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domingo, 19 de março de 2023

Lula na China: Guerra na Ucrânia e comércio estão entre as prioridades - Ingrid Soares, Rosana Hessel (Correio Braziliense)

Uma matéria que contou com minha colaboração sob a forma de entrevista:  

Lula na China: Guerra na Ucrânia e comércio estão entre as prioridades

Após um ano de conflito no leste europeu, analistas avaliam que o mundo estará de olho nas declarações de Lula e do presidente chinês, Xi Jinping

Ingrid Soares, Rosana Hessel
Correio Braziliense, 19/03/2023 

No encontro bilateral entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente chinês, Xi Jinping, durante a visita de Estado do chefe de Estado brasileiro ao país asiático, entre 26 e 30 deste mês, a guerra entre Rússia e Ucrânia, será um assunto inevitável.

O embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, reconhece que o momento para o encontro de Lula e o líder chinês é propício para colocá-los em destaque no cenário global, porque os dois presidentes estarão em evidência e o mundo vai querer ouvir o que eles têm para falar, especialmente após China fazer uma proposta para o fim do conflito e Xi Jinping ir a Moscou visitar o presidente russo, Vladimir Putin, que teve a prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, na Holanda, na sexta-feira.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida considera que a viagem de Lula à China tem aspectos potencialmente benéficos ao Brasil, e, ao mesmo tempo, preocupantes no plano político. "O superavit comercial que o Brasil obtém nas suas exportações para a China é absolutamente crucial para equilibrar a balança de transações correntes do Brasil, que é cronicamente deficitária", afirma.

Almeida demonstra otimismo para um bom diálogo bilateral durante a visita de Estado de Lula ao país asiático. Contudo, do ponto de vista político, as coisas se complicaram após a invasão russa da Ucrânia, na avaliação dele.

"À medida em que o Brics (bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), está numa posição incômoda de neutralidade positiva em relação ao presidente russo. Então, não se imagina que países que pertençam ao Tribunal Penal Internacional, como é o caso do Brasil, possam acolher um criminoso contra o qual existe uma ordem de prisão decretada", emenda.

Almeida acha que Putin não deverá comparecer à próxima reunião de cúpula do Brics, em agosto, na África do Sul. "Esse é um aspecto extremamente delicado para o Brasil, porque ele fica em confronto com as demais nações do Ocidente que estão apoiando a Ucrânia. É algo terrivelmente desgastante para Lula. Esse será o aspecto mais delicado na sua visita à China, que é uma apoiadora, ainda que não entusiasta, dessa invasão russa", destaca.

Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, avalia que o Brasil continuará na linha de neutralidade, apesar de que, em algumas declarações extra oficiais, Lula chegou a culpar a Ucrânia pelo conflito.

"O presidente brasileiro tem uma postura um pouco dúbia, mas quando a gente olha para esse posicionamento, em certa medida, está alinhado com a China. A China é a principal aliada do Putin, e não tem também declarado um apoio formal à Rússia, não tem oferecido armamento mas é um país que não fechou as portas para os russos e que segue sendo o maior parceiro comercial de Moscou", ressalta.

Porém, Fernandes acredita que a viagem não deverá causar atritos diplomáticos com os Estados Unidos e, muito menos, com o presidente norte-americano, Joe Biden, que foi visitado por Lula no mês passado, mas sem a pompa de uma visita de Estado como será na China.

"O Brasil, ao não ter chancelado as sanções econômicas que foram feitas à Russia, fica no terreno da neutralidade. Está alinhado com o comportamento dos demais países do Brics, tentando adotar um tom mediador. Não acredito que essa viagem abale as relações do Lula com o governo Biden."

O especialista da BMJ analisa que o grande foco da viagem está nas relações econômicas com a China. "O governo tem uma agenda ambiciosa de tentar assinar até vinte acordos bilaterais. Eles devem focar, sobretudo, em agricultura. A China é o maior comprador de produtos agrícolas do Brasil, e também em termos de ciência e tecnologia, que são estratégicos. A China é um dos mercados tecnológicos do mundo, logo, acordos de cooperação podem trazer bons incentivos para o Brasil", afirma.

