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quinta-feira, 2 de março de 2023

‘O Brasil está em cima da muro, mas com um pezinho do lado da Rússia’, diz Roberto Abdenur - Carolina Marins (OESP)

 ‘O Brasil está em cima da muro, mas com um pezinho do lado da Rússia’, diz Roberto Abdenur


Ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China critica neutralidade do Itamaraty na guerra da Ucrânia e vê com ceticismo proposta de paz sugerida por Lula

ENTREVISTA COM
Roberto Abdenur
Diplomata e ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China

Por Carolina Marins
O Estado de S. Paulo, 01/03/2023 | 05h00

A pressão para que o Brasil tome posição na guerra da Ucrânia cresceu nos últimos dias, conforme o conflito entra em seu segundo ano e o Ocidente se prepara para enviar mais ajuda militar a Kiev. Desde o princípio, o País optou por uma estratégia de neutralidade que, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, faz parecer que o Brasil é conivente com a Rússia.

Na última quinta-feira, 23, o País votou pela aprovação de uma resolução na Assembleia Geral da ONU que pede pela paz na Ucrânia. O “sim” brasileiro chamou atenção porque foram raros os momentos neste um ano em que o País não se absteve - como tem feito outros grande parceiros da Rússia, como China e Índia. Pelo contrário, em artigo ao Estadão, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, celebrou que o Itamaraty teve participação na elaboração da proposta.

Também no dia do aniversário da guerra, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, criticou países que não tomam posição e alertou que vai buscar o posicionamento de nações da América Latina e da África - ambas com grande proximidade da Rússia e da China. O Brasil, no entanto, optou por participar propondo a criação de um grupo mediador para a paz, uma proposta vista com ceticismo pelo Ocidente e elogiada pelos russos.

Porém, no dia seguinte, durante reunião do Conselho de Segurança - onde as decisões não tem poderes meramente simbólicos como na assembleia e a Rússia tem o poder de vetar condenações - a delegação brasileira não se levantou quando o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, pediu homenagens às vítimas da agressão russa. Na prática, atitudes como essa apontam ambiguidade do Brasil, aponta Abdenur. Abaixo, trechos da entrevista do Estadão com o ex-embaixador:

O Brasil votou recentemente na Assembleia Geral da ONU pela resolução que pede o fim da guerra na Ucrânia, em um texto que o chanceler brasileiro até cita ter havido participação do Itamaraty na construção. O fato chama atenção porque o Brasil tem optado por se abster nas resoluções mais condenatórias à Rússia, como o senhor interpreta esse voto?

O Brasil sim apoiou essa resolução, mas eu tenho a impressão de que apoiou meio a contra gosto e sob forte pressão dos Estados Unidos e dos países europeus. Nós estamos comprometidos com a resolução ‘pero no mucho’. Tanto é assim que nosso embaixador na ONU declarou há poucos dias que a consecução da paz deve deve ser feita sem condições prévias. Em outras palavras, isso dá a entender que o Brasil não considera indispensável uma retirada completa das tropas russas da Ucrânia.

Eu analisei a resolução da assembleia e é interessante notar que não são usadas palavras duras como ‘invasão’ ou ‘condenação’. Vejo que são usadas expressões duras apenas na parte referente à situação humanitária, em que há o termo ‘agressão da Federação russa’.

O Brasil justifica a sua neutralidade no conflito dizendo que pretende participar das mediações de paz junto com outros países não envolvidos. O quanto é realístico o Brasil mediar as negociações de paz na Ucrânia?

A movimentação lançada pelo Lula para a criação de um grupo de países não envolvidos no conflito é uma intenção nobre, mas eu acho que é pouco realista. Em primeiro lugar, ele fala em China e Índia. A China assinou recentemente uma declaração sem precedentes na diplomacia enfatizando uma parceria “sem limites” com a Rússia, e o chanceler chinês esteve recentemente em Moscou reafirmando esse compromisso depois de passar por dois ou três países da Europa Ocidental.

A China tenta se mostrar em cima do muro, mas ela está em cima do muro com duas pernas do lado da Rússia. E o Brasil está em cima do muro com um pezinho do lado da Rússia, porque ao desenfatizar a importância da retirada das tropas, de certo modo adota uma posição de congelamento da situação no terreno que é favorável à Rússia. Tanto que porta-vozes da chancelaria russa tem enaltecido a postura do Brasil.

