“Brasilianistas” e acadêmicos
brasileiros em face da crise no Brasil
Texto recebido em 6/04/2016
Comentários Paulo Roberto de Almeida
Recebi, em 6/04/2016, de um brasilianista atualmente
no Brasil, o texto abaixo, transcrito literalmente. Formulo meus comentários
sobre o mesmo, [entre
colchetes e em bold, vermelho], uma vez que fui solicitado a
expressar minha opinião. Acho que ficou bastante claro o que penso sobre todos
esses manifestos circulando nos círculos acadêmicos (curiosamente, todos a
favor dos que ocupam o poder atualmente).
Eis o projeto de manifesto, ou seu rascunho, e meus
comentários a respeito.
“No final
dos anos 1960, alguns brasilianistas organizaram nos EUA uma resistência à
ditadura militar por via do Brazilian Information Front, com uma participação
pioneira de acadêmicos de alto quilate como Thomas Skidmore e Ralph Della Cava.
Denunciavam o regime militar, suas torturas e perseguições de intelectuais,
inclusive do FHC, bem documentado em estudos como O Brasil dos Brasilianistas:
um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados Unidos, 1945-2000, editado em
2002 por Paulo Roberto de Almeida.
[O livro
“O Brasil dos brasilianistas”, publicado primeiro em português (Paz e Terra,
2002), depois em inglês, “Envisioning Brasil” (Wisconsin University Press,
2005), e editado por mim junto com Marshall C. Eakin, da Vanderbilt University,
que se encarregou basicamente da edição americana, tendo eu editado
inteiramente sozinho a edição brasileira, resultou de um projeto por mim
apresentado assim que cheguei à Embaixada do Brasil em Washington, em outubro
de 1999, como ministro-conselheiro, se destinava bem mais a fazer uma avaliação
completa da produção acadêmica brasilianista, em termos puramente acadêmicos,
do que a relatar episódios políticos que envolveram os brasilianistas em face
da repressão política na época do regime militar; o livro foi uma espécie de
“stock taking” dessa produção, e não comportou nenhum capítulo sobre esse
envolvimento de brilhantes intelectuais americanos trabalhando sobre o Brasil
na resistência externa ao regime militar. Todos os que participaram do projeto,
basicamente acadêmico, sabiam desses episódios, mas eles não constituíram a
trama do livro; não se pode dizer, assim, que “documentamos” esses episódios,
seja de repressão no Brasil, seja de solidariedade pelo trabalho de informação
e denúncia realizado não só nos EUA, mas também na Europa. Como auto-exilado
durante a maior parte dos anos 1970 na Europa, eu participei ativamente das
atividades do Front Brésilien d’Information, a partir da Bélgica, mas se
estendendo por toda a Europa, e conheço a solidariedade de acadêmicos
americanos e europeus em relação a nossa luta de resistência, alguns
democraticamente, outros pela via das armas, à ditadura militar; mas o livro em
questão não trata disso.]
Desde então,
poucos brasilianistas têm se manifestado ao público sobre a realidade
brasileira, fazendo suas atividades acadêmicas de observar, analisar e
publicar.
[No que
fazem muito bem, diga-se de passagem: a tarefa de estudiosos acadêmicos é
exatamente essa; se eles participam de atividades políticas, deve ser como
cidadãos, não como acadêmicos, independentemente da coloração política que
possam ter.]
Agora, em 2
de abril, no final da sua reunião em Brown University, a Associação de Estudos
Brasileiros (BRASA) se viu na necessidade de publicar um manifesto sobre o
Brasil de hoje.
[Nada
contra manifestos de quaisquer associações, sobre quaisquer causas; sempre
pensando, porém, que todas as associações integram indivíduos das mais
diferentes posições políticas e posturas sociais; o que se tem notado,
ultimamente, é que as diretorias dessas associações publicam manifestos em nome
de TODOS os associados, quando suas posturas e posições só expressam os pontos
preferidos por aqueles que os redigiram, geralmente com argumentos marcados por
uma determinada posição política; é o que tem acontecido INVARIAVELMENTE no
Brasil: todos os manifestos, repito TODOS, são invariavelmente em defesa do
governo, e contra o processo em curso de impeachment; a desonestidade é
tamanha, que sequer se referem às investigações por corrupção CONTRA membros do
mesmo governo, e apenas se referem genericamente à defesa da democracia, contra
um suposto “golpe”, ou em favor de “conquistas sociais”, que não se sabe por
que, onde e como estariam sendo ameaçadas. Minha opinião: isso é profundamente
DESONESTO!]
Em resumo,
dizem que “sob a Constituição de 1988, que garante uma ampla gama de direitos
sociais e individuais, Brasil se tornou uma sociedade mais democrática, com
maior participação política, conceitos de cidadania mais ampla e inclusiva e o
fortalecimentos das instituições políticas.”
