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terça-feira, 29 de novembro de 2022

O Teto [de gastos] que Ruiu - Monica de Bolle

O Teto que Ruiu

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Imagino que, diante de tanta falação, muita gente já saiba que o teto ruiu. Falo do Teto de Gastos, regra fiscal sob forma de Emenda Constitucional aprovada em 2016, primeiro ano do governo de Michel Temer. Mas, entre saber do desmoronamento e entendê-lo propriamente existe uma distância considerável. Das conversas virtuais que tenho em minhas redes -- no canal do youtube, por exemplo -- sei que várias pessoas compreendem que tendo sido modificado várias vezes, o teto nada vale como regra fiscal crível. Contudo, temo que muitos não entendam o que levou a essa situação. Portanto, vamos a essa explicação.

Devo esclarecer que esse breve texto é uma espécie de leitura para acompanhar esse vídeo, no qual tratei da questão mais detidamente. 

O teto criado em 2016 é, na verdade, uma regra muito simples, simplória até, com desdobramentos bastante complexos. A regra estabelece que as despesas primárias, isto é, todas as despesas menos aquelas destinadas ao pagamento de juros e amortização da dívida pública, não possam crescer mais do que a inflação do ano anterior. A expressão "todas as despesas primárias" abrange tudo o que se possa imaginar, inclusive qualquer dispêndio relacionado ao investimento. Por exemplo, a manutenção de equipamentos de um hospital público, digamos, de um aparelho de tomografia, é tratada como investimento por ser uma despesa de capital. Logo, sob o teto estão todos os gastos possíveis e imagináveis com máquinas e equipamentos que pertencem ao governo.

Como a variação dos gastos é única e exclusivamente ditada pela inflação do ano anterior, não tendo qualquer relação com a evolução da receita do governo ou com a variação do PIB, na data de sua criação ficou estabelecido que os gastos seriam reduzidos ao longo do tempo. Por que? Porque como nós temos um regime de metas de inflação e, portanto, o Banco Central deve atuar para fazer com que a inflação convirja para essa meta ao longo do tempo, o limite máximo para o crescimento dos gastos estando a inflação próxima da meta é a própria meta de inflação. Cumprida a meta de inflação, o teto de gastos desenhado dessa forma se transforma em regra de contingenciamento. Como?

Vejam: suponhamos que no primeiro ano a inflação tenha sido de 10%. Isso signfica que no ano seguinte, o ano 2, os gastos poderão crescer 10%, o que é bastante razoável. Caso no ano 2 a inflação tenha sido de 6%, ainda há 6% de espaço para o aumento de gastos no ano 3. A coisa começa a ficar feia no ano 4 caso a inflação do ano 3 seja de apenas 3%. Agora, no ano 4, os gastos só poderão aumentar 3%, o que começa a estrangular várias despesas, inclusive aquelas com a manutenção de máquinas e equipamentos. Lembram do aparelho de tomografia? Pois é, ele não passará por manutenção, aumentando o risco de que deixe de funcionar e atender pacientes no SUS. 

Ao longo do tempo, o nosso teto de gastos se transmutou numa regra de contingenciamento. Como tal, passou a ser uma prensa implacável sobre o sistema de saúde, sobre a educação, sobre a assistência social. Os que mais sofreram, evidentemente, foram os mais pobres. Há, entretanto, um outro lado do teto. Ao se tornar uma regra de contingenciamento, ele limitou de forma extrema o espaço de atuação do governo. Sobraram duas alternativas: mudar a regra, ou entregar o orçamento público ao Congresso sob a forma da negociação de PECs sucessivas. Bolsonaro e Paulo Guedes preferiram o segundo caminho em vez de enfrentar a ira da turma "meu teto, minha vida". Foi assim que a formulação do orçamento público foi entregue ao Congresso Nacional, uma entrega de poder dissonante daquilo que deve ser o exercício orçamentário.

Agora que o teto ruiu, deve o governo eleito tratar de recuperar o poder de formular o orçamento. Como? Não é tarefa fácil, mas por certo não será pela via simples e errada da determinação de gastos extra-teto enquanto o cadáver continua pendurado na Constituição. 

