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domingo, 21 de setembro de 2014

Eleicoes 2014: as mistificacoes, as mentiras, as falcatruas companheiras - Demetrio Magnoli

Basta uma palavra: delinquência política. Aliás, não só politica, criminosa também, pois misturada ao conjunto de maracutaias corruptas praticadas pelos marginais políticos.
Paulo Roberto de Almeida

Os perdedores
Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo, sábado, 20 de setembro de 2014

• O PT investe na indignidade e na difamação. Por isso, perdendo ou ganhando, já perdeu

A semente transgênica e o Código Florestal; a hidrelétrica e a licença ambiental; os evangélicos e os jovens libertários; o Estado e as ONGs; os serviços públicos e os tributos; a "nova política" e o Congresso; a política e os partidos; o PSB e a Rede. Na candidatura de Marina Silva, não é difícil traçar círculos de giz em torno de ângulos agudos, superfícies de tensão, contradições represadas. O PT preferiu investir na indignidade, na mentira, na difamação. Por isso, perdendo ou ganhando, já perdeu.

As peças incendiárias de marketing, referenciadas no pré-sal e na independência do Banco Central, inscrevem-se na esfera da delinquência eleitoral. A primeira organiza-se em torno de uma mentira (a suposta recusa de explorar o pré-sal), de cujo seio emana um corolário onírico (a "retirada" de centenas de bilhões de reais supostos e futuros da Educação). A segunda converte em escândalo um modelo que pode ser legitimamente combatido, mas está em vigor nos EUA, no Canadá, no Japão, na União Europeia, na Grã-Bretanha e no Chile --e que, no Brasil, surgiu embrionariamente sob Lula, durante a gestão de Henrique Meirelles.

Na TV, o partido do governo acusa a candidata desafiante de conspirar com banqueiros para lançar os pobres no abismo da miséria. O fenômeno vexaminoso não chega a causar comoção, pois tem precedentes. Contra Alckmin (2006) e Serra (2010), o PT difundiu as torpezas de que pretendiam privatizar a Petrobras e cortar os benefícios do Bolsa Família, ambas já reprisadas para atingir Marina. A diferença, significativa apenas no plano eleitoral, está na circunstância de que, agora, a ignomínia entrou no jogo antes do primeiro turno. A semelhança, por outro lado, evidencia que o PT aposta na ignorância, na desinformação, na pobreza intelectual --enfim, no fracasso do país.

Algo se rompeu quando eclodiu o escândalo do mensalão. Naquela hora, os intelectuais do PT depredaram a praça do debate político, ensinando ao partido que a saída era qualificar a imprensa como "mídia golpista" e descer às trincheiras de uma guerra contra a opinião pública. A lição deu frutos envenenados. O STF converteu-se em "tribunal de exceção", e os políticos corruptos, em "presos políticos". Os críticos passaram a ser classificados como representantes da "elite branca paulista" (se apontam as incongruências da "nova matriz econômica"), "fascistas" (se nomeiam como ditadura todas as ditaduras, inclusive as "de esquerda") ou "racistas" (se objetam às leis de preferências raciais).

O projeto de um partido moderno de esquerda dissolveu-se num pote de ácido que corrói a convivência com a opinião dissonante. Do antigo PT, partido da mudança, resta uma sombra esmaecida. As estatísticas desagregadas das sondagens eleitorais revelam o sentido da regressão histórica. A presidente-candidata tem suas fortalezas no Nordeste e no Norte, nas cidades pequenas e entre os menos escolarizados, mas enfrenta forte rejeição no Centro-Sul, nas metrópoles e entre os jovens. Não é um "voto de classe", como interpretam cientistas políticos embriagados com um economicismo primário que confundem com marxismo. É um voto do país que, ainda muito pobre, depende essencialmente do Estado. A antiga Arena vencia assim, espelhando um atraso social persistente.

