Transcrevo novamente o artigo que escrevi a propósito do itinerário da RBPI, desta vez acompanhado do link para a entrevista que concedi a seu editor, Antonio Carlos Lessa, sobre essa trajetória intelectual, indicado in fine.
Paulo Roberto de Almeida
RBPI:
itinerário de uma revista essencial
Paulo Roberto de Almeida
[Artigo sobre a
RBPI; semana RBPI no Scielo]
Poucas revistas
acadêmicas de prestígio reconhecido conseguem, no Brasil, superar o efêmero, ou
o conjuntural de uma geração, para projetar-se de forma constante no cenário
intelectual do país. A Revista Brasileira
de Política Internacional, que já adentrou, na cronologia humana, na
temporalidade de três gerações, firmou-se e vem consolidando uma história de
longevidade raras vezes registradas no mercado editorial dedicado a esse setor
especializado das humanidades, o das relações internacionais. Neste campo, ela
é, não apenas a mais longeva, mas a melhor, a mais completa e a mais
prestigiosa das revistas que cobrem essa área ainda relativamente rarefeita no
Brasil.
Seu itinerário não foi,
contudo, uniforme, ou tranquilo, até que ela conseguisse alcançar, na última
década, um padrão de qualidade que a coloca entre os melhores e mais
qualificados periódicos científicos nesse universo especializado de
publicações. Ela nasceu dentro da pequena comunidade que, no Rio de Janeiro de
meados dos anos 1950, se dedicava aos temas das relações internacionais e da
política externa do Brasil, o que compreendia tribunos de Estado, intelectuais
de renome, servidores públicos, entre eles vários diplomatas, políticos
cosmopolitas e magistrados interessados nas grandes questões da política, do
direito e da economia mundiais.
Em 1958, quando ela foi
criada por iniciativa de alguns “empreendedores de relações internacionais”, o
universo editorial dedicado ao ambiente externo e à política externa do Brasil
não contemplava praticamente nenhuma revista especializada, salvo publicações
gerais exibindo eventualmente artigos dentro dessa área: era o caso, por
exemplo, da revista da mais antiga instituição acadêmica do Brasil, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (fundado em 1838), das revistas militares e de
algumas poucas outras – como a Brasiliense,
ou os Cadernos do Nosso Tempo, que
desapareceriam mais adiante – que traziam bem mais artigos de opinião do que
pesquisas dotadas de sério embasamento empírico ou conceitual. Os próprios
relatórios do Ministério das Relações Exteriores há muito tinham deixado de
exibir a mesma qualidade dos relatórios da antiga Secretaria de Estado dos
Negócios Estrangeiros, do Império, ou os da velha República, e praticamente
desapareceram no seu formato tradicional no decorrer da década seguinte.
A RBPI constituiu, assim, o mais importante empreendimento
intelectual do seu campo, não ainda, naquela época, dotado dos padrões
existentes em revistas similares da Europa ou dos Estados Unidos, mas já
engajada na confecção de artigos originais, no estímulo à produção intelectual
dos próprios diplomatas, na coleta e publicação de importantes textos oficiais
da diplomacia brasileira, bem como de simples resenhas de livros da área ou de notas
de conjuntura sobre atividades relevantes da diplomacia oficial. Sem se
identificar, ou se confundir, com o Itamaraty, a RBPI representava, nesse sentido, um importante elo de ligação
entre o corpo profissional do MRE e a comunidade brasileira e estrangeira
voltada para o estudo e debate de temas relativos à política externa. Esse
vínculo não afetava em nada sua total autonomia editorial, inclusive quanto à
escolha dos temas que seriam abordados a cada número (trimestral).
