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domingo, 20 de julho de 2025

Entrevista 'O Brasil já está condenado como na Inquisição', afirma Ricupero - Rosana Hessel (Correio Braziliense)

Entrevista
'O Brasil já está condenado como na Inquisição', afirma Ricupero

A abertura de investigação contra o Brasil, pelos Estados Unidos, no âmbito da Seção 301, já tem resultado, como na Inquisição, na avaliação do diplomata, mas medida poderá ajudar o país a ganhar tempo até a aplicação da sobretaxa.

Por Rosana Hessel
Correio Braziliense, 20/07/2025
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2025/07/amp/7205601-o-brasil-ja-esta-condenado-como-na-inquisicao-afirma-ricupero.html

A abertura da investigação contra o Brasil, pelos Estados Unidos, no âmbito da Seção 301 da Lei Comercial norte-americana, abriu mais um flanco na disputa comercial entre os dois países, mas pode ser positiva o governo brasileiro ganhar tempo na entrada em vigor da sobretaxa de 50% sobre os produtos brasileiros, prevista para 1º de agosto, na avaliação do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. "Isso pode permitir, primeiro, quem sabe, um prazo maior, porque a investigação não vai terminar no dia 1º de agosto. E, como há sessão marcada para o dia 3 de setembro, haveria mais tempo", afirma Ricupero, em entrevista ao Correio, na quinta-feira (17), por telefone.

Na avaliação do ex-ministro, contudo, o Brasil já está condenado antes mesmo de se defender na audiência marcada para 3 de setembro pelo representante de comércio dos EUA, o USTR, e não terá a mínima chance, "como no tribunal da Inquisição", na Idade Média. "Ele já está condenado", afirma. Para ele, o presidente dos EUA, Donald Trump, resolveu abrir o processo para tentar dar alguma justificativa às medidas contra o Brasil que não têm fundamento do ponto de vista técnico, mas seguirá uma estratégia de forçar uma negociação permanente.

Leia também: Lula critica revogação de visto de Moraes pelos EUA: "Medida arbitrária"
Diplomata de carreira, Ricupero não poupa críticas ao modus operandi de Trump e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está sendo patrocinado pelo ex-capitão em solo norte-americano. "O Eduardo Bolsonaro está cometendo um suicídio político. Ele, dificilmente, no futuro vai ter condições de poder enfrentar a opinião pública brasileira", profetiza. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O governo dos Estados Unidos no âmbito da Seção 301 e chegou a atacar o Pix e o comércio da 25 de Março, em São Paulo. Como o senhor avalia a reação do Brasil?

Bem, eu vejo a situação como, de fato, uma ameaça grave. Indo por partes, isso começou no dia 9 de julho, quando ele enviou aquela mensagem ao Lula por canais extraoficiais, tanto que que o Itamaraty depois teve que chamar o encarregado de negócios para confirmar se aquela mensagem era autêntica ou não. Normalmente, uma mensagem de um presidente a outro vem por canais oficiais, vem da Embaixada, que envia o Ministério das Relações Exteriores, que encaminha ao presidente da República. Existe um protocolo, mas o Trump mandou por uma mídia social qualquer, tanto que a mensagem foi devolvida, porque não vinha de acordo com as normas usuais. E essa mensagem misturava dois tipos de assunto. A primeira parte da carta era uma referência ao que ele considera perseguição a Bolsonaro e às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) relativas ao conteúdo das plataformas, das big techs. E a segunda parte era mais parecida a essas mensagens que ele envia a muitos países, como a União Europeia, o Japão, a Coreia do Sul, o México e o Canadá, ameaçando em cada caso aplicar uma tarifa num determinado nível, se eles não negociarem, e colocando um prazo. Então, são duas mensagens em uma, porque são dois temas diferentes. O primeiro tema é, obviamente, fora de qualquer possibilidade de negociação.

Pode explicar melhor?

