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segunda-feira, 24 de julho de 2023

Arquivos do Itamaraty sobre a repressão a opositores da ditadura militar: Fundo CIEX, no Arquivo Nacional

Como constataram todos os que percorrem as postagens deste modesto blog, eu publiquei novamente, a série de reportagens elaboradas pelo jornalista Claudio Dantas Sequeira, de 2007, sobre os arquivos do CIEX do Itamaraty. Reproduzo abaixo o início da matéria.

Depois disso, em 2012, o governo Dilma Rousseff providenciou a abertura dos arquivos do SNI, depositados agora no Arquivo Nacional de Brasília (eu até descobri a minha ficha, feita em 1978, me classificando como "diplomata subversivo"), e eles estão agora liberados.

Transcrevo, a esse propósito, nota do livro da professora Adrianna Setemy

Sentinelas das Fronteiras: a diplomacia brasileira e a conexão repressiva internacional para o combate ao comunismo

(Curitiba: Editora Prismas, 2018, 392 p.; ISBN: 978-85-5507-968-9)

Nota 4 (p. 17-18), sobre o Arquivo do Centro de Informações do Exterior (CIEX), oriundo do Ministério das Relações Exteriores e sob a guarda do Arquivo Nacional, com sede em Brasilia: 

4. Em sintonia com o decreto n. 7.724, de 16 de maio de 2012, da presidente Dilma Rouseff, que regulamenta, no âmbito do Poder Executivo Federal, os procedimentos para a garantia de acesso à informação e para a classificação de informações sob restrição de acesso, o Diretor-Geral do Arquivo Nacional lançou o Edital AN n. 1, de 17 de maio de 2012. Nele, reconhece que os conjuntos relacionados, direta ou indiretamente, ao Sistema Nacional de Informações e Contrainformação - SISNI, sob custódia do Arquivo Nacional, são necessários à recuperação de fatos históricos de relevância, lista e descreve resumidamente esses conjuntos documentais, incluindo assunto, origem, dimensões e datas-limite e solicita, ao titular das informações pessoais contidas nos conjuntos documentais referidos, a apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias corridos da data de publicação do Edital, requerimento de manutenção de restrição de acesso aos documentos sobre sua pessoa. Uma vez que não foram apresentados requerimentos solicitando a manutenção de restrição de acesso, o Arquivo Nacional abriu à consulta, no dia 18 de junho de 2012, todos os conjuntos documentais relacionados aos óergãos de Informações e Contrainformação integrantes do mencionado edital, dentre os quais, o Fundo CIEX.

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Esta foi a base das matérias do jornalista Claudio Dantas, que transcrevi nessa postagem do Diplomatizzando de 2007, redirecionada recentemente para minha página na plataforma Academia.edu, como informo abaixo, e como já informei numa nova postagem deste meu blog: 

Os Serviços Secretos do Itamaraty - Claudio Dantas Sequeira, 2007 Correio Braziliense 

ou

https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/07/os-servicos-secretos-do-itamaraty.html

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quarta-feira, 25 de julho de 2007

757) O Itamaraty colaborando com a ditadura...

Tristes tempos aqueles, nos quais diplomatas era levados a colaborar com um regime de exceção...

https://diplomatizzando.blogspot.com/2007/07/757-o-itamaraty-colaborando-com.html 

Correio Braziliense
Assunto: Política
Título: 1a O serviço secreto do Itamaraty
Data: 22/07/2007
Crédito: Claudio Dantas Sequeira 
Segredo de Estado

Diplomatas brasileiros perseguiram opositores da ditadura por meio de um poderoso sistema de inteligência, criado e operado pela cúpula do Ministério das Relações Exteriores. O Correio desvenda, a partir de hoje, um mistério de quatro décadas 

Claudio Dantas Sequeira 
Da equipe do Correio 

Um rígido código de honra, uma portaria ultra-secreta e seguidas ações de desinformação garantiram que até hoje permanecesse desconhecido da sociedade um dos segredos mais bem guardados da ditadura: de 1966 até 1985, o Itamaraty operou um poderoso serviço de inteligência, tendo como modelos o MI6 britânico e sua versão norte-americana, a CIA. Naquele período, os punhos de renda da diplomacia do Barão de Rio Branco ganharam abotoaduras de chumbo. Diplomatas de vários escalões foram recrutados para compor o chamado Centro de Informações do Exterior (Ciex) — que agora, se sabe, foi a primeira agência criada sob o guarda-chuva do Sistema Nacional de Informação (SNI), o aparato de repressão política usado para sustentar o regime militar. 

O Correio obteve acesso exclusivo ao arquivo secreto do Ciex, um acervo com mais de 20 mil páginas de informes produzidos ao longo de 19 anos. Depois de quatro meses analisando cada documento, seu grau de confiabilidade e nível de distribuição, pode-se concluir que nunca houve refúgio seguro aos brasileiros contrários ao golpe de 64. Banidos ou exilados, eles foram monitorados a cada passo, conversa, transação ou viagem no exterior. A malha de agentes e informantes operada pelo Itamaraty se estendeu para além da América Latina, alcançando o Velho Continente, a antiga União Soviética e o norte da África. 
(...)

Ler a íntegra neste link deste blog: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2007/07/757-o-itamaraty-colaborando-com.html 

ou neste pdf que coloquei na plataforma Academia.edu: 

https://www.academia.edu/104861759/Os_Serviços_Secretos_do_Itamaraty_Claudio_Dantas_Sequeira_Correio_Brasiliense_2007_


sexta-feira, 14 de julho de 2023

Para Eurásia, acordo Mercosul-UE é improvável a curto prazo (CB)

 Para Eurásia, acordo Mercosul-UE é improvável a curto prazo

Correio Braziliense, 14/07/2023

O Brasil acaba de assumir a presidência pró-tempore do Mercosul e, apesar das ambições geopolíticas e o compromisso político, será “improvável”, que o acordo de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia (UE) avance a curto prazo, de acordo com o Eurasia Group. Contudo, o grupo vê algumas chances de avanços até o fim do ano ou no primeiro semestre de 2024

“Apesar de suas ambições geopolíticas e compromisso político para finalizar o acordo comercial UE-Mercosul, é improvável que os blocos cedam significativamente as demandas por salvaguardas adicionais sobre o meio ambiente, clima, trabalho e comércio sustentável; isso colocará o ônus do movimento para a conclusão do pacto no bloco comercial latino-americano formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai”, destacou o relatório de analistas, divulgado nesta terça-feira (13/7).

Na avaliação dos analistas, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocupa a presidência rotativa do Mercosul até dezembro, será “o ator mais importante no traçado do caminho a seguir”, pois sua resistência contra os pedidos da UE e as demandas de compras públicas “correm o risco de inviabilizar a ambição declarada de ambas as partes de finalizar o acordo este ano”.

De acordo com o relatório, é “improvável” que os líderes europeus e do Mercosul consigam avanços à margem de uma cúpula da UE com os países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Bruxelas, de 17 a 18 de julho. Contudo, a consultoria considera “chances ligeiramente superiores” de que o acordo pode ser finalizado “ainda neste ano ou durante o primeiro semestre de 2024”.

