Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Ação bilionária contra Vale em Londres tem ajuda dentro do Palácio do Planalto
Cláudio Humberto
Enquanto o governo negocia com Vale e BHP o valor da indenização relativa ao desastre de Mariana, o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Manoel Caetano Ferreira Filho, tem auxiliado a banca Pogust Goodhead (PG) para que o acerto pelos danos causados no Brasil seja pago via justiça de Londres, que pode render obesas comissões. Ferreira Filho, que defendeu Lula na Lava Jato e o visitava na prisão, não deve ver conflito de interesse em sua conduta.
Fundos abutres
Comissões de éticas examinariam com lupa servidor aliado a um projeto de interesse de fundos abutres caçadores de desastres pelo mundo.
Torcida pelo exterior
Ferreira Filho chegou a declarar que os tribunais do Reino Unido seriam mais apropriados que os brasileiros para resolver a celeuma ambiental.
Caminho das pedras
Thomas Goodhead, CEO do PG, tem portas abertas: acompanhado de Ferreira Filho, até visitou o gabinete do Procurador-Geral da República.
Ferreira Filho confessa que trabalha para britânico PG
O presidente da Comissão de Ética da Presidência da República respondeu aos questionamentos da coluna apenas duas horas após o fechamento. Em seus esclarecimentos, o advogado que participou da defesa de Lula na Lava Jato confessa que, de fato, trabalha para o escritório britânico de advocacia PG, que tenta faturar indenização bilionária da Vale na Justiça do Reino Unido. Leia a íntegra das alegações de Ferreira Filho: "Em resposta ao seu pedido feito à Comissão de Ética Pública, presto os seguintes esclarecimentos: 1. Os membros da Comissão de Ética Pública ocupam CARGO HONORÍFICO, SEM REMUNERAÇÃO, que não os impede de continuarem exercendo normalmente suas respectivas profissões de origem; 2. Os membros da Comissão de Ética Pública não exercem cargo abrangido pela legislação específica que exija consulta prévia à própria Comissão para o exercício regular de suas respectivas profissões de origem, ficando impedidos de atuarem nos processos em que houver interesse de pessoas com quem mantenham relações profissionais; 3. Não compete, portanto, à CEP autorizar ou impedir que seus membros continuem a exercer regularmente suas atividades profissionais; 4. Por tais razões, eu, como os demais membros da CEP, não preciso consultá-la previamente para continuar exercendo normalmente minha profissão, desde que não gere situação caracterizadora de conflito de interesses; 5. Faço parte da equipe do escritório Pogust Goodhaed, assessorando-o quanto ao Direito Material Brasileiro, aplicável ao processo que tramita perante a Justiça Inglesa, em que as vítimas do desastre de Mariana pleiteam indenização dos danos que sofreram."
O comportamento do presidente Lula (PT) comprometido com ditadores condenados em todo o mundo e até com o terrorismo do Hamas, acionou o alerta para diplomatas que participam da organização do encontro dos países do G-20, previsto para novembro, no Rio de Janeiro. Chefes de Estado e de Governo, que em geral participam dessas reuniões, dão sinais de que podem designar prepostos para que os representem, sejam vice-presidentes, ministros das relações exteriores ou diplomatas.
Fugindo da foto
O temor é que a presença dos dignitários não se confunda com apoio ao discurso inaceitável de Lula, na contramão do mundo democrático.
Passando pano em Putin
Lula tem enfiado o pé na jaca, em suas declarações, começando por ofender os europeus ao relativizar a invasão russa na guerra da Ucrânia.
Passando pano no Hamas
O petista também envergonhou o Brasil deixando de condenar as atrocidades do Hamas em Israel e até recebendo elogios dos terroristas.
Passando ano em ditadores
Lula provocou onda de protestos indignados ao avalizar amigos ditadores como Nicolás Maduro (Venezuela) e Daniel Ortega (Nicarágua).
Numa noite dessas, José Bonifácio desceu de seu pedestal de estátua, no Largo de São Francisco de Paula, e foi visitar o imperial e real Pedro I, na Praça Tiradentes. Este desceu do cavalo, olhou ao redor com muita saudade, e foi logo perguntando ao seu antigo ministro notícias sobre as festas que tanto admiravam.
