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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ainda a novela boliviana e brasilo-bolivariana: materias da Veja

O preço de fazer o certo
Duda Teixeira
Veja, 31/09/2013

Eduardo Saboia deve ser exaltado por ter dado fim a um impasse diplomático e feito jus à tradição humanitária do Brasil. Em vez disso, está sendo achincalhado pelo governo

A covardia é a chave para uma vida tranquila. Na hora do aperto, mesmo com injustiças sendo cometidas à sua volta, há quem escolha se resignar às circunstâncias. E há quem, confrontado com um grave dilema ético, acabe se atendo a convicções nobres, e não apenas ao instinto de salvar a própria pele. Durante meses, Eduardo Saboia, encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, acompanhou de perto o definhamento do senador boliviano Roger Pinto Molina, um perseguido político que se asilou na embaixada brasileira em La Paz em maio de 2012. Embora o Brasil tivesse dado asilo ao senador, o governo boliviano lhe negara a autorização para sair do país. Nas últimas semanas, Pinto Molina já não fazia exercícios na bicicleta ergométrica que lhe emprestaram e chorava constantemente. Deprimido e com os laços familiares restringidos por exigência do governo boliviano, aproximara-se dos militares brasileiros que faziam sua guarda. Para alguns, falava em se matar cortando os pulsos com uma faca ou tentando um choque elétrico. Na manhã da sexta-feira 23, o advogado de Pinto Molina entrou duas vezes na sala de Saboia. Disse que, se o seu cliente se matasse, a responsabilidade seria do diplomata, que estava no comando da embaixada. O funcionário público exemplar e orgulhoso de sua função como “cumpridor de instruções” pôs então um plano obedecendo clandestino de fuga em ação. Mesmo sem o salvo-conduto do governo boliviano e sem avisar o Itamaraty — Saboia sabia que não receberia autorização dos superiores — eles viajariam por 22 horas até a fronteira com o Brasil em dois carros Nissan Patrol da embaixada. Pinto Molina vestiu um colete à prova de bala e Saboia entrou no veículo com uma Bíblia e um mapa nas mãos. “Se o senador morresse naquela salinha. eu não poderia depois me justificar dizendo que estava apenas cumprindo instruções dos meus superiores”, disse Saboia a VEJA após a sua chegada ao Brasil. “Não desejo a nenhum funcionário público viver o que eu passei naquela sexta-feira.”

Ao saber, no domingo 25, que Pinto Molina estava no Brasil, o governo boliviano inicialmente reagiu com aparente alívio, afirmando que o episódio não afetava as relações entre os dois países. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Morales já havia sugerido à presidente Dilma Rousseff, em reunião reservada, que fecharia os olhos se o Brasil tirasse Pinto Molina da embaixada clandestinamente. Ou seja, Morales só não queria dar o salvo-conduto para não parecer que estava amolecendo com os opositores. Dilma teria ficado furiosa com a proposta. da mesma forma que ficou ao saber da insubordinação de Saboia. Uma nota do Itamaraty no próprio domingo afirmava que Saboia estava sendo chamado a Brasília para esclarecimentos e que um processo administrativo seria aberto. Ele pode ser expulso da carreira diplomática. Dois diplomatas se recusaram a participar da comissão que o julgará. Por não ter controle sobre os próprios subordinados, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, teve de entregar o cargo, que foi assumido por Luiz Alberto Figueiredo. Já Patriota foi para o lugar de Figueiredo, na chefia da representação brasileira na ONU. A relação entre Dilma ePatriota nunca foi das melhores, porque ela prefere tomar decisões seguindo o compasso político e se irritava com a abordagem técnica dele em relações internacionais. Curiosamente, o governo boliviano só passou a demonstrar indignação e a exigir a extradição de Pinto Molina depois de perceber a tempestade que o Palácio do Planalto começou a causar em tomo do tema. Afinal, do ponto de vista prático, Saboia resolveu um problema que constrangia e emperrava as relações entre os dois países.

O castigo a Saboia, portanto, não é proporcional às consequências de sua insubordinação — principalmente porque, não contente em puni-lo pelos canais oficiais, o governo iniciou um verdadeiro linchamento público do funcionário. “Minha maior preocupação agora é tirar minha família da Bolívia”, diz Saboia. Na escola de dois de seus três filhos (o mais novo tem autismo), em Santa Cruz de la Sierra, os colegas perguntavam ameaçadoramente na segunda-feira quem eram os parentes do diplomata que tirou o opositor, inimigo número 1 de Morales, do país. Saboia e o embaixador Marcel Biato, que atuou em La Paz até junho, foram afastados de suas funções na Bolívia. Biato também teve a nomeação para um posto na Suécia frustrada.

Saboia e Biato são diplomatas reconhecidamente fiéis às diretrizes governamentais. Quando caminhava pelos corredores da embaixada e negociava o salvo-conduto para Pinto Molina, Biato repetia a todo momento que a vontade da presidente deveria ser cumprida. Ele nem estava em La Paz na ocasião da fuga. Saboia, que faz 46 anos no dia 3, foi um dos mais diletos praticantes e admiradores da diplomacia brasileira iniciada pelo governo Lula e que Celso Amorim definiu como “altiva e ativa" (expressão que, alias, é usada por Saboia). Na infância, ele foi amigo dos filhos de Amorim e chegou a queimar com o mais velho deles uma coleção de selos nazistas de seu avô. Passou em primeiro lugar no concurso para o Itamaraty em 1989 e terminou o curso em segundo na turma. Na lista dos três homens que ele diz admirar estão o ex-presidente Lula. Amorim e o seu pai, Gilberto Saboia, que foi membro da Comissão de Direito Internacional da ONU. Eduardo Saboia é o tipo de funcionário público que se exaspera com a ineficiência. Uma amostra disso foi o seu empenho em negociar a libertação dos doze corintianos presos em Oruro acusados de ter lançado um sinalizador que matou o torcedor boliviano Kevin Espada, de 14 anos, durante um jogo em fevereiro. Saboia foi dezoito vezes à cidade para negociar a soltura do grupo, que fora preso sem provas. No início, levou calmantes, que comprou com o próprio dinheiro, e cobertores para os torcedores. Na Páscoa, Saboia chegou a levar a mulher e os dois filhos à prisão para comer e rezar uma missa com os detentos. Quando todos os outros escalões da hierarquia diplomática pareciam ter abandonado o problema, Saboia insistiu nas negociações e pouco a pouco conseguiu o retomo dos torcedores ao Brasil (na semana passada, três deles foram identificados como incitadores de uma briga em um jogo em Brasília).

Pela eficiência com que defendiam os interesses brasileiros, Saboia e o embaixador Biato — este um grande estimulador da maior presença da Polícia Federal na Bolívia para auxiliar no combate ao narcotráfico — começaram a ser boicotados pelo governo Evo Morales, com a conivência da administração Dilma. Em uma reunião realizada entre representantes dos dois países em março, em Cochabamba, Biato e Saboia foram deixados do lado de fora por Patriota, atendendo a um pedido do ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana. O boliviano, acusado de ligações com um narcotraficante brasileiro, também exigiu a troca do embaixador e a restrição às visitas a Pinto Molina. O governo brasileiro assentiu. Em junho, Biato deixou o posto e Saboia passou a ser obrigado a barrar os amigos políticos de Pinto Molina na porta da embaixada. “A subserviência da política externa brasileira aos interesses bolivianos vem de longe”, diz Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, que foi buscar Saboia e Pinto Molina de avião em Corumbá após a bem-sucedida fuga da Bolívia. Ao colocar a afinidade do seu partido, o PT, com o sub-bolivarianismo de Morales à frente dos interesses brasileiros, o governo Dilma acaba com o espaço de ação dos seus diplomatas. “Esse é o tipo de situação que leva a atos desesperados como o de Saboia”, diz Rubens Ricúpero, ex-embaixador do Brasil na Itália. Em terra de covardes, um funcionário público que tem princípios pode virar um rei.

Um perseguido Político

Quando o advogado e pecuarista Roger Pinto Molina, do estado de Pando, na fronteira com o Acre, se tornou o chefe da oposição ao governo de Evo Morales, sua vida se transformou. Ao ajudar os colegas senadores e outros opositores a apontar os vínculos entre os funcionários de alto escalão do poder e o narcotráfico, passou a ser atacado verbalmente por diversos membros do governo, e vinte acusações foram levantadas contra ele na Justiça.

Oito delas são por desacato. Foram iniciadas por quadros do governo enfurecidos com suas revelações: o vice-presidente Álvaro Garcia Linera e o ministro da Presidência Juan Ramón Quintana. Entre as demais, há uma por desmatamento. Duas árvores teriam sido cortadas em sua propriedade. O senador estava em La Paz na ocasião, mas seria cúmplice por não ter denunciado o fato. A aparente contravenção poderia lhe render oito anos de prisão. Ele também é acusado de assassinato, mas o processo não diz quem ele teria matado. Existe homicídio sem vítima?

Quatro acusações são por corrupção. Em junho, quando o senador ainda estava na embaixada em La Paz, ele foi condenado a um ano de prisão por três delitos, entre eles o de ter se apoderado de recursos destinados à Universidade Amazônica de Pando. O julgamento ocorreu sem a presença do réu e sem que ele tivesse a chance de se defender.

Assim que o senador pôs os pés na embaixada em La Paz, os diplomatas brasileiros cuidaram de levantar informações fidedignas sobre seu novo hóspede. Era crucial dissipar a dúvida se se tratava de um criminoso que deveria ser entregue à polícia ou um perseguido político, contra o qual o governo da Bolívia levantara acusações falsas apenas para calar uma voz dissidente. A resposta veio onze dias depois, com a concessão de asilo político. “Seja bem-vindo ao Brasil”, disse o embaixador Marcel Biato ao anunciara decisão brasileira de reconhecerem Pinto Molina um perseguido político.