É uma contestação à ação de um Poder soberano do Brasil, que é o Judiciário. Inclusive, uma mensagem enviada a um destinatário errado, porque o Lula não tem nada a ver nem com a punição do Bolsonaro, nem com as decisões do Supremo. O Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por causa daquela reunião que ele fez com embaixadores, no Palácio do Alvorada. E ele está respondendo, agora, a outro processo do STF, acusado de conspiração. Ainda que o Lula quisesse responder, ele não tem o que responder, porque isso deveria ser dirigido ao Judiciário. Essa é uma parte inegociável, que não pode ser objeto de nenhum tipo de consideração. Agora, a outra parte, que é a questão do comércio, não é diferente do que Trump tem feito com um número enorme de países.

Qual a sua interpretação da Seção 301?

A minha impressão é que isso aconteceu, porque o governo Trump se deu conta de que a aplicação de sanções de tarifas ao Brasil num contexto de um tema político de soberania era uma medida ilegal até do ponto de vista norte-americano. O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, por exemplo, escreveu duas postagens na internet citando a lei comercial mostrando quais eram os casos em que um presidente norte-americano poderia impor tarifas. Nenhum dos casos se enquadra no caso brasileiro. Acho que eles ficaram alertados para a falta de uma base legal e resolveram abrir essa investigação da Seção 301. Como a lei exige, eles mandaram esse documento de 15 páginas em que relacionam um número enorme de questões, até desconexas, porque vão do comércio da 25 de Março até o desmatamento da Amazônia. Porque no caso da alegação política, como eu disse, você não teria nem onde começar, não teria nem por onde dialogar. Nesse caso, não. Isso segue uma regulamentação. O USTR, inclusive, estabelece as audiências públicas e já tem uma marcada para 3 de setembro. Nessas audiências, ouvem-se as partes. Ao menos, agora, o governo norte-americano oferece um processo. Só que não dá qualquer garantia de imparcialidade.

Por quê?

Estamos falando de Trump. Esse mecanismo 301 é antigo, não é de agora. Quando fui embaixador do Brasil, no GATT, em Genebra, de 1987 a 1991, durante quase toda a rodada do Uruguai, eu era o chefe da delegação do Brasil lá em Genebra, que, agora, é a sede da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na época que eu estava lá, os EUA já tinham acionado essa Seção 301, no caso do Brasil, sobre as patentes para remédios. Eles alegavam que o Brasil não reconhecia patentes para medicamentos nem o processo. É uma coisa antiga, tem mais de 30 anos. Não só o Brasil, mas também os outros países nunca admitiram a legalidade desse mecanismo, porque, pela lei internacional, teriam que pedir uma investigação na OMC, pelo Departamento de Solução de Controvérsias. Mas, obviamente, esse mecanismo deles é totalmente unilateral e parcial, porque é um tribunal em que o mesmo país é promotor público, é juiz e é executante do processo. É como se a mesma pessoa fosse o acusador, o juiz que dá a sentença e o carrasco que executa. É óbvio que é um tipo de mecanismo em que o acusado não tem a mínima chance. Ele (o Brasil) já está condenado, como tribunal da inquisição. Quem era denunciado à Inquisição nunca saía inocentado. Por definição, é culpado.

O senhor não está otimista?

Eu não sou otimista. O fato de eles mandarem essa carta com 15 páginas, em que todo mundo discute um argumento e outro, mas, no fundo, é claro, até por uma questão de dignidade, mostrar que tudo é bobagem. Mas você não pode ter muita esperança de que o resultado vai ser a condenação. Apenas a única coisa que eu diria é que isso pode permitir, primeiro, quem sabe, um prazo maior. Porque a investigação não vai terminar no dia 1º de agosto. E, como há sessão marcada para o dia 3 de setembro, haveria mais tempo. Seria bom se pudesse ter um prazo maior, porque é como no caso dos outros países, o prazo foi sendo estendido cada vez mais. E também porque acho que, com o atual governo dos EUA, o máximo que se pode desejar não é um acordo definitivo, mas é uma espécie de estado de negociação permanente, porque ele sempre reabre. O máximo que vai acontecer é negociar uma sanção menor do que essa de 50%.

