O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Politica externa e politica economica no Brasil pos-PT - Paulo Roberto de Almeida

Política externa e política econômica no Brasil pós-PT, por Paulo Roberto de Almeida

A nova política externa do governo Temer
No momento em que escrevo (final de maio de 2016), não foram definidas ainda, com maior grau de detalhe, as principais características da política externa do governo Temer. Na verdade, não se sabe se serão efetivamente: (a) escolhas específicas do próprio presidente, que parece apreciar a política externa e o próprio Itamaraty, mas não se tem pronunciado muito a esse respeito; (b) escolhas do seu governo, que não parece conformar um conjunto harmonioso, ao contrário; ou, (c) se corresponderão a ideias próprias do novo chanceler, o senador por São Paulo José Serra, duas vezes candidato derrotado à presidência da República (em 2002 contra Lula, em 2010 contra Dilma, que agora foi objeto de impeachment, por crimes fiscais). Essas definições emergirão gradualmente nas próximas semanas e meses, embora algumas já tenham sido oferecidas pelo novo titular, em seu pronunciamento inaugural no dia 18 de maio, ao receber o cargo do chanceler anterior.
O Senador José Serra afirmou então que o seu “Delineamento da Nova Política Externa Brasileira”, organizado em torno de dez diretivas, tinha sido lido, revisto e aprovado pelo presidente Temer, o que já configura uma postura oficial do governo. Quais são essas diretivas? Resumidamente, elas se referem aos seguintes pontos:
  1. A política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido.
  2. O Brasil se empenhará na defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país, em qualquer regime político.
  3. O Brasil assumirá plenas responsabilidades em matéria ambiental e no que se refere a uma matriz energética renovável.
  4. Ação multilateral construtiva em favor de soluções pacíficas e negociadas para os conflitos internacionais e busca de uma adequação das estruturas das organizações internacionais às novas realidades e desafios internacionais.
  5. No comércio internacional, complementação das negociações multilaterais, hoje estancadas, por um ativo bilateralismo.
  6. Abertura de negociações imediatas para abrir mercados para as exportações e criar empregos no país, utilizando pragmaticamente a vantagem do acesso ao grande mercado interno como instrumento de obtenção de concessões negociadas na base da reciprocidade equilibrada.
  7. Reafirmação da parceria com a Argentina, para renovar o Mercosul, resolvendo seus problemas de livre comércio, e engajamento reforçado com parceiros da região, como os membros da Aliança do Pacífico.
  8. Ampliação do intercâmbio comercial com parceiros tradicionais, troca de concessões entre o Mercosul e a União Europeia, e exame de facilitação do comércio com os Estados Unidos.
  9. Prioridade para parceiros asiáticos, como China e Índia; com a África, a cooperação será pragmática, assim como com países árabes.
  10. Ênfase na redução do custo Brasil, para aumentar competitividade e produtividade da produção brasileira e para atrair investimentos estrangeiros.
Uma outra diretriz foi apresentada, no sentido de se realizar a coordenação com órgãos de proteção das fronteiras (Justiça, Defesa, Fazenda-Receita Federal) para combater o crime organizado, em cooperação com os países vizinhos. O ministro se comprometeu igualmente a resolver os difíceis problemas orçamentários do Itamaraty, tanto no apoio ao pessoal do serviço exterior servindo em postos da rede mundial, quanto para regularizar o pagamento devido a organismos internacionais. Tratou-se, como evidenciado, de uma plataforma concisa, mas focado em objetivos concretos no terreno econômico e comercial.
O argumento inicial quanto aos valores e princípios da diplomacia brasileira, como sendo os da nação, nunca de um partido, é uma crítica direta à diplomacia partidária do anterior governo do Partido dos Trabalhadores, e pode ser visto como um alerta aos antigos aliados do PT no plano regional e internacional, no sentido em que o Brasil não mais favorecerá e privilegiará relações políticas especiais com os chamados países bolivarianos (ou seja, os membros da Alba, a Aliança Bolivariana dos Povos da América, criada pelo falecido líder da Venezuela Hugo Chávez, em aliança com os dirigentes comunistas de Cuba, e progressivamente incorporando outros países, como Bolívia, Equador, Nicarágua, El Salvador). Trata-se de uma importante mudança, tanto no plano estritamente regional, ou seja, das relações bilaterais do Brasil com esses países, mas também bastante significativa do ponto de vista das posturas políticas assumidas pela diplomacia brasileira no contexto mais vasto da política internacional.
Foram justamente estes países que emitiram fortes críticas ao processo de impeachment no Brasil, que redundou no afastamento da presidente eleita em 2014 (sendo que dois, Venezuela e El Salvador, chegaram a chamar seus embaixadores), o que motivou o primeiro gesto público da nova diplomacia brasileira, que divulgou notas bastante contundentes de crítica às “mentiras” assacadas por esses governos contra um processo estritamente constitucional e respeitador dos princípios democráticos do país. No entanto, críticas continuaram a ser veiculadas na imprensa internacional e por iniciativa de alguns partidos políticos de esquerda ou progressistas, geralmente a partir de impulsos emitidos pela própria equipe derrocada no processo de impeachment, usando canais partidários e outras vias passando por movimentos identificados com o espectro político da esquerda. O Itamaraty se viu obrigado a expedir circulares a todos os postos no exterior expressando a necessidade de se responder a cada vez que o novo governo fosse acusado de ilegítimo ou de que o processo teria sido um “golpe”, como se esforçam de defender essa tese os personagens afastados do poder.
A primeira articulação diplomática do novo chanceler foi, como seria de se esperar, com a Argentina, o mais importante vizinho do Brasil no Cone Sul, e membro do Mercosul, justamente uma das questões mais relevantes na agenda de política econômica externa do Brasil. O Senador Serra, quando candidato à presidência, em 2002 e em 2010, ficou conhecido por veicular críticas ao bloco comercial em sua modalidade de união aduaneira, expressando a ideia de que caberia, talvez, fazer o acordo de integração retornar a um formato de zona de livre comércio. Não se sabe exatamente o que foi tratado nessa visita do chanceler a Buenos Aires, realizada em 23 de maio, mas a imprensa argentina refletiu algumas das dificuldades surgidas nessa primeira discussão sobre o futuro do Mercosul. Segundo a agência Telam, a titular da diplomacia argentina, Susana Malcorra, teria pedido prudência ao colega brasileiro, porque levar o Mercosul a um simples acordo de livre comércio poderia ser prejudicial nas negociações em curso com a União Europeia para a liberalização do intercâmbio entre os dois blocos (ver: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/mercosul-de-uniao-aduaneira-zona-de.html).
Confirmando a retomada de relações mais relevantes com países desenvolvidos, o chanceler Serra pretende dirigir-se aos membros da OCDE, em visita próxima a Paris, o que não o impediu de fazer uma escala em Cabo Verde, para também reafirmar o compromisso do Brasil com a cooperação técnica dirigida a países africanos lusófonos. No governo anterior, o ministro da Fazenda Joaquim Levy havia assinado um acordo-quadro de cooperação entre o Brasil e a organização do Palais de la Muette com o objetivo de intensificar as interfaces do país com o chamado “clube dos ricos”, mas esse processo parece ter ficado relativamente interrompido com a saída do ministro do governo, em dezembro de 2015, e o agravamento da crise política desde então. Vários outros temas continuam na pauta do governo atual, entre eles diversos deixados pelo governo anterior, como por exemplo os foros de coordenação com os chamados “parceiros estratégicos”, no IBAS (com Índia e África do Sul) e no BRICS (juntando estes à China e à Rússia), no âmbito do qual já foi constituído um banco de fomento a projetos em países em desenvolvimento e um acordo de reservas contingentes para eventual suporte financeiro, em caso de crises de balanço de pagamentos.