Na avaliação dos especialistas, funcionários e diplomatas da UE não estão muito otimistas com qualquer movimento significativo no acordo de livre comércio durante a as reuniões, na próxima segunda-feira na e terça-feira, à margem da primeira cúpula UE-Celac desde 2015. Há três fatores que tornarão “improvável um avanço na próxima semana”.

Primeiro, o Mercosul ainda não apresentou uma contraproposta à carta de acompanhamento da UE. Bruxelas vê seu anexo proposto como uma forma de superar as objeções de alguns membros da UE. O Brasil criticou o texto como um esforço para transformar metas voluntárias ambientais, de desmatamento e climáticas, em compromissos obrigatórios. “A UE discorda e aprova o anexo como uma reafirmação dos termos do acordo. Bruxelas provavelmente mostrará alguma flexibilidade ao reformular a carta paralela para tratar das preocupações do Mercosul – sempre que o bloco liderado pelo Brasil apresentar sua contraproposta”, destacou.

Em segundo lugar, a UE espera clareza de Lula sobre as demandas de compras públicas do Brasil. Diplomatas dizem que há disposição para mostrar alguma flexibilidade no acordo. Uma declaração declarativa sem influência real na substância do acordo de livre comércio poderia ser uma opção. Mas uma renegociação dos termos seria inaceitável – e quase certamente desencadearia demandas da UE para emendar o capítulo agroalimentar, particularmente nas altamente sensíveis exportações de carne bovina da América Latina.

Do ponto de vista da UE, Lula precisa ter cuidado para não esticar demais o acordo – para não quebrar. As consultas do Eurasia Group em Brasília sugerem que o Brasil não exigirá a reabertura do capítulo de compras públicas, mas esse é um risco a ser rastreado. Alguns formuladores de políticas do governo Lula estão usando a carta de acompanhamento da UE sobre o meio ambiente para pressionar por rejeições protecionistas.

E, por último, as diferenças UE-Celac em muitas “questões globais lideradas pela guerra Rússia-Ucrânia correm o risco de sequestrar a cúpula”. Segundo a consultoria, apesar de uma recente ofensiva de charme de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, na América Central e Latina – incluindo um pacote de investimento de 10 bilhões de euros, acordos sobre minerais críticos e promessas de expandir o comércio e uma cooperação mais ampla – a UE não está se aproximando politicamente de seus parceiros da Celac.

Declaração conjunta

O Ministério das Relações Exteriores reconhece que há divergência entre os países da América Latina e da União Europeia sobre a inclusão de uma mensagem de apoio à Ucrânia na declaração final da cúpula. Segundo a pasta, um texto prévio vem sendo negociado entre os diplomatas dos dois blocos e enfrenta resistências pelo teor do documento favorável à Ucrânia, na guerra contra a Rússia.

Amanhã, negociadores dos 60 países envolvidos na cúpula devem se reunir novamente em Bruxelas, para discutir o rascunho do documento, dias antes da realização da cúpula. O projeto de declaração ainda está sendo negociado, de acordo com o Itamaraty.

De acordo com a pasta, uma das mensagens que o Brasil levará à reunião é de que “a Celac é importante como foro da região, e o diálogo com UE ocorre em momento que coincide com a volta do Brasil ao grupo”, em janeiro quando o presidente Lula participou da Cúpula do bloco em Buenos Aires. Além disso, o governo brasileiro vai aproveitar o evento para falar com parceiros do Mercosul e da UE “também, sobre linhas gerais para o segundo semestre e o calendário das negociações técnicas”.

Técnicos do governo acreditam que, até começo da semana que vem, no máximo,  será concluída a resposta do Brasil, mas os demais países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) precisarão de tempo para as consultas internas. A expectativa é que no fim de agosto e início de setembro, quando acabam as férias na Europa, os negociadores dos dois blocos possam se reunir.

 

Negociações longas

Em negociação desde 1999, o acordo de livre comércio UE-Mercosul abriria, pela primeira vez, o vasto e fechado mercado do Mercosul, “dando às empresas europeias uma vantagem competitiva contra rivais globais”.

“A importância do acordo UE-Mercosul aumentou ainda mais para Bruxelas, uma vez que a Europa decidiu diversificar seus laços comerciais após uma forte separação da Rússia após a invasão da Ucrânia e uma avaliação de risco sobre sua dependência de suprimentos chineses e acesso ao mercado. Dito isso, é improvável que essas considerações abrangentes levem a UE a mudanças materiais nos termos do tratado, que foram acordados em junho de 2019”, acrescentou o relatório do Eurasia Group, que destaca três etapas ainda para que o acordo seja firmado, entre elas o Mecanismo de Ajuste de Fronteiras de Carbono (CBAM) e a Lei de Desmatamento, além do acordo sobre acesso às compras públicas brasileiras.

“O Eurasia Group, no entanto, atualmente vê um pouco acima das chances de que o acordo UE-Mercosul seja assinado este ano ou no primeiro semestre de 2024, abrindo caminho para a implementação provisória”, afirmou o documento.

sábado, 17 de junho de 2023

Charada para Lula na Ucrânia - Silvio Queiroz (CB)

Charada para Lula na Ucrânia

por Silvio Queiroz
Correio Braziliense | Conexão Diplomática
17 de junho de 2023

O convite não tem ainda data nem local, mas já apresenta um punhado de incógnitas para o Planalto e o Itamaraty na questão encarada como chave para a inserção do Brasil na primeira linha da política internacional. O governo da Ucrânia convidou oficialmente o presidente Lula a participar de uma cúpula na qual pretende reunir países de diferentes regiões para discutir sua proposta de solução pacífica para a guerra com a Rússia.

De saída, a ausência do governo russo entre os convidados coloca em questão os impactos práticos potenciais desse encontro. Somada a esse elemento, a pauta assentada sobre a agenda de paz desenhada em Kiev inspira cuidados quanto ao risco de que a presença do presidente sirva apenas para encorpar um evento destinado basicamente a fortalecer a posição do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

O dilema para Lula, o assessor especial Celso Amorim e o chanceler Mauro Vieira é pesar os prós e contras de comparecer ou declinar do convite. A ausência do Brasil em um foro que reúna um número significativo de governos pode resultar na perda de espaço para atuar como interlocutor com trânsito entre ambas as partes em conflito e facilitador de um diálogo direto entre elas.

Desde já, os envolvidos na concepção e no planejamento da política externa se debruçam sobre a charada ucraniana em busca da melhor resposta, do ponto de vista da diplomacia brasileira.

Brics em jogo

Em círculos da base governista, a iniciativa de Zelensky é vista sob a suspeita de configurar uma manobra do eixo EUA-Europa-Otan para abrir uma cunha no Brics. Paralelamente ao gesto de Kiev em direção ao Brasil, a Casa Branca faz movimentos na direção da Índia. Joe Biden deve levar à reunião de cúpula com o premiê Narendra Modi, na semana que entra, a oferta de drones de uso militar produzidos pela indústria bélica americana.