E também há a Índia que tem uma relação muito antiga, dos tempos da União Soviética, com a Rússia. Ela foi e ainda é uma freguesa importante dos armamentos russos, embora agora ela esteja diversificando a sua posição. A China e a Índia têm uma postura de certo modo simpática, de passar a mão na cabeça da Rússia. Diferentemente do compromisso assumido por escrito pelo Brasil ao endossar a resolução da Assembleia Geral. A postura brasileira diante desse vai e vem é ambígua, e aliás observo a minha indignação com o fato de que na reunião do Conselho de Segurança, quando o representante da Ucrânia solicitou um minuto de silêncio em memória das vítimas do conflito, a delegação brasileira não se levantou.

O chanceler brasileiro escreveu recentemente ao Estadão um artigo em que diz que ‘é hora de ouvir quem quer a paz’, mas o senhor acredita que há clima para uma proposta de paz neste momento?

Eu sou meio cético quanto a possibilidade de que o movimento do Lula venha a ter êxito, porque o Putin não vai querer em hipótese alguma abrir mão dos territórios que conquistou e, ao contrário, vai continuar a guerra com o objetivo de aumentar a ocupação de territórios ou até, em última análise, extinguir a Ucrânia como um país independente.

A Ucrânia por sua parte não pode deixar de lutar porque ela não pode aceitar a amputação de seu território, e a resolução da ONU deixa claro o apoio de parte significativa da comunidade internacional à preservação da integridade territorial da Ucrânia de acordo com os com os seus limites reconhecidos internacionalmente, ou seja, com a situação anterior a 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia e a comunidade internacional teve uma reação pífia.

Nós temos uma postura histórica de favorecer a paz. Mas, diante de uma situação tão grave quanto a da Ucrânia, você falar genericamente em paz é uma platitude, é o óbvio, e não significa efetivamente que isso vai acontecer.

Eu só vejo uma solução de paz a curto prazo se houver um desfecho trágico da situação no terreno, seja uma derrota total da Ucrânia com a conquista de Kiev pela Rússia, seja o sucesso de uma contra-ofensiva da Ucrânia que lhe permita reconquistar todos ou pelo menos partes substanciais dos territórios ocupados pela Rússia. Eu não vejo isso acontecendo. Acho que o cenário militar, de acordo com analistas, é um cenário de impasse, de guerra prolongada. Eu não creio numa perspectiva de paz a curto e médio prazo, eu creio que essa guerra vai continuar a ter efeitos deletérios sobre a paz, a segurança, a economia internacional, a segurança energética, alimentar, tudo isso.

Quanto aos esforços pela paz, lembro que o Secretário-geral da ONU, António Guterres, já aventou a hipótese de um acerto pelo qual a Ucrânia se declararia “neutra”, ou seja, não entraria na Otan, embora pudesse continuar a ter suas forças armadas. A região do Donbas, onde maioria é ou era de língua russa, teria ampla autonomia. E haveria algo como um grande entendimento entre o Ocidente e a Rússia, para apaziguar os temores que Putin explora para justificar a guerra. Essa seria uma boa solução, mas infelizmente não prosperou. Pode, contudo, ser um caminho, talvez usado pelo Brasil, se houver um desfecho da guerra com uma situação de esgotamento, exaustão dos esforços bélicos em caso de um impasse militar prolongado.


segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Sob Bolsonaro, fundação do Itamaraty vira palco de fake news sobre covid-19 - Carolina Marins (Uol)

Sob Bolsonaro, fundação do Itamaraty vira palco de fake news sobre covid-19

Carolina Marins

Vinculada ao Ministério de Relações Exteriores, a Funag (Fundação Alexandre de Gusmão) tem realizado, durante a pandemia de covid-19, uma série de seminários questionando evidências científicas e colocando em suspeição a palavra de cientistas, médicos e jornalistas. Há ainda críticas às instituições internacionais como a OMS (Organização Mundial da Saúde), questionamento das medidas de proteção e críticas a prefeitos e governadores.

Os eventos semanais têm como objetivo discutir os desafios e perspectivas para o Brasil no pós-pandemia. Especialistas em política internacional ouvidos pelo UOL, contudo, veem uso político do Itamaraty e uma tentativa de politizar a pasta como já ocorreu com outros ministérios. Os vídeos são transmitidos nos canais da Funag e retransmitidos por blogs de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em uma palestra no dia 3 de setembro, um dos palestrantes diz que máscaras são perigosas para pessoas saudáveis: "A máscara não só é inócua no combate à pandemia mas ela é também nociva, causa problemas de saúde". A informação é falsa: o uso correto das máscaras reduz a quantidade de partículas virais expelidas e, portanto, ajuda a conter o avanço da pandemia.