La Paz agora quer obter de Brasília a repatriação do senador que os diplomatas brasileiros abrigaram e ajudaram a fugir da Bolívia. Vontade de ceder ao narcoestado vizinho não falta ao governo do PT. O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, chegou ao absurdo de afirmar que Pinto Molina terá de refazer seu pedido de asilo político. Adams não sabe que o direito internacional reconhece as embaixadas como territórios do país representado? Sabe. Mas atualmente, no seio do governo do PT, ignorar, fingir, virar o rosto para não ver malfeitorias e abusos dos direitos humanos tem valido a pena para os burocratas. Vale tudo, desde que sirva aos interesses políticos do pan-esquerdismo latino-americano, doutrina que os petistas colocam acima, muito acima, dos interesses nacionais brasileiros.

Um dever moral
Coluna - J.R Guzzo

O servidor público mais detestado pelo governo da presidente Dilma Rousseff no presente momento é um tipo de ser humano raríssimo de encontrar no mundo oficial de hoje — um homem de bem.

Seu nome é Eduardo Saboia. Sua profissão é diplomata de carreira, em serviço no Itamaraty. Tem 45 anos de idade, mais de vinte na ativa e era, até a semana passada, encarregado de negócios na Embaixada do Brasil em La Paz, na Bolívia. Não há, na sua ficha funcional, nenhuma nota de reprovação. Ele acaba de ser afastado do posto, vai responder a uma comissão de inquérito no Itamaraty e tem pela frente, provavelmente, uma sucessão de castigos que promete mantê-lo num purgatório profissional até o dia em que se aposentar. Não podem botá-lo na rua, como gostariam, porque exerce função de estado e a lei não permite que seja demitido — mas entrou para a lista negra da casa e parece altamente improvável que saia dela enquanto valores como justiça, decência e integridade continuarem vetados no Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Saboia cometeu um delito que Dilma, seu assessor internacional Marco Aurélio Garcia, intendente-geral do Itamaraty, e os principais mandarins do PT não perdoam: teve a coragem de cumprir um dever moral.

Os fatos são claros como água pura da fonte, e provocam, como tantos outros que vêm acontecendo ultimamente, uma sensação cada vez mais desconfortável: a de que o atual governo, de desatino em desatino, vai se tomando incompreensível. Mais do que a tão falada banalidade do mal, o que se tem no Brasil de hoje é a banalidade das atitudes sem nexo. No dia 28 de maio do ano passado, o senador boliviano Roger Pinto Molina refugiou-se na Embaixada do Brasil em La Paz, alegando sofrer perseguição política por parte do presidente da Bolívia, Evo Morales. Dez dias depois, o governo brasileiro lhe concedeu asilo e passou a esperar, como determina uma das mais antigas e respeitadas práticas da diplomacia latino-americana, o salvo-conduto do governo boliviano — documento que, pela praxe, a Bolívia tinha o dever de expedir em poucos dias. De lá para cá já se passaram quinze meses — e durante esse tempo todo nem a Bolívia concedeu o salvo-conduto, como tinha obrigação de conceder, nem o Brasil insistiu para que o documento fosse concedido, como tinha obrigação de insistir.

Era uma situação que satisfazia tanto a Evo quanto a Dilma. Evo continuava a supliciar seu inimigo: confinado numa pequena sala dos escritórios da embaixada. Molina passou quinze meses sem tomar sol, sofria de problemas de saúde que não podiam ser tratados ali e levava a vida de um presidiário. Os diplomatas brasileiros pediram que a Bolívia autorizasse, pelo menos, que ele fosse transferido para a residência do embaixador. Nada feito: se deixasse o local onde estava, ameaçou Evo, “o governo boliviano” não poderia garantir sua “integridade física”. A presidente Dilma, por sua vez, ganhava a oportunidade de fazer uma viagem imaginária ao passado — não podendo mais sonhar com a ditadura do proletariado, como fazia em sua juventude, pelo menos prestava serviço a alguém que considera um símbolo da “resistência ao imperialismo”. O problema, para ambos, foi o encarregado de negócios Eduardo Saboia. Na simples condição de funcionário que age em obediência a seus princípios como ser humano, ele decidiu que não iria engolir passivamente a humilhação de servir de carcereiro. Durante 450 dias fez tudo o que pôde para resolver a situação dentro das normas, do profissionalismo e da disciplina. Mandou 600 mensagens a seus superiores, implorando uma solução. Veio duas vezes ao Brasil só para cuidar do caso. Perdeu a conta de quantas horas passou em saias de espera em La Paz. Por fim, ao constatar que o estado de saúde do senador Molina tinha chegado a um ponto crítico, decidiu trazê-lo por conta própria para o asilo no Brasil, numa viagem de carro que levou 22 horas entre La Paz e a fronteira brasileira. Foi no que acabou dando a recusa do governo em tratar o problema, desde seu início, com um mínimo de lógica.


Nos dias seguintes, em vez de agir como presidente, Dilma se entregou a acessos de cólera que não resolvem nada, a começar pela demissão do seu ministro das Relações Exteriores. Mas seu problema é outro. Chama-se Eduardo Saboia e gente que, como ele, não tem medo de separar o certo do errado, por disporem de consciência, coluna vertebral e compaixão. É um espelho para o qual a presidente e seu círculo íntimo odeiam olhar. Veem, nele, o que deveriam ser e não são.

Fim da novela bolivariana, ou boliviana (it's the same); agora, punicao para o que, mesmo?

Como me escreveu um leitor deste blog:


A presidente Dilma não cobra ações concretas da diplomacia brasileira?

Bem, era isso mesmo que se requeria.
Esse pessoal deveria ficar contente...
Paulo Roberto de Almeida 

A grande polemica: insubordinado ou heroi? - uma reportagem cheia de falhas de Zero Hora

Quem escreveu a matéria conhece pouco o Itamaraty e os procedimentos diplomáticos: cheia de falhas, só vai transcrita aqui para fins de registro, não porque tenha qualidade...
Paulo Roberto de Almeida

Zero Hora, 31/08/2013 | 15h05

Atuação de Eduardo Saboia na remoção de Roger Pinto divide o Itamaraty
Colegas do pivô de crise se opõem entre quem vê ação humanitária e quem critica quebra de regras

Muito mais do que crise, o Itamaraty vive, neste momento, aquilo que no Rio Grande do Sul se convencionou chamar pelo neologismo de "grenalização" — uma intensa polarização.
O foco da polêmica a dividir nossa diplomacia tem nome, idade e profissão definidos, mas situação indefinida: o diplomata Eduardo Saboia, 46 anos, que é alvo de sindicância do governo.
O que fez Saboia? Retirou o senador oposicionista Roger Pinto da Bolívia, supostamente sem avisar seus superiores. Pinto estava havia um ano e três meses refugiado na embaixada do Brasil em La Paz. Percorreu 1,6 mil quilômetros, em 22 horas, até chegar ao Brasil, onde pretende se asilar e viver junto à família, que já está em Brasileia (AC). Responde a 20 processos, incluindo corrupção e até homicídio. Foi também quem incomodou autoridades ao vinculá-las com o narcotráfico. Por isso, se diz um perseguido.
O episódio se presta a polêmicas. A primeira que surgiu, de ordem semântica, foi: Pinto é foragido ou refugiado? A Bolívia diz que é foragido. As autoridades brasileiras estudam o caso para estabelecer a definição mais apropriada. A outra se centra na figura do diplomata brasileiro. Colegas dele até brincam com seu sobrenome, que se antecipou à reforma ortográfica da língua portuguesa — Saboia sem acento — assim como ele se antecipou à tibieza do Itamaraty.
Há dois grupos basicamente divididos desta maneira em relação à atuação de Saboia no "caso Pinto":
1) Positiva: Pinto estava havia muito tempo trancafiado na embaixada brasileira em La Paz. Deprimido, falava em suicídio. O governo boliviano se recusava a dar-lhe salvo-conduto para se asilar no Brasil. Havia uma situação-limite, e imperava o imobilismo. Saboia diz que agiu como agiu por questões superiores, humanitárias. Muitos diplomatas creem que, com isso, resgatou a altivez do Itamaraty.
2) Negativa: Saboia descumpriu princípios básicos da conduta diplomática ao agir de forma isolada e temerária, supostamente colocando a vida de Pinto em risco. Não teria consultado seus superiores para pegar o carro com o senador e ainda se fez acompanhar de dois fuzileiros navais, a fim de retirá-lo da embaixada. Isso abriria um precedente perigoso. Mais: provocou uma crise com a Bolívia.
Foi Saboia e Pinto colocarem seus pés do lado brasileira da fronteira, e se instaurou a polêmica pelos corredores nervosos do Itamaraty. Ouviam-se, quase que imediatamente, as expressões "corajoso", "Dom Quixote", "exemplo" e "herói". E uma recriminação à cúpula da diplomacia nacional: o nome de Saboia não deveria ter sido divulgado em nota à imprensa, contrariando o costume de omitir a identidade do diplomata para não expô-lo. Horas depois, as decisões do governo provocaram mais desconforto e comentários de corredores no Itamaraty. Primeiro, a demissão do chanceler Antonio Patriota. Depois, a criação de uma comissão mista para tocar adiante a sindicância. A comissão será presidida pelo auditor fiscal Dionísio Carvalhedo Barbosa com os embaixadores Clemente de Lima Baena Soares e Glivânia Maria de Oliveira.
A insatisfação com a saída de Patriota foi grande, e a comissão mereceu críticas quanto à forma e ao mérito. Assim que saiu a portaria número 9 com a designação da equipe investigadora, veio o comentário em relação à forma, com a pergunta: por que um auditor-fiscal? Quanto ao mérito, diplomatas comentavam, à boca pequena, que Saboia vivia um impasse em razão da falta de respostas oficiais ao pedir instruções dos seus superiores, em Brasília — ele inclusive esteve diversas vezes em Brasília pedindo orientações expressas dos seus superiores.
Pressionado, ele ficava entre o Planalto (na figura do assessor internacional para a presidência Marco Aurélio Garcia) e a Comissão de Relações Exteriores, que sabatina e interpela embaixadores. Vivia momentos de tensão, acompanhando a rotina de Roger Pinto e não recebendo orientações para um desfecho, enquanto o governo boliviano se recusava a dar o salvo-conduto com a clara preocupação de não ceder frente a um oposicionista que, réu em diversos processos, havia acusado autoridades de vínculo com o narcotráfico.
Organização abre campanha pelo diplomata
Por uma atitude que parcela da diplomacia e da opinião pública considera heroica e outra condena, o diplomata Eduardo Saboia, cuja trajetória inclui passagens por postos no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial, era encarregado de negócios em La Paz e, de lá, provavelmente pularia para assumir alguma embaixada. O encarregado de negócios é uma espécie de "vice-embaixador". Agora, pode ter sua carreira abreviada com a marca da fuga cinematográfica de Roger Pinto.
Neste momento, a ONG Avaaz realiza campanha para que ele não seja punido, no seguinte endereço: http://zhora.co/14LnFYu. Argumenta que Saboia agiu com "consciência e coragem", dando "fim à situação que já se apresentava como descabida e insustentável de cárcere privado" do senador.
No período em que conviveu com a situação de Pinto, recluso durante 15 meses no espaço de 20 metros quadrados de uma sala da embaixada, Saboia viajou oito vezes a Oruro, onde 12 corintianos estavam presos sob a acusação de terem se envolvido na morte do adolescente Kevin Espada, atingido por um rojão em jogo pela Taça Libertadores. Chegou a comprar comida com o dinheiro do próprio bolso para a infraestrutura e a alimentação dos brasileiros presos, e ao mesmo tempo prestava solidariedade à família de Espada. Entre outras honrarias, o diplomata foi condecorado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a medalha da Ordem do Rio Branco.
Amigos e familiares do diplomata dizem: entre o estrelato e a consciência, sempre optou pela última.