Até o momento, o governo indiano se mantém estritamente neutro na guerra da Ucrânia. Ao contrário do Brasil, que votou a favor de uma resolução pela qual a Assembleia-Geral da ONU condenou a Rússia e exigiu a retirada de suas tropas, a Índia se absteve, acompanhando a posição de China e África do Sul, que completam o Brics.

O quinteto emergente terá em agosto uma reunião de cúpula presencial na África do Sul. Embora estejam no centro da pauta a ação do bloco no continente africano e pedidos de ingresso feitos por cerca de 20 países, a guerra que envolve um dos fundadores terá seguramente lugar central.

Corre por fora

Coincidência ou não, a África faz uma iniciativa paralela na direção de favorecer a abertura de conversações diretas entre Kiev e Moscou. Chefiada pelo presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, uma delegação de sete líderes do continente faz, desde ontem, a ponte entre a capital ucraniana e a cidade russa de São Petersburgo. Lá, tem encontro previsto com o presidente Vladimir Putin, à margem de um fórum econômico multilateral.

Pelo número de assentos que ocupa na ONU -- são 54 -- a África tem sido cortejada em diferentes ocasiões. Entre outros fatores, pela capacidade da União Africana de concatenar a votação em bloco nas decisões mais importantes da Assembleia-Geral. Foi com esse apoio maciço, por exemplo, que o Brasil garantiu, no primeiro período presidencial de Lula, a direção da agência para agricultura e alimentação, a FAO.

Agenda dividida

A Ucrânia dividirá com a questão ambiental, sobretudo as mudanças climáticas, a pauta da próxima investida da diplomacia presidencial de Lula. Na semana que se inicia, ele visitará o papa Francisco e seguirá para Paris, ao encontro do colega Emmanuel Macron. No Vaticano, a guerra deverá ocupar espaço privilegiado, embora o pontífice venha enfatizando sua preocupação com os impactos do aquecimento global, sobretudo para os países mais pobres.

Na França, o presidente brasileiro terá oportunidade para afinar com o anfitrião posições sobre o caminho para abreviar o conflito na Ucrânia. Embora alinhado com os parceiros no eixo EUA-UE-Otan, Macron tem acenado com alguma abertura para iniciativas como a proposta feita pelo presidente chinês, Xi Jinping. Lula, no entanto, terá de gastar as habilidades de negociador em um terreno que tem intersecções com a agenda climática.

O presidente francês está entre os entusiastas do retorno ao Planalto de um governo comprometido com a discussão multilateral sobre o tema e comprometido com o Acordo de Paris sobre o clima, Mas, igualmente, tem sido no âmbito da UE o líder mais firme na exigência de cláusulas ambientais como condição para a ratificação do acordo comercial com o Mercosul.

O tema esteve à mesa durante a visita a Brasília da presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen. Ela ouviu críticas a sanções previstas unilateralmente na legislação da UE, à margem do texto negociado com o bloco sul-americano.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Brazil- too big to fail José Horta Manzano (Correio Braziliense)

 Brazil- too big to fail

Brazil- too big to fail
 José Horta Manzano
Chumbo Gordo, 25 março 2023
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense

Nos anos 1980, firmou-se a expressão “too big to fail” – grande demais para falir. A frase lembra que certas empresas, em razão de seu porte, não devem ser abandonadas quando enfrentam tempos difíceis. Grandes bancos são expostos a esse risco. Quando a situação de um deles periclita, o governo costuma socorrer rápido, para acalmar o mercado e evitar contaminação sistêmica.

A débâcle do Crédit Suisse, semana passada, é exemplo de um banco “too big to fail”. Fosse abandonado na tempestade, o segundo estabelecimento bancário suíço teria falido em poucos dias por não ser capaz de estancar a sangria de depósitos que se avolumava desde a semana anterior. O governo suíço pressionou o maior banco do país a encampar o concorrente em apuros. Sem isso, estaria armado o cenário de uma crise planetária como a de 2008.

…Um país nunca será grande demais para “falir”, mas pode ser grande demais para “falhar” (‘too big to fail’ em ambos os casos). O Brasil se enquadra nessa afirmação, por ser grande e importante demais para se permitir falhar em suas obrigações perante o conjunto das nações…

Países não são empresas. Um país que deixa de pagar suas dívidas torna-se inadimplente mas não irá à falência. Por mais que ele esteja no vermelho, sua infraestrutura, suas riquezas naturais e seu povo não vão desaparecer. Portanto, seu ativo excederá sempre seu passivo.

Curiosamente, o verbo inglês “to fail” tanto significa “falir” como “falhar”. É aí que ouso um jogo de palavras complicado em inglês mas cristalino em nossa língua: Um país nunca será grande demais para “falir”, mas pode ser grande demais para “falhar” (‘too big to fail’ em ambos os casos). O Brasil se enquadra nessa afirmação, por ser grande e importante demais para se permitir falhar em suas obrigações perante o conjunto das nações. Sob pena de perder importância, o Brasil tem de garantir seu lugar no tabuleiro mundial.

Nestes últimos 20 anos, entra governo, sai governo, nossa diplomacia não parece entusiasmada para ver o Brasil assumir o lugar que lhe cabe no seio das nações. O antigo presidente Bolsonaro ousou elevar ao posto de ministro de Relações Exteriores um personagem isolacionista, que se alegrou em relegar nosso país ao papel de pária. Nos governos petistas, política externa se resumia a bravatas e a calotes a organismos internacionais, justamente àqueles em que almejamos assumir cadeira permanente. Ignoraram o velho adágio: “Não há bônus sem ônus”.

Não se refaz a História, mas nunca é tarde pra corrigir a rota. O mundo que se desenhou com o desmoronamento da União Soviética pareceu, num primeiro momento, apontar para um universo unipolar, com uma única superpotência. A fulgurante ascensão da China e a invasão da Ucrânia, entre outros fatores, deram o sinal do fim do recreio. Nosso país, que não é uma república de bananas, tem de entender que a brincadeira acabou. Foi-se o tempo em que se podia propor resolver conflitos internacionais com um simples jogo de futebol. A orquestra agora toca pra valer, e é bom não perder o compasso.

Faz um ano que a Rússia invadiu a Ucrânia, impondo uma guerra de conquista territorial a uma Europa que pensava haver esconjurado a guerra. A União Europeia, que é uma das três maiores potências comerciais do mundo, foi profundamente transformada por essa guerra. A aparição de um inimigo comum despertou a solidariedade e empurrou países neutros para a Otan, uma aliança militar. Gastos militares explodiram, até em países antes pacifistas. Fluxos do comércio internacional estão dramaticamente modificados pelas sanções.

… Nosso país não é um grotão. Nossa força econômica, nossa massa populacional e nossa tradição humanista nos autorizam a soltar a voz para condenar todo crime contra a Humanidade…

Essa realidade não pode ser minimizada por nosso governo. Nossa “doutrina de não intervenção” tem de ser mais que política de fachada. Se nos abstemos de intervir em assuntos internos de outro país, a coerência nos obriga a condenar toda intervenção de um país em outro – mormente quando for invasão militar. Toda barbaridade tem de ser repelida com veemência.