Agora, é curioso que esse estado de negociação permanente parece uma marca do Trump. Ele estica a corda para depois negociar?

Ele quer deixar o adversário sempre desestabilizado. E, com isso, ele está sempre tomando novas iniciativas para obter mais concessões. Agora, eu acho que há muitas ilusões. Muita gente tem falado, até colegas meus diplomatas, dizem, que precisamos negociar, por exemplo, o etanol, porque o Brasil tem uma tarifa maior, de 16%, 18%, do que a tarifa deles sobre o nosso etanol e cana-de-açúcar. Agora, todas as pessoas que dizem isso estão partindo de uma pressuposição equivocada, a de que nós nunca quisemos negociar. A verdade é que isso não é certo.

Como assim?

O Brasil tentou negociar várias vezes e eles que é que não quiseram. É preciso lembrar uma frase que os americanos usam muito, eles dizem que para dançar o tango você precisa de duas pessoas. E a negociação é a mesma coisa. O Brasil, no mês de março, mandou uma missão aos Estados Unidos e tentou negociar. Essa presunção que está sendo repetida aqui não é verdadeira. Não é verdadeira. O Brasil sempre esteve disposto a negociar o comércio. Ele nunca quis negociar questões de soberania nacional. As pessoas que falam em negociação sobre o etanol, ou não conhecem, ou estão sendo ingênuas, porque o Brasil tentou negociar o etanol sugerindo que os americanos fizessem concessões, ou em suco de laranja, porque encontramos muitas barreiras no mercado norte-americano para o suco de laranja por causa da Flórida. Eles não aceitaram nem conversar sobre uma coisa nem sobre outra. Essas pessoas que fazem essas declarações pensam que os americanos estão de boa-fé. Mas, eu tenho minhas dúvidas. Na verdade, eles não querem negociar, eles querem extorquir. Eles querem que o Brasil faça concessões unilaterais sem esperar nada em troca.

E o que o senhor acha desse procedimento da Seção 301?

Infelizmente, esse mecanismo, vai demonstrar que eles não estão interessados numa negociação real. Oxalá eu esteja equivocado. Mas os precedentes me levam a crer que na área que eles são protecionistas, eles não vão ceder. Você sabe, as pessoas todas partem da presunção de que eles são os heróis e nós somos os vilões. Mas isso é equivocado. Eles têm protecionismo exacerbado, por exemplo, em açúcar, em arroz, em etanol, em suco de laranja, em algodão. O Brasil já ganhou uma vez um julgamento na OMC contra os Estados Unidos por causa dos subsídios ao algodão. Eles, em vez de retirar os subsídios, preferiram pagar a multa. Pagaram vários milhões de dólares ao Brasil, mas não retiraram os subsídios, porque os subsídios ao algodão decorrem da ação do lobby mais poderoso do Texas. Há muita ignorância sobre o panorama norte-americano, porque, mesmo a média das tarifas deles, que era baixa, agora com o Trump, já no mês de maio, estava em 8,5%, que é praticamente o nível teórico das tarifas brasileiras. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um documento há pouco tempo mostrando que as tarifas que o Brasil efetivamente aplica aos produtos americanos, como há muitas exceções, são menos de 3%. Na prática, o que é que o Brasil vai negociar?

Então o Brasil não é protecionista em relação aos Estados Unidos?

É, em teoria. No livro tem essas tarifas, mas, na aplicação prática, a tarifa aplicada aos produtos americanos é inferior a 3%. Por isso, é que os americanos têm exportado muito para o Brasil. Basta ver os documentos da AmCham que mostram que o saldo comercial americano aumentou. Então é preciso dizer isso. E a esperança que podemos ter de, pelo menos, reduzir essas tarifas para 10% é usar a ajuda do setor exportador americano. Se nós vamos perder, os americanos vão perder mais, porque eles têm saldo comercial positivo com o Brasil. É um raciocínio muito simples. Se, nos últimos 15 anos, venderam ao Brasil US$ 410 bilhões a mais do que compraram, se zerar o comércio, eles perdem mais.

