Para evitar o desconforto de ter seu discurso desmentido pelos fatos, o presidente poderia, pelo menos, pedir que seus assessores verificassem os dados verdadeiros de suas muitas afirmações imprecisas, incompletas, equivocadas ou deliberadamente erradas, ou claramente falsas. O Estadão, em poucos minutos, fez esse trabalho e colocou à disposição de todos os interessados, os dados corretos.
Os quatro assessores do PR, os redatores distraídos, poderiam agradecer ao Estadão o trabalho de revisão do texto do discurso.
Se o Estadão fosse um professor severo, daria NOTA 2 ao discurso.
Paulo Roberto de Almeida
"Presidente
fez declarações marcadas por exageros e imprecisões ao se dirigir a líderes de
governos estrangeiros.
Alessandra Monnerat e Paulo Roberto Netto
O Estado de S. Paulo, 24 de setembro de 2019 | 15h37
Em seu primeiro discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), o
presidente Jair Bolsonaro atacou os governos de Cuba e Venezuela e rebateu
críticas à sua política ambiental. O presidente citou dados sobre o programa
Mais Médicos, terras indígenas, o acordo Mercosul-União Europeia e a violência
no País. Em alguns casos, Bolsonaro incorreu em exageros ou alegações falsas.
Veja, abaixo, trechos do discurso do presidente e a verificação dos fatos
mencionados.
“Em 2013, um acordo entre o governo petista
e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação
profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus
salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos
fundamentais, como o de ir e vir. Antes mesmo de eu assumir o governo, quase
90% deles deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano.”
É falsa a afirmação de que os médicos cubanos do programa Mais Médicos não
tinham nenhuma comprovação profissional. A lei 12.873/2013,
que instituiu
o programa de cooperação, estabelece que os médicos estrangeiros participantes
devem apresentar “diploma expedido por instituição de educação superior
estrangeira” e “habilitação para o exercício da Medicina no país de sua
formação”. Para participação no Mais Médicos, os profissionais estrangeiros não
precisavam revalidar o diploma no Brasil por três anos.
E não há
restrição para cônjuges ou filhos dos profissionais participantes do programa.
A mesma lei deixa claro que o Ministério das Relações Exteriores pode conceder
visto temporário para os “dependentes legais” do médico. A OPAS também havia
informado, à Agência Lupa, que não havia esse tipo de impedimento nos acordos
firmados entre Cuba e Brasil.
De acordo com
o Sistema de Informação Integrado Mais Médicos (SIMM),
site que
reúne informações da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), ao final de
2013 havia 5,2 mil médicos cubanos participando do Mais Médicos no Brasil. O
número de profissionais só ultrapassou os 10 mil em março de 2014, quando havia
11,1 mil médicos no País.
Apesar de ter
ocorrido antes do início do governo Bolsonaro, a saída foi motivada por um
posicionamento do então presidente eleito.
O Ministério
da Saúde Pública de Cuba comunicou que Bolsonaro fez declarações “ameaçadoras e
depreciativas” e sugeriu mudanças “inaceitáveis” no Mais Médicos. Entre as
novas exigências estava a revalidação dos diplomas de cubanos.
Quando ainda
era deputado federal, Bolsonaro havia entrado com uma ação no Supremo Tribunal
Federal (STF) pedindo a suspensão do Mais Médicos.
“O Brasil também sente os impactos da
ditadura venezuelana. Dos mais de 4 milhões que fugiram do país, uma parte
migrou para o Brasil, fugindo da fome e da violência.”
Os dados sobre migração venezuelana foram compilados pelo Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
A agência
divulgou em junho deste ano que 4 milhões de pessoas saíram da Venezuela, um
dos maiores grupos populacionais de refugiados do mundo.
Outros países
latino-americanos receberam mais venezuelanos que o Brasil. A Colômbia é a mais
impactada, com 1,3 milhão de refugiados, seguida pelo Peru, com 768 mil, Chile,
288 mil, e Equador, 263 mil. O número de venezuelanos no País é estimado em 168
mil.
De acordo com
a ACNUR, foram 61,6 mil pedidos de asilo no Brasil em 2018.
“Em apenas oito meses, concluímos os dois
maiores acordos comerciais da história do país, aqueles firmados entre o
Mercosul e a União Europeia e entre o Mercosul e a Área Europeia de Livre
Comércio, o EFTA.”
Em relação ao tratado entre Mercosul e União Europeia, o acordo foi concluído
em julho, mas ainda não ratificado, e, por isso, não está em vigor.
O texto ainda
deverá ser apreciado pelo Conselho Europeu (órgão da UE que reúne todos os
presidentes e primeiros-ministros do bloco). Há pressões de países europeus,
como França e Áustria, e até mesmo do próprio presidente do Conselho, Donald
Tusk, que colocam em dúvida a ratificação do acordo.