Pressão a Patriota causa constrangimento entre diplomatas
A respeito de Patriota, um homem de "linhagem" na carreira diplomática (irmãos e pai diplomatas), o respeito pelo seu trabalho é, aí sim, dominante, sem maiores ressalvas. Tido como "excelente funcionário" e cumpridor das liturgias, sabe-se no Itamaraty que ele vinha batendo de frente com a presidente em diversos temas. Chegou a circular um abaixo-assinado da iniciativa de embaixadores aposentados, em que se enumeravam razões para ele pedir a própria exoneração. Motivo: os "desmandos e humilhações" impostos por Dilma e Garcia, que interferiam na "diplomacia itamaratiana".

A expectativa é de que nada mude, em razão da formação de carreira do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo Machado. Não bastasse isso, Figueiredo tem temperamento forte, o que faz colegas acharem que será menos complacente com interferências.

Ainda assim, há na diplomacia a desconfiança de que a própria demissão de Patriota se constitui num novo ato do "teatro" para os governos brasileiro e boliviano darem veracidade à ideia segundo a qual nada sabiam a respeito da atuação de Saboia. Mais um elemento que reforça essa tese: Patriota "caiu para cima". Exercerá um dos cargos mais ambicionados na carreira diplomática, a missão junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Qual a especialidade de Patriota? Multilateralismo. Qual a nacionalidade de sua mulher, Tania Cooper Patriota? Americana. Trabalha para quem? Para a ONU. Ou seja, Patriota foi "presenteado" com a punição. No jargão diplomático, ocupará um posto de "escadas e corredores". Ficará mais perto da mulher. Tudo em casa.

Mesmo diplomatas mais experientes e ex-chanceleres brasileiros se dividem quanto à decisão do então encarregado de negócios da embaixada em La Paz, Eduardo Saboia, de trazer, à revelia de Brasília, o senador Roger Pinto Molina, que estava asilado na representação para o país havia 15 meses. Ex-chanceler, Celso Lafer disse ter "apreço" pela "coragem" de Saboia, que assumiu a responsabilidade numa "situação-limite" e não se prendeu à burocracia. Ex-embaixador em Washington, Rubens Barbosa vê uma "arriscada e insólita" quebra de hierarquia, mas que teria "resolvido o problema para o Brasil".

Ex-chanceler, Luiz Felipe Lampreia classifica a atitude como de "total insubordinação", o que pode fazer a diplomacia nacional se tornar "uma bagunça". Enfim, mesmo entre os mais experimentados diplomatas, a polêmica se mantém viva.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A grande fuga: versao boliviana - adrenalina garantida, repeteco nem pensar - revista IstoE

A escapada pelos abondes
ISTOÉ revela os bastidoresu da fuga que constrangeu o País e provocou a troca de comando no Itamaraty. Como foi a aventura do embaixador brasileiro e do senador boliviano, que saíram da embaixada em La Paz e atravessaram a fronteira
Claudio Dantas Sequeira, Izabelle Torres e Josie Jeronimo
IstoÉ, 1/09/2013

PROTAGONISTAS
O então chanceler Antonio Patriota, o embaixador Eduardo Saboia e o senador
boliviano Roger Pinto Molina (da esq. para a dir.) envolveram-se na rumorosa fuga
La Paz, sexta-feira 23 de agosto, 15h. O sol a pino e a baixa umidade reforçam a sensação térmica da primavera boliviana e embalam a tradicional sesta local. No horário em que boa parte dos moradores está cochilando, as ruas livres do tráfego servem como corredor de fuga a dois veículos 4x4 Nissan Patrol, com placas diplomáticas. A bordo de um deles, o senador boliviano Roger Pinto Molina confere o relógio e olha para o alto com um leve sorriso de satisfação. “Foi a primeira vez que pude ver o sol claramente. E de uma perspectiva diferente”, lembra, em referência aos 454 dias que passou asilado numa pequena sala da embaixada do Brasil. Durante esse tempo, Molina jamais teve direito a um salvo-conduto, documento legal que poderia ter sido fornecido pelo governo boliviano para garantir sua saída com tranquilidade em direção ao país no qual decidiu se refugiar. Planejada ao longo de três meses, com o conhecimento de algumas autoridades do governo brasileiro e uma mal disfarçada tolerância do governo do presidente Evo Morales, que enviou vários sinais a Brasília de que não faria oposição à saída de Molina, desde que não pudesse ser acusado de proteger um inimigo com 22 processos no currículo, a “operación libertad” foi cercada de uma série de preparativos, inclusive medidas de proteção pessoal e monitoramento de riscos. No momento em que se preparava para entrar no automóvel, Molina contou com o auxílio de um fuzileiro naval, adido militar na embaixada, para vestir o colete à prova de balas.

Três dias antes de partir, Roger Molina falou do plano de fuga à sua filha Denise Pinto Bardales, carinhosamente chamada pelo pai de “Talita”, sugerindo que ela fosse para Brasileia, no Acre, onde a mãe, Blanca, vive há um ano com as outras duas filhas do senador, um genro e quatro netos menores de idade. Num gesto revelador das relações próximas entre autoridades dos dois países, a família Molina foi abrigada no Brasil pelo governador Tião Viana (PT/AC), seu amigo. Além de Talita, sabiam da “operación libertad” o embaixador Marcelo Biato, o conselheiro Manuel Montenegro e o encarregado de negócios da embaixada Eduardo Saboia, que assumiu a responsabilidade pela fase final da operação, que era retirar Molina da Bolívia e levá-lo, são e salvo, para o Brasil. Há pelo menos um mês, a operação chegou aos ouvidos de políticos, advogados e empresários que partilham informações e interesses nas relações entre Brasil e Bolívia. Um plano alternativo chegou a ser elaborado, na verdade, envolvendo uma operação triangular. Numa primeira etapa, Molina seria levado de avião para o Peru. Depois, seria conduzido ao Brasil. Ao verificar que o envolvimento de um país que nada tinha a ver o caso poderia ampliar as complicações de um plano já complicado, decidiu-se pela viagem de automóvel entre La Paz e Corumbá.

Escondidos na neblina Na segunda-feira 19, num gesto que seus superiores no Itamaraty interpretariam como bisonha tentativa de despistar sua participação na operação, o embaixador Biato saiu de férias e coube a Saboia organizar todos os detalhes finais e fazer a viagem. Na quinta-feira 22, dia anterior à fuga, Molina recebeu a visita de um médico do Senado boliviano, que produziu um laudo atestando que ele enfrentava problemas de saúde, inclusive depressão. Substituindo Biato em sua ausência, naquele mesmo dia, Eduardo Saboia enviou uma cópia do laudo para o Itamaraty e, no mesmo despacho, observou que a situação pedia uma intervenção sem demora em auxílio do senador, afirmação vista como uma senha para o início da “operación libertad.”

Ao deixar, na sexta-feira 23, a garagem do edifício Multicentro, complexo empresarial onde funciona a sede diplomática brasileira, o comboio seguiu em velocidade pela avenida Arce rumo à autopista El Alto, na saída da capital boliviana. A orientação era fazer meia-volta e retornar à embaixada ao menor sinal de que autoridades bolivianas pretendessem criar embaraços ao comboio. Lembrando que chegou a passar mal no trajeto, Molina conta: “Se eu fosse para um hospital, corria o risco de ser preso. Então decidimos seguir”. Depois de seis horas de estrada, o grupo chegou a Cochabamba, na região do Chapare, uma das principais bases eleitorais do presidente Evo Morales. Ali, milhares de famílias de agricultores plantam a folha da coca, tradicional ingrediente da cultura boliviana, que em grande parte é desviada para servir ao narcotráfico. Em Cochabamba, a avenida Blanco Galindo corta a cidade. O comboio levou três horas para atravessar a região, sob neblina espessa. A tensão não deixava ninguém cochilar. “Se fossemos detidos ali, seria a morte ou algo parecido”, afirma o senador. Em mais de um contato com o governo brasileiro, quando enviou uma emissária em audiência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o governo de Evo Morales já havia deixado claro que gostaria de ver Roger Molina fora do País, desde que jamais pudesse ser acusado por seus próprios eleitores de proteger um político acusado de corrupção pela Justiça. “É loucura!”, reagiu Dilma ao ser consultada sobre a operação, deixando claro que o Brasil não poderia aceitar uma proposta que não tinha garantia contra riscos, inclusive possíveis ameaças à vida de Molina. Convencida de que o governo brasileiro fizera sua parte, ao garantir asilo para o senador boliviano, Dilma esperava que, incomodado com o desgaste que Molina causava a Morales, este tomasse a única medida cabível, que era dar o salvo-conduto.

