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terça-feira, 15 de setembro de 2020

O FRACASSO estrondoso da diplomacia bolsolavista subserviente a Trump - Hussein Kalout (OESP)

 A diplomacia vassala do chanceler acidental e do presidente inepto tem fracassado em toda linha. Ela só tem sucesso na submissão automática a TUDO o que é demandado pelos EUA e por Trump em especial. Nunca passamos tanta vergonha ao ter uma diplomacia autônoma servir de capacho aos desígnios de uma potência estrangeira.

Paulo Roberto de Almeida 

Uma diplomacia coadjuvante

Em nome da nova 'política externa da democracia e da liberdade', renunciar a investimentos e exportações e comprometer o crescimento é hoje efeito colateral desse projeto

Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo

14 de setembro de 2020 | 09h00

 

No campo da política externa, o Brasil tornou-se refém da opção que construiu para si: a dependência do governo Trump e de sua incerta reeleição. O país carece de estratégia que enxergue além da subserviência ao atual inquilino da Casa Branca. Concessão atrás de concessão, o país vai aniquilando sua capacidade negociadora e a própria importância na cena internacional.

A política ambiental brasileira é um desastre rotundo. De baluarte em temas como a proteção da biodiversidade e promoção do desenvolvimento sustentável, o país se autoimpôs ostracismo na arena internacional –– para muitos tornou-se “pária”. A relação com a Europa é gélida, ou melhor dizendo: inexistente!

 

Reconstruí-la passa por abrir tantos gargalos que, por ora, é melhor deixar do jeito que está para não piorar. Em matéria de direitos humanos, já não contrariamos os mais horrendos regimes autoritários. Nas votações do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, nos colocamos com frequência ao lado de países que nem remotamente prezam “pela liberdade e pela democracia” – mote repetido à exaustão pelo chanceler bolsolavista.

Com a China, caminhamos firmemente para colapsar relação que representa cerca de 30% de todo o nosso fluxo comercial – mais do que a soma de nosso comércio com os EUA e a Europa juntos. O Brasil decidiu entrar em espécie de “guerra cultural” com os “comunistas chineses”, que alimentam com cifras robustas o capitalismo brasileiro – nada mais paradoxal! No embate com a China, Brasília busca mais uma vez macaquear Washington. No entanto, os EUA são apenas a maior potência do mundo – e têm interesses nacionais em questão e recursos de poder para tanto.

Travar relação errática e contraditória com Pequim passou a ser objetivo nacional. Em nome da nova “política externa da democracia e da liberdade”, renunciar a investimentos e exportações e comprometer crescimento, arrecadação, postos de trabalho e contas externas são hoje meros efeitos colaterais de nosso projeto de grandeza e riqueza. Não há nada mais delirante e pitoresco do que querer convencer os brasileiros a acreditarem nesse opaco lema.

Já quanto à soberania, o nacionalismo vai de vento em popa! Na retórica, o processo decisório da “política externa” parece transcorrer de maneira independente de todas as nações do mundo. Porém, dia sim e outro sim, prestam-se contas ao sub do sub sobre o devido cumprimento do dever que nos é externamente atribuído. O bedel a quem se dá satisfação é agora o novo mandatário do BID, que responde, na Casa Branca, pela América Latina.

Por falar na região em que o Brasil se situa geograficamente – porém, inexiste politicamente –, a coisa não tem como piorar (um alento!). Sem articulação, sem liderança e sem projeto para a América Latina, o Brasil se transformou em “um quase nada” para os seus vizinhos. Na ausência de norte político, o governo não sabe como induzir desenvolvimento em seu próprio entorno geoestratégico. Dadas as circunstâncias, almejar liderar algo no contexto sul-americano já não encontra sequer amparo na realidade.

Com a determinação do governo brasileiro, a América Latina é cada vez mais América e menos Latina. O Brasil fulminou o artigo 4º da Constituição de 1988, em especial o “Parágrafo único”: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” A conduta brasileira diante da eleição à presidência do BID cobrará seu preço.

