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sábado, 6 de abril de 2024

O Itamaraty lulopetista choca pela desfaçatez das posições em favor de criminosos de guerra e violadores dos direitos humanos (Estadão)

Brasil muda de posição e se abstém sobre inquérito sobre crimes na guerra da Ucrânia

Lula: "Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", 

Estadão, 5/04/2023

O governo brasileiro se absteve numa votação no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas e deixou de apoiar um pedido de extensão do prazo de trabalho da comissão de inquérito sobre crimes de guerra na Ucrânia. A comissão havia sido criada em março de 2022, com voto favorável do Brasil, após a invasão do território ucraniano por tropas russas.

O Brasil foi um dos 17 países que se abstiveram na votação, realizada nesta quinta-feira, dia 4, em Genebra, na Suíça. A resolução, no entanto, foi aprovada por 27 votos a favor e 3 contra.

Com isso o mandato da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia foi renovado por um novo período de um ano. Em abril de 2023, a comissão de inquérito havia sido postergada por 12 meses - ela seria encerrada caso não recebesse a nova extensão do mandato agora. No ano passado, o Brasil não era parte do conselho e portanto não participou da votação.

O Estadão pediu esclarecimentos ao Itamaraty sobre o que motivou a abstenção do Brasil e questionou se o posicionamento não se choca com políticas do atual governo de promoção dos direitos humanos. Até o momento não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

Durante a votação nesta quinta-feira, o embaixador Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, afirmou que os termos da resolução aprovada poderiam impedir o diálogo entre os dois lados na guerra.

Tovar Nunes ponderou que o país manifesta "profunda preocupação" com a situação na Ucrânia, "particularmente com as alegadas violações envolvendo crianças deslocadas e deportadas, ataques a civis e o crescente número de mortes".

"No entanto, permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região", afirmou o chefe da missão brasileira em Genebra.

"Desde a sua criação em 2002, o Brasil argumentou que a comissão de inquérito não parecia ser o mecanismo adequado para revisar os fatos no terreno. No momento de sua concepção, referências a processos judiciais futuros antecipavam o resultado das investigações propostas. À luz desses fatos, o Brasil vai se abster nesta resolução."

O embaixador também questionou menções no texto da resolução aprovada a iniciativas jurídicas contra a Rússia, no TPI e na Corte Internacional de Justiça (CIJ), dizendo que poderiam ser "prejudiciais".

A diplomacia de Kiev rebateu o argumento brasileiro de que o conteúdo da proposta fosse tendencioso ou impedisse o diálogo. A representante da Ucrânia disse que o único pedido era que o conselho mantivesse o monitoramento das "atrocidades cometidas pela agressão russa" e que o mecanismo internacional independente verificasse a dor enfrentada diariamente pelo povo ucraniano.

Na mesma resolução aprovada, o CDH da ONU cobrou que o governo Vladimir Putin pare imediatamente violações de direito humanos e abusos contra a lei humanitária internacional na Ucrânia. Exigiu também a retirada rápida, do território ucraniano, das tropas militares invasoras e de grupos mercenários aliados de Moscou. E cobrou que o governo Putin não recrute ilegalmente residentes do território invadido para suas Forças Armadas.

O CDH disse ainda que a Rússia deve parar a deportação forçada e ilegal de civis do território ucraniano. Putin é alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional, acusado de transferência forçada de crianças, um crime de guerra.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem feito uma série de gestos em favor da Rússia. Autoridades do governo têm dito, por exemplo, que Putin seria bem-vindo ao país para a cúpula do G20 e argumentam que ele gozaria de certas prerrogativas e imunidades por ser chefe de Estado.

Em uma discussão paralela, na Comissão de Direito Internacional da ONU, o Brasil se posicionou a favor da imunidade de autoridades governamentais e contra o alcance de ordens de prisão do TPI a países - e a seus representantes - que não integrem o estatuto fundador da corte, como é o caso da Rússia desde 2016. O Itamaraty, no entanto, argumento que o debate é genérico e não teria implicação no caso da vinda de Putin ao Rio para o G20.

O governo brasileiro tem objetado tentativas de países aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7, de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e, em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões no ano passado.

Em setembro de 2023, no G20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no país. Depois, em entrevista coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no país e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.

Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a possibilidade de reavaliar a participação no Estatuto de Roma, que criou o TPI, por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de Celso Amorim.

"Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", argumentou Lula, na quinta-feira, dia 28. "Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda."

Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24 de fevereiro de 2022.

Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito.

Na semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo "nervosismo" dos europeus com Putin e disse que os "bicudos vão ter de se entender". O presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa eleição sem controlada que foi alvo de contestação internacional.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: o que sabemos e o que não sabemos - Paulo Roberto de Almeida


O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: o que sabemos e o que não sabemos

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre a postura do Brasil em face da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia.

  

Nós sabemos quando e como a guerra de agressão da Rússia contra Ucrânia começou.

Não foi em fevereiro de 2022, mas bem antes disso: começou em 2014 com a invasão e a anexação ilegal da península ucraniana da Crimeia, e com os distúrbios fabricados simultaneamente pela Rússia na região do Donbas, mas essas invasões e a própria guerra de agressão já estavam, provavelmente, nos planos de Putin desde o início dos anos 2000, mais concretamente desde 2007-2008.

Não sabemos, ainda, quando ou como essa guerra terminará.

Mas já sabemos que ela provocou uma mudança radical nas relações internacionais, uma fratura por enquanto irremediável entre a potência invasora (e seus apoiadores diretos, como a Belarus) e todos os demais países que simplesmente defendem o Direito Internacional e a Carta da ONU e que, ipso facto, estão do lado da Ucrânia em sua ação defensiva contra a potência agressora. Estes não ultrapassam quatro dezenas de Estados, se tanto. 