Fugitivos de fraldas Pano de fundo daquela viagem dramática, as relações entre Dilma e Evo Morales atingiram um momento especial quando ambos se encontraram durante uma viagem à África. Evo pediu uma “bilateral” à presidenta brasileira e aproveitou o encontro para denunciar que o senador estava tendo um comportamento inapropriado, chegando a fazer reuniões políticas. Em seguida, Dilma determinou ao chanceler Antonio Patriota que verificasse as queixas de Morales, pedindo ao ministro que se encarregasse pessoalmente de resolver o caso com as autoridades bolivianas. Quan­­­­do Patriota lhe disse que pretendia escolher um responsável para tocar a missão, Dilma reagiu de forma dura, conforme relatou um assessor palaciano: “Você deve cuidar de tudo pessoalmente”.

SUSTO NA FRONTEIRA
A polícia boliviana parou a comitiva e solicitou documentos. Atemorizado,
o senador Roger Pinto pensou em sair correndo a pé do carro
Às 4h30 da madrugada do sábado 24, já em Santa Cruz de La Sierra, o comboio fez uma parada técnica para “esticar as pernas”. Antes e depois, o combinado era seguir caminho de qualquer maneira. Para não perder tempo com refeições, levaram-se garrafas de água mineral, barras de cereais, frutas e biscoitos. Para não irem ao banheiro, usavam fraldas geriátricas. Antes do amanhecer, já estavam na estrada rumo a Puerto Suarez. Percorreram mais 660 quilômetros pela Rodovia 4, cruzando San José de Iquitos e outros três pequenos municípios. Na rota de saída do território boliviano, passaram por cerca de 12 postos de controle, chamados “trancas”. A cada parada, o motorista no veículo da frente identificava o comboio diplomático: “Estamos em missão diplomática, deixem-nos passar”. Os viajantes jamais foram submetidos a qualquer controle que, mesmo em operação de rotina, poderia detectar alguma falha nos documentos portados pelo senador, político conhecido no país inteiro.

TERRITÓRIO INIMIGO
O momento mais difícil e perigoso da fuga ocorreu quando a comitiva passou
por Chapare (foto), região cocaleira dominada por aliados de Evo Morales
Perto das 12h30, o grupo chegou a Puerto Suarez, fronteira com Corumbá. A luz amarela intermitente no painel do veículo alertava para o baixíssimo nível de combustível. Foi então que Saboia, católico praticante, abriu a “Bíblia” em Salmos e rezou baixo com Molina, evangélico. A tensão aumentou ao pararem no último posto policial na fronteira boliviana. Embora Saboia tivesse plena ciência do interesse de Morales em permitir que Molina deixasse o país, havia o temor de um imprevisto. “Se o primeiro carro fosse bloqueado, teríamos que jogar o nosso no acostamento e passar. Ou eu desceria e sairia correndo para cruzar a fronteira a pé”, revelou o senador boliviano. Após o trajeto de 22 horas, Molina disse, como um desabafo: “Senti um conforto emocional muito grande, após tanta pressão durante 22 horas e meia e 1,6 mil quilômetros. Foram momentos dramáticos e emocionantes”, desabafou Molina.

Cercados no hotel Minutos depois, já no Brasil, eles tiveram que fazer outra parada, desta vez no posto da Polícia Federal. Estavam em Corumbá. Dois policiais fardados pediram que Saboia e Molina aguardassem no interior do veículo, enquanto eles faziam algumas ligações. Cerca de 40 minutos depois, cinco policiais à paisana chegaram ao local. Cumprimentaram a todos e disseram ter ordens superiores para fazer a escolta do grupo. Apreensivos e bastante cansados da tensão da viagem, Molina e seus acompanhantes receberam um tratamento regular, diante das circunstâncias. Foram levados ao hotel Santa Mônica. Ainda no carro, Molina ligou para o senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que almoçava despreocupadamente com a esposa em sua casa, em Vitória (ES). Ao atender, Ferraço ouviu Molina gritar do outro lado da linha. “Estou no Brasil! Necessito de ajuda para chegar a Brasília.” Ferraço primeiro tentou contato com o presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros (AL). A ideia era dar um caráter mais oficial à acolhida de Roger Molina. “Vai que ele oferece um avião da FAB? Era uma questão humanitária”, diz. Sem conseguir falar com Renan, ele procurou empresários e, duas horas depois, conseguiu um avião para levar o senador até a Capital Federal.

Às 14 horas do sábado 24, o senador Molina adentrou ao hotel com Saboia e o resto do comboio. Foi direto para seus aposentos, no quarto andar. Os próprios policiais fizeram o check-in. Numa medida para evitar a presença de desconhecidos e monitorar o que se passava no quarto do senador, bloquearam todos os apartamentos daquele andar. O boliviano tomou um banho, trocou de roupa e tirou uma foto com celular. Anexou a imagem a um SMS que enviou para a filha. “Cheguei em Corumbá. Avise a todos que estou bem!” Funcionários do hotel ouvidos por ISTOÉ afirmam que o trânsito de autoridades na fronteira é comum. Por isso não suspeitaram da missão até o fim da tarde, quando “um ministro” ligou querendo falar com Saboia.

O prefeito de Corumbá, Paulo Duarte (PT), foi acionado no início da noite. O primeiro contato partiu do Itamaraty, o segundo de uma autoridade que ele prefere proteger. “Pediram que eu descobrisse se alguém com o nome de Roger Pinto Molina havia entrado em algum hospital da cidade”, relata. Funcionários da Secretaria de Saúde do município foram tirados de casa para fazer a varredura. Como não acharam ninguém, tentaram os hotéis. O Santa Mônica foi a primeira opção. Ao comunicar que havia encontrado Molina, Duarte foi orientado a achar um médico de confiança para examiná-lo. O médico encontrou o senador boliviano com um quadro agudo de desidratação e taquicardia. Ele foi medicado e orientado a repousar.

Às 20h, Ferraço desembarcou no aeroporto local. Seguiram-se, então, novos momentos de tensão. Pelo que ficara combinado, era nesse horário que ele deveria resgatar Molina. Não encontrou ninguém e ligou para o senador. Tentou também o diplomata Eduardo Saboia, mas ambos estavam incomunicáveis. “Foram horas de preocupação. Não sabia o que ia acontecer”, afirmou Ferraço. Uma hora depois, um agente da PF chegou ao aeroporto e avisou ao senador que ia buscar Molina. Às 22h, os agentes da PF montaram guarda na recepção do hotel, para impedir movimentos de entrada e saída, ação que ficou registrada nas câmeras de circuito interno de tevê do hotel. 
Conselhos do governador No aeroporto, Saboia e Roger Molina se despediram dos policiais e embarcaram. “Estou aliviado em estarmos no Brasil. Só estou preocupado com a minha família, que ficou na Bolívia”, afirmou um emocionado Saboia a Ferraço. A esposa de Saboia também é diplomata, lotada em Santa Cruz, e estava em casa com o filho. No trajeto, os dois contaram a Ferraço que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, havia telefonado para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pedindo que um médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) fosse até o hotel atender Molina. Era 1h20 quando o avião desembarcou em Brasília. O senador boliviano pediu, então, para que o carro oficial do senador Ferraço o levasse para a casa do advogado Fernando Tibúrcio, que possui vários contatos com a oposição boliviana. É amigo, inclusive, do empresário Tito Quiroga, que já foi candidato a presidente e é adversário de Evo Morales. Um pouco depois, Molina deu um longo depoimento ao documentarista Dado Galvão, que se aproximou de integrantes da oposição ao governo Dilma durante a patrulha petista contra a dissidente cubana Yoani Sánchez.

Ao descobrir que diplomatas brasileiros organizaram um plano que ela havia condenado de forma clara e definitiva, a presidenta demitiu Antonio Patriota de um cargo que ele conseguia conservar com dificuldades imensas, apesar da vitória inédita representada pela conquista da direção geral da Organização Mundial de Comércio por um candidato brasileiro. Submetido a uma investigação para apurar suas responsabilidades, o próprio Saboia foi removido de seu posto em La Paz e, em qualquer caso, só poderia contar com oportunidades de promoção na carreira em nova combinação política. O destino do senador Roger Molina parece encaminhado para que ele permaneça no País, desde que tenha disposição para manter uma postura discreta, longe de manifestações políticas, comportamento que se costuma pedir a quem pretende assumir a condição de refugiado. Foi por essa razão que, após conselhos do senador Jorge Vianna (PT-AC), ele cancelou depoimentos públicos nos quais seria chamado a criticar Evo Morales e, por tabela, fazer referências negativas à diplomacia do governo Dilma.