Ator passivo, o Brasil se sobressai na claque que aplaude as iniciativas do governo Trump em qualquer tabuleiro geopolítico – em particular no Oriente Médio. E a promessa de 10 bilhões de dólares em investimentos que foram anunciados pelo Brasil por ocasião do giro presidencial pelas arábias? Até agora nenhuma monta substancial parece ter dado o ar da graça no terreno econômico nacional. São os tempos da (autoimposta) diplomacia da ilusão. O ativismo de rebuliço das redes sociais tudo infla, nada concretiza.

A incumbência de linha auxiliar do trumpismo liquidou a capacidade de formulação do governo brasileiro – ou até de divisar outros horizontes. A reeleição do presidente americano é a tábua de salvação do atual projeto diplomático. Sem política externa, sem bússola geoestratégica, sem América Latina, o Brasil ruma para profunda irrelevância na própria região. Enfim, seguirá, contudo, se vangloriando do disciplinado papel de ator coadjuvante!

HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Análise: A declinante reputação do Brasil - Hussein Kalout (OESP)

Acho que "declinante" é muito otimista: a imagem já caiu um profundo precipício com grande estrondo.
Paulo Roberto de Almeida

Análise: A declinante reputação do Brasil
O que define a reputação de um país no mundo? Quais são as razões para o declínio da imagem do Brasil? Que responsabilidade o governo tem sobre tal degradação?
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
22 de junho de 2020 | 12h00

Já não é segredo que a imagem do Brasil na Europa, América LatinaEstados Unidos e África sofre de crescente desprestígio – não carece aqui mencionar China e Ásia. Os governistas e seus apoiadores mais fanáticos consideram injusto atribuir tal retrato à imagem do país. Culpam a mídia e os adversários políticos “desprovidos de patriotismo”. Toda essa balela se pronuncia sem que se ofereça um único argumento verossímil. 
Da destruição do meio ambiente à negligência no apropriado combate aos efeitos da pandemia da covid-19, passando pelos retrocessos no campo dos direitos fundamentais, a culpa parece ser de todos menos de quem possui a primazia de propor as soluções e para tal foi eleito.
Em mundo competitivo e comandado pela tecnologia, onde o acesso à informação é dinâmico e se dá em tempo real, já não é mais possível para tapar o sol com a peneira e adotar narrativas insustentáveis. Governos estrangeiros, fundos de investimentos, empresas privadas de mídia e organizações de direitos civis atualmente aquilatam a reputação de um país com base em quatro fatores fundamentais: 1) estabilidade política; 2) solidez econômica; 3) arcabouço das garantias e dos direitos; e 4) compromisso com a proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
Lamentavelmente, o Brasil não vai bem em nenhuma dessas quatro vertentes. A degradação da imagem do país é, em termos simples, resultado da incapacidade do governo de administrar as crises surgidas – afora as que são geradas de forma endógena por
autoridades boquirrotas que têm mais compromisso com sua claque de extremistas do que com a nação.
No primeiro quesito, estabilidade política, bom, os fatos falam por si. À parte o imobilismo na relação com o Congresso Nacional, o governo não consegue se manter afastado de embates polêmicos com a classe política e com o Poder Judiciário. E isso para não trazer à luz a confrontação com a mídia e com a sociedade civil. A arte de bem governar passa longe do Palácio do Planalto. A confiança fica abalada quando o governo procura dotar minoria para bloquear potencial processo de impeachment, entregando os aneis e os dedos, em vez de buscar organizar maioria para fazer avançar seus projetos no parlamento.