Sabemos também, perfeitamente, que uma maioria de Estados, também membros da ONU, permanece, infelizmente, absolutamente indiferente à sorte da parte agredida, ainda que condenando formalmente a Rússia pela invasão. Nisso eles também contrariam a Carta da ONU, pois que esta comanda a solidariedade e o apoio de todos os membros à parte agredida e uma ação correspondente de todos eles contra a parte agressora. É um dever político e uma obrigação moral, ainda que não um requerimento jurídico.

Isso está no espírito e na letra da Carta da ONU, que, no entanto, se vê na tolhida pelo uso abusivo do direito de VETO, no tocante a uma possível e necessária ação do Conselho de Segurança, que é o PRINCIPAL (main) garantidor da paz e da segurança internacionais, mas que não é o ÚNICO, nem o EXCLUSIVO.

Esse “direito de veto” é arrogante e absurdo, uma vez que é um membro permanente o RESPONSÁVEL pela violação do principal artigo da Carta, que é a guerra de agressão. Nisso o Brasil já tinha sido pioneiro em sua posição contrária a essa falcatrua desde o debate, em 1945, em torno dos artigos da Carta. Essa posição estava expressa em parecer fo Consultor Jurídico da delegação brasileira em San Francisco, Hildebrando Accioly.

Também sabemos, infelizmente, que o Brasil, a sua diplomacia e os seus governos, o precedente e o atual, se alinham entre os “indiferentes”, condenando, formalmente, a Rússia, mas se eximindo de qualquer ação mais incisiva em defesa ou solidariedade à parte agressora e até renunciando a condenar de maneira mais explícita a parte agressora.

O dirigente anterior, um rústico em matéria de diplomacia e de política internacional chegou pateticamente a se dizer “solidário” com a parte russa, provavelmente por razões oportunistas e eleitoreiras: fornecimento de fertilizantes e de combustíveis, como se isso estivesse acima de considerações de natureza diplomáticas ou até morais.

Mas, o dirigente atual faz muito pior, pois que demonstra, já demonstrou, em inúmeras oportunidades, seu apoio objetivo à parte agressora, assim como sua total indiferença em face dos crimes de guerra, dos atos terroristas, e até dos crimes contra a humanidade (sequestro de crianças, por exemplo), perpetrados pela parte agressora contra o país e contra a população ucraniana.

Isso tudo já sabemos e já constatamos. Não sabemos ainda, como dito, quando a guerra terminará, ou se, numa outra vertente, a postura do governo do Brasil e de sua diplomacia continuará sendo de apoio objetivo à parte agressora, ou se tal posição poderá mudar, neste ou num próximo governo. 

Tenho, pessoalmente, minhas hipóteses, ou quase certezas, sobre as razões que estão na base das opções e escolhas do atual governo quanto à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia (cabe sempre insistir no conceito por inteiro, pois esse é o objeto do Artigo 1o. da Carta da ONU). Elas têm muito a ver com ideologia e interesses políticos do atual governo, o que pode ser expresso pelo termo alemão de Weltanschauung, ou “visão do mundo”. Essa visão do mundo sempre esteve impressa na diplomacia partidária, presidencial e pessoalíssima em todos os mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início do governo (e implicitamente desde sempre).

A postura se tornou “encomendada”, digamos assim, desde a concepção e formação do BRIC, entre 2006 e 2009, se viu confirmada na criação do BRICS, em 2011, e foi consolidada na aceitação, talvez de forma relutante, do BRICS+, em 2023-24, dobrando o número de seus membros.

Ela se tornou uma espécie de “gaiola de ferro” para o dirigente brasileiro, por razões que me parecem óbvias, mas que não explicitarei neste momento. Reservo a uma oportunidade posterior a análise de todas as implicações da atual postura, para o Brasil e para a sua diplomacia, da “gaiola de ferro” que foi criada a partir da guerra aberta de agressão da Rússia contra a Ucrânia. As consequências e desafios me parecem ponderáveis e relevantes. Por isso, retornarei ao assunto.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4624, 3 abril 2024, 3 p.



War in Ukraine: Conflict, Strategy, and the Return of a Fractured World
Hal Brands (ed.)
Johns Hopkins University Press, 2024.

Project MUSE. muse.jhu.edu/book/122782



quinta-feira, 28 de março de 2024

Brasil, um país de ponta-cabeça? As propostas constitucionais de Modesto Carvalhosa - Paulo Roberto de Almeida (Revista de Direito do IESB)

Brasil, um país de ponta-cabeça?

As propostas constitucionais de Modesto Carvalhosa

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Livre de Bruxelas (1984);

Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade do Estado de Antuérpia (1976). Diretor de Relações Internacionais no Instituto Histórico e Geográfico do DF.

Publicado: Revista de Direito do IESB: Trabalho, Sociedade e Cidadania (Brasília: vol. 15, n. 15, jul./dez/ 2023; ISSN: 2448-2358; DOI: https://doi.org/10.61541/3x5gve70, p. 60-105, link: https://revista.iesb.br/revista/index.php/ojsiesb/issue/view/15; pdf do artigo: https://revista.iesb.br/revista/index.php/ojsiesb/article/view/197/174). Relação de Publicados n. 1555.