E no Brasil, quem perde mais?

Os maiores prejudicados são a Embraer, a WEG, fabricante de motores de Santa Catarina, e a Tupi, que exporta ferro fundido. Mas é preciso ver caso a caso. A American Chamber of Commerce, que é uma câmara de comércio norte-americana, publicou um documento dizendo que mais de 6 mil pequenas empresas dos EUA dependem de importação de produtos brasileiros. A melhor esperança que o Brasil pode ter é mobilizar esse setor, porque, obviamente, ele tem mais influência sobre o Trump do que o governo brasileiro ou a nossa diplomacia.

A estratégia não será a via diplomática no caso?

O Trump não é sensível à diplomacia. Ele não fala com diplomata. Ele fala com homens de negócios. Os diplomatas brasileiros são úteis no caso da Seção 301, porque quem vai representar o Brasil vai ser a Embaixada ou o vice-presidente Geraldo Alckmin. O Brasil também pode procurar os diplomatas brasileiros em Washington, por exemplo, para mobilizar os estados americanos em que o Brasil já tem indústria. São vários. Se há 3.800 empresas americanas com investimento no Brasil, por outro lado, há mais de 2.600 empresas brasileiras com investimento nos EUA. É preciso mobilizar esses estados, porque muitos deles são republicanos e têm acesso ao presidente Trump. Há uma ampla gama de coisas que se pode fazer. Mas, sem muita ilusão, porque como eu disse, da parte deles, não há boa-fé. Só espero que essa decisão possa ser negociada quanto ao prazo e quanto ao montante da sobretaxa.

A Lei de Reciprocidade seria um tiro no pé do governo brasileiro?

Não, eu acho que não, porque a Lei de Reciprocidade dá ao Brasil a possibilidade de retalhar se o pior acontecer. A reciprocidade é como uma bomba atômica. Você tem que possuir um elemento para não usar. Você tem que dizer, olha, se você me aplicar tal e tal coisa. Você não me deixa retalhar. Eu não quero fazer isso, mas está nas suas mãos. Nessa investigação, por exemplo, eles fazem acusações infundadas, entre outras, de que o Brasil não protege a propriedade intelectual, de que o Brasil está aplicando taxas sobre serviços de telecomunicação. Você sabe, isso em inglês se chama uma self-fulfilling prophecy, uma profecia autorrealizável. Se eles estão me castigando por uma coisa que eu não estou fazendo, estão me convidando a fazer essa coisa. Isso pode ser utilizado como argumento dentro do processo da Seção 301, porque a impressão que eu tenho é que dentro desse processo, muitas das acusações vão se revelar infundadas, como essa do Pix. Isso vai se desmontar e no fim e vai ficar alguma coisa que eles vão se segurar para aplicar alguma medida. Esse é o cenário mais provável que vai acontecer.

Qual sua avaliação da escolha do vice-presidente Geraldo Alckmin como o negociador após as declarações de Lula na cúpula do Brics?

Primeiro, acho que o Alckmin é o interlocutor ideal. Ele é um conciliador, um homem que tem muito controle do que ele diz. Ele nunca faz declarações sem pensar, acho que ele é o interlocutor ideal para conduzir essa negociação. Por outro lado, independentemente das declarações de Lula na cúpula do Brics, mesmo se ele nunca tivesse dito uma palavra, ele já representa, pelas suas posições tradicionais, algo que é incompatível com o Trump. Certas pessoas têm dito que o Lula deveria tomar o telefone, deveria ir lá conversar com Trump, mas elas esquecem que, quando o Trump recebeu o Volodymyr Zelensky (presidente da Ucrânia), ele passou uma descompostura pública. O Lula também corria o risco de sofrer uma humilhação pública. É preciso tomar cuidado com o que se sugere. Já o Alckmin é diferente. Ele não vai negociar com o Trump. Vai negociar com os setores do governo americano, como o USTR, a Secretaria de Comércio, o Departamento de Estado.