No que diz respeito à robustez econômica, o governo vendeu a si expectativa exageradamente superior aos resultados coletados. O PIB de 2019 foi inferior ao de 2018. A reforma da previdência não catapultou as demais reformas. O capital externo e os investimentos esperados seguem à espreita. Investidores, empresas e governos estrangeiros sabem que o Poder Executivo está sem alavancagem no Congresso.
Estão cientes também de que quem mobilizou e salvou a agenda econômica foi Rodrigo Maia. As demais reformas, como a tributária e administrativa, ainda não fizeram a travessia do Ministério da Economia ao Congresso nacional. O que tramita em matéria de reforma nas duas casas legislativas são projetos dos próprios congressistas. Achar que taxa de juros baixa ou discurso de confiança bastam para que a economia deslanche não passa de autoilusão. O cenário econômico, já nebuloso antes da pandemia, agora ficou mais incerto.
No tocante às garantias e aos direitos, não fica bem para país que pretende se desenvolver e que tem o enorme desafio de reduzir as desigualdades lançar-se à inépcia de bradar nostalgicamente pelo AI-5 ou advogar o armamento da população. Quando a imprudência chega a esse nível, é a segurança jurídica que passa a estar ameaçada.
Afasta-se do cenário em que se casam desejo de investir e ambiente político estável – e, com isso, vai minguando a simpatia de países amigos. Ademais, quando também se tenta, por exemplo, manipular a autonomia universitária e minar a política de cotas por meio de gambiarras burocráticas, atinge-se a democracia e o Estado de Direito, que se tornam mais opacos.
No mundo atual, o compromisso de proteção do meio ambiente tornou-se medida inescapável da qualidade da governança de um país, fundamental para que os interesses nacionais se legitimem com o atestado de “boa governança”. Quando o objetivo declarado
passa a ser a mudança das regras do jogo e o afrouxamento da fiscalização (entenda-se: “passar a boiada”), não há narrativa capaz de suavizar seus efeitos deletérios. A política é feita de ações e impressões. Foi o Brasil que desistiu de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP25).
O país abriu mão de margem para influenciar as narrativas e o processo decisório na governança de tema ambiental central e, de quebra, delegou sua liderança a terceiros. Foi também o Brasil que ameaçou sair do Acordo de Paris. Quando malogrou a tentativa de macaquear Trump, o governo recuou, ficando com todo o passivo diplomático. Dito isso, ninguém é mais responsável pelo declínio acachapante da imagem do Brasil no mundo do que os atuais donos do poder.
Instituições de mídia como The Economist e Financial Times são insuspeitos da pecha de “comunista”. As publicações nas páginas desses meios são, no fundo, o reflexo daquilo que pensa o leitor empresário, financista e acadêmico. Em verdade, a imagem que se projeta hoje é a de que o Brasil está acéfalo e padece de governança que se possa considerar ao menos regular. Se o governo considera injusta a imagem que atribui ao país no mundo, é preciso então iniciar a mudança de rota. Seria bom começo trabalhar para restaurar a força dos quatro vetores que condicionam a reputação do país.
HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