Fotos: André Ribeiro; Marcos Boaventura/Folhapress; Paulo Yuji Takarada; Joel Rodrigues/FRAME
Fotos: Michel Filho/Agência O Globo; Leon Neal/afp photo
Fotos: Martín Alipaz/EFE; Pedro santana/afp; Alan marques/folhapress

sábado, 31 de agosto de 2013

"Esse corrupto que fugiu para o Brasil" - encontro Dilma-Evo em Paramaribo (FSP)

Dilma fala a Evo em 'repúdio completo' por fuga de senador
Pouco antes do encontro na cúpula da Unasul, presidente da Bolívia chama Roger Pinto Molina de 'delinquente'
Chanceler brasileiro diz que permanência do político no país depende de decisão do Conselho Nacional de Refugiados
FABIANO MAISONNAVEENVIADO ESPECIAL A PARAMARIBO
Folha de S.Paulo, 31/08/2013

Em encontro com o colega boliviano Evo Morales na cúpula da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), no Suriname, a presidente Dilma Rousseff manifestou seu "repúdio completo" à fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina com a ajuda de um diplomata brasileiro, mas disse que sua permanência cabe ao Conare (Conselho Nacional de Refugiados).
Já Morales disse que seu país enviará informações sobre os supostos crimes cometidos por Pinto Molina, incluindo o de corrupção, mas classificou o assunto como da esfera da Justiça boliviana e não pediu sua extradição.
O teor da conversa foi relatado pelo novo chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, que substituiu Antonio Patriota nesta semana justamente por causa da crise gerada pela fuga de Pinto.
Segundo Figueiredo, Dilma explicou a Morales que Pinto Molina solicitou refúgio ao Brasil, cuja análise está a cargo do Conare. Não há prazo para uma decisão.
Em entrevista pouco antes de se encontrar com Dilma, Morales chamou Pinto de "delinquente" e disse: "Que devolvam delinquentes que têm problemas de corrupção", declarou.
Questionado sobre eventuais mudanças no Itamaraty com a sua chegada, Figueiredo disse que "a política externa é a do governo Dilma Rousseff".
Ele afirmou que "há várias coisas sob exame": "O caso da retirada do senador de uma embaixada brasileira e a sua condução sem garantias ao território brasileiro é um fato grave e que está sendo apurado."

MERCOSUL
Por iniciativa de Dilma, os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e do Paraguai, Horacio Cartes, também se reuniram ontem para discutir a situação do Mercosul.
Em rápida entrevista com jornalistas, Dilma disse que não iria revelar o teor da conversa, que durou meia hora. "Mas, na minha avaliação, foi uma reunião muito positiva, muito construtiva"
Venezuela e Paraguai estão com as relações estremecidas desde o ano passado, quando o então presidente Fernando Lugo, um aliado de Caracas, foi deposto. Os demais membros do Mercosul na época suspenderam Assunção do bloco e, em seguida, promoveram o ingresso da Venezuela, cuja entrada estava bloqueada por causa da falta de aprovação do Senado paraguaio.

Leitor: voce prefere os companheiros ou fica com Eduardo Saboia? -Reinaldo Azevedo


Eduardo Saboia: o Brasil é melhor com a sua coragem, mas ele corre o risco de ser expulso da diplomacia

Enquanto se realizava a reunião da Unasul, no Suriname, um tal Dino Bouterse era preso (anteontem) no Panamá, acusado de tráfico de drogas e de armas. Dino é filho de Desiré Bouterse, o anfitrião do encontro, um conhecido carniceiro, que comandou uma ditadura feroz no Suriname entre 1980 e 1997. Em 2000, ele foi condenado na Holanda pelo tráfico de imodestos 474 quilos de cocaína. Gente fina. Em 2010, voltou ao poder, aí por intermédio de eleições. O filho mostra que quem sai aos seus não degenera a estirpe de bravos. Foi nesse lugar aprazível, em meio a gente decente e honrada, que a presidente Dilma Rousseff manteve, nesta sexta, um encontro privado com Evo Morales, o índio de araque que governa a Bolívia.
Ela expressou, uma vez mais, o seu repúdio pela operação que resultou na vinda do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil. A fuga foi organizada pelo diplomata Eduardo Saboia, que respondia interinamente pela representação brasileira. O governo brasileiro deu início a um trabalho de demonização de Saboia, expressa, uma vez mais, na entrevista coletiva concedida por Luiz Alberto Figueiredo, o novo chanceler: “O caso da retirada do senador de uma embaixada brasileira e a sua condução sem garantias ao território brasileiro é um fato grave e que está sendo apurado.”
Figueiredo começa mal. O Ministério das Relações Exteriores, sob as suas barbas e com o seu consentimento, está sob uma espécie de intervenção. Pela primeira vez na história da diplomacia — que eu saiba, não aconteceu nem durante a ditadura —, uma comissão de sindicância interna é comandada por alguém que não pertence aos quadros do próprio Itamaraty. O objetivo é punir Saboia e dar um copo de sangue ao protoditador bolivariano — que finge indignação para ver se arranca mais algum do Brasil.
O governo brasileiro decidiu que quem vai comandar a sindicância, que selará o destino de Saboia, é um senhor chamado Dionísio Carvalhedo Barbosa. Qual a sua qualificação para o caso? Ora, ele é assessor especial da Controladoria-Geral da União e auditor fiscal da Receita Federal. Logo, como se vê, a resposta é esta: qualificação nenhuma! Mas calma! Cavalhedo Barbosa está acostumado a servir a autoridades maiúsculas, a verdadeiros gigantes morais da política. Era secretário-adjunto de Transparência e Controle do governo do Distrito Federal, sob o comando do petista transparente… Agnelo Queiroz.
Chegou-se a noticiar que os embaixadores Glivânia Maria de Oliveira e Clemente de Lima Baena Soares, chefe do Departamento de América do Sul, integravam a comissão de sindicância, mas eles pediram para sair — ou melhor, para não entrar.
Homem decente
Saboia é um homem decente e unanimemente reconhecido por seus pares como trabalhador e dedicado. Durante a prisão dos torcedores brasileiros na Bolívia, era ele o elo com os familiares dos presos. Neste caso do senador boliviano, há muito ele vinha advertindo seus chefes de que a situação caminhava para o insustentável. Mas o homem ficou lá, mofando, por 15 meses — e talvez outros 15 viriam se não tivesse tomado um atitude. Não serei eu a incentivar a indisciplina, mas chega uma hora em que é preciso indagar se não se está diante da desobediência devida. Saboia sabia que Evo Morales não daria o salvo-conduto. O governo brasileiro não tratava o assunto como prioritário.

Evo Morales está afetando uma indignação que não tem. O governo brasileiro sabe que o próprio presidente boliviano havia proposto uma solução, digamos, extra-curricular, com a fuga “combinada” de Molina. Dilma não topou a parada — e, convenhamos, fez bem nesse particular. Mas é certo que Evo, agora, está valorizando o incidente.
Em entrevista, o presidente boliviano chamou Molina de “delinquente”, mas não entrou com o pedido de extradição. A Folha publica um depoimento do senador. Ali está a face dos regimes bolivarianos. Reproduzo trecho:
(…)
Evo Morales era alguém com quem convivi nos primeiros anos no Congresso. Era um amigo, com quem eu podia jogar futebol. E jogamos várias vezes juntos, tenho fotos.
De maneira contínua ele me convidou para participar desse projeto político, ou parte desse projeto. Tínhamos uma visão diferente. Sempre acreditei que o tema da coca fosse a matéria-prima para o narcotráfico e era preciso atacar isso. Ele defendia a coca. Eu acreditava na liberdade, no direito privado, na propriedade das coisas e consciente de que era necessário reduzir a coca.
Quando chegou ao governo, Evo nos convidou de novo ao palácio, umas três ou quatro vezes. Ele queria que fizéssemos parte do seu governo. Nós achamos que era mais importante ajudá-lo nos temas sociais, da luta contra a miséria, com isso nós nos comprometemos.
Mas logo veio um processo de decomposição e violência do governo que atribuo à presença cubana e ao processo de linchamento político.
Depois que Cuba e Venezuela intervieram de forma direta [formando parcerias com o governo], ele teve outro tipo de política e comportamento muito mais agressivos. Então se estabelece como política de seu governo acabar com a oposição. E começa a perseguir de maneira sistemática todos os ex-presidentes, ex-governadores.
Todos os governos de esquerda querem é chegar, mudar a Constituição, adequá-la a eles, porque têm um objetivo, consolidar-se no governo, não importa como.
(…)
O isolamento na embaixada era insuportável. Em algum momento, disse “bom, por que não termino isso de uma vez?”. Na primeira vez parece estranho, porque sou cristão. Mas à medida que o tempo passa, isso volta à mente, “seria tão simples e amanhã tudo estaria acabado”. Saboia começou a se preocupar. E então ele me disse ter três opções, e a terceira era cumprir os objetivos que havia dito a presidente Dilma [quando da concessão do asilo], que era preservar minha vida.

Retomo
Os sinais de que os processos contra Molina são uma farsa são gigantescos. Acusar os adversários políticos de corrupção é o padrão dos estados bolivarianos. A histeria meio indecorosa de Dilma Rousseff envergonha a diplomacia brasileira, O que pretendia a presidente brasileira? Se comparar o embaixada ao Doi-Codi foi um exagero retórico de Eduardo Saboia, afirmar que a Soberana se prestava ao papel de carcereira de Molina parece bastante apropriado. Dadas as circunstâncias, quem honrou a história da diplomacia brasileira foi Saboia, não Antonio Patriota, que, tudo indica, nem era levado a serio por sua chefe. E não parece que o respeito será conquistado pelo novo chancelar, que estreia no cargo com o Itamaraty sob intervenção.