O caminho está descrito aqui

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domingo, 6 de novembro de 2022

Economia brasileira: direita e esquerda querem furar (e furam) o teto de gastos (G1, Estadão)

 Teto de gastos foi 'furado' cinco vezes no governo Bolsonaro; veja a lista

Impacto das mudanças chega a R$ 236,5 bilhões, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente.

 

Por G1, 04/11/2022

 

Matéria completa clique abaixo:

 

https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/04/teto-de-gastos-foi-furado-cinco-vezes-no-governo-bolsonaro-veja-a-lista.ghtml 

 

TCU vê precedente em crédito extraordinário; Pacheco apoia a saída

 

A edição de crédito extraordinário seria um plano B à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, que depende de complexa negociação no Congresso Nacional 

 

Estadão Conteúdo05/11/22

 

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) veem precedente para o uso de crédito extraordinário para cobrir o Auxílio Brasil de R$ 600 e despesas de outros programas já em curso e sem verbas previstas no Orçamento de 2023. A edição de crédito extraordinário seria um plano B à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, que depende de complexa negociação no Congresso Nacional.

 

Segundo fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, o tribunal autorizou a abertura de créditos extraordinários em casos similares, como em consulta feita em 2016 pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), sobre a possibilidade de medidas provisórias para cobrir despesas de programas já existentes que não estavam no Orçamento.

 

Correção da tabela do Simples e do MEI pode retirar R$ 66 bi em receitas

 

Na época, o governo de Michel Temer (MDB) foi autorizado a cobrir por esse tipo de crédito despesas obrigatórias da Justiça do Trabalho, auxílio para a Olimpíada do Rio e subsídios para o BNDES, que não tinham receitas correspondentes no Orçamento aprovado.

 

No acórdão, o TCU diz que “é cabível a abertura de crédito extraordinário quando a insuficiência de dotação puder potencialmente acarretar a descontinuidade de serviços públicos essenciais”.

 

A PEC aumenta a dependência do Centrão e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas é considerada o melhor caminho por alguns técnicos por poder ser aprovada ainda neste ano, o que faria Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomar posse já com as despesas previstas. Segundo cálculos da equipe de transição, os gastos fora do teto seriam de R$ 160 bilhões, podendo chegar a R$ 200 bilhões.

 

O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), porta-voz do novo governo na questão orçamentária, disse que a equipe estuda como a alternativa a abertura do crédito extraordinário, mas está “fixada” na PEC.

 

Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prefere a abertura do crédito extraordinário a mexer na Constituição – seria a sexta alteração no teto de gastos (as outras cinco foram no governo Bolsonaro). “Se houver alternativa que seja medida provisória através de crédito extraordinário, para que tudo isso seja implementado, evidentemente que não mexer na Constituição seria melhor”, afirmou ontem, à GloboNews.

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Uma solução para os precatórios - Felipe Salto (Estadão)

Felipe Salto tem perfeito conhecimento das contas públicas e sabe onde se deve cortar. Quem é "imbrochável" deve ter coragem para enfrentar EMENDAS ILEGAIS e IRRESPONSÁVEIS do Centrão.


01:32:37 | 31/08/2021 | Economia | O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto | BR

Uma solução para os precatórios

    Felipe Salto *

    O episódio dos precatórios revela a preferência por contornar o teto de gastos. O risco de não pagar despesas obrigatórias já foi elucidado no meu último artigo. Dólar, inflação, juros e dívida para cima. Proponho uma solução para preservar o teto, ampliar o Bolsa Família e quitar todos os precatórios em 2022.

    O governo informou, recentemente, que haverá R$ 89,1 bilhões de sentenças judiciais e precatórios a pagar no ano que vem. Não deveria surpreender-se, já que a Advocacia-Geral da União faz o mapeamento sistemático dos riscos. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Balanço-Geral da União constam as informações agregadas. Supõe-se ser a soma dos dados pormenorizados de cada ação judicial.

    Antes, previa-se algo como R$ 57 bilhões.

    A diferença, de R$ 32,1 bilhões (89,1 menos 57), precisará caber no teto e no Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária Anual será apresentado hoje e, até o momento em que este artigo foi escrito, não havia solução anunciada. A PEC dos Precatórios é um erro com potencial de prejudicar a economia via aumento do risco. Retirar o gasto do teto ou fixar um limite máximo anual de pagamento seriam saídas igualmente problemáticas.

