Mercosul: Os fatos além do discurso
Marcos Degaut
Folha de S. Paulo, 3/04/2016
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, retratou o Mercosul como grande êxito de política externa e um dos pilares da ação exterior brasileira. Os argumentos desfilados pelo chanceler em artigo publicado recentemente nesta Folha renderiam um bom roteiro de ficção, não fosse seu primarismo assombroso. Trata-se de enganosa peça de propaganda institucional, com pouco suporte estatístico e factual.
Mauro Vieira menciona no texto um "salto quantitativo e qualitativo do comércio do Brasil com os parceiros (de US$ 4,5 bilhões, em 1991, para US$ 30,3 bilhões, em 2015)", mas silencia quanto à queda sistemática na corrente de comércio Brasil-Mercosul –importações e exportações– desde 2006.
As exportações para o Mercosul –apenas 9% do total da pauta, índice que já foi de 16%– decresceram 18% em 2014 e 12% em 2015, retrocedendo aos níveis de 2006 (US$ 18 bilhões). As importações, que já foram de 13% e se encontram em meros 6%, diminuíram 11% em 2014 e 28% em 2015, recuando também ao patamar de 2006 (US$ 12 bi).
Em 25 anos, a corrente Brasil-Mercosul cresceu apenas US$ 1 bilhão por ano, em média, um acréscimo de 0,27% no comércio exterior brasileiro. No mesmo período, as trocas com os EUA e a China cresceram US$ 45 bilhões e US$ 65 bilhões, respectivamente. Esses números refletem aguda perda de vitalidade desse esquema sub-regional, muito longe de ser "fonte de estabilidade para o Brasil e para a América do Sul", como alardeia o ministro.
O conto da carochinha diplomático é desmentido ainda pelo fato de os países mais dinâmicos da região –Colômbia, Peru, Chile e México– terem formado sua própria zona de livre-comércio, a Aliança do Pacífico, em 2012, para se contrapor ao imobilismo do Mercosul.
Desde então, a Aliança firmou acordos com Estados Unidos, Europa e China, além de integrar a Trans-Pacific Partnership. Sua taxa anual de crescimento do PIB é de 4%, enquanto a do Brasil é inferior a 1%. Suas exportações cresceram, em média, 3,5% ao ano, representando 47% do total da América Latina.
Outro erro grotesco do chanceler é afirmar que a pauta exportadora para o Mercosul é composta majoritariamente de bens de alto valor agregado. Dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento indicam que, à exceção de veículos automotores, os 40 principais produtos referem-se a itens como alumina calcinada, adubos e fertilizantes, minério de ferro, carnes suínas, café, papéis e mate, todos de baixíssimo ou nenhum valor agregado, incapazes de gerar efeito multiplicador dinâmico na economia. Assim, cai por terra a vergonhosa falácia de que o "Mercosul ajuda a elevar os salários do trabalhador brasileiro".
Vieira argumenta que o bloco facilitou a circulação de turistas e de trabalhadores e o reconhecimento de diplomas. Ora, não é necessária uma união aduaneira para dar luz a tais benefícios, quando simples acordos bi ou multilaterais podem fazê-lo, sem o efeito colateral de vincular o país a compromissos econômicos, comerciais e políticos que minam estratégias autônomas de desenvolvimento.
Politicamente, o Mercosul é um fiasco, como atestam a equivocada suspensão do Paraguai, a inclusão de um país falido e não democrático como Venezuela e os assaltos à liberdade de imprensa na Argentina nos governos Kirchner.
Argumentos melhores talvez explicassem eventual importância do Mercosul, mesmo porque os brasileiros têm o direito de saber como nossa diplomacia despende recursos e o capital político do país.
Contudo, na medida em que a política externa é executada às margens dos interesses da sociedade, do Parlamento e das demais instituições públicas, e com base em dados e interpretações incorretas, ela não pode mais ser considerada política de Estado, mas exclusiva de um grupo corporativista –razão pela qual o Brasil acaba sendo reduzido ao tamanho do Itamaraty em suas relações internacionais.
MARCOS DEGAUT, 45, cientista político, é doutor em estudos de segurança e professor-adjunto na Universidade da Flórida Central (EUA).
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