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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Uma solução para os precatórios - Felipe Salto (Estadão)

Felipe Salto tem perfeito conhecimento das contas públicas e sabe onde se deve cortar. Quem é "imbrochável" deve ter coragem para enfrentar EMENDAS ILEGAIS e IRRESPONSÁVEIS do Centrão.


01:32:37 | 31/08/2021 | Economia | O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto | BR

Uma solução para os precatórios

    Felipe Salto *

    O episódio dos precatórios revela a preferência por contornar o teto de gastos. O risco de não pagar despesas obrigatórias já foi elucidado no meu último artigo. Dólar, inflação, juros e dívida para cima. Proponho uma solução para preservar o teto, ampliar o Bolsa Família e quitar todos os precatórios em 2022.

    O governo informou, recentemente, que haverá R$ 89,1 bilhões de sentenças judiciais e precatórios a pagar no ano que vem. Não deveria surpreender-se, já que a Advocacia-Geral da União faz o mapeamento sistemático dos riscos. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Balanço-Geral da União constam as informações agregadas. Supõe-se ser a soma dos dados pormenorizados de cada ação judicial.

    Antes, previa-se algo como R$ 57 bilhões.

    A diferença, de R$ 32,1 bilhões (89,1 menos 57), precisará caber no teto e no Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária Anual será apresentado hoje e, até o momento em que este artigo foi escrito, não havia solução anunciada. A PEC dos Precatórios é um erro com potencial de prejudicar a economia via aumento do risco. Retirar o gasto do teto ou fixar um limite máximo anual de pagamento seriam saídas igualmente problemáticas.

    Um dos maiores precatórios da conta de 2022 é o Fundef, programa educacional dos anos 1990 para universalizar o acesso à escola. Em particular, esses precatórios tratam da complementação paga pela União aos fundos instituídos nos Estados e municípios.

    O Fundef foi substituído pelo Fundeb, passando a incluir o ensino médio. A despesa com precatórios do Fundef tem, exata e precisamente, a mesma natureza da despesa do Fundef original e do Fundeb atual.

    A complementação da União ao Fundeb não se sujeita ao teto de gastos desde a origem da nova regra fiscal (2016). Assim, não há razão para tratar coisas iguais de modo distinto: se a complementação está fora do teto, os precatórios dela originados também devem estar.

    O STF mandou a União pagar cerca de R$ 16 bilhões em precatórios do Fundef à Bahia, ao Ceará e a Pernambuco. Sob adequado tratamento contábil a esse gasto (fora do teto), metade do rombo de R$ 32,1 bilhões estaria resolvida.

    Essa discussão foi trazida inicialmente pelo economista Daniel Couri, que logo percebeu a inconsistência.

    E o resto? Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), se a inflação de 2021 ficar igual à acumulada em 12 meses até junho (8,35%), haveria folga de pelo menos R$ 15 bilhões no teto de 2022. Vale dizer, enquanto o limite sobe pela inflaçãomedida pelo IPCA do meio do ano anterior, as despesas sujeitas ao teto sobem pela do fim do ano.

    inflação está pressionada pela taxa de câmbio, pelo risco fiscal, pelo aumento dos preços das commodities e pelo espalhamento desses fatores no setor de serviços. Esperava-se, até há pouco, que a inflação pudesse ceder ao longo do segundo semestre.

    Ao contrário, as projeções de mercado não cansam de subir. Mas a alta dos juros deve permitir, ao menos, certa estabilidade em relação ao patamar de junho.

    Destaco que a folga estimada em R$ 15 bilhões pressupõe ausência de reajustes salariais para o serviço público além dos já concedidos (militares).

    Assim, o buraco de R$ 32,1 bilhões cairia para R$ 16,1 bilhões, com a correta interpretação para os precatórios do Fundef, e, em seguida, para R$ 1,1 bilhão, pelo uso da folga do teto. Restaria equacionar R$ 1,1 bilhão. O veto presidencial à nova regra para o fundão eleitoral já daria conta disso.

    Finalmente, como ampliar o Bolsa Família? Em 2021, as emendas de relator-geral do orçamento totalizarão R$ 18,5 bilhões. Vamos imaginar um corte de R$ 10 bilhões nessas emendas, que nem deveriam existir.

    A saber, ferem a própria lógica das emendas individuais â regulamentadas e impositivas. Abalam, ainda, os princípios básicos do processo orçamentário, a exemplo da impessoalidade e da transparência.

    Outros R$ 10 bilhões poderiam ser cortados nas demais despesas discricionárias (não obrigatórias), que incluem as emendas. Corrigindo as discricionárias de 2021 pela inflação e promovendo os cortes, seria possível garantir um volume de R$ 109,7 bilhões para 2022.

    Valor baixo, mas condizente com o funcionamento da máquina pública. Apagaria o incêndio dos precatórios e tornaria viável o Bolsa Família.

    Esse montante de R$ 20 bilhões permitiria ampliar o benefício médio do Bolsa Família em aproximadamente 60%, isto é, de cerca de R$ 190 para R$ 305, mantido o número de benefícios emitidos. Pode-se, ainda, imaginar um arranjo com menor aumento do benefício mensal para contemplar uma expansão do número de famílias atendidas pelo programa.

    O que proponho não tem nada de novo: pagar as contas em dia e cortar gastos para financiar despesas novas. Todas as alternativas consideradas até aqui â 1) parcelar precatórios, 2) fixar um limite de pagamento e postergar o excedente ou 3) retirar esses gastos do teto â têm riscos não desprezíveis. Mudar a regra na iminência do seu rompimento é um caminho a evitar.

    A solução difícil, cortar gastos, ninguém quer.

    * DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI.

    AS OPINIÕES NÃO VINCULAM A INSTITUIÇÃO.