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quarta-feira, 15 de junho de 2016

Dois gigantes do brasilianismo na historia e na economia: Thomas Skidmore e Werner Baer - Paulo Roberto de Almeida


Um gigante do brasilianismo na história: Thomas E. Skidmore
(e outro na economia: Werner Baer)

Paulo Roberto de Almeida
Editor-adjunto da RBPI, ex-diretor do IBRI

Entre março e junho de 2016, dois grandes brasilianistas deixaram este mundo para, como se diz, entrar na história, um deles literalmente, à qual, aliás nunca deixou de pertencer: Thomas E. Skidmore, membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Política Internacional, falecido no dia 11 de junho.

No dia 31 de março, falecia, inopinadamente, Werner Baer, economista com mestrado e doutoramento pela Universidade de Harvard (1955, 1958), que formou muitas gerações de economistas brasileiros desde Yale e Vanderbilt, onde começou como professor ainda nos anos 1960, e depois, durante décadas, a partir de 1974, na Universidade do Illinois em Urbana-Champaign, onde ele convidava muitos candidatos a mestrado e doutoramento, e a partir de onde ele, e seu colega historiador Joseph Love, organizam seminários no Brasil e no Illinois sobre temas diversos da economia brasileira (mas num sentido amplo: sobre educação, por exemplo, ou até sobre política externa, tema no qual pude colaborar num livro organizado por ambos). Baer é autor de muitos livros sobre a economia brasileira, vários traduzidos e publicados no Brasil, entre os quais cabe citar um que recebeu sete edições: The Brazilian Economy: Growth and Development. Ele me convidou, em 2009, para um estágio de pesquisa em sua universidade, onde também esteve nosso editor, o professor Antônio Carlos Lessa.
Tom Skidmore, por sua vez, depois de um doutorado em História também em Harvard (1960),
começou sua carreira acadêmica como “germanista”, mas logo após a revolução cubana recebeu uma bolsa para estudar algum país da América Latina, razão pela qual ele sempre se considerou um “filho de Fidel”. Seu estágio no Brasil, no início dos anos 1960, o tornou quase que imediatamente famoso, pois estava no Rio quando do golpe militar de março-abril de 1964, o que o levou a dar um subtítulo relativamente pessimista ao seu primeiro livro sobre o nosso país, ao seguir a história política de Vargas a Castelo Branco: Politics in Brazil (1930-64): An Experiment in Democracy (Oxford, 1967). A este se seguiu uma sequência exata, de Castelo a Tancredo – The Politics of Military Rule in Brazil: 1964-1985 (Oxford, 1988) – cobrindo o período militar. No intervalo, produziu um magnífico estudo sobre as políticas e a ideologia do “branqueamento” das elites brasileiras, entre o final do Império e o início da República: Black into White: Race and Nationality in Brazilian Thought (1870-1930) (Oxford, 1974). Seu argumento sobre as tendências autoritárias da política brasileira, com pequenos intervalos democráticos, encontra sólidos fundamentos em diversos outros trabalhos da historiografia especializada.
Mas Tom Skidmore produziu muitos outros livros mais, tanto sobre o Brasil como sobre a América Latina, tendo sido editor, quando ensinava na universidade de Wisconsin, da Luso-Brazilian Review. Em 1986 ele se mudou para Providence, Rhode Island, onde ensinou até se aposentar, no início dos anos 2000, na Universidade Brown. Deixou sua imensa Brasiliana, uma biblioteca de milhares de volumes para essa universidade, onde atraiu muitos outros brasilianistas americanos e estrangeiros, inclusive dezenas de brasileiros. O catálogo dos seus livros está disponível online.
Já leitor de quase toda a sua obra publicada, eu o conheci pessoalmente quando servi como ministro-conselheiro na embaixada do Brasil em Washington (1999-2003), mobilizando os brasilianistas para a produção de uma avaliação da produção acumulada sobre o Brasil nas universidades americanas desde 1945. Convidei-o para escrever o capítulo histórico, mas ele declinou gentilmente, e fez várias sugestões de outros colaboradores, e de toda forma participou, como comentarista, de outros seminários que organizei, inclusive de outro livro sobre as relações Brasil-EUA, quando ele encontrou-se com o “embaixador do golpe”, Lincoln Gordon, que ele havia conhecido nos anos tumultuados do governo Goulart, e com quem estava no próprio dia do golpe de 1964.
Pouco antes de sair de Washington, ainda organizei um prêmio para os mais distinguidos brasilianistas: ele foi o primeiro agraciado com o Distinguished Brazilian Studies Scholar, junto com outros da mesma tribo, incluindo Jon Tolman (fundador da Brazilian Studies Association, da qual Skidmore também foi patrocinador), Joseph Love e Werner Baer, pelo magnífico trabalho feito em Urbana-Champaign (onde existe um Brazil Institute, patrocinado por Jorge Lemann, que também dá o nome à cadeira de economia de Baer), e Robert Levine, outro grande historiador também falecido.
Tom Skidmore foi, provavelmente, o mais famoso brasilianista de todos os tempos, entrevistado frequentemente por repórteres brasileiros, participante de pelo menos seis ou sete programas da TV Cultura de SP (Roda Viva), e sempre consultado pelos mais diferentes interlocutores brasileiros e americanos quando o assunto era Brasil (geralmente nas “sucessões” presidenciais, e nas crises também). Junto com Albert Fishlow, Joseph Love, e muitos outros representantes da grande geração dos brasilianistas dos anos 1960, Skidmore deixa um legado imensamente rico de estudos e pesquisas sobre a história do Brasil e da América Latina. Seus dois livros sobre nossa história política no século XX constituem paradigmas incontornáveis na literatura especializada, pela sua objetividade, imparcialidade e senso de proporção entre os diversos grupos que disputaram o poder nesses anos.
A RBPI tem orgulho de ter podido contar com seu nome entre os membros do seu Conselho Editorial, além de Joseph Love no seu conselho consultivo, entre outros brasilianistas americanos e europeus. Nossas mais sentidas condolências a sua esposa Felicity, a seus filhos, e nossa homenagem e apreço acadêmico por sua obra exemplar para o conhecimento da história e da política brasileira no plano mundial.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14 de junho de 2016.

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