 

Resumo:

O último (sétimo) processo de elaboração constitucional do Brasil se fez em circunstâncias similares aos anteriores, sempre como resultado de uma ruptura de um determinado regime político e a inauguração de um novo. A despeito de todos os objetivos idealistas da CF-1988, a atual carta constitucional brasileira não logrou reduzir, como pretendido por muitos dos constituintes, os inúmeros privilégios ainda contidos ou implícitos ao texto constitucional, ou ampliar as oportunidades para a maioria do povo trabalhador. Estes dois conceitos, privilégios e oportunidades, situam-se no âmago do livro publicado pelo jurista Modesto Carvalhosa, em 2021, Uma nova constituição para o Brasilde um país de privilégios para uma nação de oportunidades; é em torno deles que se situa o presente texto analítico, mas de um ângulo bem especial: a perspectiva municipalista, que segundo o autor, deveria estar na base do sistema político brasileiro, mas que se tornou um mero apêndice de estados e da própria União. O que propõe Modesto Carvalhosa é a regeneração do Brasil pela sua base.

Palavras-chave: reforma constitucional; sistema administrativo; produtividade; municípios; história política brasileira.

 

Brazil, an upside-down country?

Modesto Carvalhosa’s constitutional proposals

 

Abstract:

The last (seventh) undertaking of constitutional reform in Brazil was done in similar circumstances to the previous exercises, always the outcome of a disruption of a former political regime, and the inauguration of a new. Despite its idealistic objectives, the 1988 Federal Constitution did not reach an optimistic result, as expected by the members of the Constitutional Assembly: the reduction of privileges still embedded in the chart, and the enlargement of opportunities for the whole working people. These two concepts, privileges and opportunities, are at the core of the work published in 2021 by the jurist Modesto Carvalhosa, A new Constitution for Brazil: from a country of privileges to a nation of opportunities; it is from that perspective that departs this analytical essay, but from a special angle: a municipality approach, which should be at the founding layer of the Brazilian political system, according to this author, albeit turned into a mere appendix of states and the Union itself. What Modesto Carvalhosa conversely proposes is the regeneration of Brazil taking support from its very basis. 

 

Keywords: constitutional reform; administrative system; productivity; municipal circumscriptions; Brazilian political history.

 

 

No Brasil o Estado é hegemônico, não restando à cidadania nenhum papel em nossa construção civilizatória. A sociedade civil é dominada por um Estado que se estruturou para preencher todos os espaços.

Esta dominação é fundada numa oligarquia que tem como instrumento a Constituição de 1988, que outorga privilégios institucionais à classe política e ao estamento burocrático, em detrimento daqueles que trabalham e empreendem no setor privado.

(CARVALHOSA, 2021, p. 27)

 

 

1. O Brasil de ponta cabeça?

Karl Marx, num de seus trabalhos mais pretensiosos da juventude – possivelmente na Ideologia Alemã, obra composta com a colaboração de seu amigo Friedrich Engels –, se vangloriava de ter colocado o sistema hegeliano sobre os seus pés, ou seja, invertido a filosofia dialética, que, supostamente, estaria de ponta-cabeça na concepção do filósofo prussiano, ao colocar a razão do Estado como elemento fundacional da nação. Para Marx, o substrato básico de toda formação social estaria nas forças produtivas da nação, e sua organização social seria determinada, em grande medida pelas relações de produção; estas, por sua vez, seriam determinadas pela luta de classes, que, para ambos, seria o “motor da história”, como está registrado em outro trabalho de juventude, o Manifesto Comunista

Essa concepção determinista da História foi há muito confrontada, contestada, negada e praticamente excluída das modernas interpretações do processo histórico por muitos intelectuais, historiadores ou analistas dos sistemas políticos, entre eles o grande filósofo da Escola de Viena Karl Popper, notadamente em dois de seus livros clássicos: The Open Society and its Enemies, publicado no imediato pós-Segunda Guerra (1945), e The Poverty of Historicism (1957). O filósofo liberal de origem letã Isaiah Berlin também se pronunciou diversas vezes sobre a inconsistência da interpretação marxista da História, cuja principal contribuição a determinadas concepções políticas acadêmicas foi, paradoxalmente, o reforço da centralidade do Estado nos processos de estruturação política e social das nações. Os argumentos marxianos e marxistas sobre o “ulterior desaparecimento do Estado”, na fase comunista da construção socialista, se revelaram, assim, uma pretensão totalmente contrária ao que ocorreu, de fato, em todas as sociedades “socialistas”; ou seja, a concepção marxista sobre o desenvolvimento futuro do “modo de produção socialista” também estava assentada sobre sua cabeça, isto é, sempre esteve de ponta-cabeça, ou de pernas para o ar.

(...)


Ler a íntegra num destes dois links: 

https://revista.iesb.br/revista/index.php/ojsiesb/issue/view/15 

https://revista.iesb.br/revista/index.php/ojsiesb/article/view/197/174

https://www.academia.edu/116809954/4100_Brasil_um_pa%C3%ADs_de_ponta_cabe%C3%A7a_As_propostas_constitucionais_de_Modesto_Carvalhosa_2022_

segunda-feira, 25 de março de 2024

O Brasil já viveu na MENTIRA do poder. Agora está vivendo novamente na MENTIRA do poder - Editorial Estadão

 Triste é constatar que TODAS as elites brasileiras, com muito poucas exceções, são cúmplices na mentira que beneficia o roubo, a extorsão, a corrupção e a mendacidade.

Já é assim na política externa, porque seria diferente na política interna?