Eduardo é filho do embaixador Gilberto Saboia, que tem uma história ligada à defesa dos direitos humanos. O Globo ouviu o pai para fazer um perfil do filho, em texto publicado nesta sexta. Gilberto conta uma história do seu passado. Reproduzo trecho:
Um policial em fuga bate à porta da embaixada brasileira na Guatemala, pedindo abrigo. Dizia-se perseguido pelo governo, acusado de ser “comunista”. O diplomata encarregado de Negócios decide abrigá-lo. Durante uma semana, mantém o refugiado em casa (o embaixador havia deixado o país, ameaçado de sequestro), sob o olhar da mulher e dos dois filhos. Entre eles, Eduardo Saboia. O ano era 1975.
(…)
“Não tenho certeza se o Eduardo se lembra disso. O policial apareceu na chancelaria e entregou um revólver, dizendo-se ameaçado de morte. Eu fiquei sem saber o que fazer. Peguei ele, botei no carro e levei para casa. Esse policial ficou lá. Imagina o perigo. E o Itamaraty não me dava instruções. Quando deu, o homem já tinha fugido. Naquele tempo era ditadura aqui e lá. Era improvável que fosse concedido asilo. Mas assim mesmo eu não quis deixar de tentar salvá-lo”, lembra Gilberto Vergne Saboia, pai de Eduardo, admirado com a coincidência dos casos, com desfechos e repercussões distintas.
(…)

Voltei
Atenção, leitor! “Ditadura lá e aqui”. 1975! E nada aconteceu a Gilberto Saboia. Dilma Rousseff, no entanto, em plena democracia, quer a cabeça de um diplomata por ter seguido a longa e saudável tradição da diplomacia brasileira (ver nesta página texto da senadora Kátia Abreu) de conceder proteção a perseguidos políticos. Entendo. É que o governo petista gosta mesmo é de devolver pugilistas desamparados a Fidel Castro e de abrigar terroristas.

Reproduzo mais um trecho do texto do Globo:
Católico fervoroso — entre as reações de fãs nas redes sociais está o pedido por correntes de orações para o diplomata — , Eduardo desenvolveu o fervor da fé já adulto. O pai suspeita que houve alguma influência da mãe. Mas diz que a profundidade do sentimento religioso surgiu já depois de casado. Na entrevista publicada nesta quinta-feira, no “Globo”, o diplomata diz que precisa de “muitas orações”. E, ao explicar a operação de fuga de Roger Molina, afirmou ter “ouvido a voz de Deus”.
A religiosidade teria sido, então, decisiva na resolução de assumir os riscos e planejar a fuga do senador, com quem conviveu por um ano, em situação cada vez mais dramática?
“Pode ter tido influência sim, porque ele tem essa questão espiritual bem forte. Mas ele não agiu assim de forma quixotesca. Antes, advertiu muito o chefe dele (Patriota), que foi também punido. O que espero é que o bom senso prevaleça.”

EncerroO diplomata não ouve vozes, leitores. A “voz de Deus”, no caso, é só a voz que conduz ao bem. O Brasil é melhor com Saboia do que com a covardia dos que pretendem puni-lo.

Brasil-Bolivia: um Senador discreto, um Advogado mais ainda - Lauro Jardim (blog Veja)

17:03 \ Internacional

Recado dado

Molina: exames médicos
Advogado do senador boliviano Roger Molina, Fernando Tibúrcio vem evitando a todo custo rebater qualquer declaração publicada na imprensa sobre seu cliente. A estratégia do momento tem sido elogios e palavras de agradecimento ao estado brasileiro e até a Dilma Rousseff, que, publicamente, desancou o diplomata Eduardo Saboia, responsável pela missão extraoficial de retirada de Molina de La Paz.
Quando perguntado sobre as declarações de Dilma, que rechaçou a comparação feita por Saboia entre as instalações do DOI-CODI e o quarto em que Molina ficou confinado, Tibúrcio volta a recorrer ao espírito de gratidão, mas esclarece:
- O quarto em que o senador ficou era pequeno, as janelas não abriam e ele divida o banheiro com funcionários da embaixada. Era dentro do prédio da embaixada, não numa casa. Então por isso e pelo fato de ter ficado confinado, sem poder caminhar, transitar é que falou-se do conforto, mas ele sempre foi muito bem tratado por todos na embaixada.
Fernando Tibúrcio admite que Roger Molina vem recebendo uma enxurrada de pedidos de visitas de políticos brasileiros – principalmente da oposição. A turma, óbvio, anda louca para capitalizar o episódio e a crise diplomática com a Bolívia. Tibúrcio, porém, diz não ser o momento.
- Claro que surgiram vários pedidos de oposicionistas e situacionistas, mas não é conveniente politizar o ocorrido.
A propósito, de acordo com Fernando Tibúrcio, Roger Molina não trocou uma palavra com Eduardo Saboia desde que pisou em solo brasileiro. A mais recente visita de Molina foi a uma equipe médica: ontem, se submeteu a um check-up médico e psicológico. O resultado: tudo ok.
Por Lauro Jardim

Os "transgressores" do Itamaraty: o caso de Eduardo Saboia - Katia Abreu

O Itamaraty é um pouco como o Vaticano -- atenção, eu não disse como o papado, um regime monárquico, quase feudal -- ou seja: uma instituição semi-hermética, uma corporação hierarquizada dotada de regras próprias, um órgão infenso aos ares externos e baseado em forte ritual de obediência que visa justamente cercear e punir a dissidência.
Não se estimula a independência de pensamento, mas o seu contrário, o conformismo com as ordens superiores, certas ou erradas. Gostaria de ser desmentido nesta assertiva.
Quando essas ordens são muito erradas, ou violam a consciência de alguém, podem surgir transgressores, mas eles são raros. A quase totalidade dos diplomatas é formada por conformistas e carreiristas, o que é um pouco normal, digamos assim.
Por isso, consoante meu espírito anarco-liberal, presto minha homenagem e ofereço minha inteira solidariedade a meu colega e amigo Eduardo Saboia. 
Espero, assim, que meus colegas e amigos da comissão de inquérito ouçam mais suas próprias consciências do que ordens superiores, que parecem decididas a, e comprometidas em puni-lo.
Os companheiros que mandam no Brasil atualmente podem admirar e até servir regimes stalinistas em outros países, mas não precisam introduzir um Gulag virtual no Brasil. Deixem o Itamaraty continuar como um Vaticano tropical.
Paulo Roberto de Almeida
Um justo entre duas nações
KÁTIA ABREU
Folha de S.Paulo, 31 de agosto de 2013
Saboia, na Bolívia, ousou contrariar o Itamaraty assim como foi feito com a emissão de vistos a judeus
Impossível não admirar a conduta de Eduardo Saboia, encarregado de negócios na Bolívia, de trazer para o Brasil o senador Roger Pinto Molina, asilado há 15 meses em nossa embaixada em La Paz. Tomou atitude nobre e corajosa.
No passado, outros diplomatas brasileiros ousaram contrariar a cúpula do Itamaraty. Na França, o embaixador Luís Martins de Souza Dantas emitiu centenas de vistos para o Brasil a perseguidos pelos nazistas.
Mesmo depois de ser repreendido e formalmente proibido de conceder vistos, seguiu assinando documentos de próprio punho, com datas anteriores à da proibição. Enquanto isso, em Hamburgo, o vice-cônsul brasileiro e escritor João Guimarães Rosa também agiu assim, concedendo vistos de entrada no Brasil a judeus.
Décadas depois da façanha, Souza Dantas virou personagem do Museu do Holocausto, em Israel. Foi proclamado "Justo entre as nações", título atribuído a pessoas que arriscaram suas vidas para ajudar judeus perseguidos pelo regimes nazista e fascista.
Mas não se trata aqui, como não o foi no passado, de defender quebra de hierarquia nem de comparar o terror do Holocausto a um fato que pode não ir além de um incidente diplomático. Quero apenas mostrar que, em situações extremas, o diplomata deve recorrer a si mesmo.
Ressalte-se que o embaixador anterior, Marcel Biato, já havia concedido o asilo a Molina, fazendo valer esse direito internacional.
E o senador teve de pedir asilo por ter denunciado a corrupção no governo de seu país. Ousou fazer o que muitos não tiveram coragem de fazê-lo.
Em resposta, ganhou um processo "judicial", típico de "socialistas bolivarianos" que tratam os opositores como se criminosos fossem. É a criminalização da política, levada a cabo por governantes que não nutrem respeito à democracia e aos direitos civis.
Há que lembrar, também, que a lista de incidentes diplomáticos na relação do Brasil com a Bolívia é extensa. Basta citar dois episódios: a ocupação militar de uma refinaria da Petrobras e a vistoria de três aviões da Força Aérea Brasileira, que deveriam ser invioláveis, inclusive um que levava nosso ministro da Defesa.
E é bom que se diga que o senador Molina não está foragido no Brasil. Foi retirado da Bolívia em uma operação conduzida pelo consulado brasileiro. O que se espera, agora, é que não tenha destino diferente do que teve Cesare Battisti, que conseguiu permissão para ficar no Brasil, mesmo com pedido de extradição aprovado pelo Supremo Tribunal Federal.
Quando foi trazido ao país, Molina vinha de um confinamento de quase 500 dias num cubículo da embaixada brasileira, sem direito a banho de sol, em uma condição de deterioração física e psíquica. Bem diferente do tratamento principesco que o ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya recebeu ao longo dos quatro meses em que se manteve exilado na nossa embaixada em Tegucigalpa.
Alguns aguentam mais, outros menos. Se Molina ameaçou suicídio, é porque estava no limite de suas forças. Basta nos colocarmos na posição do outro para percebermos melhor sua condição dramática.
O encarregado de negócios Eduardo Saboia vivenciou o drama do senador. Ninguém melhor do que ele para decidir o que fazer, dada a sua proximidade e diante da falta de comando hierárquico.
Se tomou uma decisão humanitária, ele o fez em respeito aos direitos humanos defendidos por nosso governo. Se a cúpula do Itamaraty não estava observando esses direitos, um de seus diplomatas optou por fazê-lo, mesmo colocando vidas em risco.
Seguiu valores maiores, com determinação. Não se conformou com a rotina burocrática baseada na omissão, embora essa omissão possa ter sido, ela própria, uma decisão. Cumpriu todo um périplo até chegar, enfim, a território brasileiro.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Brasil-Bolivia: quem deve sentar-se no banco dos reus? - Ricardo Noblat

