O autor, obviamente, pertence àquelas correntes de esquerda que têm horror aos atuais "golpistas" no poder, que apreciam os bolivarianos e que acham que o Brasil está agora empenhado em "destruir" o Mercosul, como ele diz.
Não importa: descontando todas as diatribes ridículas contra o "golpe" e na linha da defesa das posições insustentáveis da esquerda latino-americana, o artigo, com todas as suas esquisitices, toca em todos os problemas atuais do Mercosul, no plano institucional, vale dizer, e convenientemente "esquecendo" as outras esquisitices venezuelanas, ou seja, o fato de que esse país NÃO CUMPRIU nenhum dos seus compromissos de união aduaneira e de política comercial do Mercosul, para nada dizer da lamentável situação política naquele país, com prisioneiros de opinião, numa situação de quebra completa dos princípios democráticos que o Mercosul diz defender.
A confusão está instalada, e parece que não será fácil escapar da paralisia atual...
Paulo Roberto de Almeida
160820MercosulCarlosLungarzo
Congresso
em Foco, 19/08/2016:
Sabotagem no Mercosul:
golpe contra a Venezuela
A
geopolítica em tempos de “golpe” e a sucessão no comando da Mercosul, na visão
do pesquisador – para quem o Uruguai desnudou “manobra mafiosa” do Brasil
contra os chavistas. “Será que estamos em outra rodada de golpes de Estado na
região, sejam soft ou hard, e de uma nova Operação Condor?”
O
empenho da chancelaria brasileira de sabotar o acesso da Venezuela à
presidência rotativa pró-tempore do Mercosul é totalmente claro para quem
entende que, por trás de pretextos cínicos, está o interesse de continuar a
onda dos golpes frios (Honduras, Paraguai,
Brasil). A diferença é que, no caso do país caribenho, a temperatura do golpe,
se acontecer, pode esquentar rapidamente, pois é duvidoso que Maduro se
entregue passivamente como as anteriores vítimas de golpe.
A
Presidência do Bloco
O presidente pró tempore do Mercosul possui uma
função ao mesmo tempo executiva e judicial, mas, suas tarefas são, em grande
parte, de coordenação e organização. Ele não é omnipotente nem vitalício;
então, pode parecer incrível a explosão de histeria do chanceler brasileiro
frente ao temor de que a Venezuela possa exercer esse “perigoso” privilégio
durante “longos” seis meses.
Aliás,
a Venezuela já foi presidente pró tempore do Mercosul, de 12/07/2013 a
26/07/2014, sendo que o primeiro semestre (desse lapso excepcional de um ano)
deveu-se a inabilitação do Paraguai para participar do rodízio. Este país
estava suspenso, como repreensão pelo golpe de Estado disfarçado do impeachment do presidente Lugo.
A
suspensão começou em 07/2012, durante a presidência pró-tempore do Mercosul de
Dilma Rousseff que, findo seu mandato, passou o martelo
presidencial (vide foto) ao presidente José Mujica do Uruguai
em 12/2012. A letra P, entre o B de Brasil e
o U de Uruguai, perdeu sua
vez por causa desse “castigo” sobre Paraguai, que, em condições normais,
deveria ter assumido nessa data. O semestre de Uruguai acabou em o7/2013,
quando, pela ordem alfabética, Venezuela ocupou seu lugar.
Este mandato substituto durou até 12/2013, quando
Paraguai já havia terminado seu afastamento. O presidente Maduro sugeriu,
inicialmente, ceder a presidência ao Paraguai durante o próximo semestre, como
compensação por ter ocupado seu lugar durante seu afastamento. Esta ocupação de
lugar foi indireta. Como o Paraguai estava suspenso, o Uruguai ocupou seu
lugar, e isto “adiantou” também o turno da Venezuela. Maduro entendeu que devia
ceder esse semestre a Paraguai, justamente por causa dessa alteração da ordem.
Esse gesto parecia ser uma maneira de normalizar o ciclo de substituições.
No
entanto, o critério majoritário dentro do
bloco foi que a Venezuela continuasse sua gestão normalmente, ficando até
07/2014. Nesses dois semestres não aconteceu nada que justificasse o pavor
atual dos governos do Brasil, Paraguai e Argentina.