Nosso governo tem feito movimentos erráticos e contraditórios. Mas nosso país conta. Não podemos fazer como se não tivéssemos nada a ver com o peixe. Que Putin não vale um saco de fertilizante, é ponto pacífico. O que o mundo espera de nós é uma posição civilizada de clara rejeição à agressão russa, que já matou centenas de milhares de inocentes, mandou 8 milhões para o exílio e continua destruindo o país. A retirada das tropas russas é pré-requisito para qualquer início de diálogo.

Nosso país não é um grotão. Nossa força econômica, nossa massa populacional e nossa tradição humanista nos autorizam a soltar a voz para condenar todo crime contra a Humanidade.

É o que o mundo espera de nós, e não podemos falhar: “Brasil is too big to fail”.

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

domingo, 19 de março de 2023

Lula na China: Guerra na Ucrânia e comércio estão entre as prioridades - Ingrid Soares, Rosana Hessel (Correio Braziliense)

Uma matéria que contou com minha colaboração sob a forma de entrevista:  

Lula na China: Guerra na Ucrânia e comércio estão entre as prioridades

Após um ano de conflito no leste europeu, analistas avaliam que o mundo estará de olho nas declarações de Lula e do presidente chinês, Xi Jinping

Ingrid Soares, Rosana Hessel
Correio Braziliense, 19/03/2023 

No encontro bilateral entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente chinês, Xi Jinping, durante a visita de Estado do chefe de Estado brasileiro ao país asiático, entre 26 e 30 deste mês, a guerra entre Rússia e Ucrânia, será um assunto inevitável.

O embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, reconhece que o momento para o encontro de Lula e o líder chinês é propício para colocá-los em destaque no cenário global, porque os dois presidentes estarão em evidência e o mundo vai querer ouvir o que eles têm para falar, especialmente após China fazer uma proposta para o fim do conflito e Xi Jinping ir a Moscou visitar o presidente russo, Vladimir Putin, que teve a prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, na Holanda, na sexta-feira.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida considera que a viagem de Lula à China tem aspectos potencialmente benéficos ao Brasil, e, ao mesmo tempo, preocupantes no plano político. "O superavit comercial que o Brasil obtém nas suas exportações para a China é absolutamente crucial para equilibrar a balança de transações correntes do Brasil, que é cronicamente deficitária", afirma.

Almeida demonstra otimismo para um bom diálogo bilateral durante a visita de Estado de Lula ao país asiático. Contudo, do ponto de vista político, as coisas se complicaram após a invasão russa da Ucrânia, na avaliação dele.

"À medida em que o Brics (bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), está numa posição incômoda de neutralidade positiva em relação ao presidente russo. Então, não se imagina que países que pertençam ao Tribunal Penal Internacional, como é o caso do Brasil, possam acolher um criminoso contra o qual existe uma ordem de prisão decretada", emenda.

Almeida acha que Putin não deverá comparecer à próxima reunião de cúpula do Brics, em agosto, na África do Sul. "Esse é um aspecto extremamente delicado para o Brasil, porque ele fica em confronto com as demais nações do Ocidente que estão apoiando a Ucrânia. É algo terrivelmente desgastante para Lula. Esse será o aspecto mais delicado na sua visita à China, que é uma apoiadora, ainda que não entusiasta, dessa invasão russa", destaca.

Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, avalia que o Brasil continuará na linha de neutralidade, apesar de que, em algumas declarações extra oficiais, Lula chegou a culpar a Ucrânia pelo conflito.

"O presidente brasileiro tem uma postura um pouco dúbia, mas quando a gente olha para esse posicionamento, em certa medida, está alinhado com a China. A China é a principal aliada do Putin, e não tem também declarado um apoio formal à Rússia, não tem oferecido armamento mas é um país que não fechou as portas para os russos e que segue sendo o maior parceiro comercial de Moscou", ressalta.

Porém, Fernandes acredita que a viagem não deverá causar atritos diplomáticos com os Estados Unidos e, muito menos, com o presidente norte-americano, Joe Biden, que foi visitado por Lula no mês passado, mas sem a pompa de uma visita de Estado como será na China.

"O Brasil, ao não ter chancelado as sanções econômicas que foram feitas à Russia, fica no terreno da neutralidade. Está alinhado com o comportamento dos demais países do Brics, tentando adotar um tom mediador. Não acredito que essa viagem abale as relações do Lula com o governo Biden."

O especialista da BMJ analisa que o grande foco da viagem está nas relações econômicas com a China. "O governo tem uma agenda ambiciosa de tentar assinar até vinte acordos bilaterais. Eles devem focar, sobretudo, em agricultura. A China é o maior comprador de produtos agrícolas do Brasil, e também em termos de ciência e tecnologia, que são estratégicos. A China é um dos mercados tecnológicos do mundo, logo, acordos de cooperação podem trazer bons incentivos para o Brasil", afirma.

Para ele, na passagem por Xangai, o chefe do Executivo brasileiro deverá fortalecer a posição do Brasil em relação aos Brics, cuja sede fica na cidade chinesa, o que reforça a natureza comercial e política da visita. "Essa, sim, mudou bastante. Na gestão Bolsonaro, o bloco Brics não foi tratado como uma prioridade. Lula tem repensado isso. E a gente deve ver a ex-presidente Dilma Rousseff assumindo a presidência da instituição. Nessa comitiva, também viajam uma série de empresários e políticos, portanto, essa questão da Rússia-Ucrânia, que deve ser tangencial, não é o foco prioritário dessa viagem", complementa.

Wagner Parente, consultor em relações internacionais, também considera que Lula deverá focar mais em questões comerciais e de investimentos nas conversas com Xi Jinping. "O presidente deverá tratar do acordo com a BYD e a Ford na Bahia, além de outras áreas de cooperação. Em relação aos EUA, a diplomacia do PT foi sempre pautada pela independência e na altivez. Essa situação de se equilibrar entre as duas potências no momento deve ser uma tônica dos próximos quatro anos. Entendo que o Brasil vai ser o mais isento possível, tentando um diálogo com seus principais parceiros comerciais".

"Lula tentará trazer de lá compromissos mais concretos de investimentos, mas terá dificuldades para fazer isso, talvez promessas. Mas investimentos concretos acho difícil. A gente vê com algum ceticismo. Talvez novidade em relação ao banco dos Brics", reforça.

FRASE

O superavit comercial que o Brasil obtém nas suas exportações para a China é absolutamente crucial para equilibrar a balança de transações correntes do Brasil, que é cronicamente deficitária"
O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida


sexta-feira, 10 de março de 2023

Itamaraty e CRE do Senado preparam retirada de nomes bolsonaristas das embaixadas - Vinicius Doria (CB)

Itamaraty e CRE do Senado preparam retirada de nomes bolsonaristas das embaixadas

Por Vinicius Doria
10/03/2023 03:55


O Itamaraty e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado começam a preparar o terreno para uma mudança geral nas embaixadas brasileiras e em cargos de organismos multilaterais, com o objetivo de afastar da linha de frente da diplomacia do país os nomes ligados ao governo de Jair Bolsonaro (PL). O expurgo promete ser grande e vai atingir algumas das embaixadas mais importantes do Brasil e cargos estratégicos nas organizações internacionais.