As
negociações ocorreram ao longo de 20 anos, começando em 1995 com a assinatura
do Acordo-Quadro de Cooperação Interregional Mercosul-União Europeia em Madri
(Espanha) e, em 1999, com a fixação do objetivo de iniciar negociações
bilaterais entre os blocos. As informações principais sobre o acordo constam em
documento elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores neste ano:
Documento
RESUMO MERCOSUL
PDF
Segundo
estimativas do Ministério da Economia, o acordo Mercosul-UE elevará o PIB
brasileiro em US$ 87,5 bilhões em 15 anos.
Esse valor
pode chegar a US$ 125 bilhões se consideradas a redução das barreiras
não-tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos dos fatores
de produção. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da
ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações
brasileiras para a UE apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035.
Em relação ao
acordo Mercosul/EFTA, o tratado foi concluído em agosto deste ano em Buenos
Aires (Argentina) com a Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, que compõem a
Associação Europeia de Livre-Comércio. As negociações levaram dez rodadas até a
conclusão, mas as discussões ocorriam desde 2000. O tratado ainda precisa ser
ratificado para entrar em vigor. Os detalhes foram divulgados pelo Itamaraty e
podem ser conferidos abaixo:
Segundo
estimativas do Ministério da Economia, o acordo Mercosul-EFTA possibilitará um
incremento do PIB brasileiro de US$ 5,2 bilhões em 15 anos.
Estima-se um
aumento de US$ 5,9 bilhões e de US$ 6,7 bilhões nas exportações e nas
importações totais brasileiras, respectivamente, totalizando um aumento de US$
12,6 bilhões na corrente comercial brasileira. Espera-se um incremento
substancial de investimentos no Brasil, da ordem de US$ 5,2 bilhões, no mesmo
período.
“Hoje, 14% do território brasileiro está
demarcado como terra indígena, mas é preciso entender que nossos nativos são
seres humanos, exatamente como qualquer um de nós.”
Atualmente, o Brasil conta com 440 terras indígenas demarcadas e regularizadas,
que correspondem a cerca de 12,6% (106.936.192,6 hectares) do território
brasileiro (851.576.704,9 hectares). Os dados são da Fundação Nacional do Índio
(Funai).
Número
próximo ao mencionado por Bolsonaro é encontrado quando se soma as áreas que
ainda estão nas fases de Delimitação, Declaração e Homologação – ou seja, que
ainda não foram regularizadas pela União. Somadas as áreas demarcadas e as que
estão na fila da demarcação, haveria um total de 117.067.410,7 hectares, o que
corresponde a 13,8% do território brasileiro.
“A reserva Yanomami, sozinha, conta com
aproximadamente 95 mil quilômetros quadrados, o equivalente ao tamanho de
Portugal ou da Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam nessa área.”
A Terra Indígena Yanomami conta com 96.649,75 km², distribuídos entre os
Estados de Roraima e Amazonas, na fronteira do Brasil com a Venezuela, segundo
o Instituto Socioambiental.
Ao todo, a
população yanomami é estimada em mais de 37 mil pessoas, englobando residentes
venezuelanos. No Brasil, a população estimada é de cerca de 25 mil, segundo
dados dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas de 2017.
O território
demarcado é maior que a área territorial de Portugal (92 225,61 km²) e a área
territorial da Hungria (93.030 km²).
Salão onde
ocorre a Assembleia-Geral da ONU. Foto: Manuel Elias/ONU
“Em meu país, tínhamos que fazer algo a
respeito dos quase 70 mil homicídios e dos incontáveis crimes violentos que,
anualmente, massacravam a população brasileira. (…) Só em 2017, cerca de 400
policiais militares foram cruelmente assassinados. Isso está mudando. Medidas
foram tomadas, e conseguimos reduzir em mais de 20% o número de homicídios nos
seis primeiros meses de meu governo.”
Segundo a plataforma Sinesp, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública,
em 2019 foram registradas 16.663 vítimas de homicídio no Brasil. Nesse mesmo
período no ano anterior, foram 21.983 ocorrências. A redução, portanto, foi de
cerca de 24%.
Nos anos
catalogados pelo Sinesp, o número de homicídios não chegou a ultrapassar 60
mil. O patamar mais alto ocorreu em 2017, com 56.235 mortes.
O Fórum
Brasileiro de Segurança Pública também compila dados de violência no Brasil com
base em informações do Ministério da Saúde e publicou dois estudos sobre o
assunto este ano. O Atlas da Violência calcula que tenham ocorrido 65,6 mil
homicídios no Brasil em 2017. Já o Anuário Brasileiro da Segurança Pública
aponta que em 2018 foram registradas 57,3 mil mortes violentas intencionais,
redução de 10% em relação ao ano anterior.
Documento
ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019
PDF
PDF
Em relação à morte de policiais, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta
que, em 2017, 367 agentes foram mortos. No ano seguinte, este número foi de
343. "