Observe-se
que, nessa data, tendo existido uma alteração da ordem,
qualquer assunto duvidoso devia ser submetido a consenso. Isso não acontece
agora, pois, em condições normais, o critério da ordem alfabética é automático, e não pode haver consenso algum contra algo que está estabelecido
de maneira firme, e sobre o qual os países fundadores concordaram. Isso foi
dado a entender pelo chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa na semana passada
(veja aqui, por exemplo).
É
preciso atentar ao fato de que, em 18 de dezembro de 2013, a Venezuela foi
aceita no Mercosul como membro pleno. Esse
passo foi aprovado também por Paraguai
(que na época tentava adquirir uma imagem “democrática”), colocando o país
caribenho nas mesmas condições que os outros. Maduro agradeceu o que chamou
“gentileza” do Paraguai. É fácil imaginar que a mudança de posição desse país,
tornando-se agora paladino da oposição contra Caracas, só pode ser resultado
das manobras brasileiras. É óbvio por demais que Assunção foi subserviente às
oligarquias do Brasil, seja que este estivesse sob uma democracia ou um governo
golpista.
A
situação atual
A
presidência rotativa pró-tempore foi instituída no Mercosul pelo Tratado de Assunção de 26 de
março de 1991.
Artigo
12 – A Presidência do Conselho se exercerá por
rotação dos Estados Partes e em ordem
alfabética, por períodos de seis meses.
Alguns detalhes burocráticos aparecem em outros
documentos, como a obrigação do Parlamento de receber o relatório do Estado
saliente da Presidência e o projeto do Estado entrante.
No Protocolo Constitutivo do Parlamento Mercosul,
estabelecem-se dois requisitos relativos à posse e a saída de cada presidente/a
pró-tempore, que estão no Capítulo 4º, Das Competências, página 119, artigos 6º e 7º.
6. [O
Parlamento deve] receber, ao final de cada semestre a
Presidência Pro Tempore do Mercosul, para que apresente um relatório sobre as
atividades realizadas durante dito período.
7.
Receber, ao início de cada semestre, a Presidência Pro Tempore do Mercosul,
para que apresente o programa de trabalho acordado, com os objetivos e
prioridades previstos para o semestre.
Esse
Protocolo está incluído numa coletânea de documentos sobre o Mercosul publicada no Brasil (vide).
É
evidente que o artigo 12 do Tratado de Assunção é autoaplicável, e que não é necessária qualquer outra
deliberação para transmitir o martelo presidencial.
Por enquanto, as iniciais dos nomes dos cinco países não foram alteradas!
Essa
decisão é tão automática que, como todo mundo sabe, é reconhecida por qualquer
criança semialfabetizada. O que exigiria uma minuciosa investigação
internacional seria qualquer decisão que descumpra o artigo 12.
Até
o viajado e experiente ex-presidente brasileiro FHC, que acompanhou o chanceler
em sua viagem a Montevidéu, fez uma “caridade” ao governo uruguaio, ao
reconhecer (aparentemente a contragosto) que:
“Existe
uma posição do Uruguai que compreendemos, que se tem de respeitar as regras” (Ainda bem!).
Toda a direita da região, que hoje o Brasil lidera, se
empenha em arguir que a Venezuela não cumpre com suas obrigações democráticas,
a despeito de ter realizado eleições legislativas transparentes. O governo de
Maduro não fez qualquer tentativa de minimizar o triunfo dos opositores, bem ao
contrário da enorme aliança neofascista brasileira, que sabotou a eleição de
Dilma Rousseff em 2014 de todas as maneiras possíveis, com a cumplicidade do
Judiciário e da mídia.
Ora,
quando existe alguma ruptura democrática, ela deve ser investigada de maneira
isenta, por uma comissão independente, e jamais tida como verdadeira apenas
pela opinião de políticos, mesmo que não sejam corruptos nem fascistas. O Protocolo de Ushuaia de 1998,
assinado não apenas pelos estados permanentes, mais também pelos associados (a
Bolívia e o Chile), não deixa qualquer dúvida.
O
artigo 4 impõe a consulta entre os Estados para
decidir se foi quebrado o Compromisso Democrático. O artigo 6 exige que
quaisquer sanções sejam aplicadas por consenso dos Estados Parte do protocolo.
Cuidado: não diz “dos estados permanentes”. Entre os Estados Parte está a
Bolívia e o Chile.