[Correto,
mas apenas em termos: a mesma CF-88 criou um sistema distributivista precoce,
num país marcado por uma clara produtividade medíocre, que torna
automaticamente necessário o aumento constante da carga fiscal, que está na
base da crise econômica atual, jamais referida nos manifestos de “acadêmicos”:
o governo em vigor não apenas esteve associado a atividades perfeitamente
ilegais, atualmente sob investigação da Justiça, mas também, mesmo que
estivesse correto em todas as suas atividades, conduziu a mais irresponsável
expansão dos gastos públicos jamais vista no país, acumulando um déficit
orçamentário superior a 9% do PIB, elevando a dívida pública a níveis muito
altos, e produzindo a MAIOR CRISE ECONÔMICA da história do Brasil. Tudo isso
não está refletido nos manifestos em favor do governo corrupto e inepto.]
O manifesto
passa a reconhecer a corrupção endêmica, as ações corajosas da Polícia Federal,
Ministério Público e Judiciário, mas que no clima político atual há um risco
serio da retórica anti-corrupção desestabilizar o governo eleito de forma
democrática, agravando a crise política. Em vez de neutralidade e respeito ao
processo devido, o Judiciário, com o apoio da mídia, subvertem o estado de
direito. Passa-se a detalhar as ações, nesse sentido, da Lava Jato e do juiz
Sérgio Moro, com o apoio da mídia e de áreas políticas.
[Até o
momento, não vi NENHUM manifesto que reconhecesse a CORRUPÇÃO, mas se um em
particular o fizer, não faz mais do que a obrigação. Agora, dizer que existe
uma “retórica anti-corrupção” que pode desestabilizar um governo eleito
democraticamente (correto, mas que praticou mentiras e estelionato eleitoral
para se eleger), isso é DESONESTIDADE, pois não se trata de retórica, e sim de
investigações concretas, que já levaram à prisão de dezenas de agentes
privados, e se ainda não de agentes públicos, isso se deve à ineficiência da
Justiça de foro especial, que é lenta, quando não conivente, ou mesmo cúmplice,
com os agentes públicos da corrupção. Não sei quais ações de subversão da
Justiça estão sendo cometidas pelo Juiz Sérgio Moro e por membros do MPF, e se
isso ocorrer cabe aos tribunais superiores julgar, não a manifestantes vindos
da academia; parece-me que esse manifesto é mais um dos que se colocam na linha
auxiliar dos corruptos e corruptores, ainda que pretenda, alegadamente,
defender ações contra a corrupção; a DESONESTIDADE e a PARCIALIDADE salta aos
olhos.]
Como
conclusão, o manifesto declara que “a violação do processo democrático
representa uma ameaça séria à própria democracia. Quando as forças armadas
derrubaram o governo Goulart em 1964, usaram o combate à corrupção como uma das
suas justificativas. Brasil pagou um preço alto de 21 anos de regime militar.
[Mais do
DESONESTIDADE, com FALSAS ANALOGIAS em relação a 1964. Agora, como antes, uma
opinião pública virtualmente majoritária protesta contra um regime, Goulart
antes, Dilma agora, inepto e corrupto. Milhões de pessoas saíram às ruas não
para pedir intervenção militar ou regime autoritário, mas o fim da corrupção e
a moralidade nos negócios públicos. Quem não vê isso, ou é DESONESTO, ou é de
má-fé, e se coloca OBJETIVAMENTE a serviço dos CORRUPTOS.]
A luta por
um país democrático tem sido longo e árduo. Hoje, todos que acreditam em um Brasil
democrático devem falar contra essas medidas arbitrárias que ameaçam corroer o
progresso alcançado nas últimas três décadas.”
[A
DESONESTIDADE aqui é ainda mais patente: em lugar de sustentar o Estado de
Direito, o primado da Lei, os autores e subscritores do manifesto em questão se
colocam do lado dos que violentam o Estado de Direito, violam a lei, cometem
crimes contra o patrimônio público, como já amplamente documentado. Não é
preciso falar da MAIOR CRISE econômica já registrada em nossa história, e do
MAIOR CASO DE CORRUPÇÃO registrado na história do mundo, apenas os crimes
cometidos contra a legislação fiscal e orçamentária, contra a Lei de
Responsabilidade Fiscal, contra a moralidade pública, ao tentar subtrair da
Justiça um dos maiores responsáveis por esses atos, com a destruição da
Petrobrás e o roubo aferido em diversas agências públicas, apenas esse rol de
crimes já justificaria o impeachment da presidente e o afastamento do partido
corruptor do convívio normal no sistema político. Manifestos que pretendam
eludir essas questões, e que falam genericamente em “defesa da legalidade”, das
“conquistas sociais”, e contra um suposto “golpe” contra um “governo
democraticamente eleito”, são, repito, profundamente DESONESTOS e OBJETIVAMENTE
pró-corruptos e corruptores.]
Paulo Roberto de
Almeida
Brasília, 6 de abril de 2016
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