Ele disse que Henrique Capriles, um dos líderes da oposição venezuelana ao governo Maduro, é a prova viva de que a diplomacia brasileira mentiu no episódio. Fundador do partido Primero Justicia e governador do Estado de Miranda, Capriles pediu desculpas aos senadores brasileiros e confirmou que havia uma agenda pré-definida com eles na Venezuela, contrariando versão divulgada por governistas como o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia. Marco Aurélio acusou os senadores de tentar fazer da visita frustrada um embate ideológico.
“Há a manifestação pública do Capriles nessa direção. O Capriles, inclusive, virá ao Brasil agora em agosto, e poderá falar. No fundo, no fundo, não desejaríamos qualquer tipo de privilégio da embaixada brasileira lá em Caracas. O que desejávamos era ter o apoio institucional que nos faltou. Não apenas o embaixador, como nenhum membro da chancelaria do Brasil na Venezuela nos acompanhou. Nenhum conselheiro, nenhum diplomata esteve conosco, de modo que as ações deliberadas pelo governo da Venezuela contaram com a conivência, lamentavelmente, do Itamaraty”, protestou Ferraço.
Coincidências
“Foi uma ação deliberada. As coincidências são extraordinárias. A primeira delas é que, quando os oficiais do avião da Força Aérea Brasileira desejaram fechar o avião para irem almoçar, os membros da polícia nacional bolivariana da Venezuela disseram a eles: ‘Não precisa fechar, não precisa almoçar, eles [senadores] logo estarão voltando’. Foram muitos os fatos que se seguiram para impedir que nós pudéssemos cumprir a agenda que havíamos estabelecido”, declarou o senador.
A comitiva pretendia visitar prisioneiros como o líder do partido de oposição Vontade Popular, Leopoldo López; o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma e o ex-prefeito de San Cristobal Daniel Ceballos. Entre outras acusações, eles estão presos por incitar a violência em protestos nacionais que paralisaram o país vizinho no início de 2014. Eles se queixam de não ter direito a ampla defesa. Preso desde fevereiro do ano passado, López está em greve de fome há quase um mês.
Segundo relatos ouvidos pelo Congresso em Foco de jornalistas brasileiros que estavam em Caracas, ficou evidente que o protesto foi armado propositadamente por simpatizantes de Maduro. O grupo, de acordo com esses profissionais, pretendia fazer os senadores voltarem ao país com agressões verbais e socos no veículo em que circulavam. Além disso, observam esses jornalistas, o bloqueio da pista foi seletivo. Figuras conhecidas que defendem o governo Maduro tiveram acesso livre. O deputado petista João Daniel (SE), que também estava em Caracas naquele dia, contestou a versão dos senadores. Segundo ele, um acidente é que impediu a passagem dos parlamentares.
Vídeo feito pelo líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), mostra homens esmurrando o micro-ônibus alugado pela Embaixada do Brasil e entoando palavras de ordem de apoio ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Houve relatos de que pedras foram atiradas no veículo, que transitou por poucos quilômetros, a partir do aeroporto de Caracas, até ser parado por um bloqueio na pista.
Ditadura?
Herdeiro político de Hugo Chávez (1954-2013), Maduro é visto como ditador também pela oposição brasileira e por organismos internacionais como a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e a própria Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Ferraço, houve omissão por parte do governo Dilma Rousseff e uma ação orquestrada, inclusive com a participação de brasileiros, para impedir o cumprimento da agenda dos senadores, que incluía uma visita à prisão militar de Ramo Verde, onde López, Ledezma e Ceballos estão presos.
O incidente provocou imediata reação no Congresso brasileiro e teve repercussões na própria Venezuela e por todo o mundo. Moções de repúdio foram aprovadas na Câmara e no Senado, onde autoridades diplomáticas darão explicações à Comissão de Relações Exteriores – colegiado presidido por Ferraço entre 2013 e 2014. Diversos parlamentares já defendem a exclusão do país vizinho no Mercosul, bloco comercial que reúne, além do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e, desde 2012, Venezuela. Com críticas ao grupo de senadores da oposição, uma nova comissão do Senado tentará manter o diálogo bilateral. O Ministério das Relações Exteriores, por meio de nota, lamentou o episódio e pediu esclarecimentos ao governo Maduro “pelos canais diplomáticos” e “à luz das tradicionais relações de amizade entre os dois países”.
“Existem questionamentos muito vigorosos de que todos nós que somos parte do bloco temos obrigações, deveres e responsabilidades. E, se a Venezuela não está cumprindo com essas pré-condições – e cláusulas democráticas são premissas –, o Senado vai discutir caminhos para que ou a Venezuela reveja todo esse modelo que está levando o país para o buraco, ou de fato tenhamos que discutir o afastamento dela do Mercosul”, emendou o senador capixaba, para quem os indicadores socioeconômicos venezuelanos são os piores possíveis.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Há ditadura na Venezuela?
Ricardo Ferraço - O déficit de democrático na Venezuela me faz afirmar que o não funcionamento das instituições e a escalada do autoritarismo, que a falta de uma Justiça neutra e independente e que a ausência de liberdade de expressão me dão a conclusão de que, sim, a Venezuela está mergulhada em uma ditadura.
Houve uma ação orquestrada pelo governo venezuelano em relação à comitiva?
Foi uma ação deliberada. As coincidências são extraordinárias. A primeira delas é que, quando os oficiais do avião da Força Aérea Brasileira desejaram fechar o avião para irem almoçar, os membros da polícia nacional bolivariana da Venezuela disseram a eles: “Não precisa fechar, não precisa almoçar, eles [senadores] logo estarão voltando”. Foram muitos os fatos que se seguiram para impedir que nós pudéssemos cumprir a agenda que havíamos estabelecido.
E a versão de que os senhores sabiam que não receberiam acompanhamento do consulado brasileiro em território venezuelano? Também foi falado que não havia agenda definida com os presos políticos…
Isso é uma brutal mentira. Já foi desmentido. Já há a manifestação pública do Capriles nessa direção. O Capriles, inclusive, virá ao Brasil agora em agosto, e poderá falar. No fundo, no fundo, não desejaríamos qualquer tipo de privilégio da Embaixada Brasileira lá em Caracas. O que desejávamos é que pudéssemos ter o apoio institucional que nos faltou. Não apenas o embaixador, como nenhum membro da chancelaria do Brasil na Venezuela nos acompanhou. Nenhum conselheiro, nenhum diplomata esteve conosco, de modo que as ações deliberadas pelo governo da Venezuela contaram com a conivência, lamentavelmente, do Itamaraty.
O aparato de segurança era suficiente?
Era uma piada. Nós fomos levados para um corredor polonês. E, nesse corredor polonês – uma espécie de funil –, os manifestantes milicianos contratados estavam lá na hora em que chegamos, no dia em que chegamos. Os batedores que nos estavam acompanhando assistiam a tudo pacificamente.
Houve um acidente com um caminhão de farinha na pista em que os senhores tentavam se deslocar? O deputado João Daniel (PT-SE), que estava lá, disse que o automóvel estava atravessado na rodovia, de maneira a impedir o tráfego…
O que houve, na prática, foi que na exata hora em que nós chegamos havia um congestionamento monstruoso em toda a região metropolitana de Caracas. Para sairmos do aeroporto para chegar a Caracas, tínhamos que passar por três túneis. Exatamente no dia em que chegamos, na hora em que chegamos, eles [membros do governo venezuelano] resolveram fazer manutenção nesses túneis. Essa manutenção impediu o livre trânsito. E nesse mesmo dia, nessa mesma hora, eles afirmam que estavam recebendo um criminoso venezuelano que cometeu um assassinato na Colômbia. Esse dois fatos levaram a uma paralisia da região metropolitana de Caracas. E tudo isso, ao meu juízo, foi deliberado. Uma ação absolutamente orquestrada.
O fato de o escritor brasileiro Fernando Morais ter cumprido agenda na Venezuela, nesse mesmo dia, com um grupo de esquerdistas alinhados ao governo Maduro tem a ver com essa confusão toda?
É evidente. Isso foi organizado de modo a neutralizar a nossa visita, que era uma visita de solidariedade a presos políticos – uma outra coisa que reforça essa minha convicção de ditadura: que país democrático tem preso político? E sem direito a defesa? Que país democrático cassa mandato de parlamentar sem direito a contraditório, sem direito a defesa, como foi o caso da Corína [Machado, líder oposicionista], que foi cassada? Que democracia cassa o mandato o prefeito da capital [Caracas], acusando-o de golpismo sem fundamentação de provas? Enfim, a produção em série desses fatos é que confirma que estamos, de fato, diante de uma ditadura.
Mas não há um numeroso contingente populacional que apóia o governo Maduro?
Mas nas poucas ditaduras que existem no mundo há manifestações favoráveis. Em Cuba há manifestações favoráveis ao regime. Porque, na verdade, o que o ditador [Hugo] Chávez fez, e o que o atual faz? O Chávez governou em um momento de preços extraordinários do barril de petróleo. A Venezuela é um país que depende, fundamentalmente, da produção de petróleo. Nada produz além de petróleo, e importa 70% de seus alimentos. O Chávez e o Maduro se favoreceram desse modelo em que os preços do petróleo estavam lá em cima para se apropriar da PDVSA e financiar um conjunto de programas sociais que, no começo, foi importante. Houve, nos últimos anos, avanços sociais na Venezuela, mas esses avanços foram financiados por programas que não são sustentáveis. É como você…
O senhor parece falar do Brasil…
Evidentemente que sim, porque também no Brasil o governo da presidente Dilma, nos últimos anos, meio que desafiou a Lei da Gravidade, meio que quis fazer chover debaixo para cima, convivei com a inflação, não respeitou as regras de governança fiscal, e estamos mergulhados aí nessa crise. Há pouquíssimos meses tínhamos a presidente falando na expansão do ProUni [Universidade para Todos], na expansão do Fies [financiamento estudantil], do Pronatec [ensino técnico]. E hoje, na verdade, todos esses programas estão sofrendo recessão. Por quê? Porque por trás desse programas não tinha uma estrutura consistente de manutenção de sua sustentabilidade por anos a fio. Então a Venezuela, durante alguns anos, produziu ganhos e conquistas sociais que estão se dissipando. A Venezuela deve ter, se não me engano, a maior inflação do mundo. A então está calculada entre 80% e 120%. Com um dólar, compra-se 400 bolívares! A miséria e a pobreza avançam a olhos nus na Venezuela. Aquilo ali está se desmanchando, porque esses governos que preconizam essa coisa de socialismo do século 21 se estabelecem por meio da mentira, do populismo e da demagogia. Esses são princípios e valores que não se sustentam no tempo.
Mas é apenas isso o que está por trás da situação na Venezuela?
Não apenas isso. Evidentemente, esses programas sociais só com porta de entrada e sem porta de saída são uma forma de se manter a dependência das pessoas do modelo e do regime. Em algum período, por algum momento, dá-se o peixe, mas isso tem de ser um processo progressivo para você ir substituindo o peixe pela vara, para as pessoas irem pescar – até porque, eu percebo também, as pessoas não querem viver de favor. Esses programas sociais e assistencialistas, na prática, são formas modernas, e até mesmo sofisticadas, de se manter o povo administrado pelo estômago.
O que será feito a partir de agora? A intenção é mesmo a exclusão da Venezuela do Mercosul?
Existem questionamentos muito vigorosos de que todos nós que somos parte do bloco temos obrigações, deveres e responsabilidades. Da mesma forma que o Brasil tem deveres e responsabilidades, o Paraguai, o Uruguai, a Argentina e a Venezuela também têm que ter. E, se a Venezuela não está cumprindo com essas pré-condições – e cláusulas democráticas são premissas –, o Senado vai discutir caminhos para que ou a Venezuela reveja todo esse modelo que está levando o país para o buraco, ou de fato tenhamos que discutir o afastamento dela do Mercosul. Isso é uma regra comum aos nossos países – se a Venezuela puder violar, significa dizer que o Brasil pode, também? Significa dizer que os outros podem? A regra precisa valer para todos. Esse debate vai se acelerar na medida em que a escalada da violência, da truculência e do autoritarismo na Venezuela está chegando a níveis insuportáveis. E não somos nós que falamos. Primeiro, nós constatamos isso lá. Mas são organismos insuspeitos que acompanham essas regras democráticas. Tem Cruz Vermelha, Anistia Internacional, OEA [Organização dos Estados Americanos], a própria ONU [Organização das Nações Unidas], a Human Watch, que é uma instituição de presença global, que fez um capítulo específico sobre Venezuela, colocando um conjunto de coisas que eles estão vendo.
Há espaço, no Congresso, para a expulsão da Venezuela?
Não posso afirmar que haja espaço para expulsão, mas ambiente para debater o tema já está posto, está colocado, formado. É preciso ver que o juízo de valor os senadores vão formar. Mas não dá para a gente assistir a tudo isso como se nada estivesse acontecendo.
O senhor foi presidente da Comissão de Relações Exteriores e integrou a comitiva que foi impedida de cumprir a missão oficial. No dia seguinte à tentativa frustrada, uma nova comitiva, com viés de esquerda, foi criada para visitar a Venezuela – na justificativa de criação do colegiado, senadores dizem que desfarão o atrito que teria sido provocado pela primeira comissão. Como o senhor reage a isso?
Meu desejo é que essa comitiva possa ser bem sucedida na sua missão. O que não tem cabimento é uma missão formada por simpatizantes do regime [venezuelano] sem bem recebida e uma missão que não é simpatizante ser mal recebida, como nós fomos. Isso não tem cabimento, é preciso haver respeito institucional.
Como a CRE procederá daqui em diante, no que diz respeito às futuras convocações?
Já esteve aqui a Maria Corína; já estiveram aqui as esposas do Antonio López, do Ledezma… O que está na pauta, na quinta-feira [25], é a deliberação para convocação do chanceler [DelcyRodriguez] e do embaixador [Ruy Pereira], para que a gente possa discutir não apenas as questões relacionadas a essa nossa missão e a omissão do Itamaraty em nos dar apoio institucional. O Itamaraty, efetivamente, nos entregou à própria sorte. Mas vamos discutir até mesmo as questões relacionadas à escalada do autoritarismo.
Há quem diga que os senhores fizeram uma espécie de intervenção na soberania nacional da Venezuela. Como o senhor responde a isso?
Isso é uma coisa absolutamente descabida. A nossa missão – e, agora, eu sou informado que o Parlamento Europeu está constituindo uma missão para visitar a Venezuela. É óbvio que não se trata de intervenção, até porque nossa Constituição define que nossa política externa será movida e presidida pela autodeterminação dos povos. Agora, na medida em que somos membros do mesmo bloco, e à medida que há, nesse bloco, algumas premissas e pré-condições como cláusulas democráticas, temos a obrigação e a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento desse acordo. Por que o estamos fazendo? Porque o governo brasileiro tem sido omisso e tem silenciado diante das atrocidades que temos percebidos. E a Unasul [União de Nações Sul-Americanas], que poderia atuar nessa direção, se transformou em uma instituição absolutamente parcial.
Questiona-se, também, por que os senhores não vão visitar Guantánamo. Lá também é América…
É uma boa ideia. Esse tema pode ser discutido, sim, na Comissão de Relações Exteriores. Acho que faz sentido, sim, que a gente possa ampliar esse nosso protagonismo para que não pareça que estamos agindo seletivamente. Acho que a prisão de Guantánamo merece, sim, e acho que com essa sua pergunta eu vou fazer um requerimento na Comissão de Relações Exteriores visando fazer uma visita a Guantánamo. Não pode haver dois pesos e duas medidas.
O senador Aécio Neves está usando o episódio eleitoralmente, em um momento de fragilidade da presidenta Dilma Rousseff, como também o têm acusado?
Acho que não. O senador Aécio Neves está no exercício do seu mandato. Como senador da República, tem manifestado toda a preocupação com o futuro do Mercosul. E a nossa obrigação, como senadores, é fiscalizar o cumprimento das cláusulas constitutivas do Mercosul.
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