Com a investigação da Seção 301, agora, esses canais são abertos. Antes não tinha. A investigação tem um lado negativo, que é aquele acúmulo de acusações, um pouco sem perna e cabeça, mas por outro lado proporciona, como eu disse, um procedimento com regras. E a investigação prevê audiências públicas, prevê apresentação de documentos. Tudo isso não existia antes, agora vai passar a existir.


As medidas anunciadas por Trump, de certa forma, defendendo o Bolsonaro, na verdade, estão beneficiando o Lula no campo político. As pesquisas da Quaest, por exemplo, mostraram que a aprovação de Lula aumentou e a desaprovação diminuiu. Quer dizer que Trump está ajudando mais o Lula do que o Bolsonaro indiretamente?

Eu concordo plenamente. Esse tipo de medida é contraproducente. Ter o apoio público do Trump é pior do que não ter nenhum apoio. Porque você vê, isso já aconteceu com nas eleições canadenses, há dois, três meses atrás. O Trump apoiou o candidato que era o adversário do atual primeiro-ministro. Perdeu a eleição por causa do Trump. A mesma coisa aconteceu na Austrália. Então, eu acho que vai acontecer aqui também no Brasil, já está acontecendo. Inclusive, como você sabe, tradicionalmente a opinião pública brasileira rejeita a intromissão de uma potência estrangeira. E brasileiros que apareçam conspirando com o governo estrangeiro para prejudicar o Brasil passam a ser rejeitados pela opinião pública brasileira. Acho que o Eduardo Bolsonaro está cometendo um suicídio político. Ele, dificilmente, no futuro, vai ter condições de poder enfrentar a opinião pública brasileira. O que esses brasileiros estão fazendo é castigando o Brasil. Eles são muito desequilibrados. Eles não estão castigando o Lula. Para o Lula, está sendo um presente fantástico para a eleição de 2026. O Lula não sai perdendo, politicamente. Quem sai perdendo são os trabalhadores, os empresários… 

domingo, 19 de março de 2023

Lula na China: Guerra na Ucrânia e comércio estão entre as prioridades - Ingrid Soares, Rosana Hessel (Correio Braziliense)

Uma matéria que contou com minha colaboração sob a forma de entrevista:  

Lula na China: Guerra na Ucrânia e comércio estão entre as prioridades

Após um ano de conflito no leste europeu, analistas avaliam que o mundo estará de olho nas declarações de Lula e do presidente chinês, Xi Jinping

Ingrid Soares, Rosana Hessel
Correio Braziliense, 19/03/2023 

No encontro bilateral entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente chinês, Xi Jinping, durante a visita de Estado do chefe de Estado brasileiro ao país asiático, entre 26 e 30 deste mês, a guerra entre Rússia e Ucrânia, será um assunto inevitável.

O embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, reconhece que o momento para o encontro de Lula e o líder chinês é propício para colocá-los em destaque no cenário global, porque os dois presidentes estarão em evidência e o mundo vai querer ouvir o que eles têm para falar, especialmente após China fazer uma proposta para o fim do conflito e Xi Jinping ir a Moscou visitar o presidente russo, Vladimir Putin, que teve a prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, na Holanda, na sexta-feira.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida considera que a viagem de Lula à China tem aspectos potencialmente benéficos ao Brasil, e, ao mesmo tempo, preocupantes no plano político. "O superavit comercial que o Brasil obtém nas suas exportações para a China é absolutamente crucial para equilibrar a balança de transações correntes do Brasil, que é cronicamente deficitária", afirma.

Almeida demonstra otimismo para um bom diálogo bilateral durante a visita de Estado de Lula ao país asiático. Contudo, do ponto de vista político, as coisas se complicaram após a invasão russa da Ucrânia, na avaliação dele.