Obviamente, a regressão tem causas múltiplas, ligadas à experiência de 12 anos de governos lulopetistas que estimularam o consumo de bens privados, mas não produziram bens públicos adequados a um país de renda média. A linguagem, contudo, ocupa um lugar significativo. O país moderno, cujos contornos atravessam todas as regiões, sabe identificar a empulhação, a mistificação e a truculência.

Na sua fúria destrutiva, a campanha de Dilma explode pontes, queima arquivos. O PT pode até triunfar nas eleições presidenciais, mas já perdeu o futuro.

sábado, 26 de abril de 2014

A marcha fascista sobre Brasilia - Demetrio Magnoli

Marcha sobre Brasília

Benito Mussolini comandou a Marcha sobre Roma, em 1922, para assestar o golpe final no frágil governo conservador italiano. A marcha fascista reuniu menos de 30 mil militantes, mas triunfou: sob o temor da guerra civil, e estimulado pela crença de que Mussolini salvaria a Itália dos sindicatos vermelhos, o rei Vittorio Emanuele III entregou ao Duce a chefia do governo. Hoje, o PT anuncia uma Marcha sobre Brasília para impor a sua versão de uma reforma política. O projeto tem o aval de Dilma Rousseff, expresso na declaração presidencial de que “é preciso uma conjuntura que envolva as ruas para pressionar o Congresso a fazer a reforma política”. A história se repete, obviamente como farsa. A farsa, contudo, esclarece muita coisa.
Um embrião do projeto veio à luz num artigo assinado pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, no fim de janeiro. Intitulado “Uma perspectiva de esquerda para o Quinto Lugar”, o texto elucubrava sobre as virtudes do modelo econômico chinês para, na conclusão, preconizar a convocação de “uma nova Assembleia Nacional Constituinte no bojo de um amplo movimento político inspirado pelas jornadas de junho”, mas “com partidos à frente”. Não era uma proposta de médio prazo, mas um chamamento à ação: “Penso que as esquerdas no país devem abordar programaticamente estas novas exigências para o futuro, já neste processo eleitoral”, escreveu Genro.
As palavras de Genro têm um sentido. Assembleia Constituinte é, por definição, o órgão que, concentrando a soberania popular, introduz um novo regime. Historicamente, ela nasce da falência do Estado — ou seja, do desabamento do “antigo regime”. Quando, porém, é o próprio governo que, em plena democracia, conclama o povo a exigir a mudança de regime, estamos diante de uma tentativa de concentração de poder cujo alvo são as liberdades públicas e os direitos políticos da oposição. Por sorte, Genro não fala em nome do governo (e, aliás, esse é o motivo pelo qual ele se dá ao desfrute de publicar desvarios autoritários dessa espécie).
O projeto petista de reforma não toca no alicerce do sistema de poder, que sustenta o atual sistema político-partidário: a colonização do Estado pelos partidos políticos
A mobilização anunciada pelo PT segue rota um tanto distinta. O partido prepara a coleta de 1,5 milhão de assinaturas para respaldar um projeto de lei de iniciativa popular articulado em torno das propostas de financiamento público de campanha eleitoral e voto em listas partidárias fechadas. No projeto petista, a “Assembleia Nacional Constituinte” cede lugar à curiosa ideia de uma “Constituinte exclusiva” destinada a legislar unicamente sobre a reforma política. A conclamação de Genro tinha uma certa coerência política: Assembleia Constituinte é, sempre e inevitavelmente, um órgão soberano, pois reúne os representantes eleitos pelo povo para produzir uma Constituição. A versão branda da Marcha sobre Brasília, por outro lado, equivale a inventar uma roda quadrada: uma Constituinte amputada de soberania, circunscrita a uma esfera de decisões desenhada pelo Executivo e pelo Congresso. É farsa — e um tanto ridícula.