    Um dos maiores precatórios da conta de 2022 é o Fundef, programa educacional dos anos 1990 para universalizar o acesso à escola. Em particular, esses precatórios tratam da complementação paga pela União aos fundos instituídos nos Estados e municípios.

    O Fundef foi substituído pelo Fundeb, passando a incluir o ensino médio. A despesa com precatórios do Fundef tem, exata e precisamente, a mesma natureza da despesa do Fundef original e do Fundeb atual.

    A complementação da União ao Fundeb não se sujeita ao teto de gastos desde a origem da nova regra fiscal (2016). Assim, não há razão para tratar coisas iguais de modo distinto: se a complementação está fora do teto, os precatórios dela originados também devem estar.

    O STF mandou a União pagar cerca de R$ 16 bilhões em precatórios do Fundef à Bahia, ao Ceará e a Pernambuco. Sob adequado tratamento contábil a esse gasto (fora do teto), metade do rombo de R$ 32,1 bilhões estaria resolvida.

    Essa discussão foi trazida inicialmente pelo economista Daniel Couri, que logo percebeu a inconsistência.

    E o resto? Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), se a inflação de 2021 ficar igual à acumulada em 12 meses até junho (8,35%), haveria folga de pelo menos R$ 15 bilhões no teto de 2022. Vale dizer, enquanto o limite sobe pela inflaçãomedida pelo IPCA do meio do ano anterior, as despesas sujeitas ao teto sobem pela do fim do ano.

    inflação está pressionada pela taxa de câmbio, pelo risco fiscal, pelo aumento dos preços das commodities e pelo espalhamento desses fatores no setor de serviços. Esperava-se, até há pouco, que a inflação pudesse ceder ao longo do segundo semestre.

    Ao contrário, as projeções de mercado não cansam de subir. Mas a alta dos juros deve permitir, ao menos, certa estabilidade em relação ao patamar de junho.

    Destaco que a folga estimada em R$ 15 bilhões pressupõe ausência de reajustes salariais para o serviço público além dos já concedidos (militares).

    Assim, o buraco de R$ 32,1 bilhões cairia para R$ 16,1 bilhões, com a correta interpretação para os precatórios do Fundef, e, em seguida, para R$ 1,1 bilhão, pelo uso da folga do teto. Restaria equacionar R$ 1,1 bilhão. O veto presidencial à nova regra para o fundão eleitoral já daria conta disso.

    Finalmente, como ampliar o Bolsa Família? Em 2021, as emendas de relator-geral do orçamento totalizarão R$ 18,5 bilhões. Vamos imaginar um corte de R$ 10 bilhões nessas emendas, que nem deveriam existir.

    A saber, ferem a própria lógica das emendas individuais â regulamentadas e impositivas. Abalam, ainda, os princípios básicos do processo orçamentário, a exemplo da impessoalidade e da transparência.

    Outros R$ 10 bilhões poderiam ser cortados nas demais despesas discricionárias (não obrigatórias), que incluem as emendas. Corrigindo as discricionárias de 2021 pela inflação e promovendo os cortes, seria possível garantir um volume de R$ 109,7 bilhões para 2022.

    Valor baixo, mas condizente com o funcionamento da máquina pública. Apagaria o incêndio dos precatórios e tornaria viável o Bolsa Família.

    Esse montante de R$ 20 bilhões permitiria ampliar o benefício médio do Bolsa Família em aproximadamente 60%, isto é, de cerca de R$ 190 para R$ 305, mantido o número de benefícios emitidos. Pode-se, ainda, imaginar um arranjo com menor aumento do benefício mensal para contemplar uma expansão do número de famílias atendidas pelo programa.

    O que proponho não tem nada de novo: pagar as contas em dia e cortar gastos para financiar despesas novas. Todas as alternativas consideradas até aqui â 1) parcelar precatórios, 2) fixar um limite de pagamento e postergar o excedente ou 3) retirar esses gastos do teto â têm riscos não desprezíveis. Mudar a regra na iminência do seu rompimento é um caminho a evitar.

    A solução difícil, cortar gastos, ninguém quer.

    * DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI.

    AS OPINIÕES NÃO VINCULAM A INSTITUIÇÃO.