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sábado, 3 de agosto de 2013

Retrato do Brasil (1): Folgando na sexta - Carlos Alberto Sardenberg

A gente dá voltas, anda e anda, galopa, paramos para tomar uma cervejinha, torna a correr, dispara, tropeça, levanta, fica meio tonto, começa a andar novamente, tateando no escuro, esperando alguma ajuda externa, volta a correr, encontra um buraco, desvia de pedras, rios, montanhas, enfim a planície, descansamos (que ninguém é de ferro), voltamos a correr e, de repente, a paisagem começa a ficar estranhamente familiar...
Descobrimos que estamos no mesmo lugar...
Pois é, esse é o Brasil.
Dois retratos, neste e no próximo post.
Paulo Roberto de Almeida

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
 O Globo, 01/07/2013
A Marinha chegou a comunicar a seus funcionários que não precisariam mais trabalhar às sextas-feiras. Culpa do superávit primário, explicava o comando em nota distribuída internamente na última segunda. A Esquadra, digamos assim, havia sido atingida pelo corte de gastos necessário para atingir a meta de economia do setor público, o tal superávit primário. Nos Estados Unidos, os governos — federal, estaduais e municipais — também fecham repartições e mandam funcionários para casa nesses momentos de aperto. Faz sentido: gasta-se menos com luz, água, telefone, ar-condicionado, cafezinho, bandejão, essas coisas.
Só que lá nos EUA funcionário em casa não recebe — e no Brasil é proibido cortar salário de servidor público. Logo, a economia seria menor. E a sexta-feira seria mesmo uma bela folga para os funcionários burocráticos e administrativos da Marinha. Fim de semana de três dias, remunerados!

Mas, para azar desses servidores, que já planejavam a folga, a coisa pegou mal. A Marinha distribuiu o comunicado, em e-mail interno, na segunda. Na terça, o documento caiu nas mãos da jornalista Denise Peyró, da CBN, que colocou a matéria no ar. Poucas horas depois, a Marinha distribuía nota à imprensa dizendo que chegara a cogitar de fechar às sextas, mas que desistira da ideia e estudava outras maneiras de economizar.
Ficou evidente a bronca não apenas da Marinha, mas também das outras forças, Exército e Aeronáutica. Essa área, a Defesa, sofreu os maiores cortes, e não é a primeira vez que isso acontece. Em outras tesouradas, outros governos cortaram mais verbas das forças. Ninguém nunca diz claramente, mas todo mundo sabe o pensamento que está por trás disso: o país não está em guerra, sequer tem inimigos…
Não apenas por isso, o fato é que a Defesa brasileira foi ficando para trás. Equipamentos atrasados, quartéis reduzindo expediente para não precisar dar almoço aos soldados, redução de efetivos e por aí foi. Pode parecer estranho, mas faz parte desse processo de deterioração o uso dos jatinhos da FAB por autoridades políticas.
Militares, reservadamente, criticam o sistema. Que a FAB cuide do avião presidencial, tudo bem, mas transformá-la em serviço de aluguel de jatinhos para políticos? — tal é a queixa.
Mas, sabem o que mais? A triste realidade é que oficiais da FAB têm nesse sistema uma oportunidade de acumular horas de voo, sempre limitadas por questões orçamentárias. Avião no chão, navio no porto e tanque no quartel gastam bem menos, não é verdade?
Todo esse episódio revela o atraso não apenas da Defesa, mas do Estado brasileiro. E a absoluta falta de um projeto, sequer a disposição, de reforma. Aqui, os próprios militares têm parcela da responsabilidade, no seu setor.
Há tempos especialistas nacionais e estrangeiros notam que nossas Forças Armadas precisam ter menos gente, menos quartéis (inclusive no Rio), menos repartições, menos soldados e oficiais. E mais equipamentos e muito mais tecnologia.
Resumindo: uma Força menor, bem armada, com uma capacidade e movimentação adequada ao tamanho do país e, especialmente, de nossas fronteiras. Mais uma mudança de orientação para que a Força Armada, ao controlar de fato a fronteira e o mar territorial, seja parte essencial no combate ao tráfico de drogas.
Mas não se nota uma pressão da corporação por essas reformas. O pessoal parece acomodado e fica ali tocando a vida. Há, no momento, um programa de compra de armamentos, mas atrasado e de conclusão duvidosa. Há quanto tempo se fala da compra dos tais caças para a Aeronáutica?
Assim para o Estado, para o serviço público. O episódio da Marinha mostrou como foi tudo na base da improvisação. A Fazenda e o Planejamento ficaram semanas discutindo o corte orçamentário. Quando o anunciaram, verifica-se uma coisa frouxa, sem combinação com o resto do governo, sem projetos.
Se for mesmo para cortar, o que é duvidoso, vão ter que improvisar como a Marinha tentou.
Tem muita gente reclamando do serviço público em geral. A reação dos governos tem sido a pior possível. No caso dos médicos, por exemplo, o governo Dilma já está mudando a proposta tão contestada. Parece coisa tão improvisada como a ideia de fechar repartição na sexta-feira.


Obra anunciada - E, por falar nisso, não percam a série do Valor Econômico, do repórter André Borges, sobre a Ferrovia de Integração Leste-Oeste, iniciada ontem. Em 2010, Lula prometeu inaugurá-la em 30 de julho de 2013, anteontem. Pois a ferrovia não tem sequer um trilho instalado. A Valec, estatal que toca (?) a obra, não consegue comprar os trilhos.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Uma unica certeza: vai piorar - Carlos Alberto Sardenberg

ECONOMIA

Vai piorar

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 11.07.2013
Deu na coluna de ontem do Ilimar Franco (Panorama Político): prefeitos relataram que estão com dificuldade de contratar empresas de ônibus; as concessionárias não têm se habilitado às licitações. Alegam que vão perder dinheiro, pois se tornou inviável aumentar o preço das tarifas.
Ou seja: o transporte urbano vai piorar nessas cidades, mesmo que as prefeituras assumam o serviço. Nesse negócio, o setor público gasta mais e entrega menos.
Deu no “Valor” de terça: o Ministério dos Transportes vai dispensar as concessionárias de rodovias federais de novos investimentos. É uma forma de compensar a suspensão do reajuste de pedágios, única fonte de receita das empresas.
Ou seja, uma violação de contrato (a suspensão dos reajustes) compensada por outra (investimentos cancelados). As estradas vão piorar e os programas de privatização de infraestrutura estarão prejudicados por mais uma insegurança jurídica.
Imagino que terá gente dizendo: estão vendo? Os manifestantes fazem aquela baderna e dá nisso, tudo piora.
É um erro de julgamento, claro. Muita coisa, de fato, pode piorar, mas a culpa não será dos manifestantes. Será dos políticos que estão no poder — federal, estaduais e municipais — que não sabem como responder à demanda das pessoas. Esses manifestantes, na verdade, serão vítimas duas vezes: na primeira, pelo uso dos serviços ruins; na segunda, pela piora dos serviços em consequência da inépcia dos governantes.
Nenhuma pessoa normal é obrigada a saber a planilha de custos de um serviço público, seja de uma viagem de ônibus ou de um atendimento no posto de saúde. Mas qualquer pessoa sabe se o serviço é bom ou ruim. Os manifestantes reclamaram do que percebem como ruim. Também reclamaram do preço que pagam, quer diretamente, via tarifas, quer indiretamente, via impostos.
(Aqui, aliás, tem um fato curioso: nos últimos anos, aumentou o número de trabalhadores com carteira assinada, ou seja, o número de pessoas que podem ver no contracheque o quanto pagam para os governos.)
Cabe aos políticos/governantes saber exatamente quanto custa o serviço e, mais importante, quem vai pagar a conta.
Parece óbvio, mas tem muito governante que não sabe. Muitos prefeitos, governadores e ministros que cancelaram reajustes disseram que iam passar um pente-fino nas tarifas para procurar (e cortar) gorduras ou, tese preferida, excesso de lucros dos concessionários. Mas só desconfiaram disso agora? Esta não é uma questão política, mas técnica.
Política é a decisão sobre o que fazer depois que se sabe o custo: para quem mandar a conta? Só há duas possibilidades: paga o usuário direto do serviço (pelo bilhete do ônibus, pela consulta ou pela mensalidade) ou paga o contribuinte que recolhe impostos, seja ou não usuário.
Numa estrada com pedágio, quem paga é o motorista que trafega por lá. Se não há pedágio, se a estrada é mantida pelo poder público, então um cidadão que compra uma garrafa de cerveja e morre com ICMS, IPI e tudo o mais está ajudando a financiar a rodovia, mesmo que nunca passe por ela.
Em tese, parece mais justo, sempre, que o usuário pague. E pensando longe, se todos os serviços públicos fossem remunerados pela pessoa que os utiliza, a carga tributária geral poderia ser reduzida expressivamente.
Mas não é simples assim. No caso dos pedágios, a situação, de fato, é mais fácil de elaborar. Por que uma pessoa pobre financiaria, com os impostos que paga sobre alimentos e roupas, por exemplo, a estrada pela qual os mais ricos viajam para o fim de semana?
Já não é tão simples dizer que o paciente do SUS deveria pagar pelas consultas e tratamentos. Aqui entra outra tese: os ricos devem recolher mais impostos para financiar os serviços essenciais para os pobres. Mas para que isso funcione, é preciso que o sistema tributário seja progressivo, cobrando efetivamente mais de quem pode mais.
Para isso, o grosso dos impostos deveria incidir diretamente sobre renda e patrimônio das pessoas e não indiretamente sobre o consumo, como é o caso do Brasil. Pobres e ricos pagam o mesmo imposto num livro escolar ou numa conta de celular, por exemplo. O sistema é regressivo.
Resumindo: se quisermos aliviar a conta para os usuários dos diversos serviços, será preciso aumentar os impostos, decidindo-se, então, quem vai recolher mais.
Eu perdi alguma coisa ou não há mesmo nem sombra desse debate?
Resumindo, se a resposta é só cancelar reajustes, vai piorar.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