"À medida em que o Brics (bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), está numa posição incômoda de neutralidade positiva em relação ao presidente russo. Então, não se imagina que países que pertençam ao Tribunal Penal Internacional, como é o caso do Brasil, possam acolher um criminoso contra o qual existe uma ordem de prisão decretada", emenda.

Almeida acha que Putin não deverá comparecer à próxima reunião de cúpula do Brics, em agosto, na África do Sul. "Esse é um aspecto extremamente delicado para o Brasil, porque ele fica em confronto com as demais nações do Ocidente que estão apoiando a Ucrânia. É algo terrivelmente desgastante para Lula. Esse será o aspecto mais delicado na sua visita à China, que é uma apoiadora, ainda que não entusiasta, dessa invasão russa", destaca.

Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, avalia que o Brasil continuará na linha de neutralidade, apesar de que, em algumas declarações extra oficiais, Lula chegou a culpar a Ucrânia pelo conflito.

"O presidente brasileiro tem uma postura um pouco dúbia, mas quando a gente olha para esse posicionamento, em certa medida, está alinhado com a China. A China é a principal aliada do Putin, e não tem também declarado um apoio formal à Rússia, não tem oferecido armamento mas é um país que não fechou as portas para os russos e que segue sendo o maior parceiro comercial de Moscou", ressalta.

Porém, Fernandes acredita que a viagem não deverá causar atritos diplomáticos com os Estados Unidos e, muito menos, com o presidente norte-americano, Joe Biden, que foi visitado por Lula no mês passado, mas sem a pompa de uma visita de Estado como será na China.

"O Brasil, ao não ter chancelado as sanções econômicas que foram feitas à Russia, fica no terreno da neutralidade. Está alinhado com o comportamento dos demais países do Brics, tentando adotar um tom mediador. Não acredito que essa viagem abale as relações do Lula com o governo Biden."

O especialista da BMJ analisa que o grande foco da viagem está nas relações econômicas com a China. "O governo tem uma agenda ambiciosa de tentar assinar até vinte acordos bilaterais. Eles devem focar, sobretudo, em agricultura. A China é o maior comprador de produtos agrícolas do Brasil, e também em termos de ciência e tecnologia, que são estratégicos. A China é um dos mercados tecnológicos do mundo, logo, acordos de cooperação podem trazer bons incentivos para o Brasil", afirma.

Para ele, na passagem por Xangai, o chefe do Executivo brasileiro deverá fortalecer a posição do Brasil em relação aos Brics, cuja sede fica na cidade chinesa, o que reforça a natureza comercial e política da visita. "Essa, sim, mudou bastante. Na gestão Bolsonaro, o bloco Brics não foi tratado como uma prioridade. Lula tem repensado isso. E a gente deve ver a ex-presidente Dilma Rousseff assumindo a presidência da instituição. Nessa comitiva, também viajam uma série de empresários e políticos, portanto, essa questão da Rússia-Ucrânia, que deve ser tangencial, não é o foco prioritário dessa viagem", complementa.

Wagner Parente, consultor em relações internacionais, também considera que Lula deverá focar mais em questões comerciais e de investimentos nas conversas com Xi Jinping. "O presidente deverá tratar do acordo com a BYD e a Ford na Bahia, além de outras áreas de cooperação. Em relação aos EUA, a diplomacia do PT foi sempre pautada pela independência e na altivez. Essa situação de se equilibrar entre as duas potências no momento deve ser uma tônica dos próximos quatro anos. Entendo que o Brasil vai ser o mais isento possível, tentando um diálogo com seus principais parceiros comerciais".

"Lula tentará trazer de lá compromissos mais concretos de investimentos, mas terá dificuldades para fazer isso, talvez promessas. Mas investimentos concretos acho difícil. A gente vê com algum ceticismo. Talvez novidade em relação ao banco dos Brics", reforça.