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Análise: A imagem de um Brasil desgovernado


sábado, 13 de junho de 2020

Hussein Kalout sobre a imagem do Brasil no exterior - Radio Gaucha

"É possível recuperar a imagem do Brasil, mas não será fácil, nem no curto prazo", analisa pesquisador de Harvard
Cientista político avalia os danos à reputação brasileira em razão das crises de saúde, econômica e política
Radio Gaúcha, 12/06/2020 - 09h52min
RODRIGO LOPES



Cientista político e pesquisador na Universidade de Harvard, uma das mais prestigiadas instituições de ensino norte-americanas, o brasileiro Hussein Kalout analisa com preocupação a erosão da imagem do Brasil no Exterior, explícita em manchetes e editoriais de jornais internacionais nos últimos dias.
O professor afirma que é com um misto de espanto e curiosidade que pesquisadores da universidade, com sede em Cambridge, Massachusetts, questionam sobre o que está ocorrendo com o Brasil, que vive uma crise tripla: de saúde, provocada pelo coronavírus, econômica e política. Nesta entrevista à coluna, ele destaca a tradição da diplomacia brasileira, de apresentar o país como pacífico, conciliador e participante de consensos internacionais, algo que, segundo ele, está deixando de existir diante da nova política externa.
Kalout é formado pela Universidade de Brasília (UNB), especialista em política internacional e Oriente Médio, foi consultor da ONU e o primeiro latino-americano a integrar o Advisory Board da Harvard International Review. O pesquisador também foi secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência no governo Michel Temer. Por telefone, Kalout conversou com a coluna sobre como o Brasil é visto no Exterior e como recuperar a imagem desgastada pela gestão da pandemia.
Hussein Kalout, pesquisador de Harvard
Nas últimas semanas, há várias manchetes de jornais internacionais sobre o aumento dos casos de coronavírus no Brasile editoriais apontando para uma crise de saúde, econômica e política no país. Na sua avaliação, como o Brasil está sendo visto pelo mundo?
A imagem de um país é a semelhança e o retrato de seu governo. A imagem do governo é ruim, repleta de arranhaduras e isso acaba sendo plasmado no Exterior. Obviamente, o estilo de governança adotado pelo presidente não é um estilo muito clássico de quem exerce a função de presidente: muito particular, baseado na confrontação constante e na geração de atritos institucionais. Isso acaba tendo ressonância seja no Brasil, seja fora. O Brasil sempre se caracterizou por ser um país obediente às normas internacionais, que era capaz de ser parte da engenharia de grandes consensos, de ser um indutor de processos de paz. O que se percebe aqui fora em relação ao Brasil é que se abriu mão de todo esse capital diplomático. Abre-se mão do capital político acumulado que dava ao Brasil a primazia de atuar em diversas frentes no sistema internacional. A leitura que se faz é de que o Brasil está fora do compasso de sua normalidade histórica.
Existe, na sua opinião, uma "marca Brasil"? Que atributos contribuem para a construção da imagem do Brasil no Exterior?
Os países têm marca. Parte característica da "marca Brasil" é a de um povo solidário, acolhedor, alegre. Há Estados que se notabilizam por sua organização social e eficiência de gestão, países que projetam sua marca a partir de seu desenvolvimento tecnológico, outros a partir de sua capacidade esportiva ou sua infraestrutura militar. O Brasil sempre se caracterizou, modulou sua marca, a partir de uma percepção de um país pacífico, que é capaz de resolver as controvérsias e contenciosos de forma negociada. É um país que evitava atritos e era proponente da conciliação. Essa marca de país pacífico e conciliador não existe mais. O olhar para o Brasil não é mais assim. A primeira pergunta que te fazem, aqui em Harvard, é: "O que está acontecendo com o seu país?" 
O Brasil é assunto nos corredores da Universidade de Harvard?
Claro, aqui na universidade, de forma geral, indaga-se o que está acontecendo com o Brasil. O país parece que perdeu sua bússola. Não é porque você tem um governo à direita. Na verdade, este não é um governo de direita, é de extrema-direita. Não é porque houve uma mudança governamental. A questão é que as posições do Brasil hoje são totalmente heterodoxas, contrassensuais, contra a lógica. Não conheço, dentro do ciclo universitário, de quem conhece ou se interessa pelo Brasil, ninguém que não esteja espantado. Não conheço ninguém que ache que o que está acontecendo no Brasil é algo dentro da normalidade.