Para ele, na passagem por Xangai, o chefe do Executivo brasileiro deverá fortalecer a posição do Brasil em relação aos Brics, cuja sede fica na cidade chinesa, o que reforça a natureza comercial e política da visita. "Essa, sim, mudou bastante. Na gestão Bolsonaro, o bloco Brics não foi tratado como uma prioridade. Lula tem repensado isso. E a gente deve ver a ex-presidente Dilma Rousseff assumindo a presidência da instituição. Nessa comitiva, também viajam uma série de empresários e políticos, portanto, essa questão da Rússia-Ucrânia, que deve ser tangencial, não é o foco prioritário dessa viagem", complementa.

Wagner Parente, consultor em relações internacionais, também considera que Lula deverá focar mais em questões comerciais e de investimentos nas conversas com Xi Jinping. "O presidente deverá tratar do acordo com a BYD e a Ford na Bahia, além de outras áreas de cooperação. Em relação aos EUA, a diplomacia do PT foi sempre pautada pela independência e na altivez. Essa situação de se equilibrar entre as duas potências no momento deve ser uma tônica dos próximos quatro anos. Entendo que o Brasil vai ser o mais isento possível, tentando um diálogo com seus principais parceiros comerciais".

"Lula tentará trazer de lá compromissos mais concretos de investimentos, mas terá dificuldades para fazer isso, talvez promessas. Mas investimentos concretos acho difícil. A gente vê com algum ceticismo. Talvez novidade em relação ao banco dos Brics", reforça.

FRASE

O superavit comercial que o Brasil obtém nas suas exportações para a China é absolutamente crucial para equilibrar a balança de transações correntes do Brasil, que é cronicamente deficitária"
O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida


terça-feira, 13 de julho de 2021

Prioridades possíveis em uma administração racional (2006) - Paulo Roberto de Almeida

Quinze anos atrás, em julho de 2006, eu escrevia um texto chamado: 

Prioridades possíveis em uma administração racional

Figura como capítulo 2 de meu livro: 

Um contrarianista no limbo: artigos em Via Política, 2006-2009 


 Brasília, 26 dezembro 2019, 240 p. Nova coletânea em Edição de Autor, no formato Kindle (ASIN: B083611SC6). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/12/um-contrarianista-no-limbo-artigos-em.html) e na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/41459572/Um_contrarianista_no_limbo_artigos_em_Via_Politica_2019_). 

 Transcrevo aqui apenas a parte propositiva e remeto os interessados ao restante do artigo, como acima.

Paulo Roberto de Almeida


Escala de prioridades com o máximo de retorno social e econômico

 

1) Melhoria da qualidade da educação com gerenciamento eficiente dos recursos

     (a) alcançar a cobertura máxima de crianças escolarizáveis, entre 2 e 17 anos, o que implica ampliar a pré-escola e redimensionar a rede escolar espacialmente; concentrar recursos no básico (fundamental e médio) e no técnico-profissional;

     (b) ampliar a permanência escolar no ciclo fundamental público, estendendo o período de estudo efetivo na escola; vincular programas do tipo bolsa-escola aos programas de assistência social;

     (c) aperfeiçoar a formação dos professores dos ciclos infantil, fundamental, médio e técnico-profissional públicos, com incentivos financeiros segundo o desempenho, medido pelo aproveitamento efetivo do estudante (abolido o critério da aprovação automática); recursos de tecnologia de informação devem estar concentrados no professor e nos centros de documentação e bibliotecas das escolas;

     (d) mudanças curriculares de molde a reforçar o núcleo básico de estudos (língua nacional, ciências, matemáticas e estudos sociais), com opções de disciplinas suplementares disponíveis segundo os recursos apresentados, e decisão a ser tomada de forma descentralizada pelos conselhos de educação em nível municipal e associações de pais e mestres nos diversos centros escolares; 

     (e) eficiência na gestão escolar, com estímulos financeiros e funcionais em função da melhoria no desempenho (mais em escala relativa do que absoluta).