Conclusões
A
autoproclamação da Venezuela como novo presidente do bloco era natural, já que
a oposição dos outros três governos é nitidamente ilegal e contradiz de maneira
rompante o artigo 12 do Tratado de Assunção. O chanceler brasileiro pretende
confundir acusando o Uruguai de criar incerteza. Em realidade, são os golpistas
autóctones os que estão criando não incerteza, mas uma grande certeza: a existência
de uma provocação que ameaça restabelecer as ações hegemônicas na região dos
anos 60 e 70, quando Kissinger (posteriormente condenado em La Haia como
criminoso de guerra, por causa do massacre de Kampuchea) disse a famosa frase:
“A América Latina se inclinará na direção que o Brasil vá”.
É interessante colocar-se a seguinte dúvida:
Digamos
que Paraguai, Argentina e Brasil conseguem evitar que Venezuela assuma a
presidência pró tempore. Mas, se o Mercosul no
for implodido, haverá outra chance para Venezuela em dois anos. E aí, os que
agora se opõem, aceitariam? Poderia argumentar-se que, nessa data, talvez 0
Brasil tivesse um governo democraticamente eleito, e não um governo golpista.
Creio que deve lutar-se para restabelecer a democracia
com todo o esforço necessário, mas o que acho mais provável, lamentavelmente, é
que os golpistas se eternizem com eleições fajutas. Sem dúvida, o dinheiro que
pode produzir o Brasil para seus atuais pilotos sobraria para forjar uma
eleição em todos os países das Américas.
Então,
o objetivo não é forçar a Venezuela a fazer o que FHC chamou, com um impecável
termo diplomática “a lição de casa”. Claro que não. O que o Brasil quer é
afastar Venezuela para sempre. Ou, dito melhor ainda: o objetivo é implodir o Mercosul. Argentina e Brasil se
entendem; podem lucrar mais fora do Bloco, agora que têm governos similares. Já
Paraguai pode seguir sendo o fornecedor de drogas e armas para as elites
brasileiras e seus jagunços. Quanto ao Uruguai, ele preocupa, apesar de seu tamanho,
talvez tanto quanto a Venezuela: tem um governo de esquerda e, além disso, é
prestigioso mundialmente, pois provou que uma democracia quase perfeita é
combatível com uma política socialista. E isso pode abrir os olhos de
outros povos da região.
O governo do Uruguai fez o que devia. Qualquer atitude
que estendesse seu mandato significaria prolongar o clima de confusão e intriga
proposto por Brasil, Paraguai e Argentina. A saída do Estado Uruguaio, mesmo em
sua forma discreta, permitiu cortar, por enquanto, o fio da tramoia. O governo
brasileiro entrou em parafuso, talvez porque pensava que podia pisar na
legislação internacional da mesma maneira que na doméstica.
Finalmente,
uma certeza e uma conjectura. A
certeza é evidente: a intromissão de direita brasileira num futuro golpe na
Venezuela (soft ou hard) é bem
conhecida e antiga, e aparece denunciada em vários documentos vazados por Wikileaks. A provocação dentro do Mercosul é apenas uma
pequena contribuição a esse golpe.
(Quanto ao governo argentino, embora seja cúmplice do
Brasil nesta manobra, parece mais calmo, mas não é por boa vontade. O país tem
uma enorme dívida com a Venezuela, que afundaria sua economia se fosse
denunciada.)
Mas,
também é razoável conjeturar que o Brasil quer
criar dificuldades ao Uruguai. Não vemos outra explicação para um conflito que
pode explodir o Mercosul, mas está baseado numa atitude ridícula e indigna,
como é o fato de tentar envolver um governo honesto numa manobra mafiosa.
O
pequeno país é a única democracia firme na
América Latina, com uma legislação mais avançada que a dos EUA e até de vários
países da Europa. Ele mostrou que é possível um governo progressista, com
plenas liberdades e justiça social. Por causa disso, seus poderosos vizinhos
apoiaram o golpe de 1973, do qual se recuperou ao longo de trinta anos, abrindo
passo a uma esquerda que hoje ocupa o 51% do parlamento.
Será
que estamos em outra rodada de golpes de Estado na região, sejam soft ou hard, e de uma nova Operação Condor? Não tomar
consciência desse fato pode ser um suicídio para os povos que serão vítimas.
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