Paulo Roberto de Almeida

Revisionismo sem vergonha

O Estado de S. Paulo

A volta de Lula deu ânimo adicional aos que pretendem reescrever a história da Lava Jato, como se a corrupção durante os governos do PT não tivesse existido. Mas os fatos se impõem

O programa Especial 10 Anos da Lava Jato, levado ao ar recentemente pela TV Brasil, é um documento histórico. Não por reconstituir com imparcialidade a maior ação de combate à corrupção da história do Brasil, porque isso seria impossível numa TV pública convertida em emissora oficial do PT, mas justamente porque retrata com fidelidade a desfaçatez e a mendacidade do partido de Lula da Silva, ansioso por reescrever a história do período em que as entranhas corruptas do lulopetismo ficaram expostas para todo o País. E nesse revisionismo, diga-se a bem da verdade, o PT e Lula não estão sozinhos – têm a companhia de ministros do Supremo, de empresários corruptos ansiosos para limpar o nome e de políticos interessados em desmoralizar a luta contra a roubalheira.

A volta de Lula da Silva à Presidência certamente deu ânimo adicional aos petistas para distorcer os fatos. Afinal, o chefão petista – aquele que alhures disse que “o mensalão nunca existiu” – vive a alardear que a Lava Jato não passou de uma “conspiração” dos EUA para, por meio do então juiz federal Sérgio Moro, tido por Lula como “capanga” dos norte-americanos, “destruir a indústria de óleo e gás deste país”. Nada menos.

Com uma hora e meia de duração, o tal programa da TV Brasil dedicou somente 1 minuto e 53 segundos à corrupção na Petrobras – e apenas para tratá-la como “pontual”, segundo um sindicalista entrevistado. O resto do tempo foi usado para desancar a Lava Jato, com convidados escolhidos a dedo – todos críticos virulentos da operação.

Esse é o padrão do PT. Nem Lula nem os petistas jamais admitiram a corrupção desvendada pela Lava Jato, malgrado as provas irrefutáveis dos desvios de recursos públicos por meio de contratos fraudulentos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras. Convenientemente, os erros e abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato foram usados pelos detratores da operação para desqualificá-la como um todo, como se crimes confessos jamais tivessem sido praticados. Eis o grau da desfaçatez.

Esse discurso revisionista, mais orientado pela mudança dos ventos da política nacional do que pelo apego à verdade factual, contaminou até a atuação do Supremo – Corte que outrora chancelou não uma, mas quase todas as ações da Lava Jato que ora pretende desmoralizar, como se os erros cometidos por alguns membros da força-tarefa tivessem o condão de contaminar a operação em todas as suas dimensões, sobretudo sua dimensão fática.

Talvez se sentindo devedor de Lula, cuja prisão classificou como “um dos maiores erros judiciários da história”, o ministro Dias Toffoli também contribuiu para esse esforço revisionista. Com a volta do petista ao Palácio do Planalto, Toffoli decidiu anular as provas de corrupção e suspender o pagamento de multas impostas à Odebrecht e à J&F por considerar que essas empresas teriam sofrido, ora vejam, “coação institucional” para firmar acordos de colaboração premiada. Em audiência pública recente, no próprio Supremo, nem os prepostos dessas empresas admitiram ter sofrido tal violência estatal.

Mas os fatos insistem em se impor. Levantamento feito pelo Estadão com base em acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público mostrou que cinco ex-funcionários de alto escalão da Petrobras aceitaram devolver nada menos que R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à empresa. Dessa dinheirama, quase 90% se referem a propinas recebidas por aqueles executivos, subornados por algumas das maiores empreiteiras do Brasil interessadas em obter contratos com a Petrobras. Ao que consta, nenhum desses ex-funcionários corruptos foi coagido pela Lava Jato a confessar que havia embolsado milhões em suborno – e igualmente não há notícia de que o dinheiro que devolveram fosse de mentirinha.

É preciso recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem quiser acreditar na fábula lulopetista de que o PT e seu chefão foram perseguidos por um poderoso consórcio golpista que envolveu até o FBI, que acredite, pois questões de fé não se discutem. Já quem preza a verdade factual, sem a qual não há democracia, certamente espera que a Lava Jato encontre seu melhor lugar na história

quinta-feira, 21 de março de 2024

O Brasil tem parceiros estrangeiros; o PT tem aliados preferenciais: Putin, por exemplo (G1)

Há uma certa confusão, no governo atual, entre aliados políticos e parceiros comerciais. Creio que não se faz muita diferença entre as duas categorias. PRA

PT parabeniza Putin pela eleição na Rússia e chama vitória de 'feito histórico'

Organismos internacionais criticam eleição na Rússia pela falta de transparência e de real competitividade. Para secretário do PT, vitória de Putin 'ressalta a importância do voto voluntário na Rússia'.

G1, 21/03/2024

Em uma carta pública, o secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, parabenizou o presidente russo Vladimir Putin pela vitória na eleição no último fim de semana. Pereira chamou a vitória de Putin de "feito histórico" e disse que a conquista do novo mandato "ressalta a importância do voto voluntário na Rússia".

A eleição russa é criticada por organismos internacionais pela falta de transparência e pela ausência de real competitividade. 

Putin, que está no poder há 24 anos, não tinha outros concorrentes com real chance de vitória. Os outros três candidatos, todos deputados, eram considerados fantoches do governo — eles votaram a favor da guerra na Ucrânia no Parlamento (sinal de alinhamento a Putin) e já fizeram declarações públicas de apoio ao presidente. 

O país vive uma repressão implacável que sufocou os meios de comunicação independentes e grupos de direitos humanos proeminentes. O mais destacado adversário de Putin, Alexei Navalny, líder da oposição, morreu em uma prisão no Ártico em fevereiro. Outros críticos estão na prisão ou no exílio. 

Putin está no poder há 24 anos e é o presidente mais longevo da Rússia desde Josef Stalin, da época da União Soviética. 

