O Brasil e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: o que sabemos e o que não sabemos
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Artigo sobre a postura do Brasil em face da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia.
Nós sabemos quando e como a guerra de agressão da Rússia contra Ucrânia começou.
Não foi em fevereiro de 2022, mas bem antes disso: começou em 2014 com a invasão e a anexação ilegal da península ucraniana da Crimeia, e com os distúrbios fabricados simultaneamente pela Rússia na região do Donbas, mas essas invasões e a própria guerra de agressão já estavam, provavelmente, nos planos de Putin desde o início dos anos 2000, mais concretamente desde 2007-2008.
Não sabemos, ainda, quando ou como essa guerra terminará.
Mas já sabemos que ela provocou uma mudança radical nas relações internacionais, uma fratura por enquanto irremediável entre a potência invasora (e seus apoiadores diretos, como a Belarus) e todos os demais países que simplesmente defendem o Direito Internacional e a Carta da ONU e que, ipso facto, estão do lado da Ucrânia em sua ação defensiva contra a potência agressora. Estes não ultrapassam quatro dezenas de Estados, se tanto.
Sabemos também, perfeitamente, que uma maioria de Estados, também membros da ONU, permanece, infelizmente, absolutamente indiferente à sorte da parte agredida, ainda que condenando formalmente a Rússia pela invasão. Nisso eles também contrariam a Carta da ONU, pois que esta comanda a solidariedade e o apoio de todos os membros à parte agredida e uma ação correspondente de todos eles contra a parte agressora. É um dever político e uma obrigação moral, ainda que não um requerimento jurídico.
Isso está no espírito e na letra da Carta da ONU, que, no entanto, se vê na tolhida pelo uso abusivo do direito de VETO, no tocante a uma possível e necessária ação do Conselho de Segurança, que é o PRINCIPAL (main) garantidor da paz e da segurança internacionais, mas que não é o ÚNICO, nem o EXCLUSIVO.
Esse “direito de veto” é arrogante e absurdo, uma vez que é um membro permanente o RESPONSÁVEL pela violação do principal artigo da Carta, que é a guerra de agressão. Nisso o Brasil já tinha sido pioneiro em sua posição contrária a essa falcatrua desde o debate, em 1945, em torno dos artigos da Carta. Essa posição estava expressa em parecer fo Consultor Jurídico da delegação brasileira em San Francisco, Hildebrando Accioly.
Também sabemos, infelizmente, que o Brasil, a sua diplomacia e os seus governos, o precedente e o atual, se alinham entre os “indiferentes”, condenando, formalmente, a Rússia, mas se eximindo de qualquer ação mais incisiva em defesa ou solidariedade à parte agressora e até renunciando a condenar de maneira mais explícita a parte agressora.
O dirigente anterior, um rústico em matéria de diplomacia e de política internacional chegou pateticamente a se dizer “solidário” com a parte russa, provavelmente por razões oportunistas e eleitoreiras: fornecimento de fertilizantes e de combustíveis, como se isso estivesse acima de considerações de natureza diplomáticas ou até morais.
Mas, o dirigente atual faz muito pior, pois que demonstra, já demonstrou, em inúmeras oportunidades, seu apoio objetivo à parte agressora, assim como sua total indiferença em face dos crimes de guerra, dos atos terroristas, e até dos crimes contra a humanidade (sequestro de crianças, por exemplo), perpetrados pela parte agressora contra o país e contra a população ucraniana.
Isso tudo já sabemos e já constatamos. Não sabemos ainda, como dito, quando a guerra terminará, ou se, numa outra vertente, a postura do governo do Brasil e de sua diplomacia continuará sendo de apoio objetivo à parte agressora, ou se tal posição poderá mudar, neste ou num próximo governo.
Tenho, pessoalmente, minhas hipóteses, ou quase certezas, sobre as razões que estão na base das opções e escolhas do atual governo quanto à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia (cabe sempre insistir no conceito por inteiro, pois esse é o objeto do Artigo 1o. da Carta da ONU). Elas têm muito a ver com ideologia e interesses políticos do atual governo, o que pode ser expresso pelo termo alemão de Weltanschauung, ou “visão do mundo”. Essa visão do mundo sempre esteve impressa na diplomacia partidária, presidencial e pessoalíssima em todos os mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início do governo (e implicitamente desde sempre).
A postura se tornou “encomendada”, digamos assim, desde a concepção e formação do BRIC, entre 2006 e 2009, se viu confirmada na criação do BRICS, em 2011, e foi consolidada na aceitação, talvez de forma relutante, do BRICS+, em 2023-24, dobrando o número de seus membros.
Ela se tornou uma espécie de “gaiola de ferro” para o dirigente brasileiro, por razões que me parecem óbvias, mas que não explicitarei neste momento. Reservo a uma oportunidade posterior a análise de todas as implicações da atual postura, para o Brasil e para a sua diplomacia, da “gaiola de ferro” que foi criada a partir da guerra aberta de agressão da Rússia contra a Ucrânia. As consequências e desafios me parecem ponderáveis e relevantes. Por isso, retornarei ao assunto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4624, 3 abril 2024, 3 p.
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