A guinada na política externa brasileira faz parte da estratégia adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de confrontar o bolsonarismo em todas as frentes possíveis. Para isso, o governo conta com um aliado fiel, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que assumiu, nesta semana, o comando da CRE.


O primeiro passo foi dado: o Palácio do Planalto retirou da comissão uma lista de 16 diplomatas indicados pelo governo anterior para assumir embaixadas que estão sem titular. Uma nova lista será encaminhada nas próximas semanas.


Conhecida como a comissão "dos punhos de renda", por adotar protocolos da diplomacia, como receber delegações estrangeiras e representar o Poder Legislativo em agendas internacionais, a CRE deverá ganhar um protagonismo inédito a partir deste ano. "A prioridade à frente da comissão, neste momento único da história, é a reconstrução, o resgate do papel que o Brasil sempre exerceu no cenário internacional", disse Renan Calheiros ao Correio.


Além das relações externas, em que a prioridade será a reinserção do país nas agendas globais, o novo presidente do colegiado pretende acompanhar de perto a atividade militar, cuja relação com os Três Poderes foi contaminada pela proximidade dos comandos das Forças Armadas com o projeto de poder de Bolsonaro. Os ataques golpistas de 8 de janeiro acenderam o sinal de alerta do novo governo.


O primeiro ato de Calheiros não poderia ser mais simbólico: ele vai pautar para apreciação da CRE o projeto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 que tipifica os crimes contra a humanidade, como o genocídio. O parlamentar presidiu a investigação do Senado que apontou as responsabilidades do governo anterior na condução da crise sanitária que provocou quase 700 mil mortes no país.


Recolocar a pandemia na pauta política também faz parte da estratégia de desconstrução do bolsonarismo e de responsabilização do ex-presidente por erros de comando. Dessa forma, a comissão também relembrará a participação do general Eduardo Pazuello (eleito deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro) na condução do Ministério da Saúde.


A política externa é uma seara promissora para marcar diferenças entre os dois governos. Quando vem acompanhada de um escândalo que envolve militares, ganha contornos ainda mais urgentes, que vão ser explorados pelos aliados de Lula na CRE. É o caso do escândalo das joias que o ex-presidente recebeu na Arábia Saudita. Calheiros quer que o tema também faça parte da agenda da comissão, que deve acompanhar as investigações sobre a participação de militares, como o ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro no Palácio do Planalto tenente-coronel Mauro Cid. Até por obrigação regimental, as primeiras autoridades ouvidas na comissão serão os ministros das Relações Exteriores, embaixador Mauro Vieira, e da Defesa, José Múcio Monteiro.


A reinserção do Brasil nos principais fóruns multilaterais — em especial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) — e a reativação dos blocos econômicos que perderam importância no governo anterior, como o Mercosul (que deverá retomar as discussões com a União Europeia para retirada de barreiras comerciais) e o Brics (acrônimo da união entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), vão competir, em importância, com a chamada diplomacia ambiental, que envolve os debates sobre aquecimento global e sustentabilidade em todo o mundo.


Artilharia pesada

Enquanto a diplomacia caminha pela trilha da chamada "soft power" (poder suave, em tradução livre), Calheiros prepara artilharia pesada contra o governo Bolsonaro, reforçando o discurso da gestão Lula de que o período anterior não representa a tradição brasileira nas relações externas.


A imagem do país foi severamente comprometida por uma série de episódios que serão lembrados pelo senador, como o comentário do ex-chanceler Ernesto Araújo, em 2020, de que, se a "nova política externa (do governo Bolsonaro) nos faz ser um pária internacional, que sejamos esse pária".


"O Brasil sempre foi respeitado pelos pressupostos de sua chancelaria, e isso, infelizmente, foi dilapidado no governo anterior, ao ponto de nos tornarmos pária mundial. Mas o Brasil voltou ao centro das atenções, e o mundo demonstrou que estava com saudades do Brasil", disse Calheiros.


Com Bolsonaro, o país se aproximou de governos pouco democráticos (como Hungria e Polônia) e ditaduras de fato, como a da Arábia Saudita — agora, pivô do caso das joias (leia reportagem na página 4). Também criou embaraços na relação com o maior parceiro comercial do país, a China, quando Bolsonaro declarou que não confiava "na vacina chinesa (contra covid-19)", e se alinhou de corpo e alma ao governo de Donald Trump nos Estados Unidos, a ponto de não criticar a invasão do Capitólio e fazer do Brasil o último membro do G-20 a reconhecer a vitória de Joe Biden nas urnas, 38 dias depois de o democrata ser declarado ganhador das eleições presidenciais.


https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/03/amp/5079276-itamaraty-e-cre-do-senado-preparam-retirada-de-nomes-bolsonaristas-das-embaixadas.html

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Itamaraty inicia nova gestão com adesão a acordo de migração e críticas a Israel (Brasil 247; Correio Braziliense)

 Mauro Vieira inicia gestão no Itamaraty com adesão a acordo de migração e críticas a Israel

Novo chanceler busca trazer o Brasil de volta ao mundo
Brasil 247, 5 de janeiro de 2023 

247 - O Itamaraty comunicou à Organização das Nações Unidas (ONU), nesta quinta-feira (5), que o Brasil voltará a fazer parte do Pacto Global para a Migração Segura. O País assinou o pacto em dezembro de 2018, mas, no mês seguinte, no início do mandato de Jair Bolsonaro, se retirou, alegando que o acordo lesava a soberania nacional.

O novo governo, que tem Mauro Vieira como chanceler, disse em nota que o Pacto está alinhado com a Lei da Migração brasileira, por exemplo, ao garantir o acesso de migrantes a serviços básicos. Ainda segundo a nota, “o retorno do Brasil ao Pacto reforça o compromisso do governo brasileiro com a proteção e a promoção dos direitos dos mais de 4 milhões de brasileiros que vivem no exterior”.

Política externa ativa e altiva
O Itamaraty já vem demonstrando que conduzirá uma diplomacia distinta do antigo governo Jair Bolsonaro. Em um comunicado divulgado na terça-feira (3), o MRE brasileiro criticou a visita do ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben Gvir, à mesquita Al Aqsa, em Jerusalém.

Na mesma data, Gvir visitou o Monte do Templo, onde fica a mesquita Al Aqsa --um dos locais mais reverenciados pelo Islã. A visita provocou a condenação de grande parte do mundo muçulmano, incluindo Arábia Saudita, Catar, Jordânia e Emirados Árabes Unidos. O Monte do Templo é reverenciado como um local sagrado por todas as fés abraâmicas.

O comunicado do Itamaraty expressa a preocupação do Brasil com a incursão de Ben Givr na Esplanada das Mesquitas. “À luz do direito internacional e tendo presente o status quo histórico de Jerusalém, o governo brasileiro considera fundamental o respeito aos arranjos estabelecidos pela Custodia Hachemita da Terra Santa, responsável pela administração dos lugares sagrados muçulmanos em Jerusalém, tal como previsto nos acordos de paz entre Israel e a Jordânia, em 1994. Ações que, por sua própria natureza, incitam à alteração do status de lugares sagrados em Jerusalém constituem violação do dever de zelar pelo entendimento mútuo, pela tolerância e pela paz”, diz o Itamaraty.