A farsa, porém, tem a sua própria lógica. Por que, no 12º ano de poder, o lulopetismo proclama a urgência de uma ampla reforma política? A primeira resposta encontra-se no calendário eleitoral. Os estrategistas da reeleição de Dilma pretendem, por meio da Marcha sobre Brasília, colorir a campanha com as cores de um “mudancismo” ilusório, conectando-se de alguma forma com a vontade de mudança expressa nas jornadas de junho e registrada nas sondagens eleitorais. O sucesso do truque depende das reações — ou da ausência delas — dos candidatos oposicionistas.
A primeira resposta, entretanto, não perfura a película da questão. Segundo depoimento de uma militante, Dilma explicou a interlocutores de “movimentos sociais” que a reforma política “não é só uma questão de caneta”, pois “a maioria que ela tem no Congresso não é uma maioria em todos os temas”. As palavras da presidente têm um sentido. O lulopetismo almeja, efetivamente, um tipo singular de reforma política: a criação das regras mais propícias à cristalização de seu poder. A Marcha sobre Brasília é o instrumento escolhido para atemorizar os parceiros da santa aliança governista, dobrando-os à vontade do PT.
Os dois eixos da proposta petista de reforma política têm objetivos distintos. O financiamento público de campanha, que não exclui o recurso subterrâneo ao caixa 2, destina-se a libertar completamente os partidos da necessidade de arrecadar dinheiro junto à sua base eleitoral. Somado à manutenção do Fundo Partidário e do horário “gratuito” nos meios eletrônicos de comunicação, ele cristaliza a constelação de “partidos estatais” (que abrange os partidos de aluguel), funcionando como um escudo defensivo do conjunto da elite política. É, sobretudo, uma contrarreforma.
Já o voto em listas partidárias fechadas destina-se a reforçar o controle das direções partidárias sobre os representantes eleitos e, também, a ampliar o potencial eleitoral da sigla partidária com maior reconhecimento, que é o próprio PT. O principal prejudicado seria o PMDB, um partido-ônibus, heterogêneo e descentralizado, que congrega máquinas políticas estaduais. No cenário dos sonhos do PT, o parceiro privilegiado da coalizão de poder seria reduzido a um partido de porte médio, condenado a orbitar inerme, ao lado de outros, em torno da estrela vermelha.
Elucidativamente, o projeto petista de reforma não toca no alicerce do sistema de poder, que sustenta o atual sistema político-partidário: a colonização do Estado pelos partidos políticos. A oportunidade de conquistar frações valiosas do poder público — aparelhos ministeriais, empresas estatais, agências regulatórias — constitui o motor do sistema político brasileiro e, também, a fonte primária da corrupção estrutural no país. A Marcha sobre Brasília passará ao largo desse tema, que ocupa o lugar de um tabu no discurso falsamente reformista do PT.