domingo, 30 de junho de 2013

A economia esquizofrenica dos companheiros comeca a produzir efeitos(esquizofrenicos)

A conta vai para o povo

O Globo, 27/06/2013

Carlos Alberto Sardenberg A conta vai para o povo
Carlos Alberto Sardenberg
Que tal um aumento de 15% na conta de luz a partir da semana que vem? Pois é o que os consumidores do Paraná deveriam pagar se o reajuste não tivesse sido cancelado pelo governador do estado, Beto Richa. A rigor, ele não poderia fazer isso, mesmo sendo uma estatal-estadual a principal distribuidora de energia, a Copel. A empresa é pública, tem ações negociadas na Bovespa e o reajuste foi determinado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, conforme a estrita regra do jogo. Mas, sabe como é, 15% na conta de luz quando os manifestantes contra as tarifas de ônibus nem voltaram para casa? Conversa daqui e dali, todo mundo quebrou o galho. A Aneel não poderia revogar a nova tarifa, mas topou suspender seu “efeito financeiro”, eufemismo para cobrança. A empresa, cujas ações despencaram quando saiu essa notícia, garantiu ao mercado que será ressarcida de algum modo, não sabendo quando, nem como.
Acontece que os custos da Copel efetivamente subiram — e não por culpa dela. A inflação fez uma parte do estrago, mas o custo maior veio da compra de energia mais cara. Foi o seguinte: choveu pouco, os reservatórios das hidrelétricas ficaram em níveis muito baixos e o Operador Nacional do Sistema, órgão federal que administra o setor, mandou ligar as usinas térmicas, movidas a carvão, diesel e gás, cujo produto é mais caro.
Em resumo, por causa da seca, a energia elétrica ficou mais cara no Brasil — e isso logo depois de a presidente Dilma ter feito a maior propaganda com a redução que havia imposto nas contas de luz. Deu a maior confusão, uma sucessão de prejuízos: as hidrelétricas não puderam gerar, mas tinham que entregar energia, por contrato; distribuidoras tiveram que pagar mais caro. A conta deveria ir para os consumidores, mas a presidente não queria. Assim, inicialmente, arrumaram um arranjo financeiro, com prejuízos para geradoras e distribuidoras, mas uma hora a conta deveria ser passada aos consumidores finais, empresas e residências.
Era agora. Além da Copel, nada menos que 17 distribuidoras, divididas por 13 estados, têm reajustes agendados no calendário oficial da Aneel para julho e agosto. (A Light, só em 7 de novembro). O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, estatal federal que planeja o setor, Mauricio Tomalsquim, disse que não há orientação do governo para suspender os aumentos tarifários. Ou seja, a Aneel continuaria a formalizar os reajustes.
Os governos — federal e estaduais — podem assumir parte da conta, deixando de recolher os impostos. O maior imposto na conta de luz é o ICMS, estadual. (Nada menos que 29% no Paraná, por exemplo).Mas ninguém acredita que serão aplicados, ainda mais depois do precedente da Copel. Caímos assim em um caso clássico: tarifas congeladas por razões políticas, mas custos em alta por causa da inflação e de falhas do sistema. Se continuar assim, a consequência também é clássica: param os investimentos e o serviço piora.
Acontece que os governos também estão sob pressão popular para, numa ponta, aumentar gasto em transporte, educação e saúde, e na outra, reduzir impostos.
Muita gente acha que basta eliminar a corrupção e lucros excessivos das empresas para que todos os objetivos sejam alcançados. Infelizmente não é assim. Há corrupção, certamente, e deve haver gorduras em muitas tarifas de diversos setores, mas o problema maior é a falta de investimentos e de produtividade. Ou seja, é preciso colocar dinheiro novo em todo o setor de infraestrutura.
O governo federal e muitos estaduais decidiram-se pelas privatizações exatamente em busca de capital e eficiência. Mas é claro que o setor privado vai agora pensar muito antes de entrar em qualquer negócio, considerando a pressão popular e política contras as tarifas — a receita do setor.
Eis a difícil situação em que estamos nos metendo. As pessoas estão certas na sua bronca: pagam caro (nas tarifas e nos impostos) por serviços ruins. Não aconteceu por acaso, mas por anos de gestão pública ruim — com gastos elevados em custeio, pessoal e previdência e muito baixos em investimentos, sem abertura de espaço para o investimento privado.
Acrescente a inflação que o governo federal deixou escapar, e para o problema ficar completo só falta o festival de gastos que o Congresso está preparando. Derrubar tarifas é politicamente inevitável. Mas do jeito que está sendo feito, vai levar a mais déficit público, juros maiores, mais inflação e menos crescimento. Ou seja, a conta vai de novo para o povo.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Da' pra' trocar de governo? Por enquanto não... - Carlos Alberto Sardenberg