Mesmo quem está em Harvard e acompanha os Estados Unidos fica surpreso? Uma vez que o presidente Jair Bolsonarose espelha em Donald Trump?
O povo americano está espantado com Trump. Basta olhar as pesquisas. Em vários Estados, ele está tomando uma lavada em relação a Joe Biden. Na Pensilvânia, Estado em que ele venceu a Hillary Clinton por menos de 10 mil votos na eleição anterior, hoje está 10 pontos atrás de Biden. No Arizona, Estado do Mike Pence (vice de Trump), está tecnicamente empatado ou atrás do Biden, Flórida, que é um Estado caracteristicamente republicano, ele está tecnicamente empatado com Biden. Isso reflete o humor e a insatisfação do público americano. Trump está perdendo tração entre os mais idosos, na faixa dos afro-americanos, dos hispano-americanos, entre jovens, entre mulheres. Não é que se espantam, é que aqui os pesos e contrapesos e as instituições são muito fortes. Você não vê Trump atacando a Suprema Corte americana. Você não vê Trump indo a uma manifestação em frente à Casa Branca em meio a uma pandemia de covid-19. Você não vê Trump em frente à Casa Branca onde há faixas propondo o fechamento do Supremo. Bolsonaro procura imitar Trump, e o imita inclusive nos erros e da pior forma possível.
A má gestão da pandemia pode erodir o chamado soft power brasileiro, a capacidade de projeção de poder do país lá fora?
O soft power é basicamente a projeção dos interesses nacionais brasileiros nos tabuleiros internacionais de forma qualificada e diplomaticamente bem desenhada. Hoje, o Brasil não tem um projeto de política externa. Até para você projetar os seus interesses, você precisa ter um projeto. Esse projeto não existe. Hoje, o Brasil encontra-se imobilizado nos principais tabuleiros internacionais, inclusive atacando seus principais parceiros estratégicos no mundo: as duas potências europeias, Franca e Alemanha, a China, seu principal parceiro comercial, a Argentina, que é o principal parceiro geopolítico na América Latina. Não vou nem entrar na temática dos países árabes (houve ameaças de rompimento de contratos comerciais diante da intenção do governo de mudar a embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém) . Há uma degradação do poder brando brasileiro, que sempre foi consubstanciado em suas capacidades de utilizar seu estilo pacificador, propositivo, pragmático e conciliador. Isso é fato. 
A pandemia profunda a crise na imagem brasileira?
A pandemia escancarou de uma forma um pouco mais nua e crua as debilidades da política externa brasileira e da capacidade governamental. Qual país do mundo, em meio a uma pandemia de coronavírus, está trocando o ministro da saúde? Diga um país só… Não tem. Então, algo está errado. Qual país categoricamente nega a ciência? Três ou quatro. Normalmente Estados totalitários, que adotam o mesmo discurso negacionista quanto aos efeitos do problema. Em parte, Trump paga um alto preço porque tentou minimizar isso. E tentou propor soluções não comprovadas cientificamente. Isso feriu de morte sua popularidade e hoje o país tem 30 milhões de desempregados e mais de 100 mil mortes. Então, não foi muito auspicioso. A crise da covid-19 escancarou as debilidades do governo que já eram conhecidas, mas não vistas com essa ótica tão primitiva.
Essa imagem internacional pode ser reconstruída ou os danos são irreversíveis?
Se o governo seguir com essa mesma tônica, a tendência é de que haja uma deterioração grave, mais grave ainda, da imagem do Brasil no mundo. Se essa dinâmica de adoção de políticas públicas e de confrontação persistir, a tendência é de que se agrave. Se é irrecuperável ou não, vai depender de quem estiver à frente do governo futuro e do trabalho que será feito. Acho que o trabalho no futuro é reversível, porém vai custar muito caro ao Brasil: em tempo, em recursos, em reconquistar a confiança de importantes parceiros. Não vai ser algo que se recupere da noite para o dia. Tem de haver um trabalho por trás e isso precisa se provar na prática. Podemos recuperar? É possível, mas não será fácil e não será no curto prazo.


