Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
A volta das politicas alopradas da anacronica "matriz economica"- Felipe Miranda (Empiricus)
Caro leitor,
Acabamos de ter a comprovação de mais uma tese econômica.
Foi dado o pontapé no "Terceiro Mandato".
O governo, sem sustentação na Câmara, sem apoio da população e boicotado pela própria base aliada, partiu para o que era a sua última alternativa: a guinada às esquerdas e retomada da agenda da "nova matriz econômica".
Dilma resgatou a política de privilégios concedidos a setores específicos utilizando estatais como instrumento.
O exemplo mais recente é gritante.
A Caixa anunciou concessão de R$ 5 bi em "empréstimos em condições especiais" para a cadeia automotiva, setor altamente estimulado, cujo impacto marginal de novas medidas já provou-se nulo, mas, cuja visibilidade da onda de demissões e sindicalização incomodam.
Mesmo após anos de benefícios fiscais e linhas especiais de Finame/BNDES, a cadeia produtiva de autos roda com retração de -18,5% no primeiro semestre deste ano.
Ou seja, foi tomada mais uma medida que desperta desconforto de ingerência política sobre estatais e com efeito praticamente nulo sobre o setor alvo.
É, novamente, enxugar gelo com dinheiro das estatais, sem ter esse dinheiro em conta.
Repete-se o expediente das pedaladas fiscais.
O brilhante economista Mansueto de Almeida chamou atenção para o mesmo fato.
As pedaladas fiscais que colocam em risco a legitimidade do Governo Dilma continuam sendo feitas em 2015.
Embora a magnitude seja menor este ano, o princípio é o mesmo: Caixa e Banco do Brasil financiando saldos negativos do Tesouro.
Como previsto, a política de ajuste fiscal de Joaquim Levy cedeu ao expediente da chamada nova matriz...
... a mesma que nos colocou em situação de anos consecutivos de recessão, inflação em dois dígitos, dólar a R$ 3,50, Bolsa em dólares próxima do piso de 2008 e rápida deterioração do mercado de trabalho.
Corremos risco moral (e financeiro) ao continuarmos permitindo a maquiagem do superávit primário.
Em breve, as agências de rating serão obrigadas a reconhecer isso em suas notas de crédito, e sofreremos novos rebaixamentos.
A tese foi comprovada.
O alerta, dado há algum tempo.
Dilma partiu para o que era a sua única alternativa.
Agora, é hora de eu e você lidarmos com as consequências.
Felipe Miranda (Empiricus)
quinta-feira, 25 de junho de 2015
O Fim do Brasil nao e' o fim da historia - Felipe Miranda
O Fim do Brasil não é o fim da história
Felipe Miranda, 25/06/2015
Nietzsche não era O Anticristo. Fukuyama não imaginava que navegávamos em linha reta reta e, subitamente, atingíamos o penhasco, acabando com tudo. Ainda assim, escreveu o bestseller Fim da História, de repercussão mundial.
Ao leitor literal, o título pode soar absurdo. A história não pode terminar. Aos críticos de Francis Fukuyama, porém, deve-se ao menos perguntar, cerca de 25 anos depois, se há uma antítese material à tese da democracia liberal. Na dialética hegeliana, a história caminha pelo conflito perene entre tese e antítese, do qual emerge uma síntese. Esta, por sua vez, transforma-se, no período seguinte, novamente em tese, a que se opõe uma nova antítese. E o ciclo vai se repetindo, definindo o curso das coisas.
Se não há oposição efetiva à democracia liberal, não temos antítese a opor-se à tese. Não há dialética e interrompe-se o ciclo hegeliano. Aqueles com capacidade de enxergar uma metáfora entendem o argumento de Francis Fukuyama, independentemente de concordar ou não com ele.
Eu nunca acreditei que o Brasil iria acabar. Que fique claro: tampouco estou, arrogantemente, comparando minha tese às duas supracitadas. Sei da minha insignificância. Os exemplos de Nietzsche e Fukuyama remetem apenas à necessidade de identificar uma metáfora.
O Fim do Brasil não era somente uma postura crítica ao ensaio nacional desenvolvimentista adotado desde 2009/10, muito menos a defesa de uma postura niilista. Sequer representava, mesmo do ponto de vista hegeliano, o fim da história - aqui, Joaquim Levy é a antítese ortodoxa à tese da nova matriz econômica.
