Como eu sempre afirmei, o Estado, no Brasil, é o principal fora-da-lei, o grande infrator da constitucionalidade, o violador da legalidade no Brasil.
Fiz artigos a esse respeito, embora sem a quantificação agora feita pelo Anuário da Justiça:
Paulo Roberto de Almeida:
“Autobiografia
de um fora-da-lei, 1: uma história do Estado brasileiro” (Brasília, 19 outubro
2007), Espaço
Acadêmico (ano 7, n. 78; novembro 2007 link: http://www.espacoacademico.com.br/078/78almeida.htm).
Como o site da revista parece estar indisponível, postei novamente esse artigo, o esquema e a apresentação metodológica do livro neste meu blog, como informo aqui:
Blog Diplomatizzando (26/04/2016;
link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/04/o-estado-como-fora-da-lei-1-artigo-de.html).
O que deve fazer a cidadania em face das inconstitucionalidades do Estado? Rir, chorar, trocar de Estado? Acho melhor esta última alternativa...
Paulo Roberto de Almeida
Anuário da
Justiça
Sete em cada
dez leis analisadas pelo STF são inconstitucionais
Robson
Pereira é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de
Janeiro.
Revista Consultor
Jurídico, 24 de abril de 2016, 8h05
24 de abril de 2016, 8h05
Será lançada nesta terça-feira (26/4), no salão Branco
do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, a décima edição do Anuário da
Justiça Brasil 2016. Trata-se de um especial com o retrato dos últimos 10
anos do Judiciário brasileiro. Na oportunidade, também
será inaugurada a exposição “1215: Magna Carta Libertatum – 1824: A
Primeira Constituição Brasileira”, que homenageia os 800 anos da Magna Carta
inglesa, a primeira constituição da história da humanidade, e os quase dois
séculos da Constituição brasileira de 1824.
O Supremo
Tribunal Federal manteve em 2015 o esforço para purgar o arcabouço legal
brasileiro, confirmando ou excluindo leis contestadas em ações diretas de
inconstitucionalidade. Ao longo do ano, julgou 69 ADIs, das quais 49 foram
consideradas procedentes (71%). Significa que em cada dez leis submetidas ao
crivo definitivo do STF sete foram editadas de forma contrária à Constituição
Federal. Outras quatro ações foram levadas ao Plenário, mas não foram julgadas
por perda do objeto (a lei questionada foi revogada após a impugnação) ou por
ilegitimidade da parte autora. Das ações analisadas no mérito, 17 foram
protocoladas ainda nos anos 1990. Outras 13 foram encaminhadas ao Supremo entre
os anos 2000 e 2005.
Controle de
Constitucionalidade – ADIs julgadas em 2015
Ações
|
Quantidade
|
Porcentagem
|
Analisadas
|
69
|
100%
|
Procedentes
|
49
|
71%
|
Improcedentes
|
20
|
29%
|
Fonte: STF
Entre 1989 e
o final de 2015, um total de 1.621 ações diretas foram submetidas ao controle
de constitucionalidade exercido pelo STF. Desde que assumiu a presidência do
tribunal, em agosto de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski estabeleceu como
uma de suas prioridades o julgamento definitivo do mérito de todas as ações
diretas de inconstitucionalidade com liminares concedidas pelo Supremo. Das 68
normas julgadas em 2015, 48 delas foram editadas há mais de 15 anos.
Santa
Catarina foi a unidade da Federação com o maior número de leis consideradas
inconstitucionais. Das seis promulgadas pelo estado e questionadas no Supremo,
cinco estavam em desacordo com a Constituição. O Rio Grande do Sul teve seis
leis impugnadas, quatro delas declaradas inconstitucionais. Quase a metade das
ADIs julgadas em 2015 tiveram como alvo as Assembleias Legislativas dos estados
e do Distrito Federal: das 31 leis produzidas e submetidas ao controle de
constitucionalidade, 26 (84%) foram derrubadas no todo ou em parte – quase
sempre por vício de iniciativa, casos em que os temas tratados na lei são de
competência exclusiva do Executivo estadual ou federal. Os tribunais de Justiça
também foram parte em quatro ações levadas ao Supremo, duas delas relativas a
resoluções consideradas inconstitucionais.