FRASE

O superavit comercial que o Brasil obtém nas suas exportações para a China é absolutamente crucial para equilibrar a balança de transações correntes do Brasil, que é cronicamente deficitária"
O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Decisão do Parlamento Europeu preocupa exportadores brasileiros - Rosana Hessel (CB)

 A ANTIPOLÍTICA AMBIENTAL DO DESTRUIDOR DE FLORESTAS VAI ACARRETAR PREJUÍZOS AO AGRONEGÓCIO. Não poderia ser de outra forma: o capitão desafiou todos os compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional. Um dia as consequências chegariam; até que chegaram tarde, depois de recordes sobre recordes de devastação ambiental, florestas derrubadas.

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Decisão do Parlamento Europeu preocupa exportadores brasileiros

Parlamento Europeu amplia escopo de programa que pretende barrar produtos importados provenientes de áreas desmatadas, o que afeta em cheio governo de Bolsonaro que bate recordes de desmatamento na Amazônia 

Rosana Hessel

Correio Braziliense, 13/09/2022

O Parlamento Europeu exigiu, nesta terça-feira (13/9), um plano mais rígido da União Europeia para proibir importações de produtos vindos de áreas desmatadas, incluindo no escopo de produtos, podendo chegar até ao setor financeiro. A medida tem deixado exportadores brasileiros apreensivos, além de afetar em cheio a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), a 19 dias das eleições.

 

O texto votado pelos representantes dos 27 países membros da UE amplia a determinação anterior, de novembro de 2021 — que impôs a proibição de importação para a UE de soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau e café e produtos associados, como couro ou mobiliário, provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020. Foram incluídos à lista carne de porco e de carneiro, aves, milho, carvão vegetal, papel e celulose e borracha. Além disso, o Parlamento Europeu quer incluir as áreas desmatadas até dezembro de 2019, atingindo toda a gestão do governo Bolsonaro, que "abriu a porteira" fragilizando a fiscalização dos órgãos de proteção ambiental.

 

A determinação visa limitar o impacto das importações europeias no desmatamento global, mas deixou os exportadores brasileiros preocupados com o impacto econômico dessas medidas, que não serão restritas ao agronegócio brasileiro.

 

O projeto legislativo ainda precisa ser votado pelos parlamentos dos 27 países que integram o bloco, mas a expectativa de analistas é que possa afetar a safra de 2023. O nível de exigência cobrado dos importadores deverá variar de acordo com o risco de desmatamento na região produtora, de acordo com a agência France Presse. Na prática, informou, as empresas importadoras serão responsáveis por sua cadeia de suprimentos, podendo a rastreabilidade ser exercida por meio de dados de geolocalização de cultivos e fotos de satélite. Os infratores enfrentarão multas proporcionais aos danos ambientais. O Parlamento Europeu também votou para impor "exigências adicionais" às instituições financeiras para que seus empréstimos e investimentos não contribuam para o desmatamento.

 

Saia justa

A medida do Parlamento Europeu atinge a campanha do presidente Jair Bolsonaro, que virou um pária global ao afrouxar as políticas ambientais e permitir o aumento do desmatamento ilegal na Amazônia, que vem sendo afetada por números recordes de queimadas e de derrubadas de árvores no bioma, de acordo com especialistas.

 

Com viagem marcada para o velório da rainha Elizabeth II, eles acreditam que Bolsonaro passará por uma saia justa ao lado do rei Charles III, um fervoroso defensor do meio ambiente, assim como no encontro anual da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde irá na sequência.

 

“O programa de Bolsonaro é o único que não tem um plano claro de combate ao desmatamento”, destacou Virgílio Viana, professor associado da Fundação Dom Cabral e coordenador do Imagine Brasil Ambiental. “A medida do Parlamento Europeu restringindo o acesso de produtos de áreas degradadas ou desmatadas ilustra o quando o Brasil perde ao manter as altas taxas de desmatamento atuais. Isso é contra o interesse nacional. Desmatar a Amazônia, por muitas razões, afeta a imagem do Brasil no exterior e afeta a nossa economia”, frisou.