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 20/06/2013

A gerente de uma pequena farmácia do bairro de Pinheiros, em São Paulo, me conta, animada, que fechara a loja na última terça, às 21 horas, e fora direto para a manifestação na Avenida Paulista. Protestar contra o quê? — pergunto, sabendo que ela tem carro. E ela: “Bom, contra tudo, né? A gente trabalha tanto e não tem dinheiro para passear, aproveitar a vida”.
Uma reclamação rara, valia a pena especular. A moça elaborou mais um pouco. “A gente paga IPTU, tanto imposto, e o governo fica dando dinheiro para quem não trabalha. Dar emprego, tudo bem, mas dar bolsa não é justo, o senhor não acha?”
Resumindo a bronca: muito trabalho, salário suficiente para viver, mas não para aproveitar a vida; o governo toma muito imposto e não devolve serviços justos para quem trabalha tanto.
Tarifas de ônibus, trens e metrô cabem aí. O passageiro paga caro por um serviço ineficiente e desconfortável.
Generalizando, o governo é caro, mas não presta. Pelo e-mail da CBN, um ouvinte de Petrópolis conta que foi ontem à Secretaria municipal de Saúde tirar a carteira para atendimento no SUS. Não deu, o sistema estava fora do ar. Na fila, comentaram que estava assim havia quatro dias. Cidadão zeloso, nosso ouvinte ligou para o 136, ouvidoria do SUS, onde obteve a informação de que... o sistema estava fora do ar.
Na pesquisa CNI-Ibope divulgada ontem, a área de saúde apareceu, junto com segurança, como a de pior avaliação: 66% dos entrevistados desaprovam os serviços. Esse resultado negativo tem se repetido e vale para os três níveis de governo (municipal, estadual e federal) já que todos têm alguma coisa a fazer nesse setor.
Entende-se por que os protestos parecem, digamos, genéricos. É difícil mesmo para o cidadão saber que o posto é municipal ou estadual, mas o remédio é federal.
Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, um intelectual sempre interessado em entender a cena brasileira, costuma perguntar a todo mundo que encontra: “Me diga o que você acha que funciona no Brasil.”
As três respostas mais citadas, amplamente dominantes: o sistema de apuração de eleição, as campanhas de vacinação e a Receita Federal. Elaborando aqui e ali, o pessoal aprecia a rapidez da apuração, mas não os políticos eleitos. Com as vacinações, tudo bem. Já quanto à Receita, seria uma admiração ao revés — como os caras sabem cobrar!
E assim voltamos ao ponto de partida: o governo cobra caro, sabe cobrar, e não entrega. Trata-se de um sentimento, um mal-estar que, entretanto, não resulta em propostas políticas determinadas.
É curioso. Bronca generalizada com o governo e com os impostos — bem, isso parece uma atitude liberal. Lembram-se? Governo não é a solução, é o problema, repetia Ronald Reagan.
Mas, por aqui, muita gente que reclama do governo pede mais governo. Por exemplo: as reivindicações para a estatização completa dos transportes públicos, de modo a eliminar o “lucro predatório” das empresas privadas que operam o setor.
Não faz sentido. Se as prefeituras e os governos estaduais não conseguem gerenciar nem fiscalizar, como conseguiriam fazer isso e ainda operar todo o sistema? Tanto é assim que governadores e prefeitos das maiores cidades têm deixado o tema de lado. Eles sabem que não teriam dinheiro nem capacidade de assumir todo o transporte público.
O governo Dilma, ainda que constrangido, também admite essas dificuldades do setor público. Tanto que está aplicando um programa de privatização de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.
Mas é uma espécie de privatização envergonhada, com muitas restrições à atuação das empresas privadas. Isso resulta de uma ideologia de esquerda bastante disseminada no país, mas também de uma prática velha, fisiológica, dos políticos que vivem de ocupar espaço nos governos para atender não o povo, mas a seus interesses e aos de seus correligionários.
Caímos, assim, nesse impasse: o pessoal tem bronca do governo e, por falta de outra proposta, acaba achando que a solução está no governo.
Fica difícil. Como pedir menos impostos — e todo mundo pede isso — e mais serviços oferecidos pelo governo?
Já os governantes, pressionados pelas manifestações, dizem que não têm dinheiro para fazer o que pedem. De certo modo, é verdade: as demandas são infinitas. Mas a principal política do governante é exatamente escolher as prioridades, decidir onde e com quem vai gastar o dinheiro público.
É nisso que falha nosso sistema político. Não aparecem as diferenças de orientação programática. Por isso os governos ficam parecidos, e tão parecidos que as pessoas reclamam “contra tudo”.
A questão política nacional é: como sair da bronca para uma doutrina e respectiva ação que consertem as coisas?


Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Governo cobra das privadas, mas nao das empresas publicas: eis o Brasil, minha gente...


O Globo, 6/06/2013

Vamos imaginar que uma dessas companhias de telecomunicações colocasse em seu site, num belo dia, sem prévio aviso, a seguinte informação: “o serviço de call center, incluindo atendimento telefônico ao cliente, está suspenso por tempo indeterminado; o contrato com a terceirizada prestadora desse serviço não foi renovado; estamos providenciando um outro; enquanto isso, o cliente pode se comunicar via site.”Já pensaram? Imediatamente desabariam sobre a empresa todos os Procons, Ministério Público e delegacias do consumidor, sem contar a Polícia Federal. Os ministros das Comunicações e da Justiça prometeriam punições rigorosas à empresa. A Anatel já aplicaria as primeiras multas e exigiria a reabertura imediata do call center.
Pois bem, foi mais ou menos o que fez a Secretaria da Receita Federal no último dia 31. Anunciou a suspensão do seu call center, por problemas na renovação do contrato com a terceirizada, e informou que todos os esforços estavam sendo feitos para a contratação de uma outra empresa. Enquanto isso, o contribuinte pode se virar no site da Receita, para fazer agendamentos, acertar parcelamentos ou tirar informações.
E está tudo bem. Não tem nada de mais.
As regras para atendimento telefônico ao consumidor são muito rigorosas. Você sabia, por exemplo, que o call center de empresa privada tem apenas um minuto para transferir a ligação para o setor que resolva o problema? E que o atendimento deve funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana?
Nenhum órgão público cumpre essas regras, nem mesmo os Procons. Tente, por exemplo, reclamar do atendimento em alguma unidade do SUS. Já os hospitais e planos de saúde privados têm cada vez mais obrigações e sofrem severa vigilância.
Pode-se dizer que são contratos diferentes. No caso de uma empresa de celular, o consumidor escolhe e compra o produto e o serviço, de modo que se trata de um contrato privado entre duas partes. Tanto que o cliente pode, por exemplo, cancelar tudo. Aliás, a lei é muito precisa nisso. Se o consumidor ligar para o call center e disser logo de cara que deseja cancelar o serviço, isso tem que ser feito imediatamente, sem transferência de ligação e mesmo que o cliente esteja devendo.
Já com a Receita, ninguém pode ligar lá — muito menos nestes dias — e pedir o cancelamento dos serviços do órgão. Muitos até sonham com isso. Já pensou? Você ao telefone: “É, isso mesmo, quero cancelar tudo, declaração, pagamento e fiscalização, e não me transfira a ligação, nem coloque a musiquinha!”
Pois é, mas não pode. O contrato com a Receita é, digamos, obrigatório.
Mas por isso mesmo o cliente/cidadão deveria ser mais bem atendido. Entre outras coisas, porque é ele mesmo, com seus impostos, que está pagando o serviço e os funcionários que o prestam.
Isso vale para o SUS, para os Detrans, as delegacias de polícia, as prefeituras (tente obter em um minuto a resposta para seu projeto de reforma do banheiro) e, no limite, para a Presidência da República. Todo cidadão deveria ter o direito de ligar para o Palácio do Planalto, ser atendido em menos de um minuto, ter seu pleito (ou elogio, tudo bem) anotado e respondido em tempo determinado.
Agora, o que surpreendeu mesmo nesse caso do call center da Receita foi ter ocorrido com esse órgão, conhecido e premiado por sua eficiência tecnológica. Que a Valec, a estatal encarregada da construir ferrovias, tenha ficado sem trilhos, por falhas nos contratos, a gente entende e até espera por isso. Mas logo a Receita se atrapalhar com um contrato…
Imposto sobre aluguel
Sabia o leitor que está em curso no Senado um projeto para que as prefeituras possam cobrar o Imposto sobre Serviços (ISS) sobre aluguéis residenciais e comerciais?
É isso mesmo. Num aluguel de mil reais, o inquilino pagaria mais cinquentinha, 5% de ISS.
Tem mais. Sabe baixar música via streaming? Pois é, mais 5%. Computação na nuvem, hospedagem de dados, audio, video, etc. — mais 5% para a prefeitura.
Trata-se do projeto de lei do Senado, número 386/2012. Além de mais uma garfada, se aprovado, vai gerar confusão na Justiça.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, pela Súmula Vinculante 31, declarou inconstitucional a cobrança de ISS sobre locação de bens móveis. Disse que locação não é serviço. Logo a Súmula deve se aplicar também a bens imóveis, dizem advogados.
E o que dizem senadores? Que as prefeituras, especialmente das capitais, precisam de dinheiro.
O projeto de lei tem outra curiosidade. Diz que cometerá crime o prefeito que conceder desoneração de imposto.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Custo Lula, por Carlos Alberto Sardenberg (revista Interesse Nacional)

Eu chamaria tudo isto de crimes econômicos contra o país, a serem devidamente denunciados e processados num tribunal econômico da nação, por irresponsabilidade primária, ignorância das regras elementares do jogo econômico, demagogia, prepotência, arrogância, petulância, enfim, um prejuízo enorme para o país, para as empresas públicas e privadas que se submeteram às ordens de um ignorante, e contra a população em geral, que vai pagar a conta.
Esse é o balanço da era Lula, uma das mais estúpidas de nossa história.
Paulo Roberto de Almeida