"Acompanhamos com grande interesse o desenrolar do recente processo eleitoral presidencial na Rússia, que resultou na reeleição do presidente Vladimir Putin. Com uma participação impressionante de mais de 87 milhões de eleitores, representando 77% do eleitorado do país, esse feito histórico ressalta a importância do voto voluntário na Rússia". escreveu o secretário de Relações Internacionais do PT.

A carta, apesar de pública e aberta, é endereçada a Dmitry Medvedev, aliado de Putin e presidente do partido Rússia Unida, pelo qual o presidente se elegeu. 

"Renovamos nosso compromisso em fortalecer nossos laços de parceria e amizade, trabalhando juntos rumo a um mundo mais justo, multilateral e plural. Enviamos nossas calorosas saudações à Rússia e seu povo neste momento importante e especial para o país", continua Pereira. 


Silêncio no governo 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também é do PT, ainda não se pronunciou publicamente sobre a vitória de Putin. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também não. 

Interlocutores de Lula no Palácio do Planalto afirmam que o presidente mandou cumprimentos privados a Putin pela vitória eleitoral. 

No início do mandato, Lula foi criticado por declarações que conferiam à Ucrânia parte da responsabilidade pela guerra. A Ucrânia foi invadida pela Rússia em fevereiro de 2022, e a guerra dura até hoje. A decisão de invadir foi unilateral da Rússia. 

Depois da má repercussão, Lula moderou o discurso e não mais disse que a Ucrânia é culpada pela guerra. Ele também tenta criar um grupo de países neutros para intermediar negociações de paz.


Não só no Brasil: relações civis-militares também estressadas nos EUA, desde Trump - Alexander Vindman (ademocracy Journal)

 Alexander Vindman begins his recent piece for Democracy with a troubling revelation. “Over the past two decades,” he writes, “there has been a steady erosion of civil-military relations in the United States due to the politicization of the military.”


Vindman knows what he’s talking about. A retired Army lieutenant colonel, he was removed from his position on the National Security Council in 2020 after he told House impeachment investigators that he had heard President Trump ask the president of Ukraine to investigate Joe Biden.

Check out our latest piece, “Civil-Military Relations: Repairing Fractured Ties”→

READ IT HERE

In his essay for Democracy, Vindman offers a clear-eyed analysis of the state of relations between our military leaders and civilian authorities. It isn’t reassuring. According to Vindman, growing partisanship within the ranks and politicians’ willingness to capitalize on public respect for the military now pose a threat to our national defense—and our democracy. 

Read on to learn the three things that Vindman believes we can do to “mend the growing chasm and ensure that both civilian and military entities work cohesively to uphold the democratic ideals upon which the United States was founded.”

segunda-feira, 4 de março de 2024

Algum retrocesso em vista no sistema internacional? No próprio Brasil? - Paulo Roberto de Almeida

Algum retrocesso em vista no sistema internacional? No próprio Brasil?

Paulo Roberto de Almeida


Nosso sistema imunológico na área política, interna e externa, ainda não conseguiu criar uma vacina eficaz contra as ditaduras, sobretudo as eleitorais e/ou plebiscitárias. Existem algumas na região e várias ao redor do mundo, inclusive no BRICS+, o xodó do Grande Guia, apreciado por muitos. Fatalidade geopolítica ou escolha ideológica?

O quê, exatamente, o Brasil e o povo brasileiro ganham ao ver o seu atual governo apoiar ditaduras execráveis ao redor do mundo, especialmente duas grandes autocracias que pretendem criar uma “nova ordem global”, supostamente oposta, contrária e substitutiva à atual ordem econômica e política mundial, que deriva de Bretton Woods (1944) e de San Francisco (1945), uma ordem baseada em regimes democráticos, de economias de mercados livres e garantidores de direitos humanos?

Repito a pergunta: o que o Brasil ganha ao se opor à atual ordem “ocidental”, aparentemente tão desprezada pelos que nos governam? 

O que se espera com essa “nova ordem global”, que para ser implantada necessitaria o “afastamento” da ordem prevalecente atualmente? Pacífico, consensual, por livre escolha? Ou por imposição da força bruta? Pela força do Direito ou pelo direito da força?

Alguma rationale credível do ponto de vista dos interesses nacionais, dos valores e princípios de nossa Constituição, de nossa diplomacia, das regras e normas que presidem o Direito Internacional e a Carta da ONU?

O governo atual ainda não conseguiu chegar à conclusão de que a guerra de agressão da Rússia de Putin contra a Ucrânia vizinha constituiu uma violação flagrante da Carta da ONU e do Direito Internacional? O que falta para chegar a essa conclusão elementar? 

Seria preciso um “puxão de orelhas” de alguma instância da ONU, o Conselho de Direitos Humanos, por exemplo, ou, eventualmente, um ruling da Corte Internacional de Justiça?

Não bastaria uma simples adequação a certas simples normas éticas, ou a princípios elementares de moral pública?

Como confundir agressor ou agredido, como equiparar as duas partes em conflito, como se elas fossem equivalentes, no plano do Direito, ou da realidade empírica visível aos olhos de todos e cada um?

Confesso minha estupefação em face desses fatos, não apenas como diplomata, ou estudioso das relações exteriores do Brasil e da sua diplomacia, mas como simples cidadão bem informado e engajado nas causas democráticas e dos DH.

Confesso que não entendi certas coisas, e que não consigo suportar a desfaçatez, a mentira e a deformação da realidade. 

Confesso minha desconformidade e meu contrarianismo, fundamentados num ceticismo sadio sobre certas escolhas de autoridades e poderes públicos que me parecem contrárias ao nosso sentido de  Justiça, à nossa definição de democracia e de respeito aos DH. 

