Felipe Salto tem perfeito conhecimento das contas públicas e sabe onde se deve cortar. Quem é "imbrochável" deve ter coragem para enfrentar EMENDAS ILEGAIS e IRRESPONSÁVEIS do Centrão.
Uma solução para os precatórios
Felipe Salto *
O episódio dos precatórios revela a preferência por contornar o teto de gastos. O risco de não pagar despesas obrigatórias já foi elucidado no meu último artigo. Dólar, inflação, juros e dívida para cima. Proponho uma solução para preservar o teto, ampliar o Bolsa Família e quitar todos os precatórios em 2022.
O governo informou, recentemente, que haverá R$ 89,1 bilhões de sentenças judiciais e precatórios a pagar no ano que vem. Não deveria surpreender-se, já que a Advocacia-Geral da União faz o mapeamento sistemático dos riscos. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Balanço-Geral da União constam as informações agregadas. Supõe-se ser a soma dos dados pormenorizados de cada ação judicial.
Antes, previa-se algo como R$ 57 bilhões.
A diferença, de R$ 32,1 bilhões (89,1 menos 57), precisará caber no teto e no Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária Anual será apresentado hoje e, até o momento em que este artigo foi escrito, não havia solução anunciada. A PEC dos Precatórios é um erro com potencial de prejudicar a economia via aumento do risco. Retirar o gasto do teto ou fixar um limite máximo anual de pagamento seriam saídas igualmente problemáticas.
Um dos maiores precatórios da conta de 2022 é o Fundef, programa educacional dos anos 1990 para universalizar o acesso à escola. Em particular, esses precatórios tratam da complementação paga pela União aos fundos instituídos nos Estados e municípios.
O Fundef foi substituído pelo Fundeb, passando a incluir o ensino médio. A despesa com precatórios do Fundef tem, exata e precisamente, a mesma natureza da despesa do Fundef original e do Fundeb atual.
A complementação da União ao Fundeb não se sujeita ao teto de gastos desde a origem da nova regra fiscal (2016). Assim, não há razão para tratar coisas iguais de modo distinto: se a complementação está fora do teto, os precatórios dela originados também devem estar.
O STF mandou a União pagar cerca de R$ 16 bilhões em precatórios do Fundef à Bahia, ao Ceará e a Pernambuco. Sob adequado tratamento contábil a esse gasto (fora do teto), metade do rombo de R$ 32,1 bilhões estaria resolvida.
Essa discussão foi trazida inicialmente pelo economista Daniel Couri, que logo percebeu a inconsistência.
E o resto? Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), se a inflação de 2021 ficar igual à acumulada em 12 meses até junho (8,35%), haveria folga de pelo menos R$ 15 bilhões no teto de 2022. Vale dizer, enquanto o limite sobe pela inflaçãomedida pelo IPCA do meio do ano anterior, as despesas sujeitas ao teto sobem pela do fim do ano.
A inflação está pressionada pela taxa de câmbio, pelo risco fiscal, pelo aumento dos preços das commodities e pelo espalhamento desses fatores no setor de serviços. Esperava-se, até há pouco, que a inflação pudesse ceder ao longo do segundo semestre.
Ao contrário, as projeções de mercado não cansam de subir. Mas a alta dos juros deve permitir, ao menos, certa estabilidade em relação ao patamar de junho.
Destaco que a folga estimada em R$ 15 bilhões pressupõe ausência de reajustes salariais para o serviço público além dos já concedidos (militares).
Assim, o buraco de R$ 32,1 bilhões cairia para R$ 16,1 bilhões, com a correta interpretação para os precatórios do Fundef, e, em seguida, para R$ 1,1 bilhão, pelo uso da folga do teto. Restaria equacionar R$ 1,1 bilhão. O veto presidencial à nova regra para o fundão eleitoral já daria conta disso.
Finalmente, como ampliar o Bolsa Família? Em 2021, as emendas de relator-geral do orçamento totalizarão R$ 18,5 bilhões. Vamos imaginar um corte de R$ 10 bilhões nessas emendas, que nem deveriam existir.
A saber, ferem a própria lógica das emendas individuais â regulamentadas e impositivas. Abalam, ainda, os princípios básicos do processo orçamentário, a exemplo da impessoalidade e da transparência.
Outros R$ 10 bilhões poderiam ser cortados nas demais despesas discricionárias (não obrigatórias), que incluem as emendas. Corrigindo as discricionárias de 2021 pela inflação e promovendo os cortes, seria possível garantir um volume de R$ 109,7 bilhões para 2022.
Valor baixo, mas condizente com o funcionamento da máquina pública. Apagaria o incêndio dos precatórios e tornaria viável o Bolsa Família.
Esse montante de R$ 20 bilhões permitiria ampliar o benefício médio do Bolsa Família em aproximadamente 60%, isto é, de cerca de R$ 190 para R$ 305, mantido o número de benefícios emitidos. Pode-se, ainda, imaginar um arranjo com menor aumento do benefício mensal para contemplar uma expansão do número de famílias atendidas pelo programa.
O que proponho não tem nada de novo: pagar as contas em dia e cortar gastos para financiar despesas novas. Todas as alternativas consideradas até aqui â 1) parcelar precatórios, 2) fixar um limite de pagamento e postergar o excedente ou 3) retirar esses gastos do teto â têm riscos não desprezíveis. Mudar a regra na iminência do seu rompimento é um caminho a evitar.
A solução difícil, cortar gastos, ninguém quer.
* DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI.
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