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sábado, 20 de agosto de 2016

Mercosul: a grande confusao (por um anti-"golpista") - Carlos Lungarzo (Congresso em Foco)

O autor, obviamente, pertence àquelas correntes de esquerda que têm horror aos atuais "golpistas" no poder, que apreciam os bolivarianos e que acham que o Brasil está agora empenhado em "destruir" o Mercosul, como ele diz.
Não importa: descontando todas as diatribes ridículas contra o "golpe" e na linha da defesa das posições insustentáveis da esquerda latino-americana, o artigo, com todas as suas esquisitices, toca em todos os problemas atuais do Mercosul, no plano institucional, vale dizer, e convenientemente "esquecendo" as outras esquisitices venezuelanas, ou seja, o fato de que esse país NÃO CUMPRIU nenhum dos seus compromissos de união aduaneira e de política comercial do Mercosul, para nada dizer da lamentável situação política naquele país, com prisioneiros de opinião, numa situação de quebra completa dos princípios democráticos que o Mercosul diz defender.
A confusão está instalada, e parece que não será fácil escapar da paralisia atual...
Paulo Roberto de Almeida


160820MercosulCarlosLungarzo

Congresso em Foco, 19/08/2016:
Sabotagem no Mercosul: golpe contra a Venezuela
A geopolítica em tempos de “golpe” e a sucessão no comando da Mercosul, na visão do pesquisador – para quem o Uruguai desnudou “manobra mafiosa” do Brasil contra os chavistas. “Será que estamos em outra rodada de golpes de Estado na região, sejam soft ou hard, e de uma nova Operação Condor?”
POR CARLOS LUNGARZO | 19/08/2016 07:45