Os anos da “Política
Externa Independente” representaram uma precoce fase de sucesso enquanto
empreendimento editorial de política internacional e de diplomacia do Brasil,
um prestígio e um vínculo preferencial entre os dois “estabelecimentos” que a
crise política do início dos anos 1960 e o golpe militar de 1964 viriam abalar
e em parte comprometer durante vários anos. Ocorreu certa retração dos
diplomatas participando na e da revista, pois estes passaram a considerar com
maior cuidado político a elaboração de artigos de opinião para a RBPI, identificada com aquela fase
pioneira de busca da plena autonomia na formulação e implementação da política
externa, num período em que os critérios de segurança primavam conjunturalmente
sobre os de desenvolvimento e participação no ambiente efervescente dos anos
1960. A RBPI teve a companhia
temporária (por apenas três números, entre 1965 e 1966) de um outro
empreendimento, a revista Política
Externa Independente, que, por acaso, também foi dirigida por um dos nomes
mais prestigiosos da intelectualidade brasileira, o historiador José Honório
Rodrigues, que durante vários anos nessa década, também foi o diretor do
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), ao mesmo tempo em que
se exercia como editor, aliás excelente, da RBPI.
O outro grande nome
dessa fase pioneira, mas que se devotou inteiramente à revista durante suas
primeiras três décadas no Rio de Janeiro, foi obviamente Cleantho de Paiva
Leite, membro da assessoria especial do governo constitucional de Getúlio
Vargas (1951-54), fundador e executivo do IBRI, um dos primeiros representantes
do Brasil no BID e animador intelectual e generoso financiador da RBPI durante a sua fase de relativo
declínio dos anos 1970 aos 80. Seu falecimento, em 1992, quase constituiu,
também, uma ameaça de morte para a revista, finalmente salva ao ser transferida
para Brasília, no ano seguinte, por um pequeno grupo de acadêmicos e
diplomatas, que se empenhou em resgatar toda a sua memória pregressa –
atualmente disponível em formato digital – e em implementar um programa de elevação
dos seus padrões editoriais, até que ela alcançasse, já na segunda década do
novo milênio, um status e uma qualidade comparáveis aos das melhores revistas
internacionais conhecidas. Dois nomes estão associados a essa fase brasiliense
da RBPI: o professor titular de
história das relações internacionais da UnB, hoje aposentado, Amado Luiz Cervo,
primeiro editor, por dez anos, nessa segunda fase, e, em especial, o professor
Antonio Carlos Lessa, responsável pelo processo de verdadeira
internacionalização da revista, que agora pode estar vivendo sua terceira e
melhor fase.
Exibindo atualmente
indicadores de excelência editorial no plano internacional, a RBPI promete consolidar-se cada vez mais
como a revista por excelência nessa área no Brasil, com uma interface externa,
na região e fora dela, cada vez mais intensa e frutífera. Seu corpo editorial
testemunha a amplitude dessa internacionalização e a escolha criteriosa dos
artigos científicos que serão publicados, agora em fluxo contínuo, reforçam
essas características dos últimos anos e do futuro previsível. Como antigo
colaborador em sua primeira fase, como um dos responsáveis pela seu
renascimento em Brasília, e como parte intelectualmente interessada no seu
fortalecimento internacional, nesta nova fase, sinto orgulho de ter ajudado a RBPI a consolidar-se como uma revista
essencial ao estudo das relações internacionais nas últimas seis décadas, e
mais além, haja visto, também, seu forte conteúdo histórico e, anteriormente,
documental. Quem quer que empreenda pesquisas sobre as relações internacionais
e sobre a política externa brasileira desde a segunda metade do século XX até os
nossos dias tem, na RBPI, um
instrumento incontornável de referência e uma fonte indispensável para a
leitura de ensaios de qualidade sobre esse universo cada vez mais relevante nas
humanidades do Brasil. Ela é a mais antiga, a mais completa, a melhor revista
do gênero no país.
Longa vida à RBPI ao início do seu sexagésimo ano de
publicação continuada.
1254. “RBPI: itinerário de uma revista
essencial”, Brasília, 22 abril 2017, 3 p. Texto de comemoração dos 60 anos da
RBPI, para divulgação nos canais existentes. Mundorama (25/04/2017; link: <http://www.mundorama.net/?p=23514>).
Relação de Originais n. 3104.
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