Meu argumento era de que aquele Brasil nascido em 1994 e marcado pela estabilização da economia, cuja adolescência acaba em 1999 a partir do tripé de Armínio Fraga, das privatizações, do prestígio às agências reguladoras, da lei de responsabilidade fiscal ou, em resumo, o País que caminhava na direção das instituições políticas e econômicas inclusivas morria com a nova matriz econômica.
O expansionismo fiscal, a permissividade com a inflação, a modicidade tarifária, a eleição de campeões nacionais, a concessão de subsídios discricionários, o aumento de salários acima da produtividade, o incremento de participação de bancos públicos e outras questões parecidas apontavam justamente na direção de instituições extrativistas.
O resultado só poderia ser baixo crescimento econômico, queda da produtividade, preços em alta, déficit em conta corrente insustentável e contas públicas desequilibradas.
Isso exigiria um ajuste, tanto na gestão da política econômica quanto no preço dos ativos financeiros brasileiros. Daí derivava toda uma tese de investimentos, pautada em aumento dos preços de risco, desvalorização cambial e queda das ações.
Não havia criticismo infundado ou defesa do niilismo. Do Fim do Brasil, emergia uma proposta pragmática a cada um dos leitores: esteja defensivo e mantenha apostas anticíclicas. Esse seria o caminho para ganhar dinheiro.
Considerando o crescimento de 0,1% em 2014, o prognóstico de recuo de 2% em 2015, a expectativa de estabilidade em 2016 e a perspectiva de crescimento em torno de 2% em 2017, entraríamos em 2018, em linhas gerais, com o mesmo PIB daquele mostrado em 2013, com recuo substancial da renda per capita. E, então, cumprimos metade do devaneio de 10 anos de recessão.
(...)
sábado, 20 de junho de 2015
A estagnacao secular e a recuperacao pela guerra - Felipe Miranda (Empiricus)
Paulo Roberto de Almeida
Meu maior pesadelo
Felipe Miranda, 20/06/2015
Caro leitor,
Na semana passada, pude ouvir diretamente de Alan Greenspan, na tradução livre: “nós estamos numa posição de estagnação secular.”
Confesso a vocês: isso me preocupa fortemente. Mais do que Grécia, ajuste fiscal ou mesmo recrudescimento das condições de liquidez internacional a partir do processo de normalização das políticas monetárias. Muito além, inclusive, de questões econômicas e financeiras estritas.
Explico o porquê...
O termo “secular stagnation” foi cunhado no auge da Grande Depressão, em 1938, por Alvin Hansen, então presidente da American Economic Association. A interpretação de Hansen era de que a Grande Depressão iniciaria uma nova era, representada por desemprego alto e duradouro e estagnação da economia. Não seria algo transitório ou solúvel facilmente a partir, por exemplo, da ação de política monetária.
Falaríamos de algo estrutural, mudanças nas bases da economia dos países industrializados, ligadas à redução da taxa de natalidade e ao excesso de oferta de poupança sobre investimentos, que levariam a uma taxa de juro de equilíbrio para níveis muito baixos, possivelmente inferiores a zero.
Posto que, a princípio, as taxas de juro efetivamente praticadas não poderiam ser negativas - e, por hipótese, estariam, portanto, superiores àquelas de equilíbrio -, o cenário engendraria enfraquecimento importante da demanda agregada.
Fazia muito sentido à época. Vínhamos de quase uma década de desemprego dramático, forte queda da massa salarial e baixo crescimento econômico.
O Banco Central dos EUA, depois de anos de política monetária expansionista, apertara o torniquete monetário em 1937, causando uma queda de 49% das bolsas norte-americanas; logo, voltou a afrouxar a política monetária entre 1938 e 1939, à espera de reação da economia - os resultados práticos, contudo, não vieram e a expansão do PIB continuou em ritmo muito baixo.
Como a economia dos países industrializados e dos EUA em particular sai da recessão da década de 30? Ou, em outras palavras, como pudemos interromper a traumática estagnação secular?
A resposta: com a Segunda Guerra Mundial. Somente com ela.
Foi necessário um conflito bélico de proporções globais - e desnecessário dizer: consequências brutais e altamente indesejáveis - para quebrar essa dinâmica nefasta.
