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domingo, 3 de março de 2024

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico - O Estado de S. Paulo

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico 

O Estado de S. Paulo, 3/03/2024

https://www.estadao.com.br/economia/as-licoes-da-asia-para-o-brasil-reduzir-a-miseria-em-5-graficos/




Nas últimas décadas, os países asiáticos alcançaram um resultado extraordinário na redução da pobreza extrema, com impacto profundo em todo o mundo. Como mostrou a série de reportagens Os caminhos da prosperidade, publicada pelo Estadão, a Ásia tirou mais de um bilhão de pessoas da miséria em apenas vinte anos, de acordo com o Banco Mundial.

A queda no número de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema – que engloba quem tem renda per capita inferior a US$ 2,15 (R$ 10,75) por dia em valores de 2017, pela paridade do poder de compra (PPP) – foi a maior, no menor prazo, em todos os tempos. E o mais impressionante é que isso aconteceu num período em que o número de habitantes da região teve um aumento de 46,9%, de 3,2 bilhões para 4,7 bilhões.

Em 30 anos, a renda per capita ajustada pelo poder de compra deu um salto. Nos países da Ásia Meridional, ela se multiplicou por seis, de US$ 1.249, em média, em 1990, para US$ 7.824, em 2022, em valores correntes. Na Ásia Oriental e na região do Pacífico, a renda per capita cresceu quase sete vezes, de US$ 3.250 para US$ 22.422. Enquanto isso, no Brasil, o crescimento foi de 2,7 vezes, de US$ 6.440 para US$ 17.270 – menos até do que o aumento ocorrido na média mundial, de 3,7 vezes, no mesmo período.

Afinal, qual o segredo da Ásia para ter reduzido de forma notável a miséria num prazo tão curto? O que os países asiáticos fizeram de diferente para chegar lá? Que lições o Brasil – cuja taxa de pobreza extrema aumentou de 3,3% para 5,8% da população entre 2014 e 2021, conforme o Banco Mundial, atingindo 12,5 milhões de pessoas – pode tirar do sucesso alcançado pela região na diminuição da miséria?

Para responder a estas perguntas, o Estadão produziu cinco gráficos que permitem a visualização imediata de alguns dos fatores que levaram a Ásia – mais especificamente os países localizados na Ásia Meridional e Oriental e na chamada região do Pacífico, onde a evolução foi mais acentuada – a reduzir a pobreza extrema em quase 90% desde 1990.

Embora não exista, segundo os analistas, o que se poderia chamar de um “modelo asiático” para explicar a diminuição da miséria na Ásia nas últimas décadas, é possível apontar alguns caminhos trilhados por países da região – que, em maior ou menor grau, conforme o caso, levaram a este resultado fenomenal. Confira a seguir quais são eles e como o Brasil se coloca em relação a cada ponto.


1. Crescimento econômico acelerado

O economista Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, não deixa margem para dúvidas ao falar sobre o impacto do crescimento na redução da miséria. “Nada funciona mais que o crescimento econômico para as sociedades melhorarem as condições de vida de seus integrantes, incluindo os mais desfavorecidos”, afirma Rodrik, no livro Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico.

Considerando o que ele diz, os países asiáticos têm sido imbatíveis. Entre 1960 e 2020, a Ásia foi a região que teve o maior crescimento médio por ano do mundo, como mostra o gráfico acima – bem superior ao do Brasil, em especial nas últimas décadas, justamente o período em que os países asiáticos mais cresceram.

Enquanto os países da Ásia Meridional cresceram, em média, 5,6% ao ano entre 1960 e 2021, e os da Ásia Oriental e da Região do Pacífico, 4,9%, o Brasil teve um crescimento anual de 3,9%. Na média, o crescimento do País nos últimos 60 anos até foi superior ao de outras regiões do mundo, graças principalmente ao resultado obtido entre os anos 1960 e 1980. Mas, de 1981 a 2010, a economia perdeu tração e a média foi de apenas 2,1% ao ano. E, de 2011 a 2021, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi de apenas 0,7%, em média, ao ano.

Resumindo: sem turbinar o crescimento econômico, o Brasil dificilmente conseguirá reduzir a miséria e melhorar a qualidade de vida da população, em especial dos mais vulneráveis, como a Ásia conseguiu.