– Qual o que, Majestade! Nem o Barão do Rio Branco, o Juca, consegue! Atualmente só temos notícias da tal pandemia e da confusão instalada no país e tem mais, coisa alguma encontro em que se fale de nós, da Independência ou do Projeto de Nação.
Pedro I retrucou:
– Bonifácio, este país nasceu envolto em complicações diplomáticas. A esta nossa terra privilegiada da natureza pode ser aplicado o conto onde a despeito de não haver sido convidada para o batizado de uma criança, uma Fada raivosa propõe-se frustar todos os mimos que lhe fizeram as boas fadas. Terás grandeza, formosura opulência, glória mesmo – exclamaria ela – mas não terás descanso, porque serás alvo de constantes ambições territoriais e o pasto de contínuos conflitos militares, roubos, fraudes, maracutaias e gigantescas trapalhadas políticas.
A esta altura, Bonifácio interrompeu Pedro I e falou:
– Majestade, peço perdão, olha quem vem por ali na Rua 7 de setembro. É o Lima Barreto e o Machado, vou chamá-los.
– E aí Lima, quais são as novidades? E você Machado, qual a pressa?, perguntou Pedro I.
– Pedrinho, o Maneco perdeu o vapor Hermes para Campos e vai nos encontrar para um papo com paraty na Ouvidor, vamos?, falou Lima.
– Qual o quê Lima, Sua Majestade Imperial e o Ministro Bonifácio têm mais o que fazer! De mais, vou contar a aventura para chegar aqui vindo do Cosme Velho, poderou Machado.
– O progresso, Majestade, o progresso, a tecnologia!
Bem, subi no bonde puxado por dois burros, um à esquerda e outro à direita do condutor. Notei que os burros conversavam, mas ora o da direita ora o da esquerda levantava o tom de voz. E eu ali, sentado, cabreiro, aborrecido, mas prestando muita atenção e tentando a todo custo entender o que os burros falavam. Sim, a primeira coisa foi identificar que a língua comum era o Houyhnhnm.
Bem, os assuntos eram burrices o tempo todo e nada fazia sentido. Já na altura da Lapa, consegui me libertar deste suplício burrificante e, ao olhar para a frente, vi um bonde, já bem distante, com tração elétrica, mas este já ia bem mais acelerado e o perdi de vista. O condutor do bonde, falando uma língua que nem eu nem os burros entendíamos, balbuciou algo, mas como já estava na Carioca, nem perdi meu tempo e saltei do bonde.
A esta altura e já faminto, Lima exclamou:
– Pedrinho e Zé Bonifácio, me deêm licença porque uma bela mesa e prosa nos aguardam; vamos Machado que o Maneco, o Oliveira Lima, a Júlia Lopes e a Maria Laura nos esperam. Até outro dia, Pedrinho e Zé!
– Feliz o Lima com sua leveza e coitado do Machado que perde tempo e o bonde da história, do progresso, da tecnologia e da mais importante reforma que é a abertura econômica enquanto tem que aturar burros da esquerda e da direita falando a mesma língua Houyhanhnm e um condutor do bonde ininteligível. Bonifácio, sabe de uma coisa? Não faço mais “independências”, fui!
E José Bonifácio e D. Pedro I, às vésperas do aniversário de 200 anos da Independência do Brasil, voltaram para suas estátuas no Largo de São Francisco de Paula e na Praça Tiradentes.
(Texto ficcional adaptado de obras dos geniais Lima Barreto, Machado de Assis e Manoel de Oliveira Lima)
Luiz Henrique de F. Carneiro, empresário e economista, é formado na FEA/UFRJ, PUC/RJ e Universidade de Chicago. Seu e-mail: luiz.henrique@lvcinvestimentos.com
Há pouco mais de um mês na chefia do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Alberto França exorcizou de nossa diplomacia os discursos e as condutas excêntricas que muitos danos vinham causando ao País no cenário internacional.