Por que admitir tais retrocessos no âmbito interno e no contexto internacional?

Por quê?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 4/03/2024

domingo, 3 de março de 2024

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico - O Estado de S. Paulo

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico 

O Estado de S. Paulo, 3/03/2024

https://www.estadao.com.br/economia/as-licoes-da-asia-para-o-brasil-reduzir-a-miseria-em-5-graficos/




Nas últimas décadas, os países asiáticos alcançaram um resultado extraordinário na redução da pobreza extrema, com impacto profundo em todo o mundo. Como mostrou a série de reportagens Os caminhos da prosperidade, publicada pelo Estadão, a Ásia tirou mais de um bilhão de pessoas da miséria em apenas vinte anos, de acordo com o Banco Mundial.

A queda no número de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema – que engloba quem tem renda per capita inferior a US$ 2,15 (R$ 10,75) por dia em valores de 2017, pela paridade do poder de compra (PPP) – foi a maior, no menor prazo, em todos os tempos. E o mais impressionante é que isso aconteceu num período em que o número de habitantes da região teve um aumento de 46,9%, de 3,2 bilhões para 4,7 bilhões.

Em 30 anos, a renda per capita ajustada pelo poder de compra deu um salto. Nos países da Ásia Meridional, ela se multiplicou por seis, de US$ 1.249, em média, em 1990, para US$ 7.824, em 2022, em valores correntes. Na Ásia Oriental e na região do Pacífico, a renda per capita cresceu quase sete vezes, de US$ 3.250 para US$ 22.422. Enquanto isso, no Brasil, o crescimento foi de 2,7 vezes, de US$ 6.440 para US$ 17.270 – menos até do que o aumento ocorrido na média mundial, de 3,7 vezes, no mesmo período.

Afinal, qual o segredo da Ásia para ter reduzido de forma notável a miséria num prazo tão curto? O que os países asiáticos fizeram de diferente para chegar lá? Que lições o Brasil – cuja taxa de pobreza extrema aumentou de 3,3% para 5,8% da população entre 2014 e 2021, conforme o Banco Mundial, atingindo 12,5 milhões de pessoas – pode tirar do sucesso alcançado pela região na diminuição da miséria?

Para responder a estas perguntas, o Estadão produziu cinco gráficos que permitem a visualização imediata de alguns dos fatores que levaram a Ásia – mais especificamente os países localizados na Ásia Meridional e Oriental e na chamada região do Pacífico, onde a evolução foi mais acentuada – a reduzir a pobreza extrema em quase 90% desde 1990.

Embora não exista, segundo os analistas, o que se poderia chamar de um “modelo asiático” para explicar a diminuição da miséria na Ásia nas últimas décadas, é possível apontar alguns caminhos trilhados por países da região – que, em maior ou menor grau, conforme o caso, levaram a este resultado fenomenal. Confira a seguir quais são eles e como o Brasil se coloca em relação a cada ponto.


1. Crescimento econômico acelerado

O economista Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, não deixa margem para dúvidas ao falar sobre o impacto do crescimento na redução da miséria. “Nada funciona mais que o crescimento econômico para as sociedades melhorarem as condições de vida de seus integrantes, incluindo os mais desfavorecidos”, afirma Rodrik, no livro Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico.

Considerando o que ele diz, os países asiáticos têm sido imbatíveis. Entre 1960 e 2020, a Ásia foi a região que teve o maior crescimento médio por ano do mundo, como mostra o gráfico acima – bem superior ao do Brasil, em especial nas últimas décadas, justamente o período em que os países asiáticos mais cresceram.

Enquanto os países da Ásia Meridional cresceram, em média, 5,6% ao ano entre 1960 e 2021, e os da Ásia Oriental e da Região do Pacífico, 4,9%, o Brasil teve um crescimento anual de 3,9%. Na média, o crescimento do País nos últimos 60 anos até foi superior ao de outras regiões do mundo, graças principalmente ao resultado obtido entre os anos 1960 e 1980. Mas, de 1981 a 2010, a economia perdeu tração e a média foi de apenas 2,1% ao ano. E, de 2011 a 2021, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi de apenas 0,7%, em média, ao ano.

Resumindo: sem turbinar o crescimento econômico, o Brasil dificilmente conseguirá reduzir a miséria e melhorar a qualidade de vida da população, em especial dos mais vulneráveis, como a Ásia conseguiu.


2. Liberdade econômica 

Nas últimas décadas, quando o crescimento ganhou velocidade na região, a maioria dos países asiáticos melhorou sua colocação no principal ranking global de liberdade econômica, produzido pela Heritage Foundation, dos Estados Unidos, favorecendo o desenvolvimento e a redução da miséria.

O Vietnã, por exemplo, que era um país fechado aos investimentos estrangeiros e adotava o sistema de planejamento centralizado até meados dos anos 1980, conforme a orientação do Partido Comunista, aderiu à economia de mercado.

Com isso, o Vietnã, que andava de lado ou até de marcha à ré até então, cresceu uma média de 6,7% ao ano de 1990 a 2022, conforme dados do Banco Mundial, e deu um salto em sua posição na lista dos países com maior liberdade econômica. Nos últimos dez anos, o Vietnã subiu 89 posições no ranking, saindo da 148ª colocação para a 59ª, entre 176 países. Só na lista de 2024, divulgada recentemente, o país subiu 13 posições em relação ao ano passado.

A Indonésia, que também liberalizou de forma considerável sua economia, ganhou 52 posições na lista no mesmo período, passando de 105ª colocada no ranking para 53ª. Embora ainda mantenha o protagonismo do Estado em certas atividades, o país teve um crescimento do PIB um pouco mais baixo que o do Vietnã, de 4,7% ao ano, em média, entre 1990 e 2022 – mas ainda ficou bem acima da media mundial, de 2,9%.