terça-feira, 28 de abril de 2020

Brazil Conference reune ex-chanceleres para debater política externa

Política externa do governo isola o País, afirmam ex-chanceleres

Ex-ministros e analistas das relações exteriores criticam atual diplomacia brasileira durante debate na Brazil Conference

28 ABR2020
19h07
atualizado às 22h16
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Ex-chanceleres afirmaram nesta terça-feira, 28, que a política externa do governo de Jair Bolsonaro não contribui para os interesses do Brasil no exterior e não traduz as necessidades do País em oportunidades de investimentos. Os diplomatas disseram que a atual política externa prejudica a projeção do Brasil no mundo e promove o autoisolamento do País, e defenderam a restauração da racionalidade.
"O que acontece agora é a incapacidade de afirmar construtivamente a presença do Brasil no mundo de acordo com suas necessidades e seus interesses, até em matéria de coisas óbvias como é nosso relacionamento com a China", disse Celso Lafer, que atuou como ministro nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
As declarações foram dadas no painel sobre diplomacia da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento anual da comunidade de estudantes brasileiros em Boston e que, neste ano, acontece por videoconferência por causa do coronavírus. O debate foi mediado pela colunista do Estado e editoria do site BR Político, Vera Magalhães.
O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira (governo Michel Temer) afirmou que uma boa política externa precisa ter noção de que o mundo não começou com ela. "Se inscreve em linhas de continuidade, que definem um perfil diplomático do país e lhe confere credibilidade e previsibilidade nas relações que se travam com os países."
O ex-chanceler Celso Amorim, que atuou nos governos FHC, Lula e Dilma, disse que em "meio século" nunca viu nada igual e que a reputação do Brasil no exterior é muito ruim. "Sempre houve uma linha de continuidade. Me envergonho de tudo da política externa hoje. O Brasil teria todas as condições de ser o sócio privilegiado da China, e agora somos o último da fila", afirmou. Amorim afirmou ainda que é preciso restabelecer a racionalidade e promover a restauração da atuação na política externa.
O diplomata Rubens Ricupero afirmou que o governo tem feito alianças erradas ao se aproximar do ex-presidente argentino Mauricio Macri e ao criticar o francês Emmanuel Macron e a alemã Angela Merkel, enquanto privilegia os líderes de países como Estados Unidos, Hungria e Polônia. "O governo tem uma percepção de um universo de ficção, é uma política destrutiva que nada traz em favor dos interesses brasileiros", afirmou Ricupero.
Ele também defendeu a resolução pacífica das controvérsias e disse que o Brasil precisa ajudar a encaminhar soluções, sendo uma voz construtiva na comunidade internacional, independente de ideologia. "No passado, éramos parte da solução e hoje somos parte do problema. Nós agravamos todos os problemas", afirmou. "Não podemos sucumbir a atitudes ideológicas reducionistas de que o mundo é uma conspiração contra a cultura judaico-cristã, coisas absolutamente fictícias. Temos que olhar a realidade, compreender a complexidade (do mundo) e não seguir visões maniqueistas".

Subserviência aos Estados Unidos

Pesquisador da Universidade de Harvard, o cientista político Hussein Kalout criticou a subserviência do governo brasileiro ao do presidente Donald Trump, algo que nunca aconteceu em 200 anos de política externa. Kalout destacou também a necessidade de diferenciar a relação entre pessoas e entre Estados. "Nas relações internacionais não há amizade, há interesses", disse.
"É de extremo amadorismo acreditar que Trump e Bolsonaro são a mesma coisa e que interesses são convergentes em tudo." O pesquisador afirmou que o País tem feito concessões reais em troca de migalhas. "Essa antidiplomacia vai impingir ao Brasil graves danos."

Mundo pós-pandemia

Os analistas avaliaram que a pandemia pode reforçar tendências como o nacionalismo, a xenofobia, o protecionismo e o enfraquecimento do multilateralismo, lembrando que nenhuma delas favorece o País. "O Brasil deve fazer tudo o que puder para fortalecer o sistema internacional de cooperação. O Brasil poderia sair na frente com uma proposta de melhorar a governança global em matéria de pandemias, reforçar a OMS", sugeriu Rubens Ricupero, que foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
Na mesma linha, o ex-senador Aloysio Nunes defendeu que a "pandemia global exige uma resposta global" e que o Brasil se coloque de maneira mais proativa e construtiva no cenário internacional. "Essa atitude negacionista vai custar muito caro porque a pandemia está aí, as mortes estão aí". Nesta terça, o Brasil ultrapassou a China no número de mortes decorrentes da covid-19, totalizando 5.017.
Amorim destacou que o mundo precisará pensar de forma muito mais profunda sobre a globalização e disse que a cooperação em temas como saúde e mudanças climáticas deve ser mais evidente. "Isso permitirá aos poucos uma reconstrução desses organismos (internacionais) e do multilateralismo".

Economia verde

Também foi dito que o Brasil deve unir o seu ativo de um dos maiores produtores de alimentos do mundo com a conservação ambiental. "O Brasil tem que recuperar o seu papel proativo em matéria de economia verde e desenvolvimento sustentável", resumiu Ricupero. Kalout destacou que o fato de o País ser potencial agrícola e ambiental não deve ser excludente. "Podemos perfeitamente ser o maior líder mundial na produção agrícola e manter nossa capacidade de influir no sistema multilateral sobre grandes recomendações das linhas ambientais. É um falso dilema".