Nesse curto espaço de tempo, França conseguiu reconduzir nossa política externa ao curso seguro do pragmatismo, do equilíbrio e do bom-senso. É conquista a ser comemorada, em particular por estar tendo lugar num governo ideologizado, propenso a excessos, inclusive verbais, contra países e dirigentes estrangeiros.
É o Brasil que ganha quando o comando do Itamaraty não é entregue a cabos eleitorais de alas ideologizadas dos extremos de nosso espectro político-partidário, cuja conduta não raramente é lesiva ao verdadeiro interesse nacional.
Nos governos do PT, poder desmesurado foi concedido a Marco Aurélio Garcia – para alguns, o chanceler “de fato” no período – que desmantelou relacionamentos tradicionais e estabeleceu alianças capengas com governos ideologicamente afins, em alguma medida às custas do escancaramento dos cofres públicos.
Nos primeiros dois anos e três meses do Governo Bolsonaro, a condução da política externa foi também dividida com o Palácio do Planalto, no caso com Felipe Martins, o especialista internacional do PSL. O chanceler Ernesto Araújo foi um “yes-man”. Adepto fervoroso do olavismo, mais será lembrado pelos discursos obscuros que proferiu do que por seja lá pelo que tenha feito.
Nesta quinta-feira (6) o novo Chanceler fará exposição na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Deverá reforçar as posições de equilíbrio e sensatez que foram as características de sua recente apresentação na Câmara dos Deputados. A conferir.
Pedro Luiz Rodrigues, diplomata e jornalista. Foi porta-voz do Itamaraty e diretor da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo.
Nos últimos dois anos, numa série de artigos no Diário do Poder, venho abordando a ação estabanada e imprudente do governo do Presidente Jair Bolsonaro na esfera da política externa. Primeiro, manifestei estranheza sobre algumas das prioridades estabelecidas para essa área; depois, fui contra o descalabro na condução de nossa diplomacia, com o Presidente, seus filhos e ministros de Estado, que como uma banda enfurecida passaram a disparar mensagens vazadas em termos absolutamente inaceitáveis contra países tradicionais parceiros do Brasil. Finalmente, perguntei-me para onde tinham ido o pragmatismo e a responsabilidade que sempre foram nossa marca registrada na atuação externa.
Políticas externas às quais faltam pé e cabeça e atuação diplomática capenga agridem a memória do País, cuja sociedade, ao longo de quase dois séculos de vida independente, acostumou-se a ter no Itamaraty um farol-guia nos momentos mais conturbados da vida internacional. Em períodos críticos o Itamaraty usou da imprensa para informar e orientar a opinião pública, tendo mesmo o Barão do Rio Branco atuado como comentarista regular.
Atrelamentos incondicionais a qualquer país não fazem parte da sabedoria e dos bons costumes da diplomacia brasileira, pela razão óbvia de que nos diminui a margem de manobra para a defesa de nossos interesses. Por isso, em fevereiro de 2019 alertava para a necessidade de que o ‘relacionamento carnal’ (tomando de empréstimo a expressão argentina) com os Estados Unidos não prejudicasse nossas boas relações com outras partes do mundo.
Disse, então, que não era razoável se pensar que os interesses do Brasil seriam sempre coincidentes com o dos Estados Unidos, uma potência com interesses estratégicos globais, e que deveríamos, portanto, “fazer o que sempre soubemos fazer com muita competência: atuar com serenidade na arena internacional, buscando identificar e defender nossos interesses, sem estardalhaço, sem vínculo a ideologias disparatadas e sem a excessiva falação de nossas autoridades, o que tem mais atrapalhado do que ajudado” .
No ano passado, em maio, quando já a Covid-19 conquistara o mundo, apontei reações no quadro internacional que dificultavam a indispensável colaboração global para o combate da pandemia. Países como o Brasil, escrevi então, deveriam agir com cautela: “Temos interesses concretos em manter um bom relacionamento com a China, não apenas nosso principal parceiro comercial, mas também o parceiro com o qual obtemos um superávit comercial grande o suficiente para cobrir o déficit da conta de serviços em nossa conta corrente da balança de pagamentos”.
