Olavo de Carvalho sobre o Brasil como protetorado da China (2)
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Objetivo: comentário; finalidade: debate]
Olavo de Carvalho
A situação é horrível e deprimente, mas não é complexa nem difícil de entender. Pode ser resumida, sem exagero, nas seguintes palavras: O Brasil como nação independente não existe mais. É um protetorado chinês, governado por um embaixador prepotente e intolerante que tem a seu serviço a classe política, a elite judiciária, a mídia, o sistema de ensino e boa parte do empresariado. A classe militar, ciente da sua total inermidade ante o poder avassalador dessa autoridade estrangeira, faz de conta que não vê e tenta salvar as aparências. O presidente nominal não conta com outro apoio senão o da massa dispersa, desarmada e desamparada que o elegeu, e mal começa a tomar consciência de que não tem poder nenhum. O Brasil está derrotado e não se levantará, exceto na hipótese remota de os EUA quebrarem a espinha do poder chinês.
Já formulei meus primeiros comentários, especificamente sobre o fracasso completo do chanceler acidental em evitar essa terrível situação de subordinação completa – segundo o seu querido mestre – do Brasil à China, em texto anterior, postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/olavo-de-carvalho-sobre-o-brasil-como.html). Pretendo agora tratar da substância da matéria – se existe alguma –, ou seja, essa condição do Brasil como “protetorado chinês”, mas, antes, vou complementar o que afirmei, sobre o discípulo do guru da Virgínia, uma vez que faltou uma referência pessoal naquele primeiro comentário.
Um pouco mais de um ano atrás, antes do Carnaval de 2019, ao deparar-me com uma postagem de igual horror conceitual e absoluto despautério substantivo, transcrevi o imenso besteirol do Rasputin de subúrbio, e denominei-o de “olavice debiloide”, logo entrando na linha de tiro do chanceler que tinha tomado posse menos de dois meses antes. Numa nota mais ou menos equivalente a esta que agora contemplamos, ele se dirigia ao general Mourão – o subsofista da Virgínia estava então empenhado, junto com os Bolsokids, em atacar os militares do Planalto – e perguntava, com o seu ar zombeteiro:
Por que o período de nosso maior comércio com a China foi também o de maior decadência social, econômica, política e moral do Brasil?
Pura coincidência?
Qual país a China enriqueceu, general Mourão?
Olavo de Carvalho
Surpreendido por tamanha estultice, fiz uma postagem, sob o título de “Olavices debiloides”, na qual começava por afirmar isto: “Certas coisas precisam ser relidas para constatar que, efetivamente, estamos em face de uma demonstração explícita de debilidade mental.” Depois de transcrever a bobagem acima transcrita, eu terminava:
Como a China continua a ser, a despeito do que possa pensar o sofista da Virgínia, nosso maior parceiro comercial, esse gênio da economia e do comércio imoral está afirmando, implicitamente, que o governo Bolsonaro continua empurrando o Brasil para a “decadência social, econômica, política e moral”.
É essa inteligência suprema que orienta a política externa do presente governo?
Poucos dias depois, eu era demitido da direção do IPRI, e uma das razões alegadas foi a de que tinha “ofendido o Professor”, que tomou a iniciativa de transcrever a mensagem que o seu discípulo guindado à condição de demolidor da política externa brasileira, lhe enviou, na qual ele proclamava seriamente:
A decisão foi inteiramente minha. Sinto muito que algumas pessoas a estejam atribuindo a uma intervenção do Professor, eu não queria causar nenhum embaraço a ele. Almeida já vinha falando e postando muita coisa contra a nova política externa (nunca a favor), e eu tolerava, mas desta vez ele passou dos limites.
Os interessados em ler detalhes desses acontecimentos “a quente” podem ler uma postagem que eu fiz um ou dois dias depois de minha exoneração – prometendo inclusive contar um dia a história da “resistível ascensão” do nosso “Arturo Ui” – ainda disponível em meu blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/buscando-as-razoes-da-exoneracao-do.html).
Fiz questão de transcrever o fabuloso argumento do Rasputin de subúrbio sobre a estranha correlação entre crescimento do comércio bilateral Brasil-China e nossa suposta decadência ao longo do período para evidenciar, se ainda fosse necessário, a formidável estupidez do patrono do chanceler acidental em matéria de comércio, de economia e de relações internacionais em geral, inclusive nessa bizarra causalidade que pretende ver nos fluxos de comércio ampliados a fonte de nossa “decadência social, econômica, política e moral”, algo que nem o mais estulto opositor do crescente poderio econômico chinês poderia imaginar como sendo a origem de nosso suposto declínio.
Eu já tinha lido muitos artigos de Olavo de Carvalho, e confesso que tinha até me divertido com seus ataques cheios de verve aos “gramscianos de academia”, contidos no primeiro volume do Imbecil Coletivo (o segundo já me cansou), e conhecia alguns dos seus ensaios mais sérios – sobre Oto Maria Carpeaux, sobre José Guilherme Merquior, sobre Golbery do Couto e Silva –, sem esquecer alguns artigos mais inflados contra Paulo Freire ou o Foro de S. Paulo, além, é claro, do “marxismo cultural” e do terrível perigo comunista, representado pela nossa esquerda-caviar e pelos poderosos partidos neobolcheviques. Estive com ele, pessoalmente, apenas uma vez, num jantar da direita saudosista de Brasília, a que me convidaram sem que eu soubesse exatamente por quê; fui mais por curiosidade do que por qualquer vontade de congraçar-me com o conhecido polemista, que estava de passagem por Brasília a partir de seu autoexílio no império.