2. Liberdade econômica 

Nas últimas décadas, quando o crescimento ganhou velocidade na região, a maioria dos países asiáticos melhorou sua colocação no principal ranking global de liberdade econômica, produzido pela Heritage Foundation, dos Estados Unidos, favorecendo o desenvolvimento e a redução da miséria.

O Vietnã, por exemplo, que era um país fechado aos investimentos estrangeiros e adotava o sistema de planejamento centralizado até meados dos anos 1980, conforme a orientação do Partido Comunista, aderiu à economia de mercado.

Com isso, o Vietnã, que andava de lado ou até de marcha à ré até então, cresceu uma média de 6,7% ao ano de 1990 a 2022, conforme dados do Banco Mundial, e deu um salto em sua posição na lista dos países com maior liberdade econômica. Nos últimos dez anos, o Vietnã subiu 89 posições no ranking, saindo da 148ª colocação para a 59ª, entre 176 países. Só na lista de 2024, divulgada recentemente, o país subiu 13 posições em relação ao ano passado.

A Indonésia, que também liberalizou de forma considerável sua economia, ganhou 52 posições na lista no mesmo período, passando de 105ª colocada no ranking para 53ª. Embora ainda mantenha o protagonismo do Estado em certas atividades, o país teve um crescimento do PIB um pouco mais baixo que o do Vietnã, de 4,7% ao ano, em média, entre 1990 e 2022 – mas ainda ficou bem acima da media mundial, de 2,9%.

O Brasil, enquanto isso, continuou como um país majoritariamente não livre, ocupando uma posição vexatória na lista. De 2015 até 2024, o País caiu seis posições no ranking, do 118º lugar para o 124º, ficando bem abaixo do Vietnã, da Indonésia e de outros países emergentes de alto crescimento na Ásia, como Bangladesh e Cambodja. O crescimento médio do Brasil entre 1990 e 2022 foi de apenas 2,1% ao ano, três vezes menor que o do Vietnã e duas vezes menor que o da Indonésia.

A China é a exceção que confirma a regra. Mesmo tendo liberalizado sua economia no fim dos anos 1970 e crescido 9% ao ano, em média, desde 1990, um recorde mundial, a China ocupa apenas a 151º colocação no ranking dos países mais livres na economia, perdendo 12 posições de 2023 para 2024.

Apesar da liberdade existente no comércio internacional e na área monetária, além da relativa liberdade que há nos negócios e na área tributária, de acordo com o levantamento, a China é considerada como uma economia reprimida no direito de propriedade, na liberdade de investimento, na saúde fiscal e na efetividade da Justiça, entre outras áreas, o que acaba afetando sua avaliação final.

“A liderança do Partido Comunista da China detém o controle direto da atividade econômica”, diz o relatório de 2024 da pesquisa da Heritage Foundation. “O quadro regulatório permanece complexo e desigual. As regras arbitrárias e frequentemente revisadas para os negócios e a legislação trabalhista submetem o setor privado aos caprichos do governo comunista.”

Em geral, porém, a liberdade econômica tem uma relação direta com o crescimento e leva à redução da miséria e à melhoria da qualidade de vida da população. A tendência normalmente é de os países com a economia mais reprimida terem menor probabilidade de obter sucesso na redução da pobreza.

“As economias (asiáticas) começaram a crescer mais rápido quando deixaram de lado as políticas de intervenção do Estado e focaram no mercado, enquanto os governos continuaram a desempenhar um papel proativo”, afirma Takehiko Nakao, ex-presidente executivo e do Desenvolvimento da Ásia (ADB, na sigla em inglês), no prefácio do livro A viagem da Ásia para a prosperidade, publicado pela instituição em 2020.

Segundo Nakao, a política de substituição de importações, ancorada no protecionismo, na falta de concorrência e em taxas de câmbio sobrevalorizadas, que foi largamente adotada por países em desenvolvimento no pós-guerra – inclusive no Brasil, onde está sendo ressuscitada –, levou a “sérias ineficiências” e a crises na balança de pagamentos, especialmente na América Latina.