O Brasil, enquanto isso, continuou como um país majoritariamente não livre, ocupando uma posição vexatória na lista. De 2015 até 2024, o País caiu seis posições no ranking, do 118º lugar para o 124º, ficando bem abaixo do Vietnã, da Indonésia e de outros países emergentes de alto crescimento na Ásia, como Bangladesh e Cambodja. O crescimento médio do Brasil entre 1990 e 2022 foi de apenas 2,1% ao ano, três vezes menor que o do Vietnã e duas vezes menor que o da Indonésia.

A China é a exceção que confirma a regra. Mesmo tendo liberalizado sua economia no fim dos anos 1970 e crescido 9% ao ano, em média, desde 1990, um recorde mundial, a China ocupa apenas a 151º colocação no ranking dos países mais livres na economia, perdendo 12 posições de 2023 para 2024.

Apesar da liberdade existente no comércio internacional e na área monetária, além da relativa liberdade que há nos negócios e na área tributária, de acordo com o levantamento, a China é considerada como uma economia reprimida no direito de propriedade, na liberdade de investimento, na saúde fiscal e na efetividade da Justiça, entre outras áreas, o que acaba afetando sua avaliação final.

“A liderança do Partido Comunista da China detém o controle direto da atividade econômica”, diz o relatório de 2024 da pesquisa da Heritage Foundation. “O quadro regulatório permanece complexo e desigual. As regras arbitrárias e frequentemente revisadas para os negócios e a legislação trabalhista submetem o setor privado aos caprichos do governo comunista.”

Em geral, porém, a liberdade econômica tem uma relação direta com o crescimento e leva à redução da miséria e à melhoria da qualidade de vida da população. A tendência normalmente é de os países com a economia mais reprimida terem menor probabilidade de obter sucesso na redução da pobreza.

“As economias (asiáticas) começaram a crescer mais rápido quando deixaram de lado as políticas de intervenção do Estado e focaram no mercado, enquanto os governos continuaram a desempenhar um papel proativo”, afirma Takehiko Nakao, ex-presidente executivo e do Desenvolvimento da Ásia (ADB, na sigla em inglês), no prefácio do livro A viagem da Ásia para a prosperidade, publicado pela instituição em 2020.

Segundo Nakao, a política de substituição de importações, ancorada no protecionismo, na falta de concorrência e em taxas de câmbio sobrevalorizadas, que foi largamente adotada por países em desenvolvimento no pós-guerra – inclusive no Brasil, onde está sendo ressuscitada –, levou a “sérias ineficiências” e a crises na balança de pagamentos, especialmente na América Latina.


3. Abertura comercial e integração na economia global

Para crescer em progressão geométrica, gerando milhões de empregos e melhorando a renda dos mais pobres, os países asiáticos – muitos deles fechados ao exterior até três ou quatro décadas atrás – deram uma guinada radical e procuraram se integrar à economia global.

Apesar de alguns terem crescido em ritmo acelerado mesmo com a manutenção de certas restrições às importações, como Indonésia e Bangladesh, os que obtiveram os melhores resultados foram aqueles que abriram para valer o comércio exterior, como Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e, numa segunda onda, a China, e mais recentemente o Vietnã.

Ao se abrirem para o mundo, promovendo uma redução substancial nas tarifas incidentes sobre as importações e multiplicando as exportações, especialmente de manufaturados e de serviços de alta tecnologia, eles alavancaram o crescimento econômico. A participação de muitos países asiáticos em acordos de livre comércio também deu uma grande contribuição para dinamizar as economias locais.

O Brasil, ao contrário, continua a ser um país relativamente fechado, cuja participação em acordos de livre comércio resume-se ao Mercosul – e, mesmo assim, com diversas restrições nas trocas entre os países do bloco. O acordo do Mercosul com a União Europeia, que estava bem encaminhado, acabou “fazendo água” porque o governo Lula queria, entre outras reivindicações, restringir a participação das empresas estrangeiras nas compras governamentais.

Em nome da proteção à indústria nacional, o Brasil ainda mantém elevadas tarifas sobre importações, encarecendo a modernização da produção, que permitiria ganhos de eficiência e produtividade, e restringindo a concorrência com os produtos importados, em prejuízo dos consumidores – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Na média, as importações dos países da Ásia Oriental e da Região do Pacífico representam hoje 28,8% do PIB, de acordo com o Banco Mundial. Na Ásia Meridional, as importações chegam a 25,9% do PIB. Em ambos os casos, ainda é um volume inferior à média global, de 30,5% do PIB, mas as duas regiões já estão quase chegando lá.

No Brasil, apesar de as importações terem crescido de 7% para 19,3% do PIB entre 2000 e 2022, continuam bem abaixo das médias asiáticas e internacional, dificultando o desenvolvimento do País e a redução da pobreza.

As exportações brasileiras até ganharam corpo nas últimas décadas e hoje estão mais ou menos no nível da Ásia Meridional, na faixa de 20% do PIB. No entanto, isso ocorreu principalmente em razão da explosão das vendas de commodities agrícolas e minerais ao exterior e não pela integração do País na cadeia global de suprimentos ou pela venda de produtos manufaturados e de maior valor agregado.

Agora, mesmo com o crescimento verificado nos últimos 20 anos, o volume de exportações do Brasil ainda está bem abaixo da média mundial e dos volumes negociados pela Ásia Oriental, o que mostra o enorme espaço ainda existente para o País ampliar sua fatia no comércio exterior e sua integração na economia mundial, com efeitos positivos no desenvolvimento e na diminuição da miséria.