Ranking de
inconstitucionalidade
Entes
|
Inconstitucionais
|
Constitucionais
|
Contestadas
|
União
|
7*
|
7
|
14
|
RS
|
4
|
3
|
7
|
SC
|
6
|
1
|
7
|
SP
|
4
|
2
|
6
|
RJ
|
2
|
2
|
4
|
ES
|
2
|
2
|
4
|
DF
|
3
|
1
|
4
|
PR
|
3
|
0
|
3
|
MT
|
2
|
1
|
3
|
GO
|
2
|
0
|
2
|
MA
|
2
|
0
|
2
|
RN
|
2
|
0
|
2
|
RO
|
2
|
0
|
2
|
AP
|
2
|
0
|
2
|
AM
|
1
|
0
|
1
|
BA
|
1
|
0
|
1
|
MG
|
1
|
0
|
1
|
PA
|
2
|
0
|
2
|
PE
|
1
|
0
|
1
|
RR
|
1
|
0
|
1
|
SE
|
0
|
1
|
1
|
Total
|
49
|
20
|
69
|
*Inclui três
liminares deferidas. Fonte: STF
Os
governadores lideram com folga o ranking de contestações, com 29 ações
diretas de inconstitucionalidade impetradas no Supremo, das quais 22 (76%)
foram consideradas procedentes, seguidos pelo Ministério Público, autor de dez
ADIs, oito delas procedentes, e pelos partidos políticos, com nove ações
ajuizadas, quatro pela procedência. A melhor taxa de sucesso (87,5%), no
entanto, ficou com a OAB Federal, com sete entre as oito ações protocoladas
sendo consideradas procedentes pelo Supremo.
Quem propôs
a ação
Proponente
|
Ações ajuizadas
|
Procedentes
|
Taxa de Sucesso
|
Governadores
|
29
|
22
|
76%
|
Procuradoria-Geral
da República
|
10
|
8
|
80%
|
Partidos
|
9
|
4
|
44%
|
Conselho
Federal da OAB
|
8
|
7
|
87,5%
|
Confederações
patronais
|
6
|
4
|
67%
|
Associações
de classe
|
6
|
3
|
50%
|
Assembleias
legislativas
|
1
|
1
|
100%
|
Fonte: STF
Entre os
casos que mais repercutiram ao longo de 2015, está a ADI 4.815, pela qual a
Associação Nacional de Editores de Livros contestou a exigência de autorização
prévia para a publicação de biografias, prevista nos artigos 20 e 21 do Código
Civil. Há pelo menos 10 anos, com fundamento nos dois artigos, autores de
livros e filmes sobre figuras marcantes no cenários esportivo e cultural, além
de personagens da história recente do país, foram levados ao tribunais pelos
próprios biografados ou por seus herdeiros.
Ao
entendimento de que a Constituição proíbe qualquer censura e que a liberdade,
constitucionalmente garantida, não pode ser anulada por norma de hierarquia
inferior, no caso a lei civil, o Supremo decidiu, por unanimidade, julgar
procedente a ADI, para dar a ambos os artigos do Código Civil interpretação
conforme à Constituição, sem redução de texto, no sentido de declarar
“inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas
literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas
retratadas como coadjuvantes ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas ou ausentes”.
Em outro
julgamento que também recebeu destaque no meios de comunicação, o Supremo
colocou ponto final nas discussões sobre as audiências de custódia. Na ação, a
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil arguiu a inconstitucionalidade de
uma resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo que, seguindo a orientação do
Conselho Nacional de Justiça, obriga a autoridade policial a providenciar a
apresentação da pessoa detida ao juiz competente até 24 horas após a prisão.
Para a Adepol, a regra, por ter natureza jurídica de norma processual,
dependeria da edição de lei federal, estando, assim, fora da competência
normativa do tribunal paulista. Por unanimidade, o Plenário julgou improcedente
a representação, ao declarar a legalidade das audiências de apresentação não
apenas pelo TJ-SP, “mas por todos os tribunais do país”.
Unânime
também foi a decisão do plenário do STF pela improcedência da ADI proposta pela
Confederação Nacional do Comércio contra o artigo 3º de emenda constitucional,
aprovada em setembro de 2003 pelo Congresso Nacional, que autorizou aos
municípios a progressividade fiscal do IPTU em razão do valor venal dos imóveis
e da localização e do uso da propriedade urbana. Para o Supremo inexiste
incompatibilidade entre a técnica da progressividade e o caráter real do IPTU,
“uma vez que a progressividade constitui forma de consagração dos princípios da
justiça fiscal e da isonomia tributária”.