As grandes questões da política econômica e seus principais desafios
A agenda econômica é a mais dramática a ser enfrentada pelo novo governo, depois de um mergulho do Brasil no abismo da recessão econômica, das contas públicas em profundo déficit, com inflação em alta e da perda da confiança dos empresários na capacidade de tomada de decisões quando do governo anterior, como relatei em pequeno texto sobre a Grande Destruição do lulopetismo: “The Great Destruction in Brazil: How to Downgrade an Entire Country in Less Than Four Years” (Mundorama, n. 102, 1/02/2016, link: http://www.mundorama.net/2016/02/01/the-great-destruction-in-brazil-how-to-downgrade-an-entire-country-in-less-than-four-years-by-paulo-roberto-de-almeida/).
A primeira tarefa foi a identificação precisa do tamanho dos desafios a serem enfrentados este ano e nos próximos, a começar pelo déficit orçamentário, estimado pelo novo ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco Central nos governos Lula Henrique Meirelles, em R$ 170 bilhões, praticamente 2,6 % do PIB: esta foi a meta fiscal fixada para o déficit orçamentário em 2016. A primeira medida anunciada foi o envio de uma emenda constitucional, ainda não informada, sobre a limitação dos gastos públicos em função do comportamento da inflação, o que pode, eventualmente, não revelar-se a melhor fórmula (uma vez que governos futuros podem ser tentados em tolerar uma inflação mais elevada para permitir gastos mais altos). Na frente externa, em compensação, não existe um perigo iminente, uma vez que, além das reservas em divisas relativamente elevadas (estimadas em quase US$ 380 bilhões), a balança comercial tem permitido a provisão de saldos positivos, por força tanto da desvalorização do real, quanto da diminuição dramática das importações. Essa pequena melhora pode não impedir uma nova desvalorização do real, para R$ 3,60 por dólar, aproximadamente, se os juros americanos voltarem a subir nos próximos meses por decisão do Federal Reserve.
As duas maiores rubricas de despesas do governo são os juros da dívida pública e as transferências a título dos mecanismos previdenciários (pensões e aposentadorias). Os juros podem diminuir um pouco, mas dificilmente caminharão para um patamar mais confortável, em vista das necessidades constantes de financiamento do setor estatal (cronicamente deficitário). As regras de aposentadoria precisam ser alteradas, mas o processo será lento e seus efeitos mais lentos ainda. Daí a possibilidade de o governo voltar a propor aumento dos impostos existentes, ou até a recriação da famigerada CPMF, um imposto sobre transações financeiras, que grava cumulativamente todo o processo produtivo. Ambas medidas requerem emendas constitucionais, o que representa o apoio de 3/5 do Congresso, o que é ainda mais exigente do que a própria confirmação do impeachment no Senado, que requer 2/3 dos votos dos senadores.
Outras mudanças – como a desvinculação da previdência oficial do salario mínimo – podem ser igualmente difíceis, razão pela qual não se espera uma retomada do crescimento econômico antes de vários anos (a renda per capita, em 2021, tal como estimada pelo FMI, será a mesma de uma década atrás). Para tentar paliar a vários desses desafios, as autoridades econômicas estão buscando recursos onde eles podem existir: o BNDES terá de devolver R$ 100 bilhões ao Tesouro, uma pequena parte das transferências efetuadas pelo governo derrocado ao arrepio das boas normas contábeis da administração público. Em outra iniciativa, o novo governo resolver liquidar o Fundo Soberano do Brasil, uma figura que nunca deveria ter existindo, uma vez que o Brasil não reunia, justamente, nenhum dos requerimentos para possuir um, quais seja, um excedente fiscal e saldos estruturais nas transações correntes; em todo caso, dos R$ 14 bilhões repassados pelo governo ao Fundo, e aplicados em ações da Petrobras e do Banco do Brasil, apenas R$ 2,2 bilhões puderam ser apurados.

