Mais de um ano atrás, voltando do Brasil aos Estados Unidos no mesmo dia em que, ao que parece, a Magna Carta completava exatos 800 anos (com o desconto da passagem do calendário juliano para o gregoriano), eu redigia, em pleno voo, uma curta nota relativamente pessimista, ao constatar quão distantes estávamos do principal dispositivo desse documento relevante para a construção da democracia moderna: o princípio de que ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei.
Vivíamos, então, uma tremenda agitação na sociedade, com inúmeros, provavelmente mais de duas dezenas de pedidos de impeachment contra a mandatária irresponsável e fraudadora que nos governava desde 2011 (e que tinha sido reeleita de forma fraudulenta em 2014), e a Câmara dos Deputados (que poderia estar fazendo o papel dos barões revoltados), era dirigido por um perfeito bandido parlamentar. Não tínhamos, assim, nenhuma perspectiva de que algo pudesse mudar no cenário político.
Mais de um ano depois, algo mudou, não como gostaríamos, e por circunstâncias muito fortuitas às quais não são alheias as iniciativas de um pequeno grupo de procuradores federais abrigados em Curitiba e um juiz corajoso -- a chamada República de Curitiba -- mas algo mudou para melhor. O bandido parlamentar está lutando defensivamente antes de ser definitivamente cassado, por demanda da sociedade, e deve enfrentar cadeia logo. A mandatária fraudulenta, finalmente, deve ser afastada, ainda que deva merecer cadeia também, o que não sabemos se vai ocorrer. Os demais mafiosos envolvidos no mais gigantesco caso de corrupção do Brasil podem vir a prestar contas com a justiça.
Ou seja, já nos aproximamos um pouquinho do espírito da Magna Carta.
Em todo caso, vou postar novamente o que escrevi um ano atrás, para registrar minha opinião sobre o momento político brasileiro.
Paulo Roberto de Almeida
Pequena reflexão no dia em que a Magna Carta completa 800 anos
Paulo Roberto de
Almeida
Examinando o
panorama a partir do nosso ambiente de vida e de trabalho, é forçoso reconhecer
que, no que se refere ao principal dispositivo desse compromisso não exatamente
constitucional, mas simplesmente costumeiro, e que tem a ver com o Estado de
Direito, o Brasil infelizmente ainda não chegou lá, como se diz. Não apenas
“nossos” soberanos se permitem ignorar a regra simplicíssima de que ninguém
está acima da Lei, nem mesmo o Rei, como também eles pretendem se situar à
margem da, quando não contra a Lei, e passam a violar, muitas vezes
impunemente, simples mandamentos constitucionais ou a mais elementar
legalidade, que seria a chamada responsabilização das suas ações e omissões
enquanto governantes. O mandonismo e o patrimonialismo, tão tradicionais em
nossa cultura política, ainda contaminam todo o ambiente da governança em nosso
país, geralmente com os piores exemplos vindos daqueles mesmos que deveriam
resguardar, proteger, defender e obedecer à Lei. Esta é uma simples constatação
primária, feita a partir da leitura dos jornais diários, onde se lê que
dirigentes e representantes de um partido promíscuo, vinculado a meliantes e
outros barões ladrões, estão sempre envolvidos com alguma falcatrua contra os
recursos da coletividade, ou seja, nossos impostos duramente (e
compulsoriamente) recolhidos por um Estado extrator, atrabiliário, e por um
governo corrupto e corruptor.
Sinto muito,
Senhora Magna Carta, mas a comemoração neste seu dia assume a forma de uma
simples constatação de fracasso, pelo menos no que se refere ao Brasil.
No plano
multilateral, por outro lado, estou totalmente convencido de que, se a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, fosse apresentada hoje,
para sua aprovação pela Assembleia da ONU, ela simplesmente não seria aprovada,
e seria rejeitada inclusive por Estados que a ratificaram à época. Esta é outra
triste constatação de nossos tempos, que parecem ter recuado em relação às liberdades
antigas. Neste caso, o texto da Declaração, uma derivação mais elaborada da
famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da revolução francesa,
estaria sendo vítima não só do recrudescimento desavergonhado por parte dos
novos autoritários (alguns até mesmo velhos totalitários), como também de
muitos adeptos do “politicamente correto”, com seu festival de bobagens
alegadamente em defesa de minorias e outras espécies “não protegidas”.
Ainda temos
um longo caminho pela frente em defesa das mais elementares liberdades
democráticas, uma vez que a história não é necessariamente linear, e até pode
até recuar em certas esferas.
Sorry Magna
Carta...
em voo Atlanta-Hartford, 15 de junho de 2015.
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