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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos - Resenha Paulo R Almeida

Addendum ex-ante (et, ça existe!):



Acabo de ver, numa livraria em Paris, um livro que acaba de ser publicado, um testemunho unico, excepcional, de um guarda (forçado) do Gulag: 

Ivan Tchistiakov:
Journal d'un Gardien du Goulag (1935-1936)
(Paris: Dénoel, 2012)
Traduit du Russe, préfacé et annoté par Luba Jurgenson; Introduction d'Irina Scherbakova

Pouca coisa se sabe de seu redator, apenas que era uma pessoa educada (engenheiro ou técnico superior, formado pouco depois da revolução de 1917), que por algum motivo qualquer (talvez porque não fosse proletário) foi mobilizado compulsoriamente para servir no corpo de guardas do Gulag, um vasto empreendimento que no momento da máxima extensão da repressão stalinista dos anos 1930 (possivelmente até 1939-41, pois depois a mobilização para a guerra desviou tropas) chegou a ter 355 mil pessoas, encarregadas apenas do controle do que deve ter sido uma "massa escrava" de mais de um milhão de prisioneiros do Gulag.
O relato desse mobilizado (que morreu na frente de batalha, logo em 1941, e seu diario foi miraculosamente preservado por gente da família, cujos descendentes o entregaram ao Memorial do Comunismo, exemplar único do gênero), é impressionante pela crueza das descrições, pelo aspecto pungente dos relatos, uma vida dura a começar pelos próprios guardas...
Paulo Roberto de Almeida 

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Que vergonha: uma micro-resenha de um livro de 700 páginas sobre o mais monstruoso dos holocaustos, e o maior dos crimes em volume de sacrificados:


9. “Gulag: anatomia da tragédia”, Brasília, 12 dezembro 2004, 3 p. Resenha de Anne Applebaum: Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos (Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.). Publicada em formato resumido na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 6, janeiro de 2005, p. 78; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1761:catid=28&Itemid=23).  Relação de Trabalhos nº 1364. Relação de Publicados nº 534.

Aqui a versão ultra-resumida da revista: 


Gulag: anatomia da tragédiaImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida
O terror moderno, intimidação para fins políticos, não está ligado apenas ao fundamentalismo de base islâmica. Nasceu na Revolução Francesa, e Robespierre defendeu-o: "O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível..." Desde os primeiros dias da revolução de 1917, Lenin ordenou à Cheka, a polícia política, que fuzilasse opositores declarados do novo regime e proprietários em geral. "Estamos exterminando a burguesia. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos). Stalin aplicou as recomendações, incorporando como "clientes" da máquina de terror seus colegas de partido.
A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental. O Gulag chegou a ser responsável pela produção de um terço do ouro, muito do carvão, da madeira e de outras matérias-primas na União Soviética. O sistema reuniu 476 campos. O número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. No total, 2,7 milhões de cidadãos podem ter morrido no sistema do Gulag.

Aqui a minha versão também resumida, mas um pouco maior: 

Gulag: anatomia da tragédia

Resenha de:
Anne Applebaum:
Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos
(Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.; tradução de Mário Vilela e Ibraíma Dafonte; ISBN: 8500015403)