4. Atração de investimentos estrangeiros 

Nos últimos 30 anos, o ingresso de investimentos estrangeiros contribuiu de forma decisiva para alavancar o crescimento econômico da Ásia, gerando emprego e renda, principalmente nos países que alcançaram a maior redução na pobreza. Embora demonizados como uma forma de “imperialismo” por partidos e militantes anticapitalistas, os investimentos estrangeiros se tornaram fundamentais para dinamizar a economia até em países comunistas como o Vietnã e a própria China.

Apesar de classificada como um país reprimido na atração de investimentos pela Heritage Foundation, a China conseguiu atrair um volume espetacular de dólares desde a liberalização da economia, nos anos 1970. Segundo os números da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), o estoque de investimentos estrangeiros no país passou de 5,24% do PIB em 1990 para 21,2% em 2022.

Em termos absolutos, o estoque aumentou de US$ 249 bilhões em valores correntes para US$ 3,8 trilhões, 15 vezes mais, e o fluxo continua forte. Só em 2022, ingressaram US$ 189,1 bilhões em aportes externos na China – 2,5 vezes mais do que no Brasil, mesmo com as empresas estrangeiras buscando novos pontos de produção nos últimos anos, para diversificar suas bases por um número maior de países.

A Ásia Meridional, que só mais recentemente mudou de atitude em relação ao capital estrangeiro, ainda tem um estoque relativamente baixo de investimentos externos, equivalente a 13,1% do PIB, enquanto no Sudeste Asiático como um todo o estoque chega a 99,3% do PIB, segundo a Unctad, e a 98,2% no mundo.

No Brasil, embora o estoque de investimentos estrangeiros, de 43,6% do PIB, seja bem maior do que o da Ásia Meridional, ainda representa mais ou menos a metade do volume do Sudeste Asiático e do estoque mundial. Além disso, o aumento do estoque de capital externo no País ficou em 107,6% desde 2000, bem abaixo dos 211,9% da Ásia Meridional, dos 158,8% da Ásia Oriental e dos 142,2% do Sudeste Asiático, de acordo com a Unctad – o que ajuda a explicar o crescimento mais acelerado dos países da Ásia, que criou condições para a redução da miséria na região.


5. Investimento em infraestrutura e máquinas

Além da liberalização da economia, da abertura comercial e do ingresso de capital estrangeiro em grande escala, os investimentos em infraestrutura, na construção civil e em máquinas e equipamentos puxaram o crescimento econômico asiático. O alto volume de investimentos na região também deu uma contribuição relevante para o aumento da produtividade, a modernização da produção e a melhora nas condições de vida da população, com avanços nos transportes, no acesso a energia e no saneamento básico, entre outras áreas.

Na Ásia Oriental e na Região do Pacífico, que inclui a China, onde os investimentos em obras de infraestrutura e na modernização da produção foram gigantescos nas últimas décadas, a taxa de investimento chegou a 35% do PIB em 2022, quase dez pontos acima da média mundial, de 26% do PIB. Na Ásia Meridional, a taxa alcançou 28% do PIB, também acima da média mundial.

No Brasil, onde os economistas costumam dizer que seria preciso uma taxa de investimento de pelo menos 25% do PIB ao ano para o País melhorar sua infraestrutura e modernizar sua produção, com ganhos de produtividade e eficiência, a taxa não passou de 19% em 2022 – e, ainda assim, foi a maior desde 2014. Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, o volume de investimentos voltou a cair, para 16,5% do PIB. Isso explica, em boa medida, o baixo crescimento do Brasil nos últimos anos.

Em alguns países asiáticos, como a China, a Indonésia e Bangladesh, o Estado ainda responde por boa parte dos investimentos em infraestrutura. Tal estratégia contribui para gerar emprego e renda e turbinar o crescimento econômico, mas quase sempre leva a uma deterioração significativa nas contas públicas e acaba tendo impacto negativo na economia mais adiante.

E é este o caminho que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer seguir mais uma vez no Brasil, com o lançamento de uma nova versão PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), adotado em gestões anteriores do PT, fortemente ancorado em investimentos de empresas estatais, financiamentos subsidiados de bancos públicos e em obras realizadas diretamente pelo governo federal.

Não dá para minimizar, porém, o papel dos investimentos privados nos resultados alcançados pela Ásia. A maioria dos estudos sobre o desenvolvimento econômico e a redução da miséria (na região) se concentra nas políticas macroeconômicas”, afirma o pesquisador Scott Paul Hipsher, na publicação O papel do setor privado na redução da pobreza na Ásia. “Mas eles dependem tanto das decisões microeconômicas tomadas pelas empresas privadas quanto das decisões macroeconômicas tomadas pelos governos.”

No Brasil, os dados mostram o quanto o protagonismo do setor privado é relevante para alavancar os investimentos, apesar de o debate sobre o tema se concentrar nos aportes governamentais. Em 2022, o crescimento na taxa de investimento se deu exatamente quando as operações do governo federal atingiram um dos menores níveis em todos os tempos, de 0,78% do PIB, incluindo os aportes das estatais, em razão do espaço reduzido existente no Orçamento e da necessidade de manter as contas públicas sob controle.

Considerando só os investimentos diretos do governo, a taxa foi de apenas 0,26%, patamar semelhante ao de 2021, o menor em 17 anos. Mas, graças ao aumento dos investimentos privados, estimulados pela manutenção das regras do jogo no mundo dos negócios e a redução das alíquotas de importação e dos impostos, que agora estão sendo revertidas, a taxa chegou aos 19% mencionados acima, voltando ao nível de oito anos antes.