam ainda mais evidentes as conspirações que
protagonizam.
*Tomaz Paoliello é professor de Relações Internacionais da PUC (SP)
Fonte: Revista Fórum
www.revistaforum.com.br
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