Precisamos do enorme expansionismo fiscal, a partir de gastos militares bastante pesados, para preencher o buraco faltante de demanda agregada. Somente com isso, a economia voltou a crescer, com a geração pós-guerra vivenciando mudança pronunciada na tendência populacional, naquilo que ficou conhecido nos EUA como “baby boom”.
Avançando 75 anos na história, o tema da estagnação secular volta ao centro das discussões. O ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers tem sistematicamente abordado a questão e sua gravidade, tendo como adeptos Paul Krugman, Alan Greenspan e outros de gabarito semelhante.
Fundamental notar: houve apenas dois momentos da história em que se debateu o secular stagnation, em 2015 (para ser preciso, o tema começa a ser comentado com certa frequência já em 2014, a partir de discurso de Summers na NABE) e 1938.
Àquela altura, 1938 reconciliava-se com 1929. Analogamente, 2015 (ou talvez 2016; é impossível cravar com precisão o timing) pode representar o acerto de contas com 2008.
Não se trata de coincidência. A crise de sete anos atrás, cujo ápice é marcado pela quebra do banco Lehman Brothers em 15 de setembro, encontra um único precedente na história, justamente aquela iniciada em 1929, quando precisamos de uma Segunda Guerra Mundial para retirar a economia global da recessão.
Esse é o tamanho do problema, não podendo ser menosprezado.
Entre aqueles com capacidade de enxergar a história com o devido afastamento da volatilidade de curtíssimo prazo, já há inclusive quem alerte para o pior. Em conferência de Bretton Woods no Banco Mundial ao final de maio, George Soros declarou de forma categórica estar preocupado com a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial.
Segundo ele, se os esforços da China em migrar sua matriz exportadora para uma economia voltada ao mercado doméstico fracassarem, há possibilidade real de que os governantes chineses estimulem uma guerra para manter o país unido e continuar no poder.
Para referendar o argumento, Soros citou o exemplo do aumento dos gastos militares na China e Rússia.
A preocupação não é exclusiva do megainvestidor. No dia 15 de junho, a Bloomberg fez reportagem de título Five Million Reasons Why China Could Go to War (Cinco milhões de razões que justificariam uma guerra para China), citando maior atenção de bases militares no mar do Sul e relações armamentícias crescentes com Sudão, Iemen e Paquistão.
Em paralelo, há notícias apontando aproximação da China com a Rússia, que, por sua vez, acaba de prometer retaliar os EUA em caso de transferência de bases militares norte-americanas para os balcãs, conforme matéria da Reuters também do dia 15, de título Russia says will retaliate if US weapons stationed on its borders (Rússia diz que haverá retaliações caso EUA transfiram armas para suas fronteiras).
Não estou dizendo que, necessariamente, a reconciliação de 2015 com 2008 ensejará uma Terceira Guerra Mundial. Chamo a atenção, porém, para a gravidade e a complexidade do contexto político e econômico atual.
Temos sempre a tentação de achar que “desta vez é diferente”. Na maior parte das vezes, entretanto, não é. Se a história serve de guia, momentos muito longos de baixo crescimento econômico mundial, associados a recrudescimento das tensões políticas, abrem espaços para movimentos extremados, cujas consequências podem escapar ao controle.
Estamos certamente em tempos muito difíceis e os desdobramentos materiais podem ultrapassar nossa capacidade de antevisão a priori.
Voltando a Alan Greenspan e sua precisão nas palavras, “nós não sabemos muito bem o que fazer, por uma razão muito simples: nós nunca estivemos nessa situação antes.”
sexta-feira, 24 de abril de 2015
China: um tsunami de 14 TRILHOES de dolares? - Felipe Miranda
Felipe Miranda
Empiricus Research, 23.04.2015
Nesta semana a economia chinesa emitiu sinais fortes, no pior sentido possível...
O Grupo Kaisa tornou-se o primeiro do setor de construção civil do país a declarar default.
O Grupo não conseguiu honrar dois compromissos com credores, da ordem de US$ 52 milhões. Sua dívida total estimada é de US$ 2,5 bilhões.
No boom imobiliário local, o grupo Kaisa utilizou de uma prática comum no setor na China... tomou empréstimos baratos em dólares para financiar um plano agressivo de compras de terrenos.