Quando a diplomacia de um país busca definir o que seja o interesse nacional, para estabelecer sua agenda externa, atentará em particular aos aspectos de natureza econômica e comercial. Outros vínculos podem e devem ser considerados – estratégicos, de segurança, culturais, históricos, políticos -, mas raramente serão decisivos, em particular para países emergentes como o Brasil.
Para infelicidade nossa, do Brasil, repetiu-se no governo Bolsonaro uma distorção que começou nos governos do Partido dos Trabalhadores. Deixou-se de lado uma avaliação realista de nossos verdadeiros interesses, aceitando-se que as prioridades de política externa fossem ditadas por alguns poucos ideólogos, cuja reflexão esteve contaminada pelos paradigmas dos extremos do espectro político. Os primeiros, excessivamente encantados com Cuba, os últimos, enfeitiçados pelos Estados Unidos.
Foram, portanto, cerca de 15 anos desperdiçados na esfera internacional, por não terem servido aos verdadeiros interesses do País, cuja população de cerca de 210 milhões de habitantes aspira pelo crescimento economia e por melhores oportunidades e condições de vida. Não foi o que se conseguiu com a cartilha ultrapassada de Marco Aurélio Garcia – o chanceler de fato nos governos Lula e Dilma –, nem com as ideias heterodoxas e obscurantistas, já no governo Bolsonaro, da dupla Olavo de Carvalho e Ernesto Araújo. No interregno, governo tampão de Temer, tivemos uma diplomacia em banho-maria.
Diplomatas, e em particular os Ministros de Estado das Relações Exteriores, existem para orientar os Presidentes da República na definição e condução da política externa. Deles, dos Chanceleres, espera-se que tenham bom-senso, equilíbrio, discernimento e, é bom que se ressalve, uma boa dose de altivez. Um Chanceler, como sabem todos os terceiro-secretários (classe inicial da carreira) não pode aceitar ser mera decoração de vitrina, um pau-mandado. Um Ministério como o Itamaraty simplesmente não pode servir de joguete nas mãos de pessoas que não conheçam e respeitem suas tradições, nem partir para aventuras como a que agora se concluiu com a saída de Donald Trump da Presidência nos EUA.
Como intelectual, Olavo de Carvalho, pode pensar e dizer o que bem quiser. Cabe ao funcionário graduado, que exerce a função de mando na Chancelaria, separar o joio do trigo, buscando sempre auscultar a sociedade para o estabelecimento da rota e eventuais correções de curso, sob o risco de se perseguir uma política externa desconjuntada. Foi isso que aconteceu, embarcou Ernesto na canoa de Olavo. E é por isso que surge o clamor pela destituição de Ernesto Araújo.
Não foi por falta de aviso e bom conselho que o Brasil do presidente Bolsonaro chegou, em termos de relações internacionais, à patética situação de isolamento em que hoje se encontra. Com o fim da era Trump – cujas extravagâncias e desatinos desorganizaram o mundo -, perdeu nosso Presidente a muleta única que ainda lhe dava a sensação de alguma relevância no cenário externo.
Ao longo dos últimos dois anos, sem razão que o justificasse, Bolsonaro, seu chanceler e outros de seus próximos, não apenas desprezaram duzentos anos de boa tradição diplomática, mas também os guias mais elementares de boas maneiras. Se ‘tweeteres’ podem produzir efeitos momentâneos na esfera da política interna, seu uso não se coaduna com o decoro e a reflexão exigidas nas relações internacionais.
Não deixa, portanto, de ser irônico que os Estados Unidos – país ao qual o governo Bolsonaro atribuiu quase exclusiva prioridade, e em relação ao qual adotou uma postura de veneração, quase de subserviência – tenha perdido muito de sua importância efetiva para o Brasil, como aconteceu nos últimos dois anos. Ainda que no período os EUA tenham continuado a ser nosso segundo principal parceiro comercial, com só fizemos perder espaço. Os níveis do comércio bilateral têm diminuído acentuadamente e com os Estados Unidos continuamos a ser deficitários balança do comércio e, principalmente, na de serviços.
Sem justificativa, guiados apenas pelos impulsos heterodoxos de Olavo de Carvalho e Ernesto Araújo, o governo e alguns de seus adeptos, descuidaram de tratar com correção parceiros tradicionais do Brasil, que em muitos casos foram esnobados, ignorados ou ofendidos. Não foi, também, ideia razoável a de acompanhar a marcha de Trump na crítica e distanciamento de entidades multilaterais, âmbito no qual os países que não são potência utilizam para defender seus direitos e aspirações.
Pedro Luiz Rodrigues, embaixador aposentado, é jornalista. Foi diretor da Sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo.
De princípio quero deixar registrado meu agradecimento à jornalista e professora Rose Esquenazi pelo amável convite para integrar esta mesa ilustre que hoje se reúne no Midrash, sob a condução do rabino e escritor Nilton Bonder, para lembrar a bela vida e a obra singular de um dos mais criativos, corajosos e produtivos intelectuais do Brasil moderno, Alberto Dines, com quem tive a grata satisfação de conviver e dialogar, e cuja personalidade e contribuição cultural ao país considero da maior relevância. Saúdo a todos os presentes, em especial Norma Couri, a grande companheira e colaborada de Dines, a quem envio o meu abraço solidário.
Conheci Alberto Dines em 1981, nos meses que antecederam a publicação de MortenoParaíso, sua admirável biografia de Stefan Zweig. Nosso primeiro encontro se deu na sede da Editora Nova Fronteira, que funcionava à época numa confortável casa na Rua Maria Angélica, no Jardim Botânico. Eu era então uma espécie de escriba da editora, responsável pela elaboração dos textos de orelhas dos livros, do material de divulgação e de entrevistas com os autores, a serem distribuídas para os jornais de todo o país. Assim, li a biografia de Zweig ainda em provas.
Numa manhã em que Dines foi à editora, às vésperas do lançamento, me apresentei a ele, disse qual era a minha função na casa, e pedi para conversarmos por alguns minutos. Eu queria me certificar sobre detalhes da passagem de Zweig pelo Brasil para então finalizar a redação do material de imprensa. Dines mostrou-se muito atencioso, respondeu às minhas perguntas pacientemente, e ficou contente ao perceber que eu lera com cuidado o seu livro. Quando lhe disse que estava entusiasmado com sua biografia de Zweig, e que tinha certeza de que ela seria um sucesso, Dines fez cara de feliz, agradeceu com um riso que me pareceu revelar também alguma timidez, e me deu um rápido abraço. Esse gesto fraterno me sensibilizou. Constatei ali, de imediato, estar diante de um ser afável, predisposto à amizade, e essa minha primeira impressão só se confirmou no decorrer do tempo.
A noite de autógrafos, na Livraria Xanam, no Shopping Cassino Atlântico, no final da Av. Atlântica, em 16 de novembro de 1981, uma segunda-feira, foi das mais movimentadas do ano. Pedro Paulo de Sena Madureira, o editor, e Sérgio Lacerda, o dono da Nova Fronteira, não escondiam a alegria com a receptividade ao livro do ex-editor-chefe do Jornal do Brasil. Vale lembrar que este saiu junto com a biografia de Maria Antonieta por Zweig, pois Dines convencera Pedro Paulo a reeditar o autor, cujos livros, naquele momento, só se encontravam em sebos, nas antigas edições que Abraão Koogan, seu primeiro editor no país, fizera na Editora Guanabara.
Semanas antes do lançamento de MortenoParaíso, esteve na Nova Fronteira o ensaísta e diplomata José Guilherme Merquior, meu amigo e editado da casa. Como Dines, por coincidência, estava lá, Sérgio Lacerda nos levou para a sala dele, mandou chamar Pedro Paulo, pediu que trouxessem café, e lá ficamos um bom tempo conversando sobre coisas da política e da literatura. Merquior demonstrou imediato interesse pelo livro de Dines, e logo depois Pedro Paulo fez chegar a ele uma cópia. Merquior escrevia então, semanalmente, no Jornal do Brasil, mas durante o encontro a que me refiro nada disse sobre resenhar ou não a biografia escrita por Dines. No entanto, dias depois, por telefone, me contou que “talvez” escrevesse algo a respeito, o que efetivamente acabou por fazer: em 29 de novembro, um sábado, publicou o artigo “Zweig: uma estética da existência”, onde ressaltava o acerto da perspectiva narrativa adotada pelo mais recente biógrafo do prolífico escritor vienense:
Stefan Zweig.
“MortenoParaíso, a (retro) ‘reportagem humanista’ de Alberto Dines sobre os últimos anos de Stefan Zweig (1881-1942), contrasta com argúcia um mito, a utopia do trópico-eldorado, com uma vivência facilmente miticizada: o desespero do intelectual europeu, e sobretudo judeu, diante do holocausto nazi. (…) Uma das qualidades do biografismo humanizado mas não demagógico de MortenoParaíso é a crônica isenta dos mal-entendidos entre a cautela do refugiado Zweig, hóspede de um Estado Novo ainda indeciso entre o Eixo e a causa aliada, e a nossa esquerda da época, ‘cobrando’ do escritor atitudes mais combativas. No Brasil, Zweig permaneceu apolítico – mas isso não o impediu de defender sua raça, não o fez esquecer que devia o primeiro empurrão de sua carreira literária ao fundador do sionismo, seu conterrâneo Theodor Herzl”.
Esse foi apenas o primeiro artigo de peso a ressaltar a novidade e a abrangência da pesquisa empreendida por Dines. Muitos outros viriam a seguir. Em sucessivas edições, sempre revistas, MortenoParaíso, já editado inclusive na Alemanha, firmou-se como um livro essencial sobre Zweig, além de contribuir para aproximar as novas gerações de sua obra e iluminar o entendimento de como se processaram as relações do Estado Novo com muitos intelectuais e escritores.
Foi, portanto, no contexto do lançamento de MortenoParaíso, adaptado para o cinema pelo diretor Sylvio Back, que se alicerçou a minha camaradagem com Alberto Dines. Desde então, pelo fato de morarmos em cidades diferentes, nossos encontros pessoais ocorreram de forma espaçada, mas, valendo-me do telefone, pude conversar com Dines inúmeras vezes, e com ele trocar informações sobre livros, pessoas que conhecíamos, autores que admirávamos; livros que acabavam de sair e outros, esgotados, que ele achava que mereciam ser reeditados; projetos que estava desenvolvendo, artigos que tinha urgência em localizar; autores que eu publicara e ele queria entrevistar (um deles, o delegado Cláudio Guerra, de quem editei um depoimento estarrecedor sobre ações de extermínio de pessoas durante o regime militar), livros que eu lhe enviava.
Posso afiançar, sem exagero, que de todas essas conversas saí com o sentimento de que Dines era incansável, tanto pela variedade de suas leituras quanto pela capacidade de trabalho. A seriedade intelectual do nosso homenageado, seu entusiasmo pelos grandes temas do espírito, o conhecimento que possuía não só do seu métier profissional, o jornalismo, mas também da saga do judeu no mundo, com destaque para o modo como se processou no contexto ibérico e espanhol, sem o que ele não teria escrito uma obra da envergadura de Vínculosdefogo, deixava evidente a solidez de seus conhecimentos, sua curiosidade omnívora, e o volume de informação que possuía a respeito da produção da mais recente scholarship sobre os temas de seu interesse. Os primeiros versos de “Operário da palavra”, poema do grego Yiánnis Ritsos, caberiam bem como epígrafe de uma futura e necessária biografia de Dines: “Trabalhou a vida toda duramente, incondicionalmente/com ardor, com arrebatamento, quase com fé na/ imortalidade…”
Aciono a máquina da memória e ouço a voz de Alberto Dines me contando de suas frequentes conversas, na sede do CorreiodaManhã, com o ensaísta Otto Maria Carpeaux, a quem tanto admirava, e cujos ensaios editei; lembro também da tarde em que me falou com entusiasmo da obra de Elias Lipiner (1916-1998), para ele o “seu mestre”, me convocando a ler Os baptizados em pé: estudos acerca da origem e da luta dos Cristãos–novosemPortugal (1998); depois que cumpri a tarefa, ele me passou o telefone desse grande historiador nascido na Ucrânia, então morando em Israel, para que eu ligasse para ele, o que de fato fiz. Na verdade Dines estava preocupado com o desânimo que parecia rondar o amigo, e imaginou que receber um telefonema de tão longe, de alguém falando com apreço de sua obra, possivelmente o animaria. A meu ver, essa atitude expressa bem o sentimento de solidariedade, a vocação para o diálogo, o pendor analítico, a disponibilidade para a compreensão do outro que animou seu trabalho como biógrafo, especialmente em relação a Zweig e ao dramaturgo Antônio José da Silva, o Judeu, queimado pela Inquisição em 1739.
Um tema recorrente em nossas conversas era a contribuição judaica à cultura universal. Sempre procurei me informar a respeito dela, e Dines era um especialista, de modo que eu o consultava sempre. Diversas vezes conversamos sobre Gershom Scholem, o grande estudioso da mística judaica, amigo de Walter Benjamin, autor, entre outros, de SabataiTzvi: O MessiasMístico, um livro apaixonante, erudito, que exigiu anos de pesquisa, e que pensávamos deveria ser levado ao cinema. Falamos também de Uriel da Costa, Spinoza e Heine, de seus dramas pessoais, e da relação conflituosa que mantiveram com a tradição intelectual de seu povo. Trocamos informações sobre Américo Castro e Claudio Sanchez-Albornoz, que se enfrentaram numa polêmica de anos a respeito da contribuição judaica e moura à formação da identidade espanhola.
Pouco depois de ver em DVD o filme O Golem, de Carl Boese e Paul Wegener, comentei sobre ele com Dines sem saber que havia começado no jornalismo como crítico de cinema. Ele não só o conhecia como recordou várias cenas. Tempos depois retornou ao assunto, pois tinha lido uma resenha elogiosa de uma obra de Moshe Idel sobre o Golem, e me recomendou que a adquirisse. Recordo ainda da afeição que dedicava a escritores como Isaac Bashevis Singer e Joseph Roth, e, por fim, que foi ele, que se via como judeu laico, quem me falou pela primeira vez, com franco entusiasmo, da edição do primeiro volume do Zohar, com tradução e comentários de Daniel C. Matt, que acabara de sair pela Stanford University Press.
O legado intelectual de Alberto Dines é imenso. As ideias inovadoras que pôs em prática nos jornais e revistas que dirigiu, a ação pedagógica por ele exercida como professor nos muitos cursos de jornalismo e comunicação que ministrou por décadas, os programas de televisão que idealizou e apresentou, entre eles o “Observatório da Imprensa” e “O Canto dos Exilados”, a organização da coleção contendo as 175 edições do CorreioBraziliense, de Hipólito José da Costa, lhe garantem um lugar de destaque na história de nossa imprensa. Os muitos livros que escreveu, e que incluem também ficção, suas inúmeras contribuições em obras coletivas – com destaque para Os idos de março e a queda em abril, de 1964 – testemunham a enorme capacidade de trabalho, a agudeza de sua sensibilidade no campo da pesquisa histórica, e a elegância de sua prosa.
Embora sejamos obrigados a concordar com Moses Ibn Ezra quando observa, numa de suas meditações, que “o homem tem consciência, no curso da sua vida, /de ser levado para a morte”, a partida de alguém próximo, a quem admiramos, nos entristece. Só nos resta recordá-lo, sozinho ou na companhia de amigos. É o que viemos fazer aqui hoje: recordar Alberto Dines, o profissional exemplar, o homem corajoso e solidário, o conviva irônico e bem humorado, o intelectual cosmopolita e o judeu cultor da história e da sabedoria de seu povo.
José Mário Pereira é Editor da Topbooks. Este texto foi lido no Midrash Centro Cultural em 6 de junho de 2018.