sábado, 8 de março de 2014

Venezuela, Crimeia, Cuba, URSS, etc: ditaduras ordinarias sao sempre ordinarias - Demetrio Magnoli

A cena que Garcia viu
Demétrio Magnoli
Folha de S.Paulo, 8/03/2014

O 'povo valente' de Maduro não são os venezuelanos, mas apenas os chavistas. O ministro-fantasma ouviu

Temos dois ministros das Relações Exteriores. O ministro oficial, Luiz Alberto Figueiredo, não tem jurisdição na América do Sul, esfera de operação do ministro-fantasma, Marco Aurélio Garcia, que opera como plenipotenciário do presidente fantasma, Lula da Silva. Garcia assistiu, na Venezuela, às cerimônias governamentais que marcaram o primeiro aniversário da morte de Hugo Chávez. Ele viu, mas não falará.
Ele viu o desfile no Paseo de Los Próceres, a esplanada de Caracas delimitada por postes de iluminação situada no perímetro do Forte Tiuna e adornada por objetos esculturais de inspiração helenística que se abre para o monumento aos heróis da independência. Não foi exatamente um evento em memória ao caudilho "bolivariano", mas uma exibição do equipamento militar importado da Rússia e da China: caças Sukhoi, mísseis terra-ar, blindados T72. Nos discursos, entremeados por torrentes de palavras de ordem, Chávez foi mencionado como "comandante eterno", "nosso pai" e "líder supremo", enquanto a Venezuela ganhou a qualificação de "pátria socialista, revolucionária e majoritariamente chavista".
A nação, Garcia viu, é um movimento, um partido, um ponto de vista político, uma ideologia. Isso, porém, não passa de déjà vu. O novo é outra coisa, que Garcia também viu. O presidente Nicolás Maduro alertou que "somos um povo valente na defesa de nossos direitos" e --mensagem direta!-- insistiu em esclarecer o sentido de conjunto da performance em curso. Maduro disse que as tropas equipadas, as milícias armadas e os franco-atiradores treinados cumprem uma função política: estão ali para enfrentar "quem ouse se contrapor ao projeto cívico-militar". O "povo valente" de Maduro não são os venezuelanos, mas apenas os chavistas. Garcia viu e ouviu.
O conceito de "inimigo interno" tem história na América do Sul. À sua sombra, deflagraram-se os golpes militares no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai. Em nome do combate ao "inimigo interno", a Junta Militar promulgou o AI-5 e, entre tantos outros, Dilma Rousseff foi presa e torturada. A linguagem da "revolução bolivariana", expressa tanto em discursos oficiais como nos palanques dos comícios, estrutura-se em torno do mesmo conceito que sustentou as "ditaduras de segurança nacional". Garcia permaneceu calado. O governo brasileiro afunda-se na cumplicidade com um regime que, imitando Cuba, qualifica a divergência política como traição à pátria.
A Venezuela não é, ainda, uma ditadura: ditaduras não promovem eleições em cenários de liberdade partidária. Contudo, já não é uma democracia: democracias conservam a independência do Judiciário e não restringem a liberdade de imprensa. A ditadura nasce no solo da linguagem. Leopoldo López, uma destacada liderança da oposição, foi preso na onda de protestos sem nenhuma acusação específica: o governo substituiu o ônus de acusá-lo pela facilidade de insultá-lo, crismando-o como "fascista" e "incitador do ódio". Entidades de direitos humanos pedem a sua libertação; Garcia, não.
A linguagem importa. Numa entrevista em que criticou a "metodologia" de bloqueios de ruas dos protestos oposicionistas nos bairros de classe média do leste da capital, um líder opositor local de Catia, na periferia da Grande Caracas, ofereceu uma aula gratuita de ciência política aos jornalistas. Saverio Vivas disse que os "coletivos" (as milícias chavistas) servem, principalmente, para atemorizar a população das periferias pobres. Nessas periferias, também ocorrem manifestações. Mas, explicou Vivas, sob a intimidação dos "coletivos", os manifestantes apressam-se em qualificá-las como "sociais", não "políticas". Na Venezuela, "política" é para poucos: só pode ser feita pelo regime --e, ainda, mas cada vez menos, por opositores nos santuários de classe média. Isso é o que Garcia viu.


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sigam a Historia - o ultimo artigo de Demetrio Magnoli no Estadao

Tempos sombrios os que vivemos atualmente, com essas ameaças fascistas que, aliás, já se concretizaram em fascismo real em diversos setores da vida brasileira. O partido totalitário no poder pretende controlar todas as fontes de informação, moldar o pensamento dos brasileiros, monopolizar o processo político, com o fito de perpetuar-se no poder, e isso me parece claro, como deveria ser claro a todo cidadão consciente.
Apenas a luta dos democratas impedirá os celerados de consolidar o seu poder.
O artigo abaixo é um exemplo disso.
Persistamos, continuemos, resistamos.
Do meu quilombo intelectual...
Paulo Roberto de Almeida
Sigam a história!
DEMÉTRIO MAGNOLI
O Estado de S.Paulo - 10/10/2013

