Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, Brasília, DF, Brasil
A Revista Brasileira de Política Internacional ‒ RBPI é uma das mais tradicionais publicações científicas brasileiras. Foi criada em 1958, no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI, organização estabelecida em 1954 como uma das expressões do ambiente de renovação intelectual que o país experimentava naquele momento. Concebida como um instrumento para a veiculação das preocupações de intelectuais e diplomatas dos anos 1950 com os temas do desenvolvimento e as suas vinculações com as grandes questões internacionais.
A RBPI, que chegou ao seu sexagésimo volume em 2017, pode ser considerada uma publicação vitoriosa, por vários motivos. O primeiro deles se relaciona com o mal comum de que padecem todos os grandes empreendimentos científicos nacionais, que é a enorme dificuldade de financiamento. Esse grande mal da ciência nacional foi superado com esforço e criatividade, e testou a resiliência dos editores e de todos quantos participaram da construção da RBPI ao longo das suas seis décadas de existência. Ainda assim, a RBPI manteve a sua periodicidade, nunca deixou de ser publicada, nunca atrasou a publicação de uma edição – nem mesmo quando o pior da história do Brasil, como a ditadura militar, limitou os meios disponíveis para a sua produção e intimidou os que colaboravam mais intensamente com a sua construção.
A segunda razão para a celebração da sua trajetória se relaciona com o fato de que o percurso intelectual da RBPI se confunde, de certo modo, com a transformação e a abertura dos horizontes internacionais do Brasil. Todos os grandes temas das Relações Internacionais desde o final da década de 1950 e até os dias de hoje foram objeto de análise atenta e de construções científicas inovadoras: as concepções de ordem internacional, a deterioração e a cooperação nas relações entre as grandes potências, a ascensão e a queda dos impérios, a evolução das agendas econômicas (no que diz respeito ao comércio, aos fluxos financeiros e ao desenvolvimento econômico), a formação de novos temas e de novas agendas, que foram se fazendo centrais na política internacional, como aconteceu com meio-ambiente, direitos humanos e com as novas concepções de segurança internacional. Em poucas palavras, o mundo inteiro, e os seus problemas, couberam nas páginas dos seus 122 fascículos e cerca de 2000 peças, entre artigos, resenhas e documentos. De certo modo, a evolução da RBPI ao longo desses sessenta anos corresponde à evolução da inserção internacional do Brasil nesse período, e dá uma medida de intensidade da tomada de consciência nacional acerca do potencial limitador que os grandes constrangimentos internacionais apresentam para a sociedade.
A terceira razão para a celebração dessa trajetória diz respeito ao fato de que o periódico se fez também, ao longo dos seus sessenta volumes, o vetor preferencial do grande debate sobre desenvolvimento e modernização e como ele se relaciona com as questões internacionais. Assim, as análises pioneiras acerca de movimentos cruciais da política externa brasileira, como a Operação Pan-Americana do governo de Juscelino Kubitschek (1958), sobre a Política Externa Independente de Jânio Quadros (19961), sobre o Pragmatismo Responsável de Geisel (1974) e de como era percebido externamente, foram publicadas nas edições da RBPI. O periódico é também um dos veículos do pensamento latino-americano sobre questões internacionais, repercutindo a intensidade da influência das teses cepalinas sobre a formulação das políticas voltadas ao desenvolvimento, os ciclos da integração regional, o dissenso e a cooperação entre o Brasil e a Argentina e tantos outros temas fulcrais do percurso intelectual internacionalista latino-americano.
O quarto motivo para a comemoração diz respeito à extraordinária coerência que a RBPI manteve com os seus propósitos de fundação, e especialmente, com a decisão das equipes que a dirigiram ao longo da sua existência, de mantê-la como um veículo de debate acadêmico, mas também de formação de uma tradição no modo de ver e pensar Relações Internacionais e os temas da contemporaneidade. Talvez a isso se possa creditar a sua sobrevivência no ambiente acadêmico brasileiro, ao tempo em que muitos outros empreendimentos editoriais importantes das ciências sociais no país não passaram dos seus primeiros números.
Então, temos muitos motivos para comemorar, e a ideia de focar a primeira semana especial do Blog Scielo em Perspectiva | Humanas na trajetória da nossa RBPI só pode ser entendida como uma grande homenagem. A sobrevivência por tanto tempo, no Brasil, de um veículo científico, só pode ser razão de júbilo e de celebração. Celebramos a nossa trajetória, de sobrevivência incomum na adversidade do fomento escasso, mas também o percurso de excelência acadêmica trilhado pelo periódico ao longo desses primeiros sessenta volumes. Trazemos para a Semana Especial RBPI um bom conjunto de entrevistas feitas com autores dos artigos publicados no lote inicial do número 1 de 2017 (o número 1, do volume 60). Do mesmo modo, veicularemos também depoimentos sobre a evolução da Revista, a sua construção, o lugar que ocupou e que ainda ocupa no debate nacional, os parâmetros de alta competitividade que nos impusemos na nossa política de internacionalização e outras tantas questões que exprimem o desafio da publicação científica de alto nível na grande área de humanidades no Brasil e na América Latina.
A equipe editorial da RBPI agradece o enorme empenho e a paciência infindável do time extraordinário que move o Blog SciELO em Perspectiva ‒ Humanas, que viabilizaram essa segunda Semana Especial. Do mesmo modo, agradecemos de antemão aos leitores que nos acompanharão ao longo dos próximos dias, com a expectativa de que o material produzido seja bem lido e permita uma visão mais completa sobre a trajetória que buscamos pôr em evidência.
Desejamos a todos uma excelente semana e boas leituras!
Confira abaixo vídeo com Antônio Carlos Lessa, editor chefe da RBPI
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