Um gigante do brasilianismo
na história: Thomas E. Skidmore
(e outro na economia: Werner
Baer)
Paulo Roberto de Almeida
Editor-adjunto da RBPI,
ex-diretor do IBRI
Entre março e junho de
2016, dois grandes brasilianistas deixaram este mundo para, como se diz, entrar
na história, um deles literalmente, à qual, aliás nunca deixou de pertencer:
Thomas E. Skidmore, membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Política Internacional, falecido no dia 11 de
junho.
No dia 31 de março,
falecia, inopinadamente, Werner Baer, economista com mestrado e doutoramento
pela Universidade de Harvard (1955, 1958), que formou muitas gerações de
economistas brasileiros desde Yale e Vanderbilt, onde começou como professor ainda
nos anos 1960, e depois, durante décadas, a partir de 1974, na Universidade do
Illinois em Urbana-Champaign, onde ele convidava muitos candidatos a mestrado e
doutoramento, e a partir de onde ele, e seu colega historiador Joseph Love, organizam
seminários no Brasil e no Illinois sobre temas diversos da economia brasileira
(mas num sentido amplo: sobre educação, por exemplo, ou até sobre política
externa, tema no qual pude colaborar num livro organizado por ambos). Baer é
autor de muitos livros sobre a economia brasileira, vários traduzidos e
publicados no Brasil, entre os quais cabe citar um que recebeu sete edições: The
Brazilian Economy: Growth and Development. Ele me convidou, em 2009, para um
estágio de pesquisa em sua universidade, onde também esteve nosso editor, o
professor Antônio Carlos Lessa.
Tom Skidmore, por sua vez, depois de um doutorado em História também em
Harvard (1960),
começou sua carreira acadêmica como “germanista”, mas logo após
a revolução cubana recebeu uma bolsa para estudar algum país da América Latina,
razão pela qual ele sempre se considerou um “filho de Fidel”. Seu estágio no
Brasil, no início dos anos 1960, o tornou quase que imediatamente famoso, pois
estava no Rio quando do golpe militar de março-abril de 1964, o que o levou a
dar um subtítulo relativamente pessimista ao seu primeiro livro sobre o nosso
país, ao seguir a história política de Vargas a Castelo Branco: Politics
in Brazil (1930-64): An Experiment in Democracy (Oxford, 1967). A este se seguiu uma sequência exata,
de Castelo a Tancredo – The
Politics of Military Rule in Brazil: 1964-1985 (Oxford,
1988) – cobrindo o período militar. No
intervalo, produziu um magnífico estudo sobre as políticas e a ideologia do
“branqueamento” das elites brasileiras, entre o final do Império e o início da
República: Black into White: Race and Nationality in
Brazilian Thought (1870-1930) (Oxford, 1974). Seu argumento sobre as tendências autoritárias da política
brasileira, com pequenos intervalos democráticos, encontra sólidos fundamentos
em diversos outros trabalhos da historiografia especializada.
Mas Tom Skidmore produziu muitos outros livros mais, tanto sobre o
Brasil como sobre a América Latina, tendo sido editor, quando ensinava na
universidade de Wisconsin, da Luso-Brazilian Review. Em 1986 ele se
mudou para Providence, Rhode Island, onde ensinou até se aposentar, no início
dos anos 2000, na Universidade Brown. Deixou sua imensa Brasiliana, uma
biblioteca de milhares de volumes para essa universidade, onde atraiu muitos
outros brasilianistas americanos e estrangeiros, inclusive dezenas de
brasileiros. O catálogo dos seus livros está disponível online.
Já leitor de quase toda a sua obra publicada, eu o conheci pessoalmente
quando servi como ministro-conselheiro na embaixada do Brasil em Washington
(1999-2003), mobilizando os brasilianistas para a produção de uma avaliação da
produção acumulada sobre o Brasil nas universidades americanas desde 1945.
Convidei-o para escrever o capítulo histórico, mas ele declinou gentilmente, e
fez várias sugestões de outros colaboradores, e de toda forma participou, como
comentarista, de outros seminários que organizei, inclusive de outro livro
sobre as relações Brasil-EUA, quando ele encontrou-se com o “embaixador do
golpe”, Lincoln Gordon, que ele havia conhecido nos anos tumultuados do governo
Goulart, e com quem estava no próprio dia do golpe de 1964.
Pouco antes de sair de Washington, ainda organizei um prêmio para os
mais distinguidos brasilianistas: ele foi o primeiro agraciado com o
Distinguished Brazilian Studies Scholar, junto com outros da mesma tribo,
incluindo Jon Tolman (fundador da Brazilian Studies Association, da qual
Skidmore também foi patrocinador), Joseph Love e Werner Baer, pelo magnífico
trabalho feito em Urbana-Champaign (onde existe um Brazil Institute,
patrocinado por Jorge Lemann, que também dá o nome à cadeira de economia de
Baer), e Robert Levine, outro grande historiador também falecido.
Tom Skidmore foi, provavelmente, o mais famoso brasilianista de todos
os tempos, entrevistado frequentemente por repórteres brasileiros, participante
de pelo menos seis ou sete programas da TV Cultura de SP (Roda Viva), e sempre
consultado pelos mais diferentes interlocutores brasileiros e americanos quando
o assunto era Brasil (geralmente nas “sucessões” presidenciais, e nas crises
também). Junto com Albert Fishlow, Joseph Love, e muitos outros representantes
da grande geração dos brasilianistas dos anos 1960, Skidmore deixa um legado
imensamente rico de estudos e pesquisas sobre a história do Brasil e da América
Latina. Seus dois livros sobre nossa história política no século XX constituem
paradigmas incontornáveis na literatura especializada, pela sua objetividade,
imparcialidade e senso de proporção entre os diversos grupos que disputaram o
poder nesses anos.
A RBPI tem orgulho de ter podido contar com seu nome entre os membros
do seu Conselho Editorial, além de Joseph Love no seu conselho consultivo,
entre outros brasilianistas americanos e europeus. Nossas mais sentidas
condolências a sua esposa Felicity, a seus filhos, e nossa homenagem e apreço
acadêmico por sua obra exemplar para o conhecimento da história e da política
brasileira no plano mundial.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14 de junho de 2016.
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