Quem deveria sentar-se no banco dos réus

Ricardo Noblat


Finalmente apareceu alguém sem medo de confrontar a presidente da República - o diplomata Eduardo Saboia, cérebro da operação que resultou na retirada da Bolívia do senador Roger Pinto Molina, refugiado em nossa embaixada de La Paz há mais de 450 dias.
O Brasil acatara o pedido de asilo político do senador, que denunciara autoridades do seu país por envolvimento com narcotráfico. A Bolívia negara o salvo-conduto para que Roger deixasse o país em segurança sob a acusação de que é corrupto.
Saboia disse que Roger não podia receber visitas. Nem circular dentro do prédio da embaixada. Nem se comunicar com a família. Nem tomar banho de sol. Uma autoridade do governo boliviano comentou certa vez que ele ficaria ali até morrer.
- Você imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai? Aí vem o advogado e diz que você será responsável se ele se matar. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi.
Presidente não bate-boca com funcionário de escalão inferior. Dilma bateu, ao dizer ter provado da desumanidade dos DOI-Codis. O dia sequer terminara e Saboia já replicava Dilma. "Eu que estava lá, eu que posso dizer. O carcereiro era eu. Ninguém mais viu aquela situação", respondeu. Desautorizou a presidente. E sugeriu que ela nada poderia falar a respeito porque não estava lá.
Nenhum ministro, senador, deputado ou presidente de um dos poderes da República foi tão longe em relação a Dilma como Saboia, um mero encarregado de negócios que respondia por uma embaixada de segunda classe na ausência do embaixador.
De duas, uma. Dilma e o bando de assessores que a cercam não prestaram atenção no que afirmou Saboia. Ou prestaram, mas a presidente quis bancar a esperta e mudar o foco da discussão. Até agora, a discussão é favorável a Saboia.
Recapitulemos. Disse Saboia: "Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi". Era Saboia, bancando o carcereiro, quem se sentia como se estivesse no DOI-Codi. Não disse que o senador enfrentava condições semelhantes às dos DOI-Codis.
As palavras ditas por Dilma: "Eu estive no DOI-Codi, sei o que é o DOI-Codi. E asseguro a vocês que é tão distante o DOI-Codi da embaixada brasileira lá em La Paz como é distante o céu do inferno". Em resumo: Saboia disse uma coisa. Dilma, outra.
No sábado, ao ficar sabendo que Roger chegara a Corumbá, após rodar mais de 1.500 quilômetros em um carro da embaixada, acompanhado por Saboia e dois fuzileiros navais, Dilma só faltou escalar as paredes do Palácio da Alvorada. Cobrou a demissão imediata de Saboia ao ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores. Patriota estava em São Paulo, pronto para ir à Finlândia.Dilma foi grosseira com ele, como de hábito. Mandou que retornasse a Brasília. E o demitiu.
A indignação de Dilma tem a ver com duas coisas. A primeira: ela ficou mal diante do presidente Evo Morales, que acusou o Brasil de desrespeitar tratados internacionais ao providenciar a fuga de Roger, sem que ele tivesse obtido salvo-conduto.A segunda: Dilma tem medo de que reste provada a negligência do governo no caso do senador boliviano. Saboia tem como provar negligência. Para evitar que o governo tente pôr fim em sua carreira diplomática de mais de 20 anos, está disposto a provar.
- Eu perguntava da comissão bilateral para resolver a questão do senador, e me diziam: "Olha, aqui (no Brasil) é empurrar com a barriga." Tenho e-mails dizendo: "A gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita".
Tem um filme na praça chamado "Hannah Arendt". Conta a história do julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann. E da cobertura do julgamento feita para a revista americana "The New Yorker" pela filósofa judia de origem alemã Hannah Arendt. A teoria da "banalidade do mal" começou a nascer ali, quando Hannah se convenceu de que Eichmann não se sentia responsável pela morte de milhões de judeus. Ele repetia em sua defesa: cumprira ordens.
Ninguém ordenou que Saboia tentasse salvar a vida do senador que ameaçava se matar, segundo atestados médicos. Sentindo-se responsável por ele, Saboia decidiu obedecer ao que mandava a sua consciência. Despachou para o Itamaraty mensagem antecipando o que iria se passar. A resposta foi o silêncio. Quem por aqui se lixava para a sorte do senador boliviano? Quem em La Paz se lixava?
Por negligência, omissão e desumanidade, Saboia não poderá ser punido. Não deverá ser punido. Não merece ser punido. Por tais crimes, são outros que deveriam sentar-se no banco dos réus.

Uma aventura boliviana: o relato da odisseia por estradas perigosas

'A ideia era fazer a viagem sem parar'

Senador, diplomata e fuzileiros usaram fraldas geriátricas para reduzir riscos

29 de agosto de 2013 | 2h 05
Andreza Matais - O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Sexta-feira, 23 de agosto, 15 horas, Embaixada do Brasil em La Paz.
 
Pinto passou 454 dias preso em embaixada de La Paz - André Dusek/Estadão
André Dusek/Estadão
Pinto passou 454 dias preso em embaixada de La Paz


"Ha llegado el momento", disse o encarregado de negócios da embaixada, Eduardo Saboia, ao senador Roger Pinto. Estavam apenas os dois no escritório da representação brasileira na Bolívia quando Pinto ouviu instruções do plano de fuga. Na sequência, entrou um fuzileiro naval, que faz a segurança na embaixada, e o ajudou a colocar um colete à prova de balas por cima da camisa social.
O sentimento era dúbio. Depois de 454 dias preso num prédio da representação brasileira no país vizinho, num isolamento que só não foi completo porque Saboia decidiu não atender à recomendação do então chanceler Antonio Patriota para cortar celular e internet, o político havia se apegado aos objetos do quarto como a única coisa que lhe restava. "Você vê sua cama, sua mesa, sua cadeira. É seu mundo que foi construído ali, dá uma tristeza. Sei que olhei para trás e senti tristeza." O calvário de Roger Pinto começou após ele denunciar o envolvimento de membros do governo Evo Morales com o narcotráfico.
Seguiram-se ameaças de morte, perseguição política, acusações contra ele de corrupção, processos e a decisão de pedir asilo diplomático ao Brasil. A permissão para vir ao País, entretanto, não chegou quase 15 meses depois de o senador refugiar-se na embaixada.
A saúde física e mental fragilizada levaram o senador ao desespero e resultaram no plano de fuga cinematográfico concluído no sábado, quando o grupo de seis pessoas chegou a Corumbá (MS). Em 22 horas de viagem, pararam apenas uma vez na estrada. "Todo mundo pôs fralda geriátrica para não ter de parar. A operação tinha de dar certo e uma parada poderia significar correr riscos." Nos quase 15 meses em que ficou na embaixada, o senador escreveu um diário. A última parte conta a fuga para o Brasil, que o político antecipou, com exclusividade, em conversa com o Estado, a quem repassou fotografias do trajeto percorrido durante a viagem. No Brasil, Pinto ainda está confinado, agora na casa de seu advogado. O plano de retirada do senador causou uma crise diplomática que resultou na demissão de Patriota do Ministério de Relações Exteriores e em ameaça (em curso) de demissão de Saboia.

"Por que eu não termino com isso logo de uma vez?"
Havia três hipóteses para o senador: morrer sem assistência médica (não havia permissão para que recebesse um médico), ser levado a um hospital e sair de lá preso ou fugir para o Brasil. A demora na solução para o dilema impôs uma quarta opção: "Por que eu não termino logo com isso de uma vez? Amanhã termina e já não se acontece mais nada", perguntou-se o senador pouco antes da decisão que colocaria um ponto final na sua agonia. Religioso, Saboia, o responsável pela embaixada brasileira na Bolívia, já tinha feito sua opção. "Saboia me comunicou que era preferível isso (a fuga) e rapidamente se tomaria essa decisão."
"Sua vida corre perigo, mas eu também vou correr porque vou lhe acompanhar."
Na sexta-feira, perto das 15 horas, os servidores da embaixada e do prédio onde está localizada, em La Paz, já haviam encerrado o expediente. As ruas estavam desertas. O diplomata foi até o quarto do senador e apresentou seu plano. A estratégia era seguir para o Brasil usando dois carros oficiais da embaixada, Nissan 4x4, num trajeto perigoso, que incluía a região de Cochabamba, onde se concentra a produção de cocaína no país.
Os dois seguiriam no mesmo carro, o diplomata à frente, ao lado de um fuzileiro naval e, no banco de trás, outro fuzileiro e o senador. Os fuzileiros estavam armados. O senador e Saboia vestiram coletes à prova de bala. Ninguém usou disfarce ou se escondeu no porta-malas do carro.
Após a apresentação do plano, houve sentimentos mistos do senador boliviano. Depois de 454 dias preso, isolado, se sentiu triste. Não pelos riscos da operação que se seguiria. Mas por enfrentar a necessidade de recomeçar, que significaria a vinda para o Brasil.