Sabem qual foi a inflação acumulada no Brasil no período de 1984 a 1994, ou seja, nos dez anos anteriores à introdução do real? Quase não dá para ler: 200.819.549.765%! Considerem agora outro período de dez anos (2002/2012), quando o sistema macroeconômico estava consolidado: inflação bem mais civilizada de 88%.Foi uma mudança da água para o vinho – e para vinho bom.
Acontece que há países bebendo coisa melhor. Naqueles mesmos dez anos do início deste século, a inflação na Alemanha foi de 18%; nos Estados Unidos, ficou pouco abaixo de 30%; na China, pouco acima. Neste momento, desde a saída da crise global de 2008/2009, o Brasil tem estado preso a uma armadilha difícil de escapar: a combinação de baixo crescimento com inflação elevada. Uma armadilha brasileira, pois os demais emergentes importantes crescem mais com preços mais estáveis e em níveis mais baixos.
Eis o tema: o Brasil, comparado com o Brasil do passado, é um sucesso. Comparado com outros, está devendo. Por que isso aconteceu?
Eis a tese: em sua maior parte, as lideranças dominantes – na política, na economia, na sociedade civil – não compreenderam nem as razões do sucesso, nem o esgotamento das reformas introduzidas desde 1994. As que compreenderam simplesmente deixaram para lá, por medo ou por acharem inútil tentar enfrentar a força do então presidente Lula.
Este tem um papel dominante em duas fases. Na primeira, seguiu a cartilha ortodoxa e contribuiu para a consolidação do modelo macroeconômico. Na segunda, encaminhou o país para a armadilha em que se encontra hoje. Esse é o chamado custo Lula.
Vale destacar as principais reformas desde o real. Os primeiros quatro anos foram, digamos assim, de aprendizado e tentativa de emplacar uma moeda razoavelmente confiável. A valorização do real diante do dólar jogou papel essencial na estabilização.
Por necessidade, as grandes reformas começaram depois do colapso do regime cambial, em janeiro de 1999. Como outros países emergentes que também haviam passado por crises externas, o Brasil de Fernando Henrique Cardoso (FHC) mudou.
Na avaliação macro, houve regime de metas de inflação com Banco Central independente (1999); responsabilidade fiscal e superávit primário (leis de 1998/2000); câmbio flutuante (1999); e negociação e acerto da dívida dos estados. Pode-se incluir, aqui, a privatização em setores-chave, como telecomunicações, mineração, siderurgia, transportes, bancos e energia elétrica. Cabem também os dois grandes programas de ajuste do sistema bancário, um para o setor privado, outro para o público, neste último caso com a privatização de bancos estaduais e o salvamento e modernização dos bancos federais.
Também foi crucial a quebra do monopólio da Petrobras (por emenda constitucional de 1997). Isso abriu a exploração de petróleo ao capital privado, nacional e estrangeiro, trouxe os investimentos que resultaram na descoberta do pré-sal.Na área de gestão pública, houve uma reforma administrativa e a criação das agências reguladoras. Mais uma importante reforma no INSS foi a introdução do fator previdenciário, em 1999. Na avaliação micro, para facilitar a vida de pessoas e das empresas, foi criado o Simples. Introduziu-se a regra de suspensão temporária do contrato de trabalho, importante flexibilização da legislação trabalhista.
Ajuda do Céu: China
Vem, então, o primeiro governo Lula, com Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Para surpresa inicial de muitos, ele não apenas manteve a base da política macroeconômica como a aplicou de maneira mais rigorosa, aumentando, por exemplo, o superávit primário. E, mais surpresa ainda, avançou muito na agenda micro. Alguns pontos principais foram: a criação da conta bancária e da poupança simplificadas; a portabilidade do crédito; e o regime do Supersimples.
Mudanças na legislação permitiram a volta e a expansão do financiamento imobiliário e a criação do crédito consignado. Saíram a nova Lei das SAs (2007) e as regras de aperfeiçoamento da área de seguros. Além disso, houve a aprovação, em 2004, da contribuição previdenciária de funcionários púbicos aposentados.
Acrescente–se a isso os programas sociais, da valorização do salário mínimo às transferências de renda (as bolsas), e o quadro se fecha.
Enquanto o Brasil se arrumava, caiu do céu a ajuda do mundo, especialmente da China. Do início deste século até as vésperas da crise financeira global, a economia mundial cresceu a taxas extraordinárias. O comércio global de bens e serviços se expandiu na base inédita de 10% ao ano. Nesse processo, a China consolidou sua posição de segunda potência mundial e correu o planeta em busca de alimentos, minérios e petróleo para saciar sua expansão. Todo o mundo emergente pegou a onda. O Brasil quadruplicou suas exportações, vendendo mais a preços mais altos, recebeu investimentos e tomou financiamentos baratos.
Se a estabilidade macroeconômica permitiu a progressiva queda dos juros reais e a volta do crédito, o boom externo trouxe dólares em abundância. De país tradicionalmente devedor, carente de moeda forte, o Brasil, com enormes reservas, tornou-se credor em dólares. A dívida pública externa simplesmente desapareceu.
Por isso, o Brasil não quebrou na crise de 2009, embora tenha sofrido com a recessão. A estabilidade interna (contas públicas arrumadas, por exemplo) e a abundância de dólares permitiram a reação do governo Lula: aumentar o gasto público, reduzir impostos e expandir o crédito para estimular o consumo privado.
Como funcionou – no último trimestre de 2009 a economia já dava sinais de recuperação para, no ano seguinte, crescer 7,5% –, Lula tomou a receita emergencial como definitiva. E foi assim, pouco a pouco, mas de modo firme, retornando ao velho pensamento da esquerda: o governo faz e desfaz, investe, gasta, financia, orienta e manda no setor privado.
Não eliminou o famoso tripé – ajuste fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante –, mas deu início à, digamos, flexibilização. Verificou-se, assim, que a ortodoxia do primeiro mandato não resultava de convicção, mas de medo. Não vinha da virtude, mas era fruto da necessidade de dar satisfação a um mercado desconfiado com o esquerdismo estatizante das propostas econômicas do PT pré-governo.
Esse novo Lula – ou o retorno do velho Lula, como queiram – apareceu triunfante na célebre entrevista concedida ao jornal Valor Econômico, de 17 de setembro de 2009. O mensalão dormia, a economia respirava, já se sabia do pré-sal, o então presidente parecia dizer: agora é do nosso jeito.
Com surpreendente franqueza, por exemplo, contou como mandou a Petrobras aumentar seus programas de investimento, quando a diretoria da estatal disse que pretendia adiar alguns projetos: “Convoquei o Conselho da Petrobras para dizer: ´Olha, este é um momento em que não se pode recuar´. Até no futebol a gente aprende que, quando se está ganhando de 1 x 0 e recua, a gente se ferra”.
Resultado: a diretoria da Petrobras foi para o ataque e incluiu nada menos que quatro refinarias no plano de investimentos, a serem construídas ao mesmo tempo, além de previsões fantásticas para a produção de óleo.
Petrobras, banco Votorantim, Vale…
Apenas três anos depois, já no governo Dilma, a Petrobras informou oficialmente aos investidores que, das quatro, apenas uma refinaria, Abreu e Lima, de Pernambuco, continuava no plano com data para terminar. Todas as metas de produção foram reduzidas. As anteriores eram “irrealistas”, disse a presidente da companhia, Graça Foster. Nada se disse ainda sobre os custos disso tudo para a Petrobras.
Mas, há indícios. A refinaria de Pernambuco, se der tudo certo a partir de agora, funcionará no final de 2014, com quatro anos de atraso em relação à meta, e custará algo próximo de US$ 20 bilhões. Reparem: quando anunciada por Lula, a refinaria custaria US$ 4 bilhões e ficaria pronta em 2010. Como uma empresa como a Petrobras pode cometer um erro de planejamento desse tamanho? Só há uma hipótese: a estatal não tinha projeto algum para isso. Lula decidiu, mandou fazer e a diretoria da estatal improvisou umas plantas. Anunciaram e os presidentes Lula e Chávez, sócio, fizeram várias inaugurações. Mas, a PDVSA venezuelana, dona meio a meio da refinaria, não colocou um tostão no negócio.