O foco da imprensa, ou da mídia, como diriam os companheiros, vai sempre para os bandidos. Destes, existem dois tipos: os frouxos, de partidos burgueses, que ao maior problema apelam logo para a delação premiada, incriminando a todos para escapar da cadeia. Depois tem os companheiros, que pela lei da omertà não falam nada contra o partido totalitário. Eles são considerados herois pelo partido corrupto, mas são apenas vermes da política brasileira.
O verdadeiro heroi está aqui.
Paulo Roberto de Almeida
PETROLÃO
‘PERDI TUDO’, RECLAMA O PRIMEIRO DENUNCIANTE DO CASO LAVA JATO
SUAS PRIMEIRAS REVELAÇÕES, ANÔNIMAS, CHEGARAM À POLÍCIA EM 2008
Publicado: 13 de outubro de 2014 às 10:27 - Atualizado às 10:32
José Janene, ex-deputado já morto, e Hermes Magnus, que denunciou o esquema do Petrolão
“Eu perdi tudo, não devo nada para o governo do PT, mas o Brasil me deve muito”, afirma o empresário Hermes Magnus, que denunciou à Polícia Federal e à Procuradoria da República em Londrina (PR) o esquema de lavagem de dinheiro sob comando do então ex-deputado José Janene (PP-PR), morto em 2010, e do doleiro Alberto Youssef.
Suas primeiras revelações, ainda em caráter anônimo, chegaram aos investigadores em 2008. Ele mandava documentos e mensagens para as autoridades, relatando movimentos de Janene e Youssef.
Naquele ano, em busca de investidores que aportassem recursos na Dunel Indústria e Comércio Ltda., que criou para atuar no fornecimento de equipamentos, ele encontrou-se com o político na sede da CSA Project Finance, espinha dorsal da Lava Jato. Logo, afirma, descobriu que Janene usava a CSA para lavar dinheiro, mas não se afastou porque firmara memorando de entendimentos, que previa pesada multa por rompimento contratual.
Por meio da CSA, Janene e Youssef expandiram suas ações para a Petrobras, onde se associaram a Paulo Roberto Costa, diretor da estatal entre 2004 e 2012. “Naquela reunião, me foi apresentado o Claudio Menti, pupilo e testa de ferro do Paulo Roberto”, narra o empresário. “Na CSA encontrei pelo menos três vezes o Paulo Roberto.”
Segundo ele, Janene lhe ofereceu R$ 1 milhão para injetar na Dunel – segundo a Procuradoria, dinheiro do mensalão que foi lavado pelo político. “Eles queriam me usar como laranja. O dinheiro rodava livre na CSA. A partir das minhas informações, a Lava Jato foi ganhando corpo.”
Entre 2011 e 2012, a Justiça Federal autorizou medidas cautelares, interceptação telefônica e de e-mails. Descobriu-se, então, as ramificações do grupo e surgiram detalhes das relações com o então diretor da Petrobras e indícios de propinas a políticos do PT, do PMDB e do PP.
Celeridade
As investigações ganharam celeridade quando o investidor Enivaldo Quadrado, operador de Janene, foi preso em dezembro de 2008 no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, com 361,4 mil em espécie na cueca e nos bolsos que, segundo Magnus, era destinado à ex-mulher de Janene.
“Eu quebrei, um prejuízo de pelo menos R$ 2 milhões. Éramos 32 funcionários, somos quatro”, desabafa Magnus, que diz levar uma vida de dificuldades, sob desconfiança do mercado, que raramente lhe dá uma oportunidade de negócio.
Telefonemas anônimos o aterrorizam. Ameaças vêm de todo jeito, a qualquer hora. Teme uma emboscada. Ou uma bala perdida. “A militância vai cuidar disso”, dizem. “Meu plano é ir embora do Brasil. As pessoas me veem como um bandido que desertou, mas não é verdade. Eu denunciei tudo, desde 2008. Eu não sou um deles.”
Magnus afirma ver uso eleitoral da PF e não acha justas as críticas de políticos à condução do processo pelo juiz Sérgio Moro. “Não há nenhum interesse político na investigação.” (Fausto Macedo e Ricardo Brandt, AE)