O golpe de 1964 e os acadêmicos de 2013: persistem os
maniqueísmos
Paulo Roberto de Almeida
Leio, num dos trabalhos
apresentados no VI ENABED, Sexto Encontro Nacional da Associação dos Estudos de
Defesa (2013), esta frase, emblemática do pensamento de acadêmicos atuais, sobre o
golpe de 1964:
As novas gerações de oficiais ainda são formadas com a
ideia de que o golpe de 1964 foi um bem para o país! Nada mais revelador da
subordinação da sociedade ao falso e vão orgulho corporativo. A grandeza está
no reconhecimento da verdade, não em sua obtusa negação. Esse passo é
fundamental para que as corporações [militares] se abram efetivamente ao
diálogo amplo com a sociedade.
A razão desse texto
encontra-se num parágrafo anterior, no qual o mesmo acadêmico diz o seguinte:
Muitos brasileiros concordam que é premente a
necessidade de equipar as corporações militares em consonância com as
aspirações do Estado brasileiro no que diz respeito à presença no cenário
internacional. (...) Mas é intrigante o silêncio quanto a algo fundamental para
a legitimação das instituições militares: o pedido de desculpas pelos crimes
praticados contra comunistas, patriotas e democratas durante a sangrenta
ditadura militar.
O autor acredita que:
Esse assunto é tabu até em certos ambientes
acadêmicos, pretensamente mais livres para a expressão do pensamento. (...) A
simples menção de fatos do passado recente é tida como provocação desajuizada.
O fato de mencionar que brasileiros... foram torturado em estabelecimentos
militares é tido como 'revanchismo de derrotado'. Ora, os derrotados não foram
os que lutaram contra a ditadura, mas os que a sustentaram!
Meu comentário a partir
do que li. O autor parece acreditar que o golpe de 1964 foi um mal para o país,
ou pelo menos para pessoas como ele, que se opuseram ao golpe e foram
provavelmente submetidas a tratamento rigoroso por parte da repressão policial
e militar, eventualmente tortura. Esse fato, essa realidade, a da repressão e
da tortura, são o resultado de um desenvolvimento ulterior do movimento militar
que derrubou o governo Goulart que não estava necessariamente inscrito na
lógica do “golpe” enquanto tal, ou seja, o ato de derrubada de um governo e a
instalação de um governo autoritário, que pretendia corrigir certas “mazelas”
do sistema político brasileiro, para depois tentar voltar à “normalidade”, isto
é, um regime democrático civil, mas expurgado daqueles “elementos subversivos”
que os militares identificavam como responsáveis pela deterioração da
governança sob o regime Goulart.
O autor fala de “crimes
praticados contra comunistas, patriotas e democratas durante a sangrenta
ditadura militar”, mas esquece de mencionar que esses crimes foram perpetrados
depois que a esquerda armada deu início a uma ofensiva contra o regime e o
governo, num projeto de luta pelo socialismo no Brasil. Em outros termos: esses
“crimes” teriam ocorrido se a oposição política ao regime e ao governo fosse
apenas limitada ao terreno político civil, sem as tentativas de guerra de
guerrilhas, urbana ou camponesa? Ele também esquece que o golpe não foi dado
por uma motivação de seus principais atores no sentido de instaurarem um regime
de exceção, autoritário, ou de imediato comprometido com a eliminação física de
seus oponentes. Esses traços da ditadura militar são uma consequência ulterior
de um longo processo político que viu o governo Goulart entrar em virtual
colapso, no plano do parlamento e dos movimentos civis, quando forças
aparentemente majoritárias na sociedade pressionam os militares para intervir
mais uma vez no cenário político, que vivia praticamente em colapso nos
momentos finais desse governo.
Com todos os equívocos
de julgamento sobre o “golpe de 1964”, o autor em questão representa uma communis opinio de grande parte, senão
da maioria, da comunidade acadêmica brasileira, que parece desempenhar o papel
dos historiadores jacobinos da revolução francesa, ou seja, uma visão
comprometida com uma versão peculiar da história, feita mais de ideologia do
que de exposição objetiva dos fatos.
A trajetória do Brasil
sob o regime militar merece uma avaliação menos passional e mais equilibrada de
uma deterioração política que deve tanto à esquerda armada quanto à direita
radical o fato de ter enveredado por caminhos tortuosos e desenvolvimentos dramáticos,
que provavelmente não teriam ocorrido caso a oposição, a resistência e a luta
contra a ditadura tivesse assumido formas essencialmente políticas, ou seja pacíficas,
de expressão.
Vou escrever a respeito,
aliás já estou escrevendo. Divulgarei no momento oportuno.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de agosto de 2016
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