Das outras três refinarias, uma, a do Comperj, no Rio, está ainda mais atrasada e também mais cara, sem prazo firme de entrada em operação. Quanto às outras duas, as refinarias do Ceará e do Maranhão, continuam no papel, enquanto governadores cobram as antigas promessas eleitorais, e a direção da estatal procura sócios estrangeiros para viabilizar a coisa.
Tem mais na conta Lula. Naquela mesma entrevista, Lula disse que mandou o Banco do Brasil comprar o banco Votorantim, porque este tinha uma boa carteira de financiamento de carros usados e era preciso incentivar esse setor. O BB comprou, salvou o Votorantim e engoliu prejuízo imediato de mais de R$ 1 bilhão, pois a inadimplência ultrapassou todos os padrões. Ou seja, um péssimo negócio, conforme muita gente alertava. Mas, como o próprio Lula explicou: “Quando fui comprar 50% do Votorantim, tive que me lixar para a especulação”.
E tem a história da Vale. De novo, Lula na entrevista, com franqueza: “Tenho cobrado sistematicamente da Vale a construção de usinas siderúrgicas no país. Todo mundo sabe o que a Vale representa para o Brasil. É uma empresa excepcional, mas não pode se dar ao luxo de exportar apenas minério de ferro”.
Por isso ou por qualquer outra razão, o fato é que a Vale está envolvida em três grandes siderúrgicas, ou três imensos problemas, conforme levantamento feito até no final do ano passado. Em Marabá, no Pará, o projeto da planta Alpa está parado, à espera da construção de um porto e de uma via fluvial, obrigação dos governos federal e estadual, e que está longe de começar. No Espírito Santo, o projeto Ubu também fica no papel enquanto a Vale espera um cada vez mais improvável sócio estrangeiro. Finalmente, o projeto de Pecém, no Ceará, está saindo do papel, mas ao dobro do custo original.
São três histórias exemplares. En passant, reparem na linguagem. Lula diz: “convoquei o conselho da Petrobras”; “quando fui comprar o Votorantim”; “tenho cobrado da Vale”… Muitos governantes, especialmente depois de alguns anos no poder, caem nesse uso revelador da primeira pessoa. Sugerem decisões pessoais, não de governo. Lula, de fato, acumulou enorme poder pessoal, decorrente da popularidade recorde, esta, de sua vez, consequência de uma mistura de ortodoxia econômica, sorte (o crescimento do mundo e da China), programas sociais e populismo à velha moda latino-americana.
Mas, esse Lula da parte final de seu governo – caracterizada pela volta progressiva da mão pesada do governo – não poderia ter prosperado se não houvesse no país uma cultura de base. Havia e há, com duas variantes principais reunidas pelo pragmatismo político de Lula.
Intervencionismo estatal e corrupção
A primeira variante vem da esquerda latino-americana. Trata-se da ideologia do capitalismo de Estado: estatais nos setores-chave da economia, empresas privadas nacionais protegidas e subsidiadas pelo governo, estrangeiras toleradas e convidadas para determinados setores, controles gerais sobre toda a atividade econômica, setor público ampliado, impostos elevados (no caso brasileiro).
Na doutrina, diz-se que esse modelo é necessário para impedir as falhas de mercado e evitar os abusos que seriam resultantes do livre mercado. O objetivo é industrializar o país. Sua base, o nacionalismo e o patriotismo.
Quando interlocutores diziam a Lula que as empresas não planejavam refinarias ou siderúrgicas, porque era muito mais caro produzir no Brasil, o presidente respondia sem vacilar: “Os empresários têm tanta obrigação de ser brasileiros e nacionalistas quanto eu!”.
Daí resulta a política de conteúdo nacional. Em vez de uma nova onda de reformas para reduzir o custo de se produzir no Brasil, prefere-se a regra pelo qual o produto nacional tem preferência do governo e de suas estatais, mesmo sendo mais caro. Empresas nacionais se formam para atender a esse mercado, de modo que se tece uma teia de interesses privados em torno do setor público.
Eis uma versão do capitalismo de Estado, com amplo apoio na sociedade brasileira. Mas, há outra vertente que leva ao mesmo interesse de ampliar o controle estatal sobre a economia: aquela que antigamente se chamava de fisiológica ou clientelista. O propósito, nesse caso, é bem mais simples: tendo posições no governo, o líder partidário adquire poder de nomear os correligionários e participar, pelo lado privado, dos grandes negócios que o Estado gera.
Assim, um quer a Petrobras para desenvolver uma política dita nacionalista, outro, porque aquela imensa companhia é uma possibilidade infinita de nomeações e negócios. Amplie isso para o conjunto do governo e se terá a era Lula: o ex-presidente juntou as duas vertentes em sua base, colocando lado a lado os que estavam ali para aplicar uma política e os que simplesmente foram lá para buscar vantagens pessoais.
É exatamente o mesmo formato do “mensalão”. Uns estavam lá para desviar dinheiro para o partido (a causa), outros, para os próprios bolsos. Muitos militantes da esquerda sincera deixaram o PT e o governo, mas a maioria ficou lá. E a convivência é fatal. Líderes sindicais se viciam tanto nos cargos e vantagens quanto os políticos da velha guarda. Colocar no bolso parte do dinheiro que circula por ali se torna uma tentação para todos.
É verdade que uma parte do PT ainda tenta salvar as aparências. Dizem que se trata de algo como “roubar pelo povo”, que é impossível governar sem a participação dos velhos políticos e suas velhas práticas.
Eis o legado Lula, que continua no governo Dilma: uma mistura de intervencionismo estatal e corrupção. Disso resulta a ineficiência estatal e os bons lucros para certos grupos.
Tomemos como exemplo a Valec, estatal no ramo de ferrovias. Primeiramente, foi apanhada comprando dormente a preço de trilho. Trocaram a diretoria e deixaram a companhia no esquecimento. Depois, foi reconvocada para tocar duas importantes obras, há tempos prometidas em comícios eleitorais. E a Valec, por falhas burocráticas, ficou sem trilhos para colocar nas ferrovias.
Não tem nada demais. No novo modelo de concessões lançado pela presidente Dilma, a Valec terá posição de destaque. Ela vai comprar toda oferta de carga ferroviária e distribuí-la entre as transportadoras. Dizem os técnicos do governo que isso afasta o risco de mercado, ou seja, o risco de uma concessionária construir a ferrovia e não ter carga para transportar. No entanto, introduz o risco governo. Uma única empresa estatal, aquela, vai ser compradora e vendedora de todo o mercado. As duas vertentes se encontram aqui de novo: o controle estatal da atividade econômica e as oportunidades de negócios privados para os próximos do governo.
E continua sendo muito caro produzir aço e trilhos no Brasil. Ou qualquer outra coisa sem os subsídios, a proteção e os outros benefícios do governo. Essa é a causa básica da armadilha do baixo crescimento com inflação elevada.
É preciso nova onda de reformas
O país precisa de uma nova onda de reformas no sentido contrário do caminho introduzido por Lula no seu segundo mandato e até acentuado por Dilma. Precisa de mais privatizações, especialmente na infraestrutura, abertura comercial, competição, menos impostos e menos governo. Mas, isso exige uma mudança na cultura política. Reparem como a oposição não conseguiu ou não quis se opor a essa agenda Lula. Resta a outra possibilidade: a força da necessidade. Pensando bem, o programa econômico do real não tinha amplo apoio nem na base do governo FHC. Mas, enfim, o que se ia fazer com uma inflação acumulada de 200.819.549.765% ?
O sucesso da nova moeda deu base ao programa e reformas que se seguiram. O medo levou Lula a manter o caminho. No que as coisas se acalmaram, voltou o velho Brasil. Qual necessidade levaria a uma nova mudança de rumos?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Brasil-EUA: irracionalidade vs racionalidade da organizacao laboral -Carlos Alberto Sardenberg