"Sigam o dinheiro", indicou o Garganta Profunda aos repórteres do Washington Post que terminariam por desnudar o rei, provocando a renúncia de Richard Nixon. Bob Woodward e Carl Bernstein sabiam que andavam sobre o abismo, mas persistiram na investigação, pois o editor do jornal lhes garantiu apoio. "Sigam a história, custe o que custar", teria dito Ben Bradlee. Dois meses atrás, o Washington Post foi vendido por meros US$ 250 milhões a Jeff Bezos, proprietário da Amazon. "Nós agora pertencemos a um cara tão rico que o jornal vale cerca de 1% de seu patrimônio líquido", disse um tristonho jornalista após o encontro da redação em que a família Graham comunicou o negócio. O episódio lança um jato de luz sobre a encruzilhada em que se encontra o jornalismo - e não só nos EUA.

John Milton pronunciou sua clássica defesa da liberdade de imprensa em 1644, quando surgiam os primeiros jornais modernos. Durante os dois séculos da "pré-história" do jornalismo, os jornais e a opinião pública configuraram um ao outro. Mas o jornalismo, tal como o conhecemos, nasceu em meados do século 19, com a primeira revolução da informação, propiciada pelo telégrafo. Antes dominados por textos de opinião, os jornais encheram-se de notícias - e firmaram-se como infraestruturas públicas das sociedades abertas. No 16 de abril de 1912, um dia depois do naufrágio do Titanic, milhares de pessoas aglomeraram-se diante das sedes dos jornais de Nova York, disputando edições extraordinárias com as notícias da tragédia.

Os Grahams renunciaram ao Washington Post, que controlavam desde 1933, depois de sete anos de prejuízos. A revolução da informação em curso tem efeitos opostos aos da revolução pioneira. A notícia tornou-se uma commodity, que já não paga o preço do papel de imprensa. O dinheiro deslocou-se das empresas jornalísticas para conglomerados de telecomunicações e de internet. Nos EUA, sob o pano de fundo de recuos gerais nas tiragens, na publicidade e na dimensão das redações, só o New York Times anuncia triunfos embrionários na árdua luta para se adaptar a um ambiente desafiador. O espectro da morte dos jornais ronda as sociedades - e provoca indagações sobre o futuro da democracia.

No Brasil a crise ainda é atenuada por uma expansão marginal das tiragens, mas o poder político tenta cavalgá-la para calar as vozes dissonantes. A paisagem salpicada de blogueiros chapa-branca que clamam pela censura em textos hidrófobos, circundados por banners da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, é apenas um sintoma superficial. O projeto de fundo não é censurar, mas sujeitar. O ex-ministro Franklin Martins, um destacado assessor de Lula, repete há anos, incansavelmente, uma ameaça velada. Os jornais, explica, só têm as alternativas de aceitar o "controle social da mídia" ou enfrentar mudanças regulatórias que permitiriam a aquisição das empresas jornalísticas por grupos bilionários fincados no mercado de telecomunicações. Bezos repetiu a célebre instrução de Bradlee, prometendo respeitar os valores do Washington Post. Não é prudente, porém, esperar o mesmo de outros magnatas pós-modernos - especialmente se operam concessões públicas.

Os jornais precisam mudar se pretendem sobreviver e resguardar sua independência. Um caminho é a revalorização dos textos de opinião. "Um bom jornal é uma nação dialogando com ela mesma", disse certa vez Arthur Miller. Na internet cada esquina funciona como um palanque autossuficiente de opinião. Só os jornais, porém, têm o condão de reunir os interlocutores numa mesma praça, que não tem compromissos com o poder de turno. Esse curioso retorno às origens da imprensa não representa, todavia, mais que uma decifração precária do enigma da era da internet.