Brasil volta ao Pacto para Migração da ONU, anuncia Itamaraty

Assinado pelo Brasil em 2018, o Pacto foi deixado de lado em 2019 pelo governo Bolsonaro. O texto prevê diretrizes para o trato aos migrantes

Victor Correia
Correio Braziliense, 05/01/2023 
   
O Ministério das Relações Exteriores anunciou nesta quinta-feira (5/1) o retorno do Brasil ao Pacto Global para Migração Segura, da Organização das Nações Unidas (ONU). O comunicado foi enviado pelo governo federal a dirigentes da ONU e da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

"O retorno do Brasil ao Pacto reforça o compromisso do Governo brasileiro com a proteção e a promoção dos direitos dos mais de 4 milhões de brasileiros que vivem no exterior", disse o Itamaraty em nota à imprensa.

O Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular foi assinado em 2018 pelos 164 Estados-membro da ONU, inclusive pelo Brasil. Em 2019, porém, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou que não participaria. O chanceler à época, Ernesto Araújo, chegou a declarar que "a imigração não deve ser tratada como questão global, mas de acordo com a realidade e a soberania de cada país”.

"Compromissos já contemplados pela Lei de Migração Brasileira"
Segundo as Nações Unidas, o Pacto para Migração "não é vinculativo e fundamenta-se em valores de soberania do Estado, compartilhamento de responsabilidade e não-discriminação de direitos humanos". O texto estabelece diretrizes para o trato aos migrantes e cooperação internacional em prol do tema.

"O documento contém compromissos já contemplados pela Lei de Migração brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo, como a garantia do acesso de pessoas migrantes a serviços básicos", declarou também o Itamaraty

Empossada ontem, a secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, Maria Laura da Rocha, primeira mulher a ocupar o segundo cargo mais alto da pasta, declarou que "o Brasil terá de reconstruir pontes com países e grandes foros de debate, a começar pela sua própria região sul-americana, e na América Latina e Caribe, além de colocar em marcha uma nova dinâmica no relacionamento com a África, com a Ásia e com parceiros prioritários como a Europa, os Estados Unidos, a China e os demais membros do BRICS".


quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Invasão russa na Ucrânia completa 9 meses sem expectativa de paz - Rodrigo Craveiro (CB)

 Operação Especial para perpetrar crimes de guerra, contra a humanidade e contra a paz.


Invasão russa na Ucrânia completa 9 meses sem expectativa de paz

Invasão russa completa 273 dias sem expectativa de paz. Parlamento Europeu aprova resolução em que classifica a Rússia como patrocinadora do terror. Forças de Moscou ampliam destruição da infraestrutura civil. Milhões estão sem água e luz

Rodrigo Craveiro
Correio Braziliense, 24/11/2022 

O tempo dedicado a celebrar a chegada de uma nova vida tem sido o mesmo, para os ucranianos, na angustiante espera da morte. A invasão russa à ex-república soviética completa, hoje, nove meses sem  qualquer indício de paz. Ontem, enquanto o Parlamento Europeu aprovava uma resolução declarando-a "Estado promotor do terrorismo", a Rússia intensificava a campanha para destruir a infraestrutura civil da Ucrânia. De acordo com a Força Aérea de Kiev, as forças de Moscou dispararam "cerca de 70 mísseis de cruzeiro" contra o país vizinho, 51 dos quais foram abatidos. Cinco drones suicidas do tipo Lancet também acabaram derrubados no sul. Sem usar a palavra "guerra", o governo de Vladimir Putin assegurou que a ofensiva será coroada com o "sucesso", depois de as bombas causarem danos imensos na capacidade energética da Ucrânia. Nos últimos dias, a Rússia sofreu uma série de reveses — a principal delas foi a retirada militar de Kherson, cidade que havia anexado, no sul do país. 

"Não resta a menor dúvida sobre o futuro e o sucesso da operação especial", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. O governador de Kiev, Oleksi Kuleba, relatou que o abastecimento de água foi suspenso e que "toda a região está sem luz". De um estação de metrô de Kiev, onde se abrigava das bombas, às 20h40 de ontem (15h40 em Brasília), Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política (naUKMA) — falou ao Correio e disse que, depois de significativas derrotas militares, a Rússia intensificou os bombardeios a cidades e vilarejos. "Centenas de civis foram assassinados e milhares sofrem. Temos visto resultados terríveis em áreas liberadas do domínio russo. Quando incapazes de vencer no front, os soldados de Putin alvejam civis", lamentou.

De acordo com Suslov, o governo ucraniano e a sociedade civil fizeram apelos para que a Rússia passasse a ser classificada como patrocinadora do terrorismo. "A decisão do Parlamento Europeu é um resultado lógico dessa campanha. Ainda que tenha significado meramente simbólico, mostra o consenso entre atores-chave da Europa em relação a mais ações contra a Rússia. Como os membros do Parlamento são eleitos diretamente pelos cidadãos dos países-membros, isso também representa um chamado informal à ação por parte de outras instituições da União Europeia", acrescentou. 

Ciberataque
Os parlamentares europeus aprovaram a resolução por 494 votos a favor, 58 contra e 44 abstenções. Horas depois, o portal virtual do Parlamento Europeu foi alvo de um "sofisticado ciberataque". "Um grupo pró-Kremlin assumiu a responsabilidade. Nossos especialistas estão resistindo e protegendo nossos sistemas", tuitou Roberta Metsola, presidente da instituição, sediada em Estrasburgo (França). "Minha resposta: 'Slava Ukraini' (Glória à Ucrânia)", emendou. 

"As atrocidades cometidas pela Federação da Rússia contra a população civil ucraniana, a destruição de infraestruturas civis e outras violações graves dos direitos humanos e do Direito Internacional humanitário constituem atos de terror (...) e crimes de guerra", apontou o documento. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, elogiou o desdobramento político e defendeu que "a Rússia deve ser isolada em todos os níveis e responsabilizada para encerrar sua velha política de terrorismo na Ucrânia e em todo o planeta". Zelensky também convocou uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU. 

Também em Kiev, Peter Zalmayev — diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — confirmou à reportagem que Kiev registrava blecautes durante todo o dia de ontem. "Nesse momento, há eletricidade em meu apartamento, mas não temos água. Vejo pela janela que muitos edifícios estão na completa escuridão. Os moradores de Kiev têm estado sem água. Eu enchi a banheira de casa para ter água por pelo menos duas semanas. Graças a Deus, o sistema de aquecimento ainda funciona. Em caso de pane, Zelensky tem um plano de enviar os moradores para centros comunitários espalhados pela capital, onde poderão ficar aquecidos", contou. 