Em outro momento no mesmo seminário, outro convidado diz que a pandemia foi "instrumentalizada por comunistas e globalistas para controle político" e elogia o termo "comunavírus" cunhado pelo chanceler Ernesto Araújo. A obrigatoriedade de vacinas, o socialismo e engenharia social são temas também comuns nos eventos.

O globalismo, como já mostrou o UOL Confereé um tema recorrente em fake news, assim como a informação de que o vírus teria sido criado em laboratório, o que também não é verdadeiro.

Os convidados são sempre oriundos de sites e blogs conservadores e não há nomes ou mesmo outros eventos com pontos de vistas diferentes. Durante as transmissões, o presidente da fundação, Roberto Goidanich, tende a concordar e incentivar os palestrantes.

UOL procurou o Itamaraty e a Fundação Alexandre de Gusmão nos dias 24, 25 e 30 de setembro via e-mail, mas não obteve um posicionamento até o fechamento desta reportagem. Se enviado, ele será publicado neste texto.

Politização do ministério

A Fundação, criada em 1971, tem por objetivo difundir os temas relacionados à política externa brasileira. Entre as suas atribuições estão a publicação de livros e a realização de debates, seminários e cursos. Mas a agenda fortemente ideológica e com apelo popular chama a atenção em uma instituição historicamente considerada mais pragmática.

"O trabalho da Funag é tentar romper com o isolamento do Itamaraty e trazer a sociedade para uma política externa mais democrática", explica o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, David Magalhães.

[A Funag] Não é para virar um bunker de ideias da nova direita, o que se tornou com Ernesto Araújo, com aqueles blogueiros que nunca teriam espaço na Funag porque não têm publicação, não têm inserção em comunidade científica, não tem nada. São ideólogos que vivem de guerra virtual e cultural nas redes sociais"David Magalhães, professor da PUC-SP

Magalhães ressalta que mesmo no governo Lula, quando houve acusações de partidarização do Itamaraty, a instituição foi utilizada dessa forma. Já o professor da FGV Oliver Stuenkel diz que é normal o uso do Ministério de Relações Exteriores para mobilizar a base eleitoral e que os governos Lula e FHC já o fizeram, porém não de forma tão propagandista.

"A política externa é uma política pública do governo, então é normal que pense sobre qualquer política pública em termos eleitorais, agora o grau e a intensidade com a qual a política externa está se transformando em uma ferramenta da propaganda bolsonarista é sem precedentes."

Ex-chanceler dos governos Lula e Dilma Rousseff, Celso Amorim concorda com o pesquisador. "Nunca houve essa coisa obscurantista que está ocorrendo agora. Eu acho que isso é um comportamento negativo. Além de não servir para nada do ponto de vista prático, desmoraliza a própria instituição. O Itamaraty nunca teve uma reputação tão baixa", diz.

"Essa atitude atual é totalmente irracional. Ao mesmo tempo em que você defende uma política comercial ultraneoliberal que seria totalmente ligada a uma ideia de globalidade, você faz tudo em defesa da soberania nacional. É um poço de contradições e irracionalidade. E eu acho que isso não é uma coisa por acaso, porque se forma uma cortina de fumaça que permite a esse governo tomar as decisões mais contrárias ao interesse nacional", completa Amorim.

O professor da FGV, Oliver Stuenkel, explica que há uma pressão sobre o Itamaraty em meio a um processo de politização das instituições públicas. "O Itamaraty é o único ministério que tem um processo seletivo meritocrático e que, portanto, não se deixa politizar com tanta facilidade. Então, o governo Bolsonaro enxergou no Itamaraty uma ameaça ao projeto de politizar a máquina pública."

Esses eventos que estão acontecendo agora buscam dar algum verniz de substância intelectual às ideias articuladas pelo chanceler Ernesto Araújo. O problema obviamente é que não há um pensamento que tenha uma coerência teórica por trás."Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV

UOL solicitou entrevista sobre o tema ao ministro Ernesto Araújo, que não respondeu aos pedidos da reportagem.

Trechos estratégicos

O professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Pedro Feliú, explica que, embora o Itamaraty seja visto como mais pragmático ao longo dos governos, ele ainda é muito dependente do presidente da República e de suas ideologias.