O empenho da chancelaria brasileira de sabotar o acesso da Venezuela à presidência rotativa pró-tempore do Mercosul é totalmente claro para quem entende que, por trás de pretextos cínicos, está o interesse de continuar a onda dos golpes frios (Honduras, Paraguai, Brasil). A diferença é que, no caso do país caribenho, a temperatura do golpe, se acontecer, pode esquentar rapidamente, pois é duvidoso que Maduro se entregue passivamente como as anteriores vítimas de golpe.
A Presidência do Bloco
presidente pró tempore do Mercosul possui uma função ao mesmo tempo executiva e judicial, mas, suas tarefas são, em grande parte, de coordenação e organização. Ele não é omnipotente nem vitalício; então, pode parecer incrível a explosão de histeria do chanceler brasileiro frente ao temor de que a Venezuela possa exercer esse “perigoso” privilégio durante “longos” seis meses.
Aliás, a Venezuela já foi presidente pró tempore do Mercosul, de 12/07/2013 a 26/07/2014, sendo que o primeiro semestre (desse lapso excepcional de um ano) deveu-se a inabilitação do Paraguai para participar do rodízio. Este país estava suspenso, como repreensão pelo golpe de Estado disfarçado do impeachment do presidente Lugo.
A suspensão começou em 07/2012, durante a presidência pró-tempore do Mercosul de Dilma Rousseff que, findo seu mandato, passou o martelo presidencial (vide foto) ao presidente José Mujica do Uruguai em 12/2012. A letra P, entre o de Brasil e o U de Uruguai, perdeu sua vez por causa desse “castigo” sobre Paraguai, que, em condições normais, deveria ter assumido nessa data. O semestre de Uruguai acabou em o7/2013, quando, pela ordem alfabética, Venezuela ocupou seu lugar.
Este mandato substituto durou até 12/2013, quando Paraguai já havia terminado seu afastamento. O presidente Maduro sugeriu, inicialmente, ceder a presidência ao Paraguai durante o próximo semestre, como compensação por ter ocupado seu lugar durante seu afastamento. Esta ocupação de lugar foi indireta. Como o Paraguai estava suspenso, o Uruguai ocupou seu lugar, e isto “adiantou” também o turno da Venezuela. Maduro entendeu que devia ceder esse semestre a Paraguai, justamente por causa dessa alteração da ordem. Esse gesto parecia ser uma maneira de normalizar o ciclo de substituições.
No entanto, o critério majoritário dentro do bloco foi que a Venezuela continuasse sua gestão normalmente, ficando até 07/2014. Nesses dois semestres não aconteceu nada que justificasse o pavor atual dos governos do Brasil, Paraguai e Argentina.
Observe-se que, nessa data, tendo existido uma alteração da ordem, qualquer assunto duvidoso devia ser submetido a consenso. Isso não acontece agora, pois, em condições normais, o critério da ordem alfabética é automático, e não pode haver consenso algum contra algo que está estabelecido de maneira firme, e sobre o qual os países fundadores concordaram. Isso foi dado a entender pelo chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa na semana passada (veja aqui, por exemplo).
É preciso atentar ao fato de que, em 18 de dezembro de 2013, a Venezuela foi aceita no Mercosul como membro pleno. Esse passo foi aprovado também por Paraguai (que na época tentava adquirir uma imagem “democrática”), colocando o país caribenho nas mesmas condições que os outros. Maduro agradeceu o que chamou “gentileza” do Paraguai. É fácil imaginar que a mudança de posição desse país, tornando-se agora paladino da oposição contra Caracas, só pode ser resultado das manobras brasileiras. É óbvio por demais que Assunção foi subserviente às oligarquias do Brasil, seja que este estivesse sob uma democracia ou um governo golpista.
A situação atual
A presidência rotativa pró-tempore foi instituída no Mercosul pelo Tratado de Assunção de 26 de março de 1991.
Artigo 12 – A Presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados Partes e em ordem alfabética, por períodos de seis meses.
Alguns detalhes burocráticos aparecem em outros documentos, como a obrigação do Parlamento de receber o relatório do Estado saliente da Presidência e o projeto do Estado entrante.
No Protocolo Constitutivo do Parlamento Mercosul, estabelecem-se dois requisitos relativos à posse e a saída de cada presidente/a pró-tempore, que estão no Capítulo 4ºDas Competências, página 119, artigos 6º e 7º.
6. [O Parlamento deve] receber, ao final de cada semestre a Presidência Pro Tempore do Mercosul, para que apresente um relatório sobre as atividades realizadas durante dito período.
7. Receber, ao início de cada semestre, a Presidência Pro Tempore do Mercosul, para que apresente o programa de trabalho acordado, com os objetivos e prioridades previstos para o semestre.
Esse Protocolo está incluído numa coletânea de documentos sobre o Mercosul publicada no Brasil (vide).
É evidente que o artigo 12 do Tratado de Assunção é autoaplicável, e que não é necessária qualquer outra deliberação para transmitir o martelo presidencial. Por enquanto, as iniciais dos nomes dos cinco países não foram alteradas!
Essa decisão é tão automática que, como todo mundo sabe, é reconhecida por qualquer criança semialfabetizada. O que exigiria uma minuciosa investigação internacional seria qualquer decisão que descumpra o artigo 12.
Até o viajado e experiente ex-presidente brasileiro FHC, que acompanhou o chanceler em sua viagem a Montevidéu, fez uma “caridade” ao governo uruguaio, ao reconhecer (aparentemente a contragosto) que:
“Existe uma posição do Uruguai que compreendemos, que se tem de respeitar as regras” (Ainda bem!).
Toda a direita da região, que hoje o Brasil lidera, se empenha em arguir que a Venezuela não cumpre com suas obrigações democráticas, a despeito de ter realizado eleições legislativas transparentes. O governo de Maduro não fez qualquer tentativa de minimizar o triunfo dos opositores, bem ao contrário da enorme aliança neofascista brasileira, que sabotou a eleição de Dilma Rousseff em 2014 de todas as maneiras possíveis, com a cumplicidade do Judiciário e da mídia.
Ora, quando existe alguma ruptura democrática, ela deve ser investigada de maneira isenta, por uma comissão independente, e jamais tida como verdadeira apenas pela opinião de políticos, mesmo que não sejam corruptos nem fascistas. O Protocolo de Ushuaia de 1998, assinado não apenas pelos estados permanentes, mais também pelos associados (a Bolívia e o Chile), não deixa qualquer dúvida.
O artigo 4 impõe a consulta entre os Estados para decidir se foi quebrado o Compromisso Democrático. O artigo 6 exige que quaisquer sanções sejam aplicadas por consenso dos Estados Parte do protocolo. Cuidado: não diz “dos estados permanentes”. Entre os Estados Parte está a Bolívia e o Chile.
Conclusões
A autoproclamação da Venezuela como novo presidente do bloco era natural, já que a oposição dos outros três governos é nitidamente ilegal e contradiz de maneira rompante o artigo 12 do Tratado de Assunção. O chanceler brasileiro pretende confundir acusando o Uruguai de criar incerteza. Em realidade, são os golpistas autóctones os que estão criando não incerteza, mas uma grande certezaa existência de uma provocação que ameaça restabelecer as ações hegemônicas na região dos anos 60 e 70, quando Kissinger (posteriormente condenado em La Haia como criminoso de guerra, por causa do massacre de Kampuchea) disse a famosa frase: “A América Latina se inclinará na direção que o Brasil vá”.
É interessante colocar-se a seguinte dúvida:
Digamos que Paraguai, Argentina e Brasil conseguem evitar que Venezuela assuma a presidência pró tempore. Mas, se o Mercosul no for implodido, haverá outra chance para Venezuela em dois anos. E aí, os que agora se opõem, aceitariam? Poderia argumentar-se que, nessa data, talvez 0 Brasil tivesse um governo democraticamente eleito, e não um governo golpista.
Creio que deve lutar-se para restabelecer a democracia com todo o esforço necessário, mas o que acho mais provável, lamentavelmente, é que os golpistas se eternizem com eleições fajutas. Sem dúvida, o dinheiro que pode produzir o Brasil para seus atuais pilotos sobraria para forjar uma eleição em todos os países das Américas.
Então, o objetivo não é forçar a Venezuela a fazer o que FHC chamou, com um impecável termo diplomática “a lição de casa”. Claro que não. O que o Brasil quer é afastar Venezuela para sempre. Ou, dito melhor ainda: o objetivo é implodir o Mercosul. Argentina e Brasil se entendem; podem lucrar mais fora do Bloco, agora que têm governos similares. Já Paraguai pode seguir sendo o fornecedor de drogas e armas para as elites brasileiras e seus jagunços. Quanto ao Uruguai, ele preocupa, apesar de seu tamanho, talvez tanto quanto a Venezuela: tem um governo de esquerda e, além disso, é prestigioso mundialmente, pois provou que uma democracia quase perfeita é combatível com uma política socialista. E isso pode abrir os olhos de outros povos da região.
O governo do Uruguai fez o que devia. Qualquer atitude que estendesse seu mandato significaria prolongar o clima de confusão e intriga proposto por Brasil, Paraguai e Argentina. A saída do Estado Uruguaio, mesmo em sua forma discreta, permitiu cortar, por enquanto, o fio da tramoia. O governo brasileiro entrou em parafuso, talvez porque pensava que podia pisar na legislação internacional da mesma maneira que na doméstica.
Finalmente, uma certeza e uma conjectura. A certeza é evidente: a intromissão de direita brasileira num futuro golpe na Venezuela (soft ou hard) é bem conhecida e antiga, e aparece denunciada em vários documentos vazados por Wikileaks. A provocação dentro do Mercosul é apenas uma pequena contribuição a esse golpe.
(Quanto ao governo argentino, embora seja cúmplice do Brasil nesta manobra, parece mais calmo, mas não é por boa vontade. O país tem uma enorme dívida com a Venezuela, que afundaria sua economia se fosse denunciada.)
Mas, também é razoável conjeturar que o Brasil quer criar dificuldades ao Uruguai. Não vemos outra explicação para um conflito que pode explodir o Mercosul, mas está baseado numa atitude ridícula e indigna, como é o fato de tentar envolver um governo honesto numa manobra mafiosa.
O pequeno país é a única democracia firme na América Latina, com uma legislação mais avançada que a dos EUA e até de vários países da Europa. Ele mostrou que é possível um governo progressista, com plenas liberdades e justiça social. Por causa disso, seus poderosos vizinhos apoiaram o golpe de 1973, do qual se recuperou ao longo de trinta anos, abrindo passo a uma esquerda que hoje ocupa o 51% do parlamento.
Será que estamos em outra rodada de golpes de Estado na região, sejam soft ou hard, e de uma nova Operação Condor? Não tomar consciência desse fato pode ser um suicídio para os povos que serão vítimas.

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