Venezuela

Os debatedores concordaram que o Brasil precisa fornecer uma solução para a crise política e econômica da Venezuela. "O Brasil é o maior vizinho, o maior país da região, não pode ficar de fora", disse Amorim, que criticou os bloqueios econômicos ao país. "Ferem o direito internacional e o direito humanitário".
O ex-chanceler fez questão de afirmar que não concorda com tudo que é feito pelo regime, "independente do qualificativo que queira usar". "Tipificar certa situação para bloquear sua própria capacidade de dialogar e encontrar soluções não é bom", respondeu, quando questionado se o país era uma ditadura. Celso Lafer destacou que o Brasil tem dez vizinhos e trabalhar em paz com eles é um dos principais objetivos da política externa brasileira, enquanto Aloysio Nunes afirmou que é preciso manter o diálogo e a cooperação com os vizinhos. 
Nunes criticou o fato de o Brasil ter retirado diplomatas funcionários da embaixada e dos consulados do Brasil na Venezuela. "Chega a ser cruel", disse. "Só se retira todos os diplomatas em guerra", complementou Amorim.

Brazil Conference

Ainda participarão da edição online da Brazil Conference o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), os governadores João Doria (PSDB-SP), Helder Barbalho (MDB-PA) e Renato Casagrande (PSB-ES), entre outros.
Para mais informações acesse o site do evento: https://www.brazilconference.org/

SAIBA MAIS

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Barão do Rio Branco de passagem por Brasília - Hussei Kalout

Barão do Rio Branco de passagem por Brasília
Dia 20 de abril é considerado o Dia do Diplomata no Brasil
Hussein Kalout*
O Estado de S.Paulo, 20 de abril de 2020 | 08h59

Olá, meu jovem! Tudo bem? Olha só, me disseram que estão querendo reescrever a história do Brasil. É verdade isso? Fiquei um tanto surpreso. Essa modernidade de vocês é preocupante. Muitos mal sabem quem eu sou e o quanto me doei por este país abençoado. Ah, me desculpe, meu jovem, não me apresentei. O meu nome é José Maria da Silva Paranhos Júnior. Muito prazer!
Na minha época, sabe, eu fiquei conhecido como o Barão do Rio Branco. Mas, por favor, esqueça o título nobiliárquico que herdei. Não quero confundir a sua cabeça, é que eu servi ao Brasil como Ministro das Relações Exteriores na República. Me dediquei a ajudar quatro presidentes – Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca – ao largo de uma década. Você já se situou? Ah, não? Tá bom, meu jovem, não importa.
Estou procurando o Itamaraty. Sabe onde fica? Está localizado na nova capital. Pois, foi o que o presidente Juscelino me falou. Ele disse que admirava o que eu fiz pelo Brasil. Preciso chegar lá, pois estou um pouco apressado. Depois que morri, fui aclamado como o Patrono da Diplomacia Brasileira. Nunca imaginei ser honrado com tamanha deferência. Morri trabalhando sobre a minha mesa lá no Palácio Itamaraty que ficava na antiga capital, o Rio de Janeiro – aquilo parece que virou uma bagunça; uma pena! Mas, voltando ao assunto: queria deixar tudo nos trinques, enfim, para que ninguém mais tenha que se preocupar com essa tal “resolução pacífica das controvérsias”.
Me disseram que hoje é o Dia do Diplomata, 20 de abril. É verdade, meu jovem? Soube pelo Oswaldo Aranha e pelo San Tiago Dantas que escolherem a data do meu natalício para celebrar o dia dos profissionais que se dedicam à causa diplomática. Estou me encaminhando para Brasília para conversar com certas pessoas. O meu espírito, desde 2019, anda inquieto. Ando apreensivo e desgostoso. Me tiraram do sossego e agora estou obrigado a vagar por esse mundo.
Passei muitos anos trabalhando duramente para estruturar os cânones da nossa política externa brasileira, meu jovem. Negociei sem que um tiro fosse disparado em nossos vizinhos para resolver as questões de nossas fronteiras. Por causa do Acre, discuti asperamente com o Rui Barbosa. Para ele tudo era sob a ótica do direito e das normas jurídicas. O baixinho era insistente e, por vezes, petulante para um geógrafo.
Enfim, não sou homem fácil de se convencer. Mas, fui! O Direito Internacional passou a ser um pilar estrutural de nossa