3. Abertura comercial e integração na economia global

Para crescer em progressão geométrica, gerando milhões de empregos e melhorando a renda dos mais pobres, os países asiáticos – muitos deles fechados ao exterior até três ou quatro décadas atrás – deram uma guinada radical e procuraram se integrar à economia global.

Apesar de alguns terem crescido em ritmo acelerado mesmo com a manutenção de certas restrições às importações, como Indonésia e Bangladesh, os que obtiveram os melhores resultados foram aqueles que abriram para valer o comércio exterior, como Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e, numa segunda onda, a China, e mais recentemente o Vietnã.

Ao se abrirem para o mundo, promovendo uma redução substancial nas tarifas incidentes sobre as importações e multiplicando as exportações, especialmente de manufaturados e de serviços de alta tecnologia, eles alavancaram o crescimento econômico. A participação de muitos países asiáticos em acordos de livre comércio também deu uma grande contribuição para dinamizar as economias locais.

O Brasil, ao contrário, continua a ser um país relativamente fechado, cuja participação em acordos de livre comércio resume-se ao Mercosul – e, mesmo assim, com diversas restrições nas trocas entre os países do bloco. O acordo do Mercosul com a União Europeia, que estava bem encaminhado, acabou “fazendo água” porque o governo Lula queria, entre outras reivindicações, restringir a participação das empresas estrangeiras nas compras governamentais.

Em nome da proteção à indústria nacional, o Brasil ainda mantém elevadas tarifas sobre importações, encarecendo a modernização da produção, que permitiria ganhos de eficiência e produtividade, e restringindo a concorrência com os produtos importados, em prejuízo dos consumidores – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Na média, as importações dos países da Ásia Oriental e da Região do Pacífico representam hoje 28,8% do PIB, de acordo com o Banco Mundial. Na Ásia Meridional, as importações chegam a 25,9% do PIB. Em ambos os casos, ainda é um volume inferior à média global, de 30,5% do PIB, mas as duas regiões já estão quase chegando lá.

No Brasil, apesar de as importações terem crescido de 7% para 19,3% do PIB entre 2000 e 2022, continuam bem abaixo das médias asiáticas e internacional, dificultando o desenvolvimento do País e a redução da pobreza.

As exportações brasileiras até ganharam corpo nas últimas décadas e hoje estão mais ou menos no nível da Ásia Meridional, na faixa de 20% do PIB. No entanto, isso ocorreu principalmente em razão da explosão das vendas de commodities agrícolas e minerais ao exterior e não pela integração do País na cadeia global de suprimentos ou pela venda de produtos manufaturados e de maior valor agregado.

Agora, mesmo com o crescimento verificado nos últimos 20 anos, o volume de exportações do Brasil ainda está bem abaixo da média mundial e dos volumes negociados pela Ásia Oriental, o que mostra o enorme espaço ainda existente para o País ampliar sua fatia no comércio exterior e sua integração na economia mundial, com efeitos positivos no desenvolvimento e na diminuição da miséria.


4. Atração de investimentos estrangeiros 

Nos últimos 30 anos, o ingresso de investimentos estrangeiros contribuiu de forma decisiva para alavancar o crescimento econômico da Ásia, gerando emprego e renda, principalmente nos países que alcançaram a maior redução na pobreza. Embora demonizados como uma forma de “imperialismo” por partidos e militantes anticapitalistas, os investimentos estrangeiros se tornaram fundamentais para dinamizar a economia até em países comunistas como o Vietnã e a própria China.

Apesar de classificada como um país reprimido na atração de investimentos pela Heritage Foundation, a China conseguiu atrair um volume espetacular de dólares desde a liberalização da economia, nos anos 1970. Segundo os números da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), o estoque de investimentos estrangeiros no país passou de 5,24% do PIB em 1990 para 21,2% em 2022.

Em termos absolutos, o estoque aumentou de US$ 249 bilhões em valores correntes para US$ 3,8 trilhões, 15 vezes mais, e o fluxo continua forte. Só em 2022, ingressaram US$ 189,1 bilhões em aportes externos na China – 2,5 vezes mais do que no Brasil, mesmo com as empresas estrangeiras buscando novos pontos de produção nos últimos anos, para diversificar suas bases por um número maior de países.