Entre as
ações diretas de inconstitucionalidade julgadas em 2015, dez tinham como
fundamento principal a suposta burla ao artigo 37 da Constituição, que impõe a
necessidade de aprovação prévia em concurso público para todo e qualquer
ocupante de cargo público. Apesar da clareza do texto constitucional, a
imaginação legislativa não tem limites, com o emprego das mais variadas formas
de tentar contornar a exigência constitucional, como destacou o ministro Teori
Zavascki no julgamento da ADI 3.415, proposta pelo Ministério Público contra
duas leis editadas pelo governo do Amazonas em um intervalo de cinco meses. A
primeira (Lei 2875/04) equiparou os titulares dos cargos de Delegado de Polícia
Civil e de Comissário de Polícia Civil, enquanto a segunda (Lei 2.917/04)
transformou 124 cargos de comissário de polícia em cargos de delegado de
polícia.
“Tanto a
inusitada transformação do cargo de comissário em delegado de polícia, como a
extinção de outros 124 cargos da classe inicial da carreira de delegado de polícia
representaram um franco atentado ao instituto do concurso público, razão pela
qual deve a Lei 2.917/04 ser declarada inconstitucional na sua totalidade”,
concluiu Teori Zavascki, relator da ADI. Para o ministro, a forma pela qual foi
conduzido “o rearranjo administrativo revela que houve, de fato, burla ao
postulado do concurso público, mediante o favorecimento de agentes públicos
alçados por via legislativa a cargo de maior responsabilidade do que aquele
para o qual foram eles aprovados em concurso”. Com relação à Lei 2.875/04, o
Supremo determinou que fosse excluído do texto a expressão “Comissário de
Polícia”.
Outra
tentativa “engenhosa” de burlar a exigência de concurso público foi exposta na
ADI 3.926, proposta pelo governo de Santa Catarina contra a Assembleia
Legislativa, que incluiu, em projeto encaminhado pelo Executivo, uma emenda
aditiva, “sem qualquer pertinência com a proposição inicial”. A emenda aditiva,
incluída durante tramitação de projeto de lei complementar, que visava à
criação de funções comissionadas no âmbito da Secretaria de Estado de Educação,
Ciência e Tecnologia, acabou por impor ao governo catarinense o reenquadramento
de quase uma centena de servidores lotados no Instituto de Previdência do
Estado de Santa Catarina no cargo de procurador jurídico. “Não se tratou de
simples emenda, mas de inclusão de matéria estranha à proposição inicial”,
entendeu o ministro Marco Aurélio, relator da ADI, ao declarar a
inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Complementar 376, de 25 de abril de
2007.
Decisão
semelhante contra o artifício, que ficou conhecido como “contrabando
legislativo” ou “jabuti”, foi tomada pelo Supremo no julgamento da ADI 5.127. A
ação foi proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, que
questionou alterações feitas pela Câmara dos Deputados em uma medida
provisória, convertida depois na Lei 12.249/2010, que resultaram na extinção da
profissão de técnico em contabilidade. A MP encaminhada pelo governo federal
tratava de temas diversos, sem relação com a profissão de contador. O Plenário
julgou improcedente a ação, mantendo a validade da lei em razão do princípio da
segurança jurídica, mas comunicou ao Congresso que a prática é incompatível com
a Constituição.
Em outro
caso também exemplar, o Plenário do Supremo derrubou a Lei 17.882, de 27 de
dezembro de 2012, do estado de Goiás, que criou o Serviço de Interesse Militar
Voluntário Estadual na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar, uma
classe de policiais temporários, cujos integrantes, todos desligados do
Exército após o período de serviço militar obrigatório, passaram a exercer
funções de natureza policial militar. Ajuizada pelo Ministério Público, a ADI
5.163 tinha como alvo tanto o governador de Goiás como a Assembleia
Legislativa, que, supostamente atuaram em conjunto, sob o argumento de que se
tratava de uma contratação temporária e com justificativa no altos índices de
criminalidade no estado.