É essa lógica do governo de contato com uma parcela da opinião pública e, aí, talvez o curioso seja usar o Itamaraty para isso. No fundo, o que se quer é mobilizar a opinião pública, convencer, persuadir, numa questão absolutamente bem doméstica. A pandemia é global, mas você decide internamente se vai ter máscara, se vai ter isolamento, etc."Pedro Feliú, professor da USP

O professor chama atenção para o fato de, após o fim dos seminários ao vivo no YouTube, os vídeos serem recortados em trechos estratégicos e com títulos chamativos para a base bolsonarista. "Máscaras são nocivas", "O avanço do comunismo 2.0", "O que fazer com a OMS", "Como destruir um país" e outros títulos são comuns.

"A ideia é ocupar espaços e confrontar o que eles chamam de hegemonia progressista ou de esquerda na mídia, nas universidades, nas editoras, e fazer uma espécie de confrontação", completa David Magalhães.

Confrontações e respostas

A postura do Itamaraty já causou pedidos de esclarecimentos por deputados do Psol, que enviaram ao chanceler Ernesto Araújo um requerimento exigindo explicações acerca da presença olavista na política externa.

O chanceler respondeu justificando a execução dos seminários devidos aos "likes" que eles geram. Segundo o documento obtido pelo UOL via o colunista Jamil Chade, os participantes de eventos são definidos "conforme o potencial interesse e relevância para a sociedade brasileira" e que a "Funag se esforça para que seus eventos contribuam para o pluralismo do pensamento [...], o que significa também incluir visões conservadoras".

Em resposta, o Instituto Diplomacia para Democracia, comandado pelo diplomata Antonio Cotta, tem realizado seminários questionando os temas abordados pela Funag e trazendo acadêmicos para a discussão. O professor David Magalhães, que coordena o Observatório da Extrema Direita, já foi um dos convidados desses eventos.

"A ideia é procurar fazer um contraponto, ampliar o debate sobre os temas que têm sido discutidos, sobre as polêmicas que têm sido levantadas, as releituras históricas e as tentativas de doutrinação ideológicas que têm sido feitas ali. E em segundo lugar, ampliar o entendimento e reflexões sobre o que esse pessoal vem formulando, as narrativas que eles têm criado", explica o diplomata.


sábado, 5 de setembro de 2020

Grupo de diplomatas propõe política externa pós-Bolsonaro - Carolina Marins (UOL)

Eu nunca chamaria os diplomatas que rejeitam a atual política externa, do governo Bolsonaro, de "desalentados". Ao contrário, se trata de resistentes à subissão da diplomacia bolsolavista ao governo Trump, suas posturas antidiplomáticas em praticamente todas as vertentes da agenda internacional, multilateral, regional e bilateral. 
Esse trabalho de resistência vai continuar.
Eu mesmo pretendo lançar mais um livro proximamente.
Paulo Roberto de Almeida