 

2) Melhoria dos padrões de saúde da população mais carente

     (a) ampliar a rede de serviços básicos de saúde, num sentido preventivo e educativo; integração dos serviços de saneamento básico para prevenir doenças infectocontagiosas e prover água de qualidade a todas as comunidades;

     (b) programa nacional de nutrição e alimentação, com seguimento das crianças, integrado aos serviços escolares; formação de recursos humanos em economia doméstica e produção local de alimentos; 

     (c) rede integrada de saúde familiar e de hospitais comunitários; equipes volantes permanentes para o controle das doenças transmissíveis e contagiosas; vigilância integrada das gestantes e crianças na primeira idade;

     (d) programas permanentes de riscos de gravidez – com ampla oferta de meios preventivos – e seguimento integral em casos de parto não desejado; programas integrados de abrigo e adoção de crianças;

     (e) melhoria da gestão das redes de saúde e hospitalar, para reduzir a corrupção e os desvios e aumentar a eficiência dos recursos disponibilizados; transparência total das despesas efetuadas, com seguimento integral das operações financeiras e transferências de recursos via Siafi, aberto ao nível das unidades.

 

3) Eficiência na gestão estatal, com redução da carga fiscal

     (a) Reforma tributária para a redução da carga total sobre o sistema produtivo, segundo programa progressivo em dez anos, com redução de dez pontos do PIB, sendo meio ponto a cada semestre;

     (b) Combate à corrupção no sistema público, por meio de redução ampla da mediação dos recursos pela via política e ampliação da transparência dos gastos públicos, com seguimento integral pela internet; elaboração e execução orçamentárias igualmente disponíveis na internet;

     (c) ampliação do sistema de parcerias público-privadas (PPPs), para o maior número possível de setores envolvidos nos serviços públicos (que não necessitam ser estatais); privatização de atividades que não sejam tipicamente estatais ou públicas;

     (d) consolidação da independência da autoridade monetária como guardiã exclusiva da estabilidade da moeda e da defesa do poder de compra da população;

     (e) ampliação e aprofundamento da legislação sobre responsabilidade fiscal, com desdobramento dos mecanismos preventivos de controle de desequilíbrios potenciais;

     (f) reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, redução dos gastos com os corpos legislativos federal, estaduais e municipais e da própria representação política, hoje superdimensionada; atribuição de diversas funções estatais a novas agências reguladoras independentes; início progressivo do fim da estabilidade no serviço público, com exceção de algumas carreiras de Estado, estritamente definidas; reforma do sistema judiciário para melhoria de sua eficiência.

 

4) Reformas microeconômicas para a melhoria do ambiente de negócios

     (a) ampla reforma trabalhista num sentido mais contratualista do que com base no diploma legal; eliminação do imposto sindical e da justiça trabalhista, com amplo recurso ao sistema arbitral e criação de varas especializadas na justiça comum;

     (b) redução da informalidade empresarial e trabalhista mediante reformas tributária, regulatória e burocrática; redução dos custos de transação impostos pelo Estado;

     (c) descentralização dos sistemas de compras públicas, com uso ampliado dos mecanismos eletrônicos de oferta, aquisição e controle dos gastos efetuados;

     (d) eliminação dos tratamentos diferenciados entre setores, de maneira a eliminar distorções e competição fiscal danosa aos orçamentos públicos e aos regimes tributários; 

     (e) ampliação da competição interna e externa, com eliminação de cartéis e setores oligopolizados, redução do protecionismo alfandegário e maior integração à economia mundial, com abertura ampliada aos investimentos estrangeiros.

 

5) Segurança pública 

     (a) reformulação dos aparelhos policial, penitenciário e de justiça, num sentido preventivo, repressivo e restaurativo;

     (b) diminuição da idade de imputabilidade legal;

     (c) redução dos casos de prescrição de pena e ampliação dos prazos;

     (d) integração do sistema preventivo com os mecanismos de assistência social e de incorporação escolar, para diminuir a delinquência juvenil e a criminalidade envolvendo crianças.

 (...)