Crescer e proteger

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 23/03/2013

“Ninguém aqui em Chicago pode trabalhar por menos de US$ 4,50 por hora”, conta o garçom de um bom restaurante, um rapaz de menos de 30 anos. Feitas as contas, considerando jornada de 40 horas por semana, dá US$ 800/mês.
“Mas gente ganha mais, dá para fazer mais de 300 dólares em um dia de bom movimento”, explica o rapaz. É a gorjeta, claro. O rendimento variável é o que vale e depende não das horas de trabalho, mas do movimento e da capacidade de atendimento do garçom.
A gorjeta, pelos costumes americanos, varia de 10% a 20%, e vai direto para o bolso do garçom, no dia mesmo de trabalho. Afinal, acrescenta o rapaz, “a gente trabalha para o freguês, não para o restaurante”. Mas, considerando que a gorjeta está incluída na conta, junto com comida e bebidas, como calculam e como pagam por dia (ou por noite)?
O garçom traz então os boletos, as contas pagas por cada mesa que atendeu naquela noite. Já está tudo grampeado e calculado.
Ele mostra e explica: “Eu vendi hoje 2.060 dólares, a gorjeta foi de uns 350 (cerca de 17%). Aí eu pago uma parte para o ajudante e outra para o pessoal do bar. Vou levar limpos uns 250 dólares”.
Repararam os verbos? “Eu vendi... eu pago...”
O restaurante, a empresa, paga na base do mínimo, a cada duas semanas. E só. Ou seja, é o trabalhador, nesse setor, que precisa cuidar de sua previdência e seu plano de saúde.
Claro que em outros setores da economia, em fábricas, por exemplo, ou em empresas maiores, o sistema é diferente, com salários semanais fixos maiores que a parte variável. Mas em boa parte do setor de serviços (incluindo comércio), a variável é maior.
Assim, esse caso dos restaurantes é um bom exemplo das vantagens e desvantagens de uma legislação trabalhista bastante flexível e na qual vale mais o combinado entre as partes.
Para o restaurante, a empresa, a vantagem é a redução do custo fixo. Gasta pouco com a folha de salários, ao contrário, por exemplo, de um restaurante no Brasil, cujo dono paga salário fixo e todos os demais itens (FGTS, INSS, 13º, adicionais diversos e por aí vai).
Nos EUA, quando o movimento cai, o prejuízo se distribui entre empresa e empregados, pois os dois lados passam a “vender” menos.
No Brasil e em muitos outros países, europeus, por exemplo, caindo o movimento, aumenta proporcionalmente o custo do restaurante , já que não é possível passar parte dos garçons para um sistema de trabalho apenas nos fins de semana.
Não raro, cria-se um impasse: o restaurante (ou a empresa) só consegue se manter funcionando no prejuízo, dado o baixo faturamento combinado com custos fixos elevados. No fim, a casa fecha e não se protegeram os empregos.
Nos EUA, para o garçom, a vantagem é receber diariamente e conforme a qualidade reconhecida de seu serviço. Para o público, a regra é um incentivo ao bom atendimento. Diferente, por exemplo, do sistema dominante no Brasil, no qual o caixa do restaurante recolhe toda as gorjetas e distribui por igual no final do mês.
(Aliás, o Congresso está discutindo uma legislação que obriga os restaurantes a repassar pelo menos 80% da gorjeta para os garçons e cozinheiros. Devia ser 100%, não é mesmo?).
Por outro lado, nos EUA, havendo uma crise, a empresa tem ampla possibilidade de cortar pessoal e reduzir os pagamentos. A taxa de desemprego praticamente dobrou de 2008 para 2009, nos momentos mais difíceis da crise financeira que quase paralisou a toda a economia .
E os salários também caem rapidamente, pois são basicamente negociados e não garantidos em lei.
Nos países que têm ampla e meticulosa legislação trabalhista, o ajuste — com desemprego e redução do nível médio de salários — sempre acaba acontecendo, mas demora mais e é mais custoso, como está acontecendo na maior parte dos países europeus.
Pelo outro lado, a recuperação econômica é sempre mais rápida nos Estados Unidos. Começa a melhorar e os empregos começam a voltar. Mas o desemprego cai antes de subirem os salários. Neste momento, por exemplo, a taxa de desemprego, que chegou a passar dos 10%, está na casa dos 7%. Já o salário médio, descontada a inflação, é praticamente o mesmo de 2009.
Em compensação, todo o sistema permite que as empresas reduzam custos e se esforcem para ganhar produtividade, que é, de novo, o que acontece. A produção por trabalhador/hora cresce 1,5% ao ano, desde que se iniciou a recuperação. E isso é a chave do crescimento.
No Brasil, onde o emprego formal é superprotegido, a produtividade está em queda e o custo unitário do trabalho em alta. Resultado: empresas menos competitivas. As que podem, reduzem a produção, mas mantêm a os trabalhadores, na expectativa de retomada da atividade. Se a retomada demora e essa expectativa enfraquece, o ajuste — corte de custos e de empregos — vem, então, mais forte.
Difícil combinar crescimento e proteção.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

sábado, 13 de abril de 2013

Direita e esquerda no Brasil - Carlos Alberto Sardenberg

O grande problema deste artigo é que ele acredita que FHC representou a direita no Brasil e e que ele implementou um programa liberal, quando a única coisa que fez FHC foi estabilizar a economia, o que já é uma enorme missão, e aplicar um programa social-democrata, ou seja, distributivista, ainda que moderado. FHC esteve muito longe de um programa realmente liberal.

A falta que nos faz uma boa direita
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 11/04/2013

Vou falar francamente: uma Thatcher, hoje, seria perfeita para o Brasil. Mas uma Thatcher em grande estilo: líder de partido, ganhando eleições com uma agenda liberal. Seria bom até para modernizar a cultura esquerdista amplamente dominante no país. Isso aconteceu na Inglaterra e, nos 80 e 90, em boa parte do mundo, inclusive no Brasil. Precisava acontecer de novo.

A longa administração conservadora de Margaret Thatcher fez o trabalho, digamos, sujo de demitir funcionários excedentes, cortar gastos públicos, controlar o poder dos sindicatos de empresas estatais (e depois privatizá-las), além de desregulamentar a economia, reformar a legislação trabalhista e reduzir a pesada burocracia do Estado.

Depois de um início custoso, com greves e desemprego em alta, funcionou. Com investimentos privados, o país voltou a crescer e gerar emprego e renda. Não por acaso, Thatcher ganhou três eleições seguidas.

Quando veio o desgaste até normal da administração conservadora, o serviço principal estava feito, a quebra do imenso, custoso e já ineficiente Estado do Bem-Estar. Aí veio Tony Blair com a suave conversa do “Novo trabalhismo”: retomada dos investimentos públicos em educação, saúde e segurança, mas em uma economia livre, aberta e competitiva.

Os eleitores foram trocando, conforme a ocasião. Elegeram o Partido Trabalhista no pós-guerra, que instalou o Estado do Bem-Estar, depois fartaram-se dos excessos desse modelo, que estatizava tudo de grande que via pela frente, como disse Churchill, e finalmente entregaram o poder para Thatcher desmontar tudo. E aí devolveram o governo à esquerda, mas uma esquerda reeducada.

Já entre nós, quando o eleitorado comprou a ideia de que era preciso desmontar o Estado excessivo e abrir a economia, porque só produzíamos carroças protegidas, acabou elegendo Fernando Collor, cuja agenda correta para o momento não resistiu ao caixa de PC. E terminou que a agenda liberal caiu no colo de Fernando Henrique.

FHC não liderou um movimento dentro de seu partido e junto aos aliados para construir uma agenda comum de reformas. Para dizer francamente, pelo menos no começo, foi tudo no vai da valsa. As trapalhadas seguidas de Itamar Franco acabaram jogando o Ministério da Fazenda no colo de FHC. Aí valeram a sabedoria e aguda percepção política do professor, que definiu logo o inimigo imediato ─ a superinflação – e escalou a equipe certa para atacá-lo.

Então, foi na sequência: para consolidar o combate à inflação, era preciso controlar o déficit das contas públicas, para o que eram necessárias as reformas, incluídas as privatizações. A agenda liberal se impôs no calor dos acontecimentos.

Daí as dificuldades de implementação. Não foi como na Inglaterra, com propostas bem definidas.. Aqui, FHC, vindo da esquerda, eleito com base nas novíssimas notas de um real, precisou construir essa agenda momento a momento. Excetuada a equipe econômica, quase ninguém entre seus colaboradores e seguidores estava preparado para a missão. Tratava-se de uma elite intelectual criada nas ideias socialistas e social-democratas, que viu ruir o Muro de Berlim e alcançou o poder em um mundo em que só existia capitalismo ─ e numa fase de liberalismo à americana ou “thatcherista”.

Além dessa turma, havia os velhos políticos, todos acostumados a viver em torno do Estado, fonte de nomeações, privilégios e bons negócios. Visto assim, a gente até se espanta de ver quanto o governo FHC avançou na agenda modernizadora.

Mas, é claro, não terminou o serviço. E parte desse serviço, eis outra peça do destino, ficou para o governo Lula. É a origem de nossos problemas atuais, o eleitorado se cansou de uma agenda liberal antes que ela tivesse sido completada. E elegeu um governo propondo mudar tudo para a esquerda, mas topando com os entraves causados justamente pela não conclusão da agenda liberal.