Zalmayev disse não ver um precedente para vitórias militares russas por meio de bombardeios aéreos. "Eles querem a nossa rendição e a derrubada de nosso governo. Querem que saiamos às ruas para pedir a destituição de Zelensky. Na verdade, o ódio em relação aos russos tem aumentado. E essa ira vai durar mais alguns anos para cada bombardeio sofrido pela Ucrânia", acrescentou.  

Bombardeio a maternidade mata recém-nascido
Ele teve um vislumbre de vida, apagada pela guerra. Um bebê nascido na última segunda-feira foi morto, na madrugada de ontem, durante um bombardeio a uma maternidade emVilniansk, na região de Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia. A mãe da criança foi resgatada dos escombros com vida, apesar de bastante ferida. "O Estado terrorista continua a guerra contra os civis.O inimigo decidiu mais uma vez tentar alcançar, com terror e assassinato, o que não conseguiu em nove meses e não vai conseguir", afirmou o preisdente da Ucrãnia, Volodymyr Zelensky. A primeira-dama, Olena Zelesnka, denunciou os "crimes insanos da Federação Russa". "É uma dor horrível. Nós nunca esqueceremos e jamais perdoaremos."

Eu acho...
"A decisão do Parlamento Europeu é importante simbolicamente, apesar de não ter caráter vinculante. Trata-se de uma recomendação. A Rússia comprovou o teor da resolução, ao lançar um massivo ataque à nossa infraestrutura civil. Não se deve ter mais dúvidas em relação ao tipo de Estado que a Rússia é."

Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)

https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/11/5053998-invasao-russa-na-ucrania-completa-9-meses-sem-expectativa-de-paz.html

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Decisão do Parlamento Europeu preocupa exportadores brasileiros - Rosana Hessel (CB)

 A ANTIPOLÍTICA AMBIENTAL DO DESTRUIDOR DE FLORESTAS VAI ACARRETAR PREJUÍZOS AO AGRONEGÓCIO. Não poderia ser de outra forma: o capitão desafiou todos os compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional. Um dia as consequências chegariam; até que chegaram tarde, depois de recordes sobre recordes de devastação ambiental, florestas derrubadas.

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Decisão do Parlamento Europeu preocupa exportadores brasileiros

Parlamento Europeu amplia escopo de programa que pretende barrar produtos importados provenientes de áreas desmatadas, o que afeta em cheio governo de Bolsonaro que bate recordes de desmatamento na Amazônia 

Rosana Hessel

Correio Braziliense, 13/09/2022

O Parlamento Europeu exigiu, nesta terça-feira (13/9), um plano mais rígido da União Europeia para proibir importações de produtos vindos de áreas desmatadas, incluindo no escopo de produtos, podendo chegar até ao setor financeiro. A medida tem deixado exportadores brasileiros apreensivos, além de afetar em cheio a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), a 19 dias das eleições.

 

O texto votado pelos representantes dos 27 países membros da UE amplia a determinação anterior, de novembro de 2021 — que impôs a proibição de importação para a UE de soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau e café e produtos associados, como couro ou mobiliário, provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020. Foram incluídos à lista carne de porco e de carneiro, aves, milho, carvão vegetal, papel e celulose e borracha. Além disso, o Parlamento Europeu quer incluir as áreas desmatadas até dezembro de 2019, atingindo toda a gestão do governo Bolsonaro, que "abriu a porteira" fragilizando a fiscalização dos órgãos de proteção ambiental.

 

A determinação visa limitar o impacto das importações europeias no desmatamento global, mas deixou os exportadores brasileiros preocupados com o impacto econômico dessas medidas, que não serão restritas ao agronegócio brasileiro.

 

O projeto legislativo ainda precisa ser votado pelos parlamentos dos 27 países que integram o bloco, mas a expectativa de analistas é que possa afetar a safra de 2023. O nível de exigência cobrado dos importadores deverá variar de acordo com o risco de desmatamento na região produtora, de acordo com a agência France Presse. Na prática, informou, as empresas importadoras serão responsáveis por sua cadeia de suprimentos, podendo a rastreabilidade ser exercida por meio de dados de geolocalização de cultivos e fotos de satélite. Os infratores enfrentarão multas proporcionais aos danos ambientais. O Parlamento Europeu também votou para impor "exigências adicionais" às instituições financeiras para que seus empréstimos e investimentos não contribuam para o desmatamento.

 

Saia justa

A medida do Parlamento Europeu atinge a campanha do presidente Jair Bolsonaro, que virou um pária global ao afrouxar as políticas ambientais e permitir o aumento do desmatamento ilegal na Amazônia, que vem sendo afetada por números recordes de queimadas e de derrubadas de árvores no bioma, de acordo com especialistas.

 

Com viagem marcada para o velório da rainha Elizabeth II, eles acreditam que Bolsonaro passará por uma saia justa ao lado do rei Charles III, um fervoroso defensor do meio ambiente, assim como no encontro anual da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde irá na sequência.

 

“O programa de Bolsonaro é o único que não tem um plano claro de combate ao desmatamento”, destacou Virgílio Viana, professor associado da Fundação Dom Cabral e coordenador do Imagine Brasil Ambiental. “A medida do Parlamento Europeu restringindo o acesso de produtos de áreas degradadas ou desmatadas ilustra o quando o Brasil perde ao manter as altas taxas de desmatamento atuais. Isso é contra o interesse nacional. Desmatar a Amazônia, por muitas razões, afeta a imagem do Brasil no exterior e afeta a nossa economia”, frisou.

 

A decisão, inclusive, não apenas o principal adversário de Bolsonaro nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que acaba de receber apoio da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), respeitadíssima na área ambiental. Viana destacou que os demais candidatos também estão mais preocupados com o desmatamento do que o atual presidente.

 

Impactos econômicos

O professor da Fundação Dom Cabral lembrou que, devido aos retrocessos na política ambiental do atual governo, o Brasil deixou de ser um importante interlocutor no debate, que é bastante atual, sobre as mudanças climáticas decorrentes do aumento do desmatamento que estão, inclusive, afetando o sistema de chuvas. “Manter a Amazônia é fundamental para manter o regime de chuvas que são fundamentais para a produção agrícola. O desmatamento é péssimo para os agricultores”, alertou.

 

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, reconheceu que a decisão do Parlamento Europeu é preocupante, porque é uma fatura que está chegando por conta do aumento do desmatamento no país, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), que será realizada em novembro no Egito. “Foi uma surpresa para o Brasil, porque, mesmo com a COP 27, o país ainda tem muitos assuntos importantes para discutir. É uma notícia que não veio em um bom momento e vamos ainda avaliar o quanto o país será impactado”, afirmou.

 

Na avaliação de Wagner Parente, especialista em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados, a decisão dos parlamentares europeus é um sinal de que a fatura do desmatamento no país está chegando, ainda que a medida seja meio controversa. “É um duro golpe para o governo Bolsonaro, bem no coração da campanha”, frisou. Parente lembrou que, atualmente, o setor privado tem tomado medidas para se proteger desse tipo de retaliação que vinha sendo inevitável, pois algumas empresas europeias tinham começado a fazer boicotes de produtos brasileiros devido ao aumento do desmatamento.