Saboia e Pinto rezaram juntos. Toda a preparação foi fotografada por uma máquina do senador. O diplomata deu as instruções: a viagem seria direta, sem paradas. O que poderia significar riscos. Para isso, teriam de levar fraldas. Frutas e alguns lanches eram o suficiente para se alimentarem no caminho. Vários "planos B" foram traçados.
Para despistar a polícia boliviana, o senador deixou seu computador ligado, a página no Facebook aberta, e o celular em cima da mesa. "Na Bolívia tem escuta. Dentro do plano, meu celular, meu Facebook, ficou tudo aberto. Como o governo monitorava tudo, eles achariam que eu estava lá no prédio da embaixada." O senador despediu-se da cama, da mesa, da cadeira no quarto improvisado e partiu.
O plano de fuga foi elaborado sem a participação do senador boliviano, segundo seu relato. Levou tempo, análise, planejamento. "Creio que, pelo menos, uma semana." Ao revelá-lo, o diplomata tranquilizou o senador: "Sua vida corre perigo, mas eu também vou correr porque vou lhe acompanhar", disse Saboia a um interlocutor incrédulo. "Poderia ter sido fácil para o Saboia dizer: 'Há muito risco, vá embora'. Mas ele disse 'eu vou com você, eu vou acompanhar os riscos que estão aí , eu respondo por sua vida'. Ele sabia que em qualquer barreira da polícia e podíamos ter problemas, sermos detidos".
O trajeto incluía entrar em área do narcotráfico, onde o senador é inimigo número 1 por ter denunciado os negócios entre os produtores de cocaína e membros do governo. Foi o momento de maior tensão, aumentada por uma neblina e chuva intensa. "Não se enxergava nada, absolutamente nada." Mas o diplomata avisou que não havia outra opção e era preciso correr o risco.
"Deixa eu morrer, mas voltar ali eu não volto."
Passada meia hora da saída da embaixada, o senador passou mal. Os sintomas eram o de um enfarte. O lado direito do peito doía, a respiração ficou difícil e o braço adormeceu. O diplomata queria abortar o plano, levar o senador para um hospital, mas não teve escolha. "O diplomata sugeriu voltarmos, irmos para um hospital. Isso significava abortar a operação. O fracasso de tudo. Eu assumi que preferia morrer a ter de voltar. Eu disse: 'Deixe-me morrer, mas voltar ali eu não volto'. Eles entenderam."
Um silêncio se fez. Quase todo o caminho, o diplomata foi rezando, lendo a Bíblia. Quando um fuzileiro conseguiu cochilar no banco de trás, foi acordado pelo flash da máquina do senador. Todos riram. Foi um dos poucos momentos de distensão na viagem.
Veja também:
link 'Não havia clima para o CD do Pink Floyd' 

'Não havia clima para o CD do Pink Floyd'

29 de agosto de 2013 | 2h 05
Andreza Matais - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O silêncio e as orações deram espaço por um momento para um CD da banda britânica Pink Floyd emprestado de um dos fuzileiros. Logo, a música foi interrompida. "Não tinha clima", diz o senador.

Os dois carros pararam apenas uma vez no meio da estrada. Todos desceram, esticaram as pernas e seguiram viagem. "Paramos uma vez. O plano era seguir direto até o fim da viagem."
"Esse carro que vem lá é diplomático, por favor, deixe passar, respeite."
O trajeto feito pelo grupo incluía passar por 12 barreiras policiais, chamadas de "trancas". O plano foi seguido à risca. O carro da frente parava e avisava que o de trás conduzia o embaixador que não queria ser incomodado. A tensão aumentava nessas ocasiões, principalmente nas áreas de tráfico. Todos sabiam que não iriam para uma delegacia caso fossem descobertos nessa zona. "Tinha um carro na frente, um fuzileiro que ia medindo o grau de periculosidade. Geralmente ele falava: 'Esse carro que vem lá é diplomático, por favor, deixe-o passar, respeite.' A polícia boliviana respeitou. 'Lá vem o ministro, deixa passar'.
Em nenhum momento a polícia revistou o carro em que eu estava, mas no carro da frente sim." Mas havia um "plano B" em caso de a polícia decidir revistar o carro mesmo assim e comunicar ao governo boliviano. "O plano B era a gente ficar dentro do carro, sentado até encontrar uma saída. A gente não abandonaria o carro, se eles fossem levar teriam de guinchar o carro. O carro é território brasileiro. A estratégia era, em nenhum momento, abandonar o carro.
Se alguma coisa acontecesse o embaixador avisaria que estariam invadindo território brasileiro." Os policiais só não aceitaram a sugestão uma vez, na região dominada pelo narcotráfico.
Houve um momento em que todos pensaram que o plano B seria acionado. Na região do Cochabamba, os policiais não atenderam ao pedido para não incomodar o embaixador e pediram para que ele baixasse o vidro do carro. Ninguém respirou naquele momento.
O diplomata Saboia abaixou apenas três dedos o vidro, acenou para os policiais que liberaram o veículo.
Ninguém nem comemorou tamanho o nervosismo da situação.
"Quando passamos a fronteira, nos abraçamos, choramos muito"
Na última barreira antes de chegar ao Brasil, a sensação era que o plano havia sido descoberto. Já havia se passado horas da fuga e, certamente, a polícia boliviana havia descoberto. O combinado era o carro da frente passar pela barreira e, se fosse parado, o senador passaria a pé pela barreira, enquanto o diplomata e os fuzileiros distrairiam os policiais. Nada disso foi preciso. Eles conseguiram entrar no território brasileiro sem perguntas. Abraçaram-se, choraram e tiraram fotos. A primeira parada foi numa churrascaria. Mas ninguém conseguiu comer.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Brasil-Bolivia: Ex-chanceleres se dividem sobre a postura de Saboia

Ex-chanceleres se dividem sobre a postura de Saboia

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO
Folha de S.Paulo, 28/08/2013
Ato grave de insubordinação ou escolha louvável diante de uma "situação-limite"?
Mesmo diplomatas mais experientes e ex-chanceleres se dividem quanto à decisão do então encarregado de negócios da embaixada em La Paz, Eduardo Saboia, de trazer, à revelia de Brasília, o senador Roger Pinto, que estava asilado na representação para o país havia 15 meses.
Para Celso Lafer, chanceler por duas vezes --em 1992 e entre 2001 e 2002--, é preciso avaliar a ação de Saboia diante do que se havia instaurado na embaixada.
"O que ele sentiu é que cabia a ele assumir as responsabilidades, não se ver burocraticamente cumprindo ordens ou deixando de tomar uma atitude que, na sua avaliação, poderia ter consequências graves", opina.
Rubens Ricupero, que foi embaixador em Washington, considera que Saboia agiu "até de uma maneira nobre" e que há "valores que se sobrepõem à hierarquia funcional".
"É raro no Itamaraty funcionários que agem pela consciência", afirma Ricupero.
Para Rubens Barbosa, também ex-embaixador em Washington, foi uma atitude "insólita" pela quebra da hierarquia. "Foi uma atitude arriscada que deu certo."
O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, porém, classifica o ato como "total insubordinação". "Se no Exército, no Itamaraty ou numa grande empresa cada um fizer o que tem vontade, vira uma bagunça."
Lampreia acredita que a decisão da presidente Dilma Rousseff de dispensar o chanceler Antonio Patriota após o episódio se justifica. "A presidente só vir a saber de uma situação grave como essa mais de 20 horas depois, há algo de errado aí."
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Membro de comissão criticada por Saboia desiste de investigá-lo

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO

O embaixador Clemente de Lima Baena Soares, chefe do Departamento da América do Sul do Itamaraty, desistiu de participar da comissão que investigará a conduta do colega Eduardo Saboia --responsável por trazer o senador boliviano Roger Pinto Molina ao Brasil sem aval do ministério.
O motivo alegado foi "ter interesse direto ou indireto" no tema. Soares fazia parte da comissão Brasil-Bolívia criada para discutir o caso do senador --grupo que teve seu trabalho criticado por Saboia.
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Senador poderá ir ao Uruguai antes de obter refúgio no Brasil
Ex-chanceleres se dividem sobre a postura de Saboia

Em entrevista à Folha anteontem, o ex-encarregado de negócios da embaixada em La Paz disse que a negociação com a Bolívia, por meio da comissão, era um "faz de conta". "Tenho os e-mails das pessoas dizendo 'a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que negociam e a gente finge que acredita'", disse.
Procurado pela reportagem, Saboia não quis se pronunciar sobre a indicação de Soares para investigá-lo. A comissão de sindicância determinará sua punição.
A embaixadora Glivânia Maria de Oliveira, diretora do Departamento de Organismos Internacionais, também se recusou a investigar Saboia, mas suas razões não estavam claras até ontem. Ela e Soares tinham sido indicados pelo corregedor do ministério, Heraldo Póvoas de Arruda.
Horas depois de terem os nomes publicados no Diário Oficial, declararam-se "impedidos" de participar.
Segundo o Itamaraty, o corregedor nomeará uma nova comissão "tão logo possível". O assessor-especial da Controladoria-Geral da União Dionísio Carvalhedo Barbosa deve seguir presidindo o grupo.
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28/08/2013 - 03h20

Patriota se disse responsável pela saída de senador da Bolívia


FERNANDA ODILLA
DE BRASÍLIA
Tão logo soube que o senador boliviano Roger Pinto Molina entrara no Brasil, Dilma Rousseff quis saber quem fora o responsável pela operação que abriu uma crise no Ministério das Relações Exteriores e derrubou o chanceler Antonio Patriota.
Foi o chanceler quem disse à presidente, por telefone, que o boliviano havia entrado no país. A Folha apurou que Dilma e Patriota se falaram no sábado. O tom da conversa entre os dois teria sido tenso.
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Patriota estava no aeroporto de Guarulhos (SP), prestes a embarcar para a Finlândia, e, segundo relatos, parecia incomodado. Fez vários telefonemas e avisou que poderia ter de voltar para Brasília.
Uma das ligações foi para um funcionário do Itamaraty, que confirmou que o senador havia entrado no país após passar 455 dias na embaixada em La Paz.
Patriota teria demonstrado surpresa e apreensão com a notícia. Imediatamente pediu a um assessor para que o colocasse em contato com a presidente. A primeira tentativa, contudo, foi frustrada.
Ele telefonou então para o chanceler da Bolívia, David Choquehuanca, informando que acabara de saber da retirada do senador oposicionista.
Na conversa, teria dito que havia sido uma decisão de um funcionário da embaixada devido às condições de saúde do senador. Prometeu que providências seriam tomadas pelo governo brasileiro.
Em seguida, Patriota falou com Dilma. Apesar de afirmar que a condição de saúde do senador era séria, disse que a decisão não fora tomada em Brasília.
Dilma quis saber quem planejara a operação. Patriota apontou o encarregado de negócios, Eduardo Saboia, mas se responsabilizou pela retirada do oposicionista, uma vez que havia sido ele que indicara Saboia para o cargo.
Patriota voltou então à capital federal.
No dia seguinte, o Itamaraty divulgou nota citando Saboia e anunciando que uma investigação interna seria aberta para apurar o caso.
Na segunda-feira, Patriota deixou o cargo e foi indicado para representar o Brasil na ONU. O senado precisará sabatiná-lo.