A Ásia Meridional, que só mais recentemente mudou de atitude em relação ao capital estrangeiro, ainda tem um estoque relativamente baixo de investimentos externos, equivalente a 13,1% do PIB, enquanto no Sudeste Asiático como um todo o estoque chega a 99,3% do PIB, segundo a Unctad, e a 98,2% no mundo.

No Brasil, embora o estoque de investimentos estrangeiros, de 43,6% do PIB, seja bem maior do que o da Ásia Meridional, ainda representa mais ou menos a metade do volume do Sudeste Asiático e do estoque mundial. Além disso, o aumento do estoque de capital externo no País ficou em 107,6% desde 2000, bem abaixo dos 211,9% da Ásia Meridional, dos 158,8% da Ásia Oriental e dos 142,2% do Sudeste Asiático, de acordo com a Unctad – o que ajuda a explicar o crescimento mais acelerado dos países da Ásia, que criou condições para a redução da miséria na região.


5. Investimento em infraestrutura e máquinas

Além da liberalização da economia, da abertura comercial e do ingresso de capital estrangeiro em grande escala, os investimentos em infraestrutura, na construção civil e em máquinas e equipamentos puxaram o crescimento econômico asiático. O alto volume de investimentos na região também deu uma contribuição relevante para o aumento da produtividade, a modernização da produção e a melhora nas condições de vida da população, com avanços nos transportes, no acesso a energia e no saneamento básico, entre outras áreas.

Na Ásia Oriental e na Região do Pacífico, que inclui a China, onde os investimentos em obras de infraestrutura e na modernização da produção foram gigantescos nas últimas décadas, a taxa de investimento chegou a 35% do PIB em 2022, quase dez pontos acima da média mundial, de 26% do PIB. Na Ásia Meridional, a taxa alcançou 28% do PIB, também acima da média mundial.

No Brasil, onde os economistas costumam dizer que seria preciso uma taxa de investimento de pelo menos 25% do PIB ao ano para o País melhorar sua infraestrutura e modernizar sua produção, com ganhos de produtividade e eficiência, a taxa não passou de 19% em 2022 – e, ainda assim, foi a maior desde 2014. Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, o volume de investimentos voltou a cair, para 16,5% do PIB. Isso explica, em boa medida, o baixo crescimento do Brasil nos últimos anos.

Em alguns países asiáticos, como a China, a Indonésia e Bangladesh, o Estado ainda responde por boa parte dos investimentos em infraestrutura. Tal estratégia contribui para gerar emprego e renda e turbinar o crescimento econômico, mas quase sempre leva a uma deterioração significativa nas contas públicas e acaba tendo impacto negativo na economia mais adiante.

E é este o caminho que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer seguir mais uma vez no Brasil, com o lançamento de uma nova versão PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), adotado em gestões anteriores do PT, fortemente ancorado em investimentos de empresas estatais, financiamentos subsidiados de bancos públicos e em obras realizadas diretamente pelo governo federal.

Não dá para minimizar, porém, o papel dos investimentos privados nos resultados alcançados pela Ásia. A maioria dos estudos sobre o desenvolvimento econômico e a redução da miséria (na região) se concentra nas políticas macroeconômicas”, afirma o pesquisador Scott Paul Hipsher, na publicação O papel do setor privado na redução da pobreza na Ásia. “Mas eles dependem tanto das decisões microeconômicas tomadas pelas empresas privadas quanto das decisões macroeconômicas tomadas pelos governos.”

No Brasil, os dados mostram o quanto o protagonismo do setor privado é relevante para alavancar os investimentos, apesar de o debate sobre o tema se concentrar nos aportes governamentais. Em 2022, o crescimento na taxa de investimento se deu exatamente quando as operações do governo federal atingiram um dos menores níveis em todos os tempos, de 0,78% do PIB, incluindo os aportes das estatais, em razão do espaço reduzido existente no Orçamento e da necessidade de manter as contas públicas sob controle.

Considerando só os investimentos diretos do governo, a taxa foi de apenas 0,26%, patamar semelhante ao de 2021, o menor em 17 anos. Mas, graças ao aumento dos investimentos privados, estimulados pela manutenção das regras do jogo no mundo dos negócios e a redução das alíquotas de importação e dos impostos, que agora estão sendo revertidas, a taxa chegou aos 19% mencionados acima, voltando ao nível de oito anos antes.


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