Fiquei praticamente sentado à sua frente e conversamos – ou melhor, ele praticamente falou sozinho a noite inteira, alternando garfadas e cigarros – e, em menos de dez minutos, pude concluir, com muita certeza, de que o parlapatão à minha frente era um maluco beleza, capaz de falar despudoradamente sobre tudo e sobre todos, com completo desconhecimento de alguns dos temas que abordava. Como sabia que eu era diplomata, articulou algumas frases sem sentido sobre a área, mas que esqueci completamente, pela sua total disparidade com a realidade do mundo at large. Passamos anos sem mais nenhum tipo de interação, até que, para completa surpresa minha, fui colocado, sem qualquer aviso preventivo, num face-a-face com o guru dos bolsonaristas, para um debate virtual sobre os temas da globalização e do globalismo. Eu pensava que fosse uma entrevista com o pessoal do Brasil Paralelo, similar ao que eu havia feito um ano antes, ao final do longo período lulopetista em nosso país (que pode ser vista neste link: https://youtu.be/fWZXaIz8MUc).
Não vou me estender sobre um entrevero absolutamente surreal entre um dos mais famosos promotores do antiglobalismo nas searas incultas do país e um ferrenho globalista e globalizador convencido que sou eu mesmo. Não posso aliás dizer que tenha sido um diálogo, pois que me ative a meus argumentos decididamente a favor da globalização, e classificando o globalismo como um fantasma metafísico cultivado por paranoicos e por partidários de concepções conspiratórias da história, aliás de extrema direita. Foi o que bastou para que o guru da Virgínia passasse a me atacar, no “diálogo” sem xingamentos naquele momento (mas seguido, depois, em seus canais dos mais violentos impropérios contra mim). Postei a novela completa em meu blog, como sempre faço: “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo” (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalismo-e-globalizacao-ou-vice-versa.html).
Tive então – estou falando de dezembro de 2017 – a confirmação de que o guru era um total ignorante em temas de política internacional, uma dessas ignorâncias irrecorríveis, pois que não podendo ser corrigida por novas leituras ou a simples informação por meio da boa imprensa internacional, já que encapsulada nas suas crenças conspiratórias ao melhor estilo da direita paranoica americana: ricos milionários cooperando com a esquerda marxista para a subordinação das soberanias nacionais em nome de um fantasmagórico globalismo. Mas, parei de me preocupar com o dito guru durante vários meses, até que, em meados de 2018, seu nome começou novamente a emergir como sendo o inspirador da nova direita que galgava alegremente os caminhos do poder.
Sua vinculação com o futuro chanceler só vim a descobrir em novembro daquele ano, quando ele foi anunciado como o novo comandante da outrora prestigiosa Casa do Barão do Rio Branco, doravante entregue ao pequeno círculo de adoradores do sofista da Virgínia. O que soube é que o ainda ministro de segunda classe EA (acrônimo de Era dos Absurdos) havia levado vários exemplares do número 6 dos Cadernos de Política Exterior – por acaso editado por mim, como diretor do IPRI – que tinha publicado o seu bizarro artigo “Trump e o Ocidente” em visita pessoal ao Rasputin de subúrbio. Foi, ao que parece, o que lhe garantiu a conquista do Itamaraty, ademais de uma submissão canina aos Bolsokids e ao Robespirralho da assessoria internacional da Presidência da República.
Na mesma ocasião, ou seja, em novembro de 2018, eu li coisas estarrecedoras que supostamente expressavam o pensamento do chanceler-surpresa, a partir de uma visita pouco edificante ao seu blog – Metapolítica 17: contra o globalismo –, no qual o surrealismo político se combinava a uma virulência textual contra o marxismo, contra a esquerda em geral, contra o politicamente correto e outros temas de vanguarda, denotando uma postura radicalmente regressista raramente vista numa Casa razoavelmente progressista, como é o Itamaraty. O mais surpreendente, para um diplomata, foi constatar um furioso antiglobalismo e um incompreensível antimultilateralismo, que estão nas antípodas das concepções e postura de um diplomata “normal”.
Se formos agora reler o que escreveu Olavo de Carvalho nessa sua postagem contra o “protetorado chinês” sobre o Brasil, tudo se vincula, mestre e discípulo, o que me dispensa de sequer comentar a extrema bobagem da “descoberta” do Rasputin expatriado. Só vou agregar este desafio: duvido que o chanceler acidental, se por acaso for instado pela imprensa a comentar aquela constatação, tenha a coragem de contestá-lo de frente, o que implicaria em romper ideologicamente com o Dr. Frankenstein que compôs a criatura.
Vamos aguardar...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de abril de 2020
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