Daí o Lula do primeiro mandato. Manteve as bases macroeconômicas de FHC e ainda avançou em reformas micro claramente liberais e pró-negócios, sem reestatizações. De certo modo, os dois governos acabaram bem parecidos: construir alianças a meio do caminho para implementar reformas difíceis.

Depois, mais seguro, Lula parou com as reformas e começou a voltar para a agenda da velha esquerda estatizante, movimento agora claramente tomado pela presidente Dilma ─ e com os velhos políticos Estado-dependentes.

Tudo considerado, eis o que sempre nos faltou: uma boa direita, moderna, capaz de ganhar uma eleição com uma agenda liberal e implementá-la rigorosamente. E depois abrir espaço para uma boa esquerda, também moderna, que se eleja para fazer o seu serviço, que é gastar com educação, saúde e segurança. Mas gastar com eficiência e sem atrapalhar a economia privada.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Eu conheco um pais que NAO vai dar certo...; nao pode dar, não vai dar...

Pela desigualdade
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 4/04/2013

O ponto de partida é o seguinte: as crianças estão com dificuldades para alcançar a plena alfabetização no primeiro ano, ou seja, aos sete anos. Além disso, há um número expressivo de reprovações nesse primeiro ano, justamente por causa do atraso em leitura e redação.

Qual a resposta da autoridade educacional?

É fácil: eliminar a reprovação ─ todos passam automaticamente ─ e, sobretudo, fixar como meta oficial que a alfabetização deve se completar no segundo ano, quando a criança estiver fazendo oito anos. Em resumo, dar um período a mais para aprender a ler e escrever.

Não, não se passa no Brasil. Está acontecendo na Costa Rica. Mas, no Brasil, está, sim, em andamento o programa Alfabetização na Idade Certa, sendo esta também definida aos 8 anos.

A Costa Rica é o melhor país da América Central e considerado de bom padrão educacional. De fato, no teste Pisa, aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico em alunos de 15 anos, de 70 países, a Costa Rica obteve 443 pontos em leitura, ficando na 44ª. posição. Na América Latina, só perde para o Chile, cujos alunos alcançaram um pouco mais, 449 pontos. O Brasil está pior, 412 pontos nesse quesito.

Os cinco primeiros colocados são os alunos de Xangai, Coreia do Sul, Finlândia, Hong Kong e Cingapura, com notas entre 526 e 556. Pois nesses países a idade certa para alfabetização é seis anos. Isso mesmo, dois anos antes das metas de Brasil e Costa Rica. A questão é: quando e por que se precisa de mais tempo?

Na Costa Rica, onde a reforma educacional ainda está em debate, há dois tipos de argumentos, um referente ao calendário escolar, outro propriamente pedagógico.

No calendário: o problema, dizem autoridades, é que há muitos feriados e muitos períodos de férias, de modo que o ano letivo não passa de seis meses. Se as crianças vão menos dias à escola, claro que aprendem menos.

O leitor pode ter pensado: mas não seria o caso de aumentar o número de dias letivos?

Para os políticos, nem pensar. Criaria uma encrenca danada com professores e outros funcionários do sistema.

Já o argumento pedagógico diz que não se pode forçar uma criança de sete anos, que se deve deixá-la seguir segundo suas necessidades e seu próprio ritmo.

Quem acompanha o debate educacional no Brasil já ouviu argumentos semelhantes. Por exemplo: no programa Alfabetização na Idade Certa não foram introduzidos padrões que permitam medir se a criança sabe ou não ler. Seria possível fazer isso, uma medida numérica? Sim, já se faz pelo mundo afora. Em Portugal, por exemplo, no primeiro ano, o aluno deve ler em um texto simples, 55 palavras por minuto; no ano seguinte, 90 e, no terceiro ano, 110.

Simples, objetivo, de fácil avaliação.

Não é só no Brasil, mas em praticamente toda a América Latina esse tipo de avaliação causa até uma certa ojeriza. Entre professores, aqui, é forte a rejeição a avaliações concretas, como, por exemplo, um teste nacional que meça a capacidade dos mestres várias vezes ao longo da carreira. Médicos e advogados também não querem fazer as provas profissionais.

Tudo considerado, ficamos com as metas pouco ambiciosas. Pode-se argumentar que seria, digamos, romântico colocar como meta a alfabetização aos seis anos no Brasil. Se um número expressivo de jovens é classificado como “analfabeto funcional” depois do ensino médio, como querer que todos aprendam a ler e escrever aos seis anos?

Um equívoco, claro. Não há razão alguma para não fixar para os que entram agora na escola as metas mais rigorosas e adequadas aos padrões internacionais.

Há também uma questão política, que tem a ver com o desempenho dos governos: metas mais largas são mais fáceis de atingir e, claro, de propagandear.

Isso reflete uma cultura ─ a de evitar o problema, escolher o desvio mais fácil e politicamente mais vendável. Se as crianças não estão aprendendo na idade certa, se dá mais tempo a elas, em vez de tentar melhorar o processo de alfabetização. E, avançando, se os alunos das escolas públicas não conseguem entrar nas (ainda) boas universidades públicas, abrem-se cotas para esses alunos, muito mais fácil do que melhorar o ensino médio.

Dizem: o problema é que as universidades públicas estavam sendo ocupadas pelos alunos mais ricos vindos do ensino médio privado. Falso. O problema não está nas boas escolas privadas, está na má qualidade das públicas. Melhorar estas seria a verdadeira política de igualdade.

A propósito: nas boas escolas privadas, as crianças já sabem ler e escrever bem aos seis anos.

terça-feira, 12 de março de 2013

Os idiotas do ENADE e os cumplices do MECdinossauro... - Carlos Alberto Sardenberg

Minha opinião, mero chute, entre muitos outros que dou, é a de que o Brasil não tem a menor chance de melhorar sua educação, nos próximos 25 anos pelo menos (isso se conseguir consertar o estrago nos próximos dez anos, senão joga tudo isso ainda mais para frente). Ou seja, não há nenhum risco de que a produtividade melhore, de que os trabalhadores se tornem inovadores também, enfim, de que o Brasil cresça um pouco mais rapidamente do que o seu atual passo de cágado (atenção ao acento, revisores).
A idiotice e a desonestidade "inteliquitual" são tão grandes que só se pode antever desastres e mais desastres, pelo futuro previsívil.
Multiplique isso que o jornalista está contando por 10 mil, ou mais...
Paulo Roberto de Almeida