Numa época de informação abundante, o Estado protege como nunca seus próprios subterrâneos. "Sigam a história": só o jornalismo possui as competências para desnudar o rei, expondo à luz do sol as vísceras dos governos. Edward Snowden procurou o Guardian e o Washington Post porque a denúncia da máquina de espionagem em massa da NSA precisava dos filtros e da credibilidade dos jornais. Uma investigação de O Estado de S. Paulo revelou nada menos que a montagem de um Estado paralelo, partidário, ilegal e clandestino, sob as asas do programa federal Minha Casa, Minha Vida. Sem jornalistas treinados, redações estruturadas e critérios éticos de apuração os cidadãos só conheceriam as notícias manufaturadas por marqueteiros e assessores de comunicação. O jornal, impresso no papel ou distribuído em versões eletrônicas, continua a ser uma infraestrutura pública indispensável à democracia.

Minha trajetória pessoal se enlaça em pontos diversos com a história do Estadão. No início da adolescência aprendi bastante sobre a natureza das ditaduras pelos vislumbres proporcionados em páginas do jornal preenchidas com trechos de Os Lusíadas. À época eu produzia fragmentos de textos mentais na tentativa de imaginar as linhas que, riscadas pelos censores, jaziam ocultas debaixo dos versos de Camões. Nos últimos sete anos, a cada duas semanas, sem uma única interrupção, experimentei o privilégio de assinar artigos nesta página. Foram 183 textos, o equivalente a um livro de 560 páginas, que agora se encerra. Os difamadores do jornalismo, em geral regiamente remunerados, espalham a lenda de que "liberdade de imprensa é liberdade de empresa". Eu testemunho que sempre escrevi exatamente o que quis - e, mais, que meus editores nunca souberam o que eu escreveria antes de receberem o artigo pronto.

"Sigam o dinheiro!", dizem os estrategistas do rei aos jornais, animados com a perspectiva de transferir essas infraestruturas públicas a conglomerados que orbitam em torno do governo.

"Sigam a história!", digo eu na despedida, repetindo aquele editor, que não tinha medo de cara feia

domingo, 4 de agosto de 2013

A grande farsa da reforma politica - Demetrio Magnoli

Da arte de iludir

2 de agosto de 2013 
Autor: Demétrio Magnoli
pequeno normal grande
Demétrio Magnoli - Instituto Millenium
Todos eles leram “O leopardo”, de Lampedusa. “Se queremos que as coisas permaneçam como sempre foram, elas terão que mudar” — o célebre conselho de Tancredi Falconeri a Don Fabrizio provavelmente não foi enunciado explicitamente na reunião de Dilma Rousseff com os líderes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), mas uns e outros sabiam que era disso que se tratava. A presidente declarou-se simpática à proposta de reforma política, mas não chegou a anunciar um apoio público, algo que “não interessa” ao movimento, segundo o juiz Márlon Reis. O patrocínio oficial ficou, assim, fora dos autos.
Nas ruas, em junho, gritaram-se as palavras “educação” e “saúde”, não “reforma política”. Contudo, o governo concluiu, razoavelmente, que o sistema político em vigor tornou-se insuportável — e resolveu agir antes que uma nova onda de manifestações se organize sob a bandeira de “Fora Dilma”. Os ensaios sucessivos da constituinte exclusiva, uma flagrante inconstitucionalidade, e do plebiscito, uma tentativa quixotesca de cassar as prerrogativas do Congresso (o que se traduz, hoje, na prática, como prerrogativas do PMDB) evidenciaram o desespero que invadiu o Planalto. É sobre esse pano de fundo que surgiu, como derradeira boia de salvação, a iniciativa do MCCE. Tancredi está entre nós.
Antes das manifestações de junho, só o PT tinha uma proposta completa de reforma política. Nos sonhos petistas, o anárquico e corrompido sistema atual evoluiria em direção a algo mais consistente — e ainda mais impermeável à vontade dos cidadãos. O financiamento público de campanha concluiria o processo de estatização dos partidos políticos, que se tornariam virtualmente imunes ao escrutínio popular. O voto em lista fechada concentraria o poder nas mãos das cúpulas partidárias, rompendo os tênues vínculos ainda existentes entre os eleitores e seus representantes. No fim, surgiria uma partidocracia cortada segundo os interesses exclusivos do partido dotado da máquina eleitoral mais eficiente.
O projeto petista, que já esbarrava na resistência do restante da elite política, tornou-se inviável depois do transbordamento das insatisfações populares. No lugar dele, o Planalto inclina-se em direção ao artefato lampedusiano produzido no forno do MCCE. O primeiro componente da proposta, sobre o financiamento de campanha, é um tímido aceno às ruas. O segundo, sobre o sistema eleitoral, é uma versão levemente modificada do projeto petista do voto em listas fechadas. Os autores da proposta têm bons motivos para temer que lhes colem o rótulo de companheiros de viagem do governo.
O sistema eleitoral atual é uma triste caricatura de democracia representativa


