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sábado, 28 de setembro de 2013

Comparacoes economicas internacionais - Carlos Alberto Sardenberg

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Globo, 26/09/2013

Tudo somado e subtraído, aqui e lá fora, o Brasil hoje consegue crescer entre 2% e 2,5% ao ano, com inflação ao consumidor no ritmo anual de 6% e taxa de desemprego de 5,6% em julho último. Está bom ou ruim? Depende da comparação, não é mesmo? Espanha, Grécia e Portugal, por exemplo, quase não têm inflação, mas sofrem com recessão e desemprego acima dos 25%. Por outro lado, China, Coréia do Sul e Chile crescem mais, com menos inflação e menos desemprego. O México tem crescimento um pouco menor que o Brasil, mas também com inflação e desemprego menores.

A comparação, entretanto, não deve ficar ao gosto do freguês. Falando francamente, não tem cabimento comparar com os países europeus afetados por uma difícil combinação de crises financeira, fiscal e de contas externas.
O mais correto é olhar para países parecidos, emergentes de expressão e que têm capacidade de se tornarem ricos em um horizonte razoável. E neste caso, o Brasil está com o pé trocado.
Neste momento, alguns desses países estão reduzindo suas taxas de juros para combater a desaceleração do crescimento, que é geral no mundo emergente. Também estão acomodando a desvalorização de suas moedas, outro fenômeno global, aproveitando para turbinar as exportações.
Já por aqui, o Banco Central está subindo os juros e segurando o dólar, porque foi apanhado nesta mudança da conjuntura internacional com a inflação perigosamente elevada. E tem que subir os juros mesmo com o baixo volume de investimentos.
O que nos leva a outra comparação, a mais importante, do Brasil de fato com o Brasil que poderia ser. O país poderia estar melhor ─ e não está por equívocos internos de política econômica.
Talvez o principal ponto fraco esteja na falta de investimentos públicos e privados em infraestrutura. E a culpa por isso é inteiramente do governo, que nem consegue turbinar suas obras, nem criar condições favoráveis ao capital privado que está disponível aqui e no exterior. E bobeou com a inflação.
Eis o resumo da ópera: o Brasil está perdendo oportunidade de deslanchar. Não está bom.
15 mil homens
Esta história me foi contada por um engenheiro-aquicultor da Costa Rica que, nos anos 80, integrou uma equipe de especialistas em cultivo de camarões, enviada à China. Missão: instalar as fazendas e ensinar o pessoal local. Coisa grande.
Os especialistas disseram que dava para fazer, mas com maquinário pesado. Isso incluía uma bateria de tratores bulldozer, operando 24 horas, para escavar e remover enormes volumes de terras.
Não temos esses tratores, disseram os chineses. E perguntaram quantos trabalhadores substituiriam os bulldozers. Uns 15 mil, foi a resposta, recebida com naturalidade pelos responsáveis chineses.
Já os aquicultores estrangeiros ficaram estupefatos quando, na data combinada, encontraram pronto o acampamento para 15 mil homens, que se apresentaram para o serviço uniformizados e armados com pás e picaretas. Assim foram instaladas as primeiras fazendas.
Na década de 90, a produção chinesa de camarões apareceu nas estatísticas globais. Nos primeiros anos deste século, a China já integrava, com Tailândia, Malásia e Vietnã, o grupo de países responsáveis por 70% das exportações mundiais de camarões.
E não apenas já utiliza máquinas pesadas, como fabrica aqueles bulldozers que faltavam nos anos 80.
Olhando por esse lado, não se pode negar que é um bom exemplo de uma história bem sucedida. O que os chineses tinham? Um país em ruínas por causa da revolução cultural de Mao, um monte de gente sem trabalho, sem renda e , ao milhões, sem comida.
Foi quando Deng Xiao Ping introduziu as reformas que abriram o país aos capitais privados estrangeiros e às iniciativas empreendedoras dos próprios chineses. Numa palavra: um modo capitalista de crescer, ao lado de um Estado forte e dominante em grande parte da economia.
Comparando hoje com a China dos anos 80, parece claro que a coisa deu certo.
Já olhando só para o presente, não faltam problemas, a começar pela enorme poluição ─ ao mesmo tempo crônica e aguda ─ incluindo as degradações ambientais causadas pelas fazendas de camarões. A corrupção no governo e no Partido Comunista é outro problema de grande proporção. O domínio estatal levou a investimentos ineficientes, exagerados e caros em diversos setores de infraestrutura. Os salários e o nível de vida continuam baixos, embora já tenha sido formada uma classe média consumidora. A desigualdade de renda aumentou. E não tem democracia.

Eles fazem e comem camarões, alguns, mas a que custo. Comparações?

sábado, 21 de setembro de 2013

O governo dos companheiros e o desgoverno da economia - Carlos Alberto Sardenberg

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Globo, 19/09/2013

Anos atrás, em um outro país, o presidente estava diante do desafio de conseguir turbinar o crescimento. Políticos, economistas, jornalistas discutiam as saídas e, como sempre, havia propostas para fazer isso por meio de ações mais intensas do governo.
O presidente, então, saiu-se com uma resposta que se tornaria clássica: “Na nossa situação atual, o governo não é a solução. O governo é o problema”.

A presidente Dilma, claro, jamais dirá isso, mas obviamente admitiu a incapacidade ao menos parcial do Estado quando lançou o amplo programa de concessões de obras de infraestrutura à iniciativa privada.
Se o governo tivesse dinheiro e expertise para fazer os investimentos necessários, não precisaria entregar estradas, portos, aeroportos e ferrovias ao capital privado. Reparem que a presidente Dilma tentou turbinar os investimentos públicos. E só partiu para as concessões diante dos atrasos e da sequência de corrupção em obras importantes .
Ou seja, não foi por convicção, mas por necessidade. Ela não admite que o governo é o problema e que a infraestrutura brasileira falha por incapacidade do Estado. Ao contrário, ainda acredita que o governo pode tudo, mesmo que no momento, dadas as circunstâncias, seja preciso chamar os capitais privados.
O resultado disso é a “concessão envergonhada”. Abre-se o negócio ao investidor privado, mas o governo está ali ao lado, financiando a juros de compadre, entrando de sócio, dando garantias de receita e prometendo fazer parte das obras.
Ora, dirão: qual empreiteira recusaria um negócio desses? Especialmente neste lado do mundo, a América Latina, tão viciado no capitalismo de amigos ─ esse sistema em que um bom lobby rende mais que ganhos de produtividade.
Por isso, foi chocante quando nenhuma empresa apresentou propostas no leilão de concessão da rodovia BR 262. A obra era considerada um “filé mignon”.
O governo desconfia de alguma ação política, uma articulação da oposição, inclusive de investidores, para desmoralizar o programa. Não cola. Por mais militante que seja, nenhum empresário joga dinheiro fora.
Logo, o pessoal não achou que o negócio era bom, mesmo com todo o apoio oferecido pelo governo. Em resumo, não achou que o governo pudesse ser a solução para os problemas.
Quais problemas? Tudo poderia ser resumido numa palavra, insegurança. Regulatória: o governo Dilma tem mudado tanto as regras, em tantos setores importantes, que não há como acreditar que as normas regendo as concessões serão mantidas pelos 30 anos do negócio.
Insegurança jurídica: as possíveis restrições à cobrança de pedágio, a única fonte de renda do empreendimento. Políticos e governantes brasileiros não gostaram de pedágio ─ mais ainda, não gostam de cobrar nada diretamente do usuário. Há na cultura local uma queda pela boca livre, reforçada pelas recentes manifestações.
Não é de graça, claro. Quando uma estrada federal em Goiás não é pedagiada, ela termina paga pelo morador de Rondônia quando compra uma cerveja e um maço de cigarros. Mas é um pagamento, digamos, quase invisível, o imposto está embutido no preço. Já no pedágio, o usuário morre com seus reais cada vez que passa ali. É mais justo que só o usuário pague pela facilidade que utiliza, mas, reparem, praticamente todos os governantes cancelaram reajustes de tarifas e pedágios depois das manifestações.
Diante desses óbvios obstáculos ao programa de concessões, o que fez o governo Dilma? Respondeu ao investidor privado: você cobra um pedágio baratinho que a gente faz o resto.
A garantia somos nós, disse o governo.
Ora, o risco está nessa garantia, pensaram os empresários. Não disseram, tanto que o governo contava com o sucesso do leilão. Mas pensaram exatamente isso: eu entro num negócio cuja receita é o pedágio, mas eu tenho de cobrar bem baratinho e só posso cobrar depois que o governo fizer a parte dele nas obras e garantir nos tribunais e nos meios políticos a viabilidade da cobrança; e também não posso ganhar dinheiro além do limite fixado pelo governo.
Resumindo: os obstáculos aos investimentos privados estão no ambiente de negócio ruim colocado pelo setor público. Em vez de mudar o ambiente para torná-lo mais amigável às concessões, o governo diz “deixa comigo”. O problema se apresenta como solução.
E por que saem alguns negócios? Porque muitos investidores acreditam que, enfim, a gente vai conversando lá em Brasília.
Não é assim que se vai turbinar os investimentos.

A frase lá de cima? Ronald Reagan.

domingo, 18 de agosto de 2013

Uma confusao economica dos diabos fazem esses companheiros - Carlos Alberto Sardenberg

Como conseguem?
O Globo, 15 de agosto de 2013

É embaraçoso para o governo Dilma: como dizer que o automóvel particular a gasolina agora é o bandido, depois de ter passado anos dando-lhe tratamento de rei?
Não é modo de dizer. Os carros tiveram seus preços abatidos, via redução de impostos, e as montadoras locais foram apoiadas com proteção e financiamento subsidiado para aumentar a produção. Os compradores também foram brindados com enorme ampliação do crédito — nada menos que R$ 52 bilhões concedidos nos últimos dois anos. De presente extra, a gasolina com o preço congelado e contido, para segurar a inflação e evitar a bronca dos motorizados.
Agradecidos, os brasileiros, especialmente os da nova classe média, foram à luta, quer dizer, aos bancos e concessionárias, e cumpriram sua obrigação de apoiar o crescimento do PIB. Saíram de carro por aí.
Infelizmente, a Petrobras não conseguiu entrar na festa. Sua produção de petróleo estagnou, as refinarias não deram conta da demanda, as novas refinarias estão atrasadas, de modo que a estatal precisou importar cada vez mais gasolina. E a preços não brasileiros, claro.
Não é de estranhar que o resultado tenho saído muito errado. A inflação continuou elevada e o crescimento permaneceu muito baixo. Sempre se pode dizer que tudo teria sido pior com a gasolina e os carros mais caros. Mas pior comparado com o quê? De todo modo, o fato é que muitas outras coisas também deram errado. A Petrobras, perdendo receita, sendo obrigada a vender gasolina mais barato do que importa, teve que se endividar. E as ruas ficaram congestionadas, pois não se investiu na infraestrutura necessária para acolher os carros e abrir caminhos para o transporte coletivo.
Como consertar isso, considerando ainda mais que a Petrobras precisa de dinheiro, muito dinheiro, para o pré-sal? E lembrando que o dólar caro veio para ficar?
Claro, precisa aumentar o preço da gasolina para turbinar as receitas da estatal. Quanto? Se for apenas para equilibrar o preço atual, pelo menos 20%. Se for para recuperar perdas passadas, uns 30%.
Mas isso jogaria a inflação de novo para cima do teto da meta — 6,5% — e provocaria uma justa bronca na classe média. Qual é? Não era para comprar carro?
Que tal, então, um aumento moderado para a gasolina e para o diesel? Ruim também. Talvez pior. Provocaria inflação de qualquer jeito — pois o índice está rodando em torno do teto —, não resolveria o caixa da Petrobras e deixaria todo mundo aborrecido.
E, para complicar, tem mais essa proposta do prefeito de São Paulo, Fernando Hadad, de colocar um imposto de 50 centavos por litro de gasoloina e usar todo o dinheiro para subsidiar e reduzir tarifas de ônibus. Para efeitos de índice de inflação, a redução da tarifa compensaria a alta da gasolina, mas vá explicar para o pessoal que está tudo bem com a gasolina a R$ 4,20.
Imaginem o impacto psicolólogico e social, pois a gasolina subiria em dose dupla, uma para a Petrobras, outra para os ônibus. E, como estes passam a ter prioridade, os brasileiros que micaram com os carros pagarão mais caro para ficar em congestionamento mais demorado.
Como o governo pode ter se equivocado tanto?
Seria uma pergunta cabível se o resto estivesse funcionando. Mas considerem apenas o que tem saído na imprensa nos últimos dias.
As usinas de Jirau e Santo Antonio, em construção no Rio Madeira, vão gerar uma carga de energia que não pode ser levada pela linha de transmissão projetada. Simplesmente queimaria tudo. A linha é insuficiente. Sabe-se disse desde 2010 — e ainda estão discutindo para descobrir de quem é a culpa.
Mas deve estar sobrando energia, não é mesmo? Usinas eólicas estão prontas e paradas há um ano, por falta de linhas de transmissão.
Há uma guerra judicial no setor elétrico, com o governo tentando empurrar para empresas a conta da energia produzida nas usinas térmicas.
Há milho para ser estocado, uma superprodução, e armazéns da Conab fechados por falta de manutenção ou porque estocam milho… velho.
Na política econômica, o Brasil é o único país importante que está subindo juros. É também o único emergente de peso que não pode se aproveitar do momento internacional para deixar a moeda local se desvalorizar o tanto necessário para dar muita competitividade às exportações.
Uma ironia: a “nova matriz” do governo, alardeada pela presidente Dilma, se baseava em juro baixo e dólar caro, para ter crescimento elevado. Pois, no momento em que o dólar sobe sozinho, por conta dos EUA, o BC brasileiro tem que elevar os juros e tentar segurar o dólar para controlar a inflação. E lá se vai o PIB.
Uma ironia pedagógica, se é que conseguem aprender com tantos equívocos.

sábado, 3 de agosto de 2013

Retrato do Brasil (1): Folgando na sexta - Carlos Alberto Sardenberg

A gente dá voltas, anda e anda, galopa, paramos para tomar uma cervejinha, torna a correr, dispara, tropeça, levanta, fica meio tonto, começa a andar novamente, tateando no escuro, esperando alguma ajuda externa, volta a correr, encontra um buraco, desvia de pedras, rios, montanhas, enfim a planície, descansamos (que ninguém é de ferro), voltamos a correr e, de repente, a paisagem começa a ficar estranhamente familiar...
Descobrimos que estamos no mesmo lugar...
Pois é, esse é o Brasil.
Dois retratos, neste e no próximo post.
Paulo Roberto de Almeida

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
 O Globo, 01/07/2013
A Marinha chegou a comunicar a seus funcionários que não precisariam mais trabalhar às sextas-feiras. Culpa do superávit primário, explicava o comando em nota distribuída internamente na última segunda. A Esquadra, digamos assim, havia sido atingida pelo corte de gastos necessário para atingir a meta de economia do setor público, o tal superávit primário. Nos Estados Unidos, os governos — federal, estaduais e municipais — também fecham repartições e mandam funcionários para casa nesses momentos de aperto. Faz sentido: gasta-se menos com luz, água, telefone, ar-condicionado, cafezinho, bandejão, essas coisas.
Só que lá nos EUA funcionário em casa não recebe — e no Brasil é proibido cortar salário de servidor público. Logo, a economia seria menor. E a sexta-feira seria mesmo uma bela folga para os funcionários burocráticos e administrativos da Marinha. Fim de semana de três dias, remunerados!

Mas, para azar desses servidores, que já planejavam a folga, a coisa pegou mal. A Marinha distribuiu o comunicado, em e-mail interno, na segunda. Na terça, o documento caiu nas mãos da jornalista Denise Peyró, da CBN, que colocou a matéria no ar. Poucas horas depois, a Marinha distribuía nota à imprensa dizendo que chegara a cogitar de fechar às sextas, mas que desistira da ideia e estudava outras maneiras de economizar.
Ficou evidente a bronca não apenas da Marinha, mas também das outras forças, Exército e Aeronáutica. Essa área, a Defesa, sofreu os maiores cortes, e não é a primeira vez que isso acontece. Em outras tesouradas, outros governos cortaram mais verbas das forças. Ninguém nunca diz claramente, mas todo mundo sabe o pensamento que está por trás disso: o país não está em guerra, sequer tem inimigos…
Não apenas por isso, o fato é que a Defesa brasileira foi ficando para trás. Equipamentos atrasados, quartéis reduzindo expediente para não precisar dar almoço aos soldados, redução de efetivos e por aí foi. Pode parecer estranho, mas faz parte desse processo de deterioração o uso dos jatinhos da FAB por autoridades políticas.
Militares, reservadamente, criticam o sistema. Que a FAB cuide do avião presidencial, tudo bem, mas transformá-la em serviço de aluguel de jatinhos para políticos? — tal é a queixa.
Mas, sabem o que mais? A triste realidade é que oficiais da FAB têm nesse sistema uma oportunidade de acumular horas de voo, sempre limitadas por questões orçamentárias. Avião no chão, navio no porto e tanque no quartel gastam bem menos, não é verdade?
Todo esse episódio revela o atraso não apenas da Defesa, mas do Estado brasileiro. E a absoluta falta de um projeto, sequer a disposição, de reforma. Aqui, os próprios militares têm parcela da responsabilidade, no seu setor.
Há tempos especialistas nacionais e estrangeiros notam que nossas Forças Armadas precisam ter menos gente, menos quartéis (inclusive no Rio), menos repartições, menos soldados e oficiais. E mais equipamentos e muito mais tecnologia.
Resumindo: uma Força menor, bem armada, com uma capacidade e movimentação adequada ao tamanho do país e, especialmente, de nossas fronteiras. Mais uma mudança de orientação para que a Força Armada, ao controlar de fato a fronteira e o mar territorial, seja parte essencial no combate ao tráfico de drogas.
Mas não se nota uma pressão da corporação por essas reformas. O pessoal parece acomodado e fica ali tocando a vida. Há, no momento, um programa de compra de armamentos, mas atrasado e de conclusão duvidosa. Há quanto tempo se fala da compra dos tais caças para a Aeronáutica?
Assim para o Estado, para o serviço público. O episódio da Marinha mostrou como foi tudo na base da improvisação. A Fazenda e o Planejamento ficaram semanas discutindo o corte orçamentário. Quando o anunciaram, verifica-se uma coisa frouxa, sem combinação com o resto do governo, sem projetos.
Se for mesmo para cortar, o que é duvidoso, vão ter que improvisar como a Marinha tentou.
Tem muita gente reclamando do serviço público em geral. A reação dos governos tem sido a pior possível. No caso dos médicos, por exemplo, o governo Dilma já está mudando a proposta tão contestada. Parece coisa tão improvisada como a ideia de fechar repartição na sexta-feira.


Obra anunciada - E, por falar nisso, não percam a série do Valor Econômico, do repórter André Borges, sobre a Ferrovia de Integração Leste-Oeste, iniciada ontem. Em 2010, Lula prometeu inaugurá-la em 30 de julho de 2013, anteontem. Pois a ferrovia não tem sequer um trilho instalado. A Valec, estatal que toca (?) a obra, não consegue comprar os trilhos.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Uma unica certeza: vai piorar - Carlos Alberto Sardenberg

ECONOMIA

Vai piorar

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 11.07.2013
Deu na coluna de ontem do Ilimar Franco (Panorama Político): prefeitos relataram que estão com dificuldade de contratar empresas de ônibus; as concessionárias não têm se habilitado às licitações. Alegam que vão perder dinheiro, pois se tornou inviável aumentar o preço das tarifas.
Ou seja: o transporte urbano vai piorar nessas cidades, mesmo que as prefeituras assumam o serviço. Nesse negócio, o setor público gasta mais e entrega menos.
Deu no “Valor” de terça: o Ministério dos Transportes vai dispensar as concessionárias de rodovias federais de novos investimentos. É uma forma de compensar a suspensão do reajuste de pedágios, única fonte de receita das empresas.
Ou seja, uma violação de contrato (a suspensão dos reajustes) compensada por outra (investimentos cancelados). As estradas vão piorar e os programas de privatização de infraestrutura estarão prejudicados por mais uma insegurança jurídica.
Imagino que terá gente dizendo: estão vendo? Os manifestantes fazem aquela baderna e dá nisso, tudo piora.
É um erro de julgamento, claro. Muita coisa, de fato, pode piorar, mas a culpa não será dos manifestantes. Será dos políticos que estão no poder — federal, estaduais e municipais — que não sabem como responder à demanda das pessoas. Esses manifestantes, na verdade, serão vítimas duas vezes: na primeira, pelo uso dos serviços ruins; na segunda, pela piora dos serviços em consequência da inépcia dos governantes.
Nenhuma pessoa normal é obrigada a saber a planilha de custos de um serviço público, seja de uma viagem de ônibus ou de um atendimento no posto de saúde. Mas qualquer pessoa sabe se o serviço é bom ou ruim. Os manifestantes reclamaram do que percebem como ruim. Também reclamaram do preço que pagam, quer diretamente, via tarifas, quer indiretamente, via impostos.
(Aqui, aliás, tem um fato curioso: nos últimos anos, aumentou o número de trabalhadores com carteira assinada, ou seja, o número de pessoas que podem ver no contracheque o quanto pagam para os governos.)
Cabe aos políticos/governantes saber exatamente quanto custa o serviço e, mais importante, quem vai pagar a conta.
Parece óbvio, mas tem muito governante que não sabe. Muitos prefeitos, governadores e ministros que cancelaram reajustes disseram que iam passar um pente-fino nas tarifas para procurar (e cortar) gorduras ou, tese preferida, excesso de lucros dos concessionários. Mas só desconfiaram disso agora? Esta não é uma questão política, mas técnica.
Política é a decisão sobre o que fazer depois que se sabe o custo: para quem mandar a conta? Só há duas possibilidades: paga o usuário direto do serviço (pelo bilhete do ônibus, pela consulta ou pela mensalidade) ou paga o contribuinte que recolhe impostos, seja ou não usuário.
Numa estrada com pedágio, quem paga é o motorista que trafega por lá. Se não há pedágio, se a estrada é mantida pelo poder público, então um cidadão que compra uma garrafa de cerveja e morre com ICMS, IPI e tudo o mais está ajudando a financiar a rodovia, mesmo que nunca passe por ela.
Em tese, parece mais justo, sempre, que o usuário pague. E pensando longe, se todos os serviços públicos fossem remunerados pela pessoa que os utiliza, a carga tributária geral poderia ser reduzida expressivamente.
Mas não é simples assim. No caso dos pedágios, a situação, de fato, é mais fácil de elaborar. Por que uma pessoa pobre financiaria, com os impostos que paga sobre alimentos e roupas, por exemplo, a estrada pela qual os mais ricos viajam para o fim de semana?
Já não é tão simples dizer que o paciente do SUS deveria pagar pelas consultas e tratamentos. Aqui entra outra tese: os ricos devem recolher mais impostos para financiar os serviços essenciais para os pobres. Mas para que isso funcione, é preciso que o sistema tributário seja progressivo, cobrando efetivamente mais de quem pode mais.
Para isso, o grosso dos impostos deveria incidir diretamente sobre renda e patrimônio das pessoas e não indiretamente sobre o consumo, como é o caso do Brasil. Pobres e ricos pagam o mesmo imposto num livro escolar ou numa conta de celular, por exemplo. O sistema é regressivo.
Resumindo: se quisermos aliviar a conta para os usuários dos diversos serviços, será preciso aumentar os impostos, decidindo-se, então, quem vai recolher mais.
Eu perdi alguma coisa ou não há mesmo nem sombra desse debate?
Resumindo, se a resposta é só cancelar reajustes, vai piorar.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.