 

“Antes era uma retaliação do setor privado, porque a política demora mais tempo. Agora, foi ampliado para níveis governamentais, o que é mais preocupante, pois a Europa, como na taxação do carbono, acabou inovando e foi acompanhada por outros países. O mesmo pode acontecer com essa decisão do Parlamento Europeu em relação ao desmatamento”, destacou Parente. Ele lembrou que algumas entidades de exportadores tentavam se antecipar a isso, como a moratória da soja aplicada pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Parceiro comercial importante 

Vale lembrar que a União Europeia é o segundo maior das exportações brasileiras, atrás apenas da China. Em 2021, conforme dados da BMJ, os principais produtos embarcados para o continente europeu foram petróleo e soja, e, desde 2018, a balança comercial está negativa para o lado brasileiro, que importa dos europeus, principalmente, medicamentos e insumos para fertilizantes. 

Parente, da BMJ, lembrou que a Comissão Europeia vai estabelecer um programa de análise de risco classificando os países e regiões em baixo, moderado e alto risco de desmatamento na cadeia produtiva, que será divulgada até seis meses depois da entrada em vigor da nova regulação. E, como o escopo foi ampliado, vários produtos que foram incluídos sem saber a real extensão de seus impactos no mercado local e internacional. Contudo ele alertou que o bloco europeu pretende que a medida seja finalizada para a publicação antes da COP 27, em novembro. "O objetivo é reduzir o temor internacional em relação à medida, que exigirá um grande esforço da UE", destacou.

Procurados, os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não comentaram a decisão do Parlamento Europeu. 

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, informou que a medida aprovada pelo Parlamento europeu “é falha ao ter caráter punitivo e não integrativo, com potencial de excluir diversos produtores, especialmente os pequenos e médios, que não têm neste momento a capacidade técnica ou financeira de implementar as medidas de rastreabilidade, ainda que esses sigam todas as exigentes leis nacionais”. “Como resultado, teremos a inviabilização econômica da propriedade rural sem ganho ambiental significativo”, acrescentou a entidade, em nota. 

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/09/5036586-decisao-do-parlamento-europeu-preocupa-exportadores-brasileiros.html

 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Itamaraty de portas abertas: Wladimir Murtinho e o Palácio do Itamaraty (Correio Braziliense)

 Itamaraty de portas abertas

Correio Braziliense, 08/06/2022 06:00

O Palácio Itamaraty: conheça mais sobre o prédio símbolo da diplomacia  brasileira | Curso Sapientia 

Quando o governo republicano deslocou-se para o Palácio do Catete em 1897, após ter-se abrigado por seus oito primeiros anos no antigo palacete do Conde de Itamaraty, legou ao Ministério das Relações Exteriores a primeira sede da Presidência. O palacete no centro do Rio de Janeiro viria a sediar a pasta por mais de 70 anos e acabaria por atribuir também a alcunha pela qual se tornou conhecida a diplomacia brasileira. Tamanha é a identidade entre o nome e a instituição que, por ocasião da mudança para a nova capital, aquele que Oscar Niemeyer havia batizado "Palácio dos Arcos" consolidou-se como "Palácio Itamaraty", por decreto presidencial, antes mesmo de sua inauguração oficial em 1970.

As novas edificações combinaram a tradição de uma instituição centenária com a modernidade da nova capital. A face conhecida desse feito, Oscar Niemeyer, contou com a colaboração de diversos profissionais e operários que merecem nossa homenagem e gratidão. O responsável por levar o espírito do Itamaraty para a prancheta do arquiteto foi o diplomata Wladimir do Amaral Murtinho, entusiasta da nova capital e presidente da Comissão de Transferência do Itamaraty para Brasília. Murtinho transmitiu ao projetista as necessidades da instituição, as funções, os valores, a história. Envolveu-se direta e ativamente nos trabalhos de ambientação, idealizando verdadeira síntese das artes modernistas a serviço do país.

O diplomata enxergou como ninguém a oportunidade de fazer da nova sede da chancelaria verdadeira vitrine da criatividade, qualidade e produção brasileiras. Materiais, artistas, designers, temas, vegetação, tudo deveria remeter ao Brasil e valorizar o elemento nacional, refletindo a missão institucional. O Ministério das Relações Exteriores representa o Estado brasileiro: os objetos, os móveis, as obras de arte são expressões do país e revestem-se de papel de representação da nacionalidade e da cultura brasileira, para além de seu uso cotidiano.

A influência de Murtinho sobre a nova sede do Itamaraty impactou a paisagem urbana no coração da Esplanada. Ao insistir com Niemeyer que os convidados estrangeiros fossem recebidos em edifício mais imponente do que o originalmente planejado, tornou a sede do Ministério, mais tarde acompanhada pelo Palácio da Justiça, espécie de prelúdio à Praça dos Três Poderes.

Murtinho, contudo, não se preocupava apenas com a apresentação do Brasil para o mundo. Entendia que o patrimônio pertencia ao povo brasileiro, que deveria ter acesso a essa riqueza do país. Em 1967, após os primeiros eventos oficiais na nova sede do Ministério, franqueou o edifício à população de Brasília. Ao fazê-lo, repetia, talvez sem saber, iniciativa de 1930, quando o palacete no Rio de Janeiro foi aberto ao público por quatro domingos, após obras de restauro e a construção de novo edifício para a biblioteca.

Essas iniciativas antecederam a tradição de celebração do patrimônio, desenvolvida nos anos 1980 e 1990, quando diversos países pelo mundo passaram a estabelecer dias de "portas abertas", para a visitação pública de edifícios governamentais representativos. Algumas de nossas embaixadas adotaram a iniciativa e a mantém até hoje, como em Buenos Aires, Madri, Montevidéu e Paris.

Em linha com a intenção de ampliar o acesso aos espaços públicos, o MRE mantém há mais de uma década serviço regular de visitação educativa. Público e convidados têm a oportunidade de conhecer um pouco da história, da arquitetura e das obras de arte do acervo do Palácio Itamaraty. O percurso pelas áreas comuns e de recepção despertam o interesse não só pelos ambientes de trabalho, mas também pelas atividades do órgão e pelo significado da diplomacia para o Estado brasileiro.

Retomando as iniciativas de 1930 e 1967, e no intuito de aproximar cidadãos do cotidiano do Ministério, o Itamaraty abrirá suas portas neste sábado, 11 de junho, data de nascimento do embaixador Murtinho, para visita cívica estendida, que incluirá, além do trajeto tradicional, cerca de oito ambientes normalmente inacessíveis ao público. 

No ano em que o Brasil celebra o bicentenário da independência e o centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo, completam-se também 20 anos do falecimento de Wladimir Murtinho. Parece propício que o Itamaraty lance, nesse dia e neste ano, o que se espera venha a tornar-se nova tradição de Brasília: um dia de portas abertas da sede do Itamaraty, uma ocasião para resgatar, debater e celebrar o patrimônio histórico, artístico e cultural do órgão, da cidade e do país. Esse dia só poderia chamar-se Jornada Wladimir Murtinho.

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2022/06/5013709-artigo-itamaraty-de-portas-abertas.html