Dentro da ideia do financiamento público de campanha pulsa um coração totalitário. Sob a sua lógica, os partidos se libertariam por completo da necessidade de persuadir as pessoas a financiá-los. Pela mesma lógica, eu seria compelido a pagar as campanhas de figuras arcaicas restauradas pelo lulopetismo (Sarney, Calheiros, Collor, Maluf), de pastores fanáticos que sonham incendiar bruxas (Feliciano), de oportunistas sem freios atraídos pelas luzes do poder (Kassab, Afif), de saudosistas confessos do regime militar (Bolsonaro) e de stalinistas conservados em formol que adoram ditaduras de esquerda (quase todos os candidatos do PT, do PCdoB e do PSOL). O MCCE rejeitou essa ideia macabra, associando sensatamente o financiamento de campanha à capacidade dos partidos de exercer influência sobre cidadãos livres. Entretanto, curvando-se aos interesses gerais da elite política, a proposta não toca nas vacas sagradas do sistema em vigor: o Fundo Partidário e o tempo de televisão cinicamente qualificado como gratuito.
O sistema eleitoral atual é uma triste caricatura de democracia representativa. Soterrados sob listas intermináveis de candidatos apresentados por dezenas de siglas partidárias e ludibriados pelo truque imoral das coligações proporcionais, os eleitores operam como engrenagens da máquina de reprodução de uma elite política bárbara, hostil ao interesse público. A alternativa petista do voto em listas fechadas corrompe a representação de um modo diverso, mas não menos doentio, conferindo aos chefes dos partidos o poder extraordinário de esculpir a composição do parlamento.
A proposta do MCCE envolve a alternativa petista num celofane ilusório, sem modificar o seu cerne. Os partidos seriam obrigados a realizar prévias internas fiscalizadas pela Justiça Eleitoral para selecionar seus candidatos, o que configura uma interferência antidemocrática na vida partidária. Numa primeira etapa, os eleitores votariam apenas nos partidos. Depois, na etapa derradeira, votariam em nomes constantes de listas com duas vezes mais candidatos que as vagas obtidas na etapa anterior. A valsa complexa conserva o poder de decisão essencialmente com os dirigentes dos partidos, mas distribui alguns doces aos eleitores. O Planalto e o PT entenderam o sentido da obra — que, por isso mesmo, deve ser descrita como “apartidária”.
Uma ruptura democrática seria a adoção do sistema de voto distrital misto. Nos Estados Unidos e na França, a disputa entre apenas um candidato de cada partido em circunscrições eleitorais delimitadas transfere o poder de decisão para os eleitores e provoca nítidas polarizações ideológicas. Sob a sua lógica, os partidos são estimulados a lançar candidatos capazes de sobreviver ao escrutínio direto do público. E, ao contrário do que argumentam os arautos do voto proporcional exclusivo, os candidatos não podem se apresentar como “deputados-vereadores”, pois a dinâmica da disputa majoritária os compele a associar seus nomes às posições doutrinárias de seus partidos.
O MCCE, porém, parece avesso à ideia de uma mudança genuína. “Precisamos do apoio de todas as forças políticas na hora da aprovação no Congresso”, explicou Márlon Reis, o Tancredi disponível na esteira da tempestade de junho.
Fonte: O Globo, 01/08/2013

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