Como selecionar apenas os idiotas no ENADE
 Por Carlos Alberto Sardenberg*

Mesmo com algumas crises financeiras e bolhas, a economia mundial exibe crescimento vigoroso desde os anos 1990, e simplesmente espetacular de 2003 para cá. Diversos fatores se combinaram para isso - estabilidade monetária (inflação dominada, juros baixos), abertura ao comércio externo e à circulação de capitais, tecnologia de informação e telecomunicações, permitindo ganhos de produtividade. Mas há um outro fator histórico, decisivo: a incorporação de dezenas de países ex-socialistas e seus bilhões de habitantes ao capitalismo global.
A enorme capacidade de criar riqueza do capitalismo encontrou locais propícios para se multiplicar. Capitais do mundo todo encontraram novos pólos de investimento. Populações desses países - muitas com alto nível educacional, como as do Leste Europeu - entraram com tudo no modo de produção capitalista, com uma forte vontade de prosperar. Em diversos países se formou uma combinação de mão-de-obra educada, mais barata do que nos centros mundiais e trabalhando em plantas modernas, de alta produtividade.
Mais ainda: muitos países trouxeram novos recursos naturais, como o petróleo e o gás da Rússia e vizinhos, que alimentam a Europa Ocidental. E, sobretudo, bilhões de novos consumidores foram incorporados aos mercados mundiais. Com o crescimento acelerado desses novos capitalistas e o contínuo ganho de renda, os mercados se multiplicaram. (A brasileira Arezzo vai abrir lojas na China para vender sapatos femininos a partir de US$ 150 o par. Para quem? Para as novíssimas classes A e B que crescem naquele país. O consumo de carnes cresce fortemente nesse novo mundo, para alegria dos exportadores brasileiros.)
Na verdade, como notou Alan Greenspan em seu livro A Era da Turbulência, temos o privilégio de acompanhar um evento único: estamos verificando a olho nu, em tempo curto, como se forma esse modo de produção capitalista, processo que, na outra parte do mundo, levou séculos para se consolidar.
Há um único lugar no mundo que está tentando fazer o caminho contrário, para o socialismo. Adivinharam, claro, a América Latina.
Só nesta parte do mundo as idéias socialistas são levadas a sério, na teoria e na prática. No Brasil, temos conseguido escapar de certas experiências, mas fica sempre uma inquietação no ar, pois o pensamento socialista domina as escolas e as faculdades na área de humanas.
O pessoal continua gastando um tempo enorme estudando marxismo e socialismo - história morta. E sou capaz de apostar que nenhuma escola de ciências sociais tem estudos sérios sobre esse fenômeno da introdução do capitalismo em meio mundo.
Um exemplo desse quadro é a última prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), do Ministério da Educação.
Os testes não deixam outra possibilidade: se o universitário concorda com a idéia de que a história e a sociedade se movem pelo conflito de classes entre capital e trabalho, como ensina o marxismo, então deve ter tirado nota 10.
Se, ao contrário, o universitário pensa que a liberdade individual, o mercado livre e o direito de propriedade constituem os melhores fundamentos das relações sociais e econômicas, como prova o mundo moderno, esse aluno errou a maior parte das questões.
Se pensa isso e foi esperto, não errou, pois as questões são construídas de tal modo que a "resposta socialista" surge como obviamente correta e a outra, "neoliberal", parece uma estupidez ou uma ingenuidade.
A questão 10, por exemplo, pede uma breve dissertação sobre o papel desempenhado pela mídia nas sociedades democráticas, a partir de três enunciados. Dois deles, um dos quais é uma entrevista de Noam Chomsky, sustentam que a mídia (assim, no geral) é um instrumento das classes dominantes, do capital, para manter a exploração e bloquear, de modo sutil e subliminar, a circulação de "idéias alternativas e contestadoras".
O outro enunciado é maroto. Procura elaborar uma caricatura bonitinha. Diz assim: "A mídia vem cumprindo seu papel de guardiã da ética, protetora do decoro e do Estado de Direito. Assim, os órgãos midiáticos vêm prestando um grande serviço às sociedades, com neutralidade ideológica, com fidelidade à verdade factual, com espírito crítico e com fiscalização do poder onde quer que ele se manifeste."
Nesse quadro, se o aluno entendesse que, nos regimes democráticos, há jornais, revistas, rádios e TVs que procuram relatar os fatos da maneira mais objetiva possível; que a imprensa não-partidária e não-religiosa é induzida a isso pela concorrência e pela competição no livre mercado; que há, sim, imprensa comprometida com a democracia, com a liberdade de opinião e com a vigilância dos governos, sendo isso testado pelo seu público, o melhor a fazer seria evitar essa argumentação, pois o contexto da questão indicava que seria considerada falsa.
Para o Enade, ou a mídia é de uma santidade exemplar, impoluta e infalível; ou não existe a menor liberdade de imprensa e de opinião e a mídia dita democrática é sempre um truque para calar os trabalhadores e suas lideranças.
Quem se lembrou dos ataques de membros do governo e do PT à "mídia golpista" lembrou bem. É essa visão mesmo. Fazer reportagens sobre mensalão e aloprados, criticar a administração lulista e seu partido só pode ser coisa da direita, pois o governo, sendo o deles, necessariamente está certo.
Que o PT diga isso, faz parte do jogo, desde que não tentem, a esse pretexto, melar o jogo. Agora, que o MEC coloque essa visão esquerdista como a verdade, numa prova para milhões de alunos, é lavagem cerebral.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Site: http://www.sardenberg.com.br/

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

CQD: a pobreza do combate 'a pobreza - Carlos Alberto Sardenberg

Como queríamos demonstrar (CQD): confirma tudo o que escrevi no post anterior...
Paulo Roberto de Almeida

‘A bolsa é para a escola’
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 21/02/2013

Os programas tipo Bolsa Família nasceram no âmbito do Banco Mundial ─ e aqui no Brasil com o trabalho de Cristovam Buarque ─ com base numa teoria precisa.

O primeiro ponto foi a análise, em diversos países, dos programas que entregavam bens e serviços diretamente às famílias pobres (alimentos, roupas, remédios, material escolar, instrumentos de trabalho etc). O governo comprava e distribuía.

Já viu. Havia problemas de eficiência e de corrupção. Estudos mostraram que, do dinheiro aplicado na América Latina, a metade se perdia na burocracia e na roubalheira.

Melhor mandar o dinheiro direto para as famílias. Mas isso bastaria? A resposta foi não, com base na seguinte avaliação: as famílias não conseguem escapar da pobreza porque suas crianças não frequentam a escolas. E não frequentam porque precisam trabalhar (na lavoura ou nas cidades, caso dos meninos) e cuidar dos outros irmãos, caso das meninas. Apostando que crianças com educação básica têm mais oportunidade de conseguir empregos bons, a ideia é clara: é preciso pagar para as famílias manterem as crianças na escola. Daí o nome oficial do programa no Banco Mundial: Transferência de Renda com Condicionalidade. O cartão de saque do dinheiro contra o boletim escolar.

Parece óbvio, mas houve forte debate. Muita gente dizia que pais e mães gastariam o dinheiro em cachaça, cigarros, jogos e coisas para eles mesmos, usando os filhos apenas como fonte de renda. O bom-senso sugeria o contrário. As pessoas não são idiotas nem perversas, sabem do que precisam.

Havia também uma crítica política, curiosamente partindo da esquerda. Dizia que distribuir dinheiro era puro assistencialismo, esmola e, pior, prática eleitoreira dos coronéis para manter o povo pobre e ignorante. Mas essa é outra das teses que a esquerda no poder jogou no lixo.

O fato é que se começou com programas experimentais na América Central, com patrocínio do Banco Mundial, e funcionou muito bem. Nos anos 90, a ideia se espalhava pela América Latina. No Brasil, com o nome de Bolsa Escola (designação introduzida por Cristovam Buarque) apareceu em 1994, em Campinas, e logo depois em Brasília (com Buarque governador). Foi ampliado para nível nacional no governo FHC, em projeto liderado por Ruth Cardoso. Surgiram ainda por aqui programas paralelos, como vale-transporte e bolsa gás. Lula juntou tudo no Bolsa Família, que passou a ampliar.

Não se trata, pois, de dar dinheiro aos pobres. Se fosse apenas isso, seria mesmo caridade pública sem efeitos no combate duradouro à pobreza. Trata-se de colocar e manter as crianças na escola, ou seja, abrir a oportunidade para esses meninos e meninas escaparem da pobreza.

No México, aliás, o programa chama-se Oportunidades e o dinheiro entregue à família aumenta na medida em que a criança progride na escola. Vai até a universidade. Há também uma poupança depositada na conta de crianças, que podem sacar o dinheiro quando se formam no ensino médio.

Em muitos lugares, há limitação no número de bolsas por família, com dois objetivos: estimular o controle da natalidade (ou reduzir o número de filhos) e desestimular a acomodação dos pais. Também se introduziram outras condicionalidades, como a frequência das mães nos postos de saúde, especialmente para o acompanhamento pré-natal e parto, e das crianças, para as vacinas. Ao boletim escolar acrescenta-se a carteirinha do ambulatório.

Resumindo, o programa funciona no curto prazo ─ ao dar um alívio imediato às famílias mais pobres ─ e no médio e longo prazos, com a escola.

Mas há uma tentação perversa. Como o programa funciona imediatamente, assim que a família recebe o primeiro cartão eletrônico, há um estimulo para que os políticos se empenhem em distribuir cada vez mais bolsas. É voto na veia. Ao mesmo tempo, esse viés populista desestimula a cobrança da condicionalidade. Pela regra, se as crianças desaparecem da escola ou não progridem, a bolsa deve ser cancelada. Mas isso pode tirar votos, logo, é melhor afrouxar os controles.

Resumindo: há o risco, sim, de um belo programa social se transformar numa prática populista. Quando os governantes começam a se orgulhar do crescente número de bolsas distribuídas e nem se lembram de mostrar os resultados escolares e índices de saúde, a proposta já virou eleitoral.

E quer saber? Ter todos os pobres recebendo dinheiro do governo não significa que acabou a pobreza. É o contrário, é sinal de que a economia não consegue gerar educação, emprego e renda para essa gente. O fim da pobreza depende de dois outros indicadores: crianças e jovens nas escolas e qualidade do ensino.