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sábado, 20 de junho de 2015
A estagnacao secular e a recuperacao pela guerra - Felipe Miranda (Empiricus)
Paulo Roberto de Almeida
Meu maior pesadelo
Felipe Miranda, 20/06/2015
Caro leitor,
Na semana passada, pude ouvir diretamente de Alan Greenspan, na tradução livre: “nós estamos numa posição de estagnação secular.”
Confesso a vocês: isso me preocupa fortemente. Mais do que Grécia, ajuste fiscal ou mesmo recrudescimento das condições de liquidez internacional a partir do processo de normalização das políticas monetárias. Muito além, inclusive, de questões econômicas e financeiras estritas.
Explico o porquê...
O termo “secular stagnation” foi cunhado no auge da Grande Depressão, em 1938, por Alvin Hansen, então presidente da American Economic Association. A interpretação de Hansen era de que a Grande Depressão iniciaria uma nova era, representada por desemprego alto e duradouro e estagnação da economia. Não seria algo transitório ou solúvel facilmente a partir, por exemplo, da ação de política monetária.
Falaríamos de algo estrutural, mudanças nas bases da economia dos países industrializados, ligadas à redução da taxa de natalidade e ao excesso de oferta de poupança sobre investimentos, que levariam a uma taxa de juro de equilíbrio para níveis muito baixos, possivelmente inferiores a zero.
Posto que, a princípio, as taxas de juro efetivamente praticadas não poderiam ser negativas - e, por hipótese, estariam, portanto, superiores àquelas de equilíbrio -, o cenário engendraria enfraquecimento importante da demanda agregada.
Fazia muito sentido à época. Vínhamos de quase uma década de desemprego dramático, forte queda da massa salarial e baixo crescimento econômico.
O Banco Central dos EUA, depois de anos de política monetária expansionista, apertara o torniquete monetário em 1937, causando uma queda de 49% das bolsas norte-americanas; logo, voltou a afrouxar a política monetária entre 1938 e 1939, à espera de reação da economia - os resultados práticos, contudo, não vieram e a expansão do PIB continuou em ritmo muito baixo.
Como a economia dos países industrializados e dos EUA em particular sai da recessão da década de 30? Ou, em outras palavras, como pudemos interromper a traumática estagnação secular?
A resposta: com a Segunda Guerra Mundial. Somente com ela.
Foi necessário um conflito bélico de proporções globais - e desnecessário dizer: consequências brutais e altamente indesejáveis - para quebrar essa dinâmica nefasta.
Precisamos do enorme expansionismo fiscal, a partir de gastos militares bastante pesados, para preencher o buraco faltante de demanda agregada. Somente com isso, a economia voltou a crescer, com a geração pós-guerra vivenciando mudança pronunciada na tendência populacional, naquilo que ficou conhecido nos EUA como “baby boom”.
Avançando 75 anos na história, o tema da estagnação secular volta ao centro das discussões. O ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers tem sistematicamente abordado a questão e sua gravidade, tendo como adeptos Paul Krugman, Alan Greenspan e outros de gabarito semelhante.
Fundamental notar: houve apenas dois momentos da história em que se debateu o secular stagnation, em 2015 (para ser preciso, o tema começa a ser comentado com certa frequência já em 2014, a partir de discurso de Summers na NABE) e 1938.
Àquela altura, 1938 reconciliava-se com 1929. Analogamente, 2015 (ou talvez 2016; é impossível cravar com precisão o timing) pode representar o acerto de contas com 2008.
Não se trata de coincidência. A crise de sete anos atrás, cujo ápice é marcado pela quebra do banco Lehman Brothers em 15 de setembro, encontra um único precedente na história, justamente aquela iniciada em 1929, quando precisamos de uma Segunda Guerra Mundial para retirar a economia global da recessão.
Esse é o tamanho do problema, não podendo ser menosprezado.
Entre aqueles com capacidade de enxergar a história com o devido afastamento da volatilidade de curtíssimo prazo, já há inclusive quem alerte para o pior. Em conferência de Bretton Woods no Banco Mundial ao final de maio, George Soros declarou de forma categórica estar preocupado com a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial.
Segundo ele, se os esforços da China em migrar sua matriz exportadora para uma economia voltada ao mercado doméstico fracassarem, há possibilidade real de que os governantes chineses estimulem uma guerra para manter o país unido e continuar no poder.
Para referendar o argumento, Soros citou o exemplo do aumento dos gastos militares na China e Rússia.
A preocupação não é exclusiva do megainvestidor. No dia 15 de junho, a Bloomberg fez reportagem de título Five Million Reasons Why China Could Go to War (Cinco milhões de razões que justificariam uma guerra para China), citando maior atenção de bases militares no mar do Sul e relações armamentícias crescentes com Sudão, Iemen e Paquistão.
Em paralelo, há notícias apontando aproximação da China com a Rússia, que, por sua vez, acaba de prometer retaliar os EUA em caso de transferência de bases militares norte-americanas para os balcãs, conforme matéria da Reuters também do dia 15, de título Russia says will retaliate if US weapons stationed on its borders (Rússia diz que haverá retaliações caso EUA transfiram armas para suas fronteiras).
Não estou dizendo que, necessariamente, a reconciliação de 2015 com 2008 ensejará uma Terceira Guerra Mundial. Chamo a atenção, porém, para a gravidade e a complexidade do contexto político e econômico atual.
Temos sempre a tentação de achar que “desta vez é diferente”. Na maior parte das vezes, entretanto, não é. Se a história serve de guia, momentos muito longos de baixo crescimento econômico mundial, associados a recrudescimento das tensões políticas, abrem espaços para movimentos extremados, cujas consequências podem escapar ao controle.
Estamos certamente em tempos muito difíceis e os desdobramentos materiais podem ultrapassar nossa capacidade de antevisão a priori.
Voltando a Alan Greenspan e sua precisão nas palavras, “nós não sabemos muito bem o que fazer, por uma razão muito simples: nós nunca estivemos nessa situação antes.”
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