Com a expressiva valorização do dólar, o grupo viu sua dívida multiplicar.
Não faltou alerta:
Às vésperas do estouro da crise das hipotecas nos EUA, em 2008, o setor de construção civil respondia por 16% do crescimento do PIB americano...
Entre 2011 e 2014, a construção civil respondeu por impressionantes 50% da expansão do PIB na China.
Nos EUA, no auge do subprime, um cidadão americano precisava em média de 4,3 anos de sua renda para comprar uma casa. Na China atual, são necessários 18 anos em média.
O estouro da bolha imobiliária chinesa pode fazer a crise das hipotecas de alto risco nos EUA parecer brincadeira.
No começo de abril, coluna minha em O Antagonista! alertava para o óbvio, como você pode ver ao lado.
A economia chinesa acaba de registrar, no primeiro trimestre de 2015 (anualizado), seu menor ritmo de crescimento em seis anos.
Os 7% de crescimento chinês podem parecer muito para nós brasileiros, cuja economia está em recessão, mas são preocupantes para um PIB que cresceu em média 10% ao ano nas últimas três décadas.
Há um esgotamento do modelo de crescimento chinês.
Antes fortemente voltado para as exportações, o mesmo, desde a crise de 2008, não encontrou mais no mercado externo o ritmo necessário para fomentar suas bases. Assim, teve de voltar os esforços para a economia interna.
Como?
Via estímulos à demanda interna e concessão de crédito irrestrito. Mas parece um tanto claro que a economia local está desacelerando, não?
Utilizando o sinal acima do mercado imobiliário, existem relatos de mais de 500 cidades-fantasma na China, e de um estoque de aproximadamente 64 milhões de moradias vazias atualmente.
Pior que, no meio da desaceleração econômica chinesa, a conta ficou...
Sob o chamariz do excesso de liquidez e dos juros baixos, companhias de mercados emergentes (de países com moeda fraca) lançaram aproximadamente US$ 9 trilhões em títulos de dívida entre 2009 e 2014.
Enquanto isso, a emissão de dívida corporativa para projetos de exploração de petróleo, neste intervalo, remonta a US$ 5 trilhões.
Com a queda pela metade do preço do petróleo e a disparada do dólar, o risco de um colapso dos títulos de dívida corporativa (somente no caso acima, da ordem de US$ 14 trilhões) é substancial:
“É uma pilha de US$ 14 trilhões de dívida de empresas que não pode, eventualmente, ser paga ou rolada nas condições econômicas atuais. Se a taxa de inadimplência for da ordem de 10% - uma hipótese conservadora - esse colapso da dívida corporativa já será seis vezes maior do que as perdas com a crise imobiliária americana de 2007-2008.”
Alertou o ex-agente da CIA Jim Rickards, autor do best seller “Currency Wars”, que recentemente foi ao Senado dos EUA alertar para o fato de o Federal Reserve estar em posição de insolvência.
A caixa preta chinesa
Voltando ao iminente colapso chinês, se os recordes da Bolsa local não encontram respaldo nos fundamentos da economia, talvez encontrem no gráfico abaixo:
A alavancagem de dívida do setor privado chinês já é três vezes maior do que o PIB do país asiático.
Outro dado alarmante: levantamento da IHS Global Insight aponta que na China há cerca de US$ 1,3 trilhão em empréstimos dos chamados “shadow banks”, ou, de fontes informais de crédito, fora do sistema financeiro regulado. Empréstimos ocultos.
No ano passado, o banco JP Morgan estimou que o crédito “obscuro” foi responsável por 69% do PIB chinês em 2012.
Onde isso vai parar?
A China é o principal parceiro comercial brasileiro. Um solavanco da economia chinesa teria, portanto, impactos substanciais por aqui.
Outra questão para ficar atento...
Nos últimos anos, a China acumulou a maior reserva de títulos do governo americano do mundo, da ordem de US$ 1,3 trilhão.
Com o iminente aumento nas taxas de juros dos EUA, esses títulos fatalmente perderão valor.
Sem alternativas, o governo chinês está administrando esses riscos com a injeção de mais liquidez e promessa de novos estímulos.
Enquanto pode, contribui para inflar ainda mais a bolha.
Para a gente, este é apenas o primeiro estágio de algo muito maior...
Um abraço,
Felipe Miranda
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