“A Polícia
Militar e o Corpo de Bombeiros Militar dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios, conquanto instituições públicas, pressupõem o ingresso na carreira
por meio de concurso público, ressalvadas as funções administrativas para
trabalhos voluntários (Lei 10.029/2000), restando inconstitucional qualquer
outra forma divergente de provimento”, entendeu o ministro Luiz Fux, relator da
ADI. Para ele, à luz do entendimento já consagrado pelo Supremo, em sede de
Repercussão Geral, a contratação temporária reclama requisitos para sua
validade, entre os quais a necessidade de casos excepcionais estarem previstos
em lei. “No caso sub examine, não há qualquer evidência de necessidade
provisória que legitime a contratação de policiais temporários para o munus
da segurança pública”, destacou o relator.
Na mesma
linha, a ministra Cármen Lúcia disse que “a lei criou um filhote, um serviço
voluntário, que de voluntário não tem nada, já que seus integrantes foram
recrutados e são pagos pelo Estado, entregando-se a eles armas, para quem
cumpram atribuição que é a própria função do policial, sem concurso público”.
Em março, por ocasião do julgamento que reconheceu a inconstitucionalidade da
lei goiana, cerca de 2.500 “voluntários” já haviam sido contratados. Para
evitar um problema ainda maior, o Plenário decidiu que a ilegalidade da lei
passaria a valer a partir de novembro, prazo final de validade para um concurso
público em andamento, com 1.460 aprovados para ingresso nos quadros da Polícia
Militar, mas que ainda não haviam sido convocados.
Também foram
declaradas inconstitucionais três leis que criavam pensões especiais para
ex-governador no valor equivalente à remuneração de desembargadores na ativa
(ADI 4.552/DF), para policial militar do sexo feminino (ADO 28/SP) e até mesmo
para a família de vítimas de todos os crimes hediondos ocorridos em Brasília
desde 21 de abril de 1960, quando foi inaugurada a Capital Federal (ADI
1358/DF). Neste último caso, a lei que criou o benefício vigorou entre 13 de
setembro de 1995, quando foi editada, e 7 de dezembro do mesmo ano, quando teve
seus efeitos suspensos por uma liminar, confirmada no mérito pelo Supremo em
julgamento de fevereiro de 2015.
Contra quem
foi proposta a ação
Agente passivo
|
Ações ajuizadas
|
Procedentes
|
Assembleias
legislativas
|
31
|
26
|
Governadores
e assembleias (juntos)
|
20
|
14
|
Presidente
e Congresso (juntos)
|
5
|
2
|
Tribunais
de Justiça
|
4
|
2
|
Presidente
da República
|
2
|
1
|
Congresso
Nacional
|
4
|
2
|
Confaz
|
1
|
1
|
Governadores
|
2
|
1
|
Fonte: STF
De que
tratam as leis impugnadas
Remuneração
de servidor público
|
12
|
Nomeação
de servidor sem concurso público
|
10
|
Convênios,
contratações e atos do governador
|
9
|
Tributos,
tarifas, taxas e emolumentos
|
7
|
Pensão
especial
|
3
|
Execução
financeira do orçamento estadual
|
2
|
Criação ou
extinção de órgãos da administração
|
2
|
Adoção de
programas sociais
|
2
|
Restrição
ao comércio de produtos agrícolas
|
2
|
Outros
|
20
|
Fonte: STF
As ADIS mais
antigas julgadas em 2015
ADI
|
Entrada
|
Julgamento
|
Decisão
|
232
|
5/4/1990
|
5/8/2015
|
Improcedente
|
253
|
5/4/1990
|
28/5/2015
|
Improcedente
|
402
|
16/11/1990
|
7/10/2015
|
Procedente
|
443
|
19/2/1991
|
18/06/2015
|
Procedente
|
524
|
29/05/1991
|
20/5/2015
|
Procedente em parte
|
821
|
17/12/1992
|
2/09/2015
|
Procedente
|
763
|
12/8/1992
|
25/11/2015
|
Improcedente
|
1.046
|
14/3/1994
|
18/12/2015
|
Procedente
|
1.077
|
7/6/1994
|
2/9/2015
|
Procedente
|
1.148
|
18/10/1994
|
2/9/2015
|
Improcedente
|
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