A batalha dos próximos meses: diplomacia e economia
Poucos protagonistas do jogo político atual no Brasil acreditam que seja possível uma reversão do processo de impeachment, inclusive porque as investigações e os julgamentos derivados da Operação Lava Jato continuarão a produzir perdas nas hostes das antigas forças que controlavam o executivo ou influenciavam suas políticas. Para todos os efeitos, o PT e os partidos a ele associados, tendem a se concentrar numa oposição tão negativa quanto inócua. Os grandes desafios para o governo até 2018 são portanto representados pela recomposição das bases do crescimento sustentado e a reinserção do Brasil na economia mundial, da qual ele tinha sido afastado por práticas econômicas introvertidas e protecionistas.
A atuação do Itamaraty nesse quadro se afigura essencial, não apenas em termos de negociações de novos acordos comerciais – o que se afigura difícil, embora alguns avanços possam ser feitos na própria região, notadamente em direção da Aliança do Pacífico – mas também porque o novo chanceler, economista de formação, sabe que essa inserção passa pela reforma de muitas políticas internas vinculadas a ganhos de produtividade e de reconquista da competitividade externa. A vinculação da Agência de Promoção de Exportações-Apex e da Câmara de Comércio Exterior-Camex ao Itamaraty (ainda que esta última formalmente subordinada à Presidência da República) são bons indicativos nesse sentido, mas muitas das novas tarefas também passam pelo ministério da Fazenda, na diminuição do chamado “custo Brasil”, que tem na horrorosa estrutura tributária o centro dos maiores problemas.
Se as áreas econômica e diplomática lograrem trabalhar em perfeita coordenação de intenções e de mecanismos nos próximos dois anos, o Brasil poderá estar alterando significativamente sua postura internacional, tal como observada nos últimos treze anos, quando a diplomacia partidária do PT subordinou a política externa a preferências ideológicas claramente perceptíveis, e praticou uma enviesada diplomacia Sul-Sul que não produziu quase nada como resultados efetivos. O Brasil abandonará o universo restrito desses alinhamentos políticos a regimes de esquerda na América Latina para retomar sua antiga vocação universalista e pragmática, com foco principal em metas e objetivos econômicos e comerciais. Grande parte desse esforço será conduzido no próprio Cone Sul, agora reconfigurado também pela mudança de orientação política na Argentina, com a qual o Brasil precisará se coordenar para impulsionar um novo cenário geopolítico em escala continental e até mundial.
A situação da América Latina até aqui estava mais ou menos fragmentada entre forças globalizadores – como as dos países da Aliança do Pacífico – e um grupo de países identificados com o chamado bolivarianos, sendo que no meio desses polos opostos se situavam alguns reticentes, como poderiam ser o próprio Brasil e a Argentina (situação descrita em meu artigo: “A América Latina na geopolítica mundial: perspectivas históricas e situação contemporânea do Cone Sul”, Revista Eletrônica de Direito Internacional, CEDIN; link: http://www.cedin.com.br/publicacoes/revista-eletronica/#Volume_17). Ainda é cedo para prefigurar os cenários emergentes, mas eles são alvissareiros e prometem ser duradouros.
Paulo Roberto de Almeida, Diplomata de Carreira e professor do UNICEUB (www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
Como citar este artigo: Editoria Mundorama. "Política externa e política econômica no Brasil pós-PT, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais, [acessado em 07/06/2016]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/2016/06/07/politica-externa-e-politica-economica-no-brasil-pos-pt-por-paulo-roberto-de-almeida/>.

Nenhum comentário: