Marcelo era o interlocutor da Odebrecht com a cúpula do governo petista. Avocava para si as tarefas mais importantes: fazia os acertos e dava o aval para os principais pagamentos de propina. Mas, a despeito de sua importância na hierarquia da República, surpreendeu aos participantes da audiência o tom humilde adotado por Marcelo, conhecido por sua postura altiva e orgulhosa. Em um desabafo recheado de ironia, ele afirmou: “Eu não era o dono do governo, eu era o otário do governo. Eu era o bobo da corte do governo”.
Seu depoimento finalmente esclareceu as suspeitas da Polícia Federal sobre quem eram “italiano” e “Pós Itália”. Segundo Marcelo, seu primeiro interlocutor no governo sobre os repasses era o italiano: o ex-ministro petista Antonio Palocci. Depois, por determinação de Dilma, o assunto passou a ser tratado pelo sucessor: Guido Mantega, ou “Pós Itália”, segundo as anotações apreendidas pela PF. Para ambos, entre 2008 e 2014, a Odebrecht disponibilizou R$ 300 milhões.
Além de Palocci e Mantega, o empresário contou que também tratava diretamente com o marqueteiro João Santana sobre os pagamentos ilícitos. Segundo ele, repasses via caixa dois tinham como destino as contas de João Santana no exterior, como remuneração aos serviços prestados por ele à campanha petista. Detalhe importante: segundo Marcelo Odebrecht, Dilma tinha conhecimento dos pagamentos a Santana no exterior. A maior parte dos repasses era em espécie. O marqueteiro aparecia com o codinome “Feira” nas planilhas da Odebrecht. O fato, em si, não representa novidade para os investigadores. A Lava Jato já havia detectado ao menos US$ 13 milhões em transferências de contas no exterior da Odebrecht a uma das contas ligadas a João Santana na Suíça.
Mas um episódio contado por Marcelo chamou atenção e serviu como a demonstração cabal do envolvimento de Dilma Rousseff. Trata-se de um encontro com ela no México no qual o empresário lhe avisou que os pagamentos feitos ao marqueteiro estariam “contaminados” porque partiram de contas que a Odebrecht usava para pagar propina. Ou seja: Dilma sabia do que estava acontecendo, ao contrário do que sempre negou com veemência.
CONEXÃO CERVEJA
Outra negociata antecipada em reportagem de capa de ISTOÉ, de agosto de 2015, foi confirmada por Marcelo Odebrecht em seu depoimento ao TSE. A chamada “Conexão-Cerveja”. Ao detalhar o esquema de caixa dois petista, o empresário afirmou que a empreiteira terceirizou repasses por meio da cervejaria Itaipava, do grupo Petrópolis. Em 2014, a campanha de Dilma havia recebido R$ 17,5 milhões de maneira oficial somente da cervejaria. Também à Justiça Eleitoral, Benedicto Junior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, atestou que a doação da Itaipava era “caixa dois travestido de caixa um”.
Apesar de a negociação ter ocorrido entre 2009 e 2010, os R$ 50 milhões foram usados por Dilma na campanha de 2014
Um dos articuladores do esquema Itaipava, o ex-presidente Lula não atravessou incólume o depoimento, embora o ex-presidente não fosse objeto da ação. Ao TSE, Marcelo disse que a Odebrecht detinha forte influência no governo, principalmente depois que o PT chegou ao Palácio do Planalto, em 2003, ano em que Lula assumiu seu primeiro mandato. Marcelo Odebrecht acrescentou ainda que a empreiteira auxiliou campanhas no exterior nas quais o partido de Lula e Dilma tinha interesse. Os repasses ocorreram fora do País.
O depoimento de Marcelo Odebrecht ocorreu por determinação do ministro do TSE Herman Benjamin para fundamentar a ação que aponta irregularidades na chapa de Dilma Rousseff e seu vice Michel Temer em 2014. Por isso mesmo, o empresário respondeu a perguntas sobre um jantar que participou no Palácio do Jaburu com o então vice-presidente Michel Temer em 2014, no qual teria havido o acerto de doação de R$ 10 milhões para o PMDB. Suas declarações, porém, isentaram o presidente Temer. Marcelo disse que não tratou de valores com o peemedebista e afirmou que a doação havia sido discutida pelo diretor de relações institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, com um intermediário de Temer, o hoje ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Segundo Marcelo, o encontro com Temer foi apenas um “shake hands” (apertar de mãos), uma confraternização, e ele não forneceu maiores detalhes sobre a operacionalização do pagamento. Marcelo Odebrecht também foi instado a comentar sobre eventuais pagamentos às campanhas de Aécio Neves (PSDB) e de Eduardo Campos/Marina Silva (PSB) em 2014. Mais uma vez, o empreiteiro não se alongou. Limitou-se a dizer, por exemplo, que Aécio pediu R$ 15 milhões para a campanha. Após ser preso na Lava Jato, contudo, Odebrecht disse ter sido informado que o aporte financeiro acabou não se concretizando. Em seu relato, o empresário ainda afirmou só se recordar de doações oficiais para o tucano, ao contrário do que ocorreu em relação à campanha de Dilma.
Para o Ministério Público Eleitoral, a campanha de Dilma lavou dinheiro nas gráficas VTPB, Focal e Red Seg
Não é a primeira vez que a situação de Dilma Rousseff se complica no TSE. Peritos da corte eleitoral chegaram à conclusão de que três gráficas que receberam pagamento do PT não haviam prestado qualquer tipo de serviço à campanha, conforme antecipou a edição de ISTOÉ do dia 8 de julho de 2016. O caso está sendo investigado.
Para o Ministério Público Eleitoral, a campanha da petista lavou dinheiro nas gráficas VTPB, Focal e Red Seg. Juntas, elas receberam uma fortuna da campanha de Dilma em 2014: R$ 52 milhões. Aos poucos, a ex-presidente petista é destronada do pedestal que ela mesma criou.
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