 

A decisão, inclusive, não apenas o principal adversário de Bolsonaro nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que acaba de receber apoio da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), respeitadíssima na área ambiental. Viana destacou que os demais candidatos também estão mais preocupados com o desmatamento do que o atual presidente.

 

Impactos econômicos

O professor da Fundação Dom Cabral lembrou que, devido aos retrocessos na política ambiental do atual governo, o Brasil deixou de ser um importante interlocutor no debate, que é bastante atual, sobre as mudanças climáticas decorrentes do aumento do desmatamento que estão, inclusive, afetando o sistema de chuvas. “Manter a Amazônia é fundamental para manter o regime de chuvas que são fundamentais para a produção agrícola. O desmatamento é péssimo para os agricultores”, alertou.

 

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, reconheceu que a decisão do Parlamento Europeu é preocupante, porque é uma fatura que está chegando por conta do aumento do desmatamento no país, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), que será realizada em novembro no Egito. “Foi uma surpresa para o Brasil, porque, mesmo com a COP 27, o país ainda tem muitos assuntos importantes para discutir. É uma notícia que não veio em um bom momento e vamos ainda avaliar o quanto o país será impactado”, afirmou.

 

Na avaliação de Wagner Parente, especialista em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados, a decisão dos parlamentares europeus é um sinal de que a fatura do desmatamento no país está chegando, ainda que a medida seja meio controversa. “É um duro golpe para o governo Bolsonaro, bem no coração da campanha”, frisou. Parente lembrou que, atualmente, o setor privado tem tomado medidas para se proteger desse tipo de retaliação que vinha sendo inevitável, pois algumas empresas europeias tinham começado a fazer boicotes de produtos brasileiros devido ao aumento do desmatamento.

 

“Antes era uma retaliação do setor privado, porque a política demora mais tempo. Agora, foi ampliado para níveis governamentais, o que é mais preocupante, pois a Europa, como na taxação do carbono, acabou inovando e foi acompanhada por outros países. O mesmo pode acontecer com essa decisão do Parlamento Europeu em relação ao desmatamento”, destacou Parente. Ele lembrou que algumas entidades de exportadores tentavam se antecipar a isso, como a moratória da soja aplicada pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Parceiro comercial importante 

Vale lembrar que a União Europeia é o segundo maior das exportações brasileiras, atrás apenas da China. Em 2021, conforme dados da BMJ, os principais produtos embarcados para o continente europeu foram petróleo e soja, e, desde 2018, a balança comercial está negativa para o lado brasileiro, que importa dos europeus, principalmente, medicamentos e insumos para fertilizantes. 

Parente, da BMJ, lembrou que a Comissão Europeia vai estabelecer um programa de análise de risco classificando os países e regiões em baixo, moderado e alto risco de desmatamento na cadeia produtiva, que será divulgada até seis meses depois da entrada em vigor da nova regulação. E, como o escopo foi ampliado, vários produtos que foram incluídos sem saber a real extensão de seus impactos no mercado local e internacional. Contudo ele alertou que o bloco europeu pretende que a medida seja finalizada para a publicação antes da COP 27, em novembro. "O objetivo é reduzir o temor internacional em relação à medida, que exigirá um grande esforço da UE", destacou.

Procurados, os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não comentaram a decisão do Parlamento Europeu. 

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, informou que a medida aprovada pelo Parlamento europeu “é falha ao ter caráter punitivo e não integrativo, com potencial de excluir diversos produtores, especialmente os pequenos e médios, que não têm neste momento a capacidade técnica ou financeira de implementar as medidas de rastreabilidade, ainda que esses sigam todas as exigentes leis nacionais”. “Como resultado, teremos a inviabilização econômica da propriedade rural sem ganho ambiental significativo”, acrescentou a entidade, em nota. 

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/09/5036586-decisao-do-parlamento-europeu-preocupa-exportadores-brasileiros.html