            O terror moderno, isto é, o recurso à intimidação aberta e indiscriminada para alcançar fins especificamente políticos, não está ligado apenas aos exemplos cruéis do fundamentalismo de base islâmica. Ele nasceu na Revolução francesa e seu mais conhecido "teórico", Robespierre, o defendeu sem hesitação: "O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível...".
            Lenin, o inventor do terror moderno, apreciava Robespierre e sua "justiça expedita": desde os primeiros dias da revolução de 1917 ele ordenou à Cheka, a polícia política imediatamente criada para esmagar a ameaça "contra-revolucionária", que fuzilasse sem hesitação não só os opositores declarados do novo regime, mas também representantes da classe proprietária em geral, capitalistas, grandes comerciantes e latifundiários, religiosos, enfim, os potenciais "inimigos de classe".
            "A Cheka não é uma comissão de investigação nem um tribunal. É um órgão de luta atuando na frente de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o... Nós não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. A nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais são suas origens, criação, educação ou profissão? Estas perguntas definem o destino do acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos).
            Stalin se encarregou de aplicar sistematicamente as recomendações de Lenin, e o fez de uma forma completa, terminando por incorporar como "clientes" da máquina de terror administrada por ele os seus próprios colegas de partido. A amplitude do Gulag, ampliado e desenvolvido no seu mais alto grau por Stalin, justifica que apliquemos a ele a categoria de genocídio, noção que costuma estar associada apenas aos terríveis experimentos raciais nazistas, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
            O livro de Anne Applebaum não é, apenas, como seu subtítulo indica, "uma história" dos campos soviéticos, mas a mais completa e sinistra história de um fenômeno único na história da humanidade: uma instituição oficial (ainda que em muitos aspectos "clandestina"), montada e sustentada pelo poder central do Estado, para administrar pelo terror, por um tempo indefinido, uma população inteira de um dos países mais importantes do planeta. A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental, indo muito além dos primeiros levantamentos de Alexander Solzenitsyn em torno dos depoimentos dos sobreviventes do nefando sistema de escravização em massa criado pelo totalitarismo soviético.
            Organizado em três partes, o livro documenta amplamente o que até aqui tinha sido divulgado de maneira dispersa em trabalhos de pesquisa histórica que não tinham ainda tido acesso aos principais arquivos soviéticos liberados no período recente. A primeira parte, "As origens do Gulag, 1917-1939", faz a reconstituição histórica dessa instituição singular, que unia a mais transparente crueldade no trato dos prisioneiros ao burocratismo metódico de uma moderna administração voltada para a exploração sistemática do trabalho escravo. Sim, não devemos esquecer que, independentemente de suas funções "didáticas", de intimidação direta e aberta contra a própria população da União Soviética, o Gulag teve um importante papel econômico na história do socialismo naquele país, chegando a representar, a produção de um terço do seu ouro, muito do carvão e da madeira e grandes quantidades de outras matérias-primas. Os prisioneiros passaram a trabalhar em todo e qualquer tipo de indústria, vivendo num país dentro de um outro país.
            A segunda parte, "Vida e trabalho nos campos", mostra também como o sistema do Gulag, que chegou a reunir 476 campos no mais diferentes cantos da URSS, constituía um Estado dentro do Estado, regulando os mais diferentes aspectos de um universo concentracionário que não teve precedentes, teve poucos imitadores efetivos (a despeito da terrível eficácia mortífera dos campos de concentração nazistas) e um número ainda mais reduzido de seguidores (sendo os mais efetivos os sistemas "correcionais" da Coréia do Norte e de Cuba, já que o exemplo do Camboja foi o de uma simples máquina de matar, como de certo modo tinha sido o caso dos experimentos nazistas).
            A terceira parte, "Ascensão e queda do complexo industrial dos campos, 1940-1986", segue o sistema no seu ápice, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, até o seu desmantelamento gradual após a morte de Stalin (1953) e a disseminação do fenômeno dos "dissidentes": ele foi sendo erodido progressivamente em seu papel político (ainda que não o econômico), mas só teve seu final decretado depois do próprio fim do socialismo.
            Um apêndice tenta quantificar a extensão do terror: de acordo com os próprios dados do sistema (estatísticas da NKVD, sucessora da Cheka e antecessora do KGB), o número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. O "turnover", obviamente, foi muito maior: muitos prisioneiros morreram, alguns escaparam (poucos), vários eram incorporados ao Exército Vermelho ou à própria administração dos campos (cruel ironia). As "taxas de desaparecimentos" refletiram também as terríveis condições de vida na URSS: passou-se de 4,8% de mortos em 1932 para 15,3% no ano seguinte, o que indica o impacto da epidemia de fome induzida pela coletivização stalinista da agricultura, que matou 6 ou 7 milhões de cidadãos "livres" igualmente. A "taxa" de mortos sobe para seu máximo de 25% em 1942, para declinar para menos de 1% nos anos 1950, quando o sistema "industrial" já tinha sido instalado em sua plenitude. No total, 2,7 milhões de cidadãos soviéticos podem ter morrido no sistema do Gulag, o que de todo modo representa apenas uma pequena parte dos desaparecidos durante  todo o regime stalinista e uma parte ainda menor dos sacrificados pelo sistema soviético. Os autores franceses do Livre Noir du Communisme, por exemplo, estimam em 20 milhões as vítimas do regime soviético, o que pode ser uma indicação plausível (outros colocam entre 12 e 15 milhões de mortos). Vários historiadores se aproximam da cifra de 28 milhões de cidadãos soviéticos para o número total de “clientes” de todo o sistema concentracionário soviético em sua história de “terror vermelho”.
            O Gulag foi a face mais visível da tragédia soviética, mas certamente não a única ou exclusiva. Este livro conta a história desse terrível legado do socialismo do século XX: esperemos que a história não se repita, sequer como farsa.
           
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2004