"Desalentados", grupo de diplomatas propõe política externa pós-Bolsonaro

Carolina Marins
Do UOL, em São Paulo
05/09/2020 04h00


Os atritos entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outros líderes mundiais, o alinhamento aos EUA e a maneira como o governo tem lidado com a Amazônia e a pandemia de covid-19 têm deixado um grupo de diplomatas preocupado com a reputação do país no exterior. Por isso, lançarão na próxima semana um documento com sugestões para "reconstruir" a política externa após o fim do atual governo.
Na próxima terça-feira (8), às 15h, os ex-embaixadores Celso Amorim e Rubens Ricupero, que não participaram da construção do documento, mas interpretam a iniciativa como uma forma de demonstrar "desalento" com o momento atual vivido pelo Itamaraty, participam de debate virtual para o lançamento da carta de metas. A mediação será da professora Suhayla Khalil, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e a transmissão ocorrerá pelo YouTube, Facebook e no UOL.
"Isso reflete um momento de tremendo desencanto com o que está ocorrendo na política externa", opina o ex-chanceler Celso Amorim em entrevista ao UOL. "A gente tem visto outros diplomatas veteranos que estão todos muito chocados com os rumos que o Brasil tem tomado. Eu acho que isso chegou aos jovens diplomatas também. Os jovens estão muito desalentados."
Antonio Cottas, diplomata licenciado que idealizou o projeto, explica que o documento reúne sugestões de outros diplomatas, servidores públicos e especialistas na área de relações internacionais para "recuperar" a reputação do Itamaraty. "O primeiro projeto público de uma política externa pós-bolsonarista parte da constatação de graves danos à reputação e aos interesses do Brasil causados pelo atual governo", diz a nota de divulgação do evento.
"Já passado um ano e meio, o governo não tem sido capaz de apresentar resultados concretos. Pelo contrário, tem colocado o Brasil em grandes dificuldades com países parceiros", afirma Cottas.
"Esse pessoal de agora fez uma mudança radical no organograma logo no começo do mandato. Isso causou uma dor de cabeça enorme para um monte de gente, para o funcionamento do ministério, e obteve resultados muito duvidosos. Muitas pessoas estão se sentindo constrangidas em defender algumas políticas desse governo e estão preferindo ir para postos ou designações um pouco mais 'low profile'".
Entre os descontentamentos, o diplomata aponta o alinhamento automático aos Estados Unidos, defendido pelo presidente brasileiro. Segundo ele, o comportamento do país arranha a imagem até mesmo aos olhos dos EUA.
"Vamos ter uma política externa sensata. Nada de alinhamento automático e submissão aos Estados Unidos. Primeiro porque eles não respeitam isso. Para um país com as dimensões do Brasil, não tem como você se alinhar a uma grande potência. Fora que isso é constrangedor e humilhante", diz.
"Isso não é um alinhamento. Alinhamento foi na época do Castelo Branco, do Juracy Magalhães. Isso é submissão", concorda Amorim. "Nas grandes questões globais, que o Brasil não teria um grande interesse, ele seguia os Estados Unidos. Agora não. Mesmo em coisas importantes. Por exemplo, o Brasil tinha um candidato ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os EUA, rompendo com uma tradição de 60 anos, lançam um candidato e o Brasil solta uma nota elogiando. Isso aí não tem paralelo", exemplifica.
A questão ambiental é outro ponto citado pelos diplomatas que afeta, inclusive, o acordo Mercosul-União Europeia, celebrado pelo governo. Países europeus se mostram inseguros de firmar o acordo após o episódio das queimadas na floresta Amazônica, negadas pelo presidente. O próprio vice-presidente Hamilton Mourão já disse que vê o acordando "naufragando".
"Eu creio que nem os europeus, nem o Mercosul deseja propriamente liquidar a possibilidade de que o acordo venha a existir no futuro. Mas ele está condicionado a que haja uma mudança real na política de meio ambiente do Brasil", diz Rubens Ricupero, que também foi ministro do meio ambiente durante o governo Itamar Franco.
"Quem criou o problema foi o Brasil, porque o acordo estava indo muito bem. A Alemanha tinha interesse em levar adiante, mas o que aconteceu na Amazônia, evidentemente, paralisou tudo. E já houve dois parlamentos, o da Holanda e o da Irlanda, que votaram resoluções contrárias ao acordo", completa.
"O governo todo festejou o acordo Mercosul-União Europeia. O próprio chanceler festejou porque estávamos negociando há vinte anos. Depois, tudo o que o Brasil fez foi para sabotar o acordo. Brigou com a França. Brigou com a Alemanha. Tratam de mudança climática de maneira vexatória que nos expõe no mundo inteiro. Tudo isso torna o acordo impossível", opina Amorim.
Segundo os embaixadores, o histórico pragmatismo do Itamaraty, que antes tornava o Brasil um país amigável para participar de inúmeras discussões sensíveis da política internacional, se perdeu com a chegada da ideologia encampada por Bolsonaro, em especial em temas de direitos humanos, desmatamento e saúde. Com a pandemia de covid-19 e a consolidação do país como epicentro da doença, a reputação foi novamente afetada.
"Já tínhamos uma imagem péssima por muitas razões", diz Ricupero. "O fato de que o presidente faz apologia da ditadura e da tortura; que tem essa atitude hostil à política de gênero; o problema dos povos indígenas; os incêndios da Amazônia. E agora em cima de tudo isso, é o país percebido como o pior do mundo no combate à pandemia. Nenhum país do mundo mudou três vezes de ministro da Saúde em plena pandemia. E agora, como se não faltasse ainda, essa declaração sobre a vacina, que é a única esperança que se tem agora."
O ex-embaixador diz que recuperar a reputação pode ser um processo lento. "Ainda que daqui dois, três anos se tenha outro governo e uma política externa muito superior à atual, as pessoas no exterior vão sempre lembrar deste momento de mergulho e vão dizer 'que confiança nós podemos ter um país que teve oscilações tão grandes?'".
Ambos os embaixadores enfatizam que leram o documento a ser divulgado e não concordam necessariamente com todos os pontos, mas consideram importante a ação. "Eu fico com muita admiração pela coragem desses jovens. Entendo que muitos deles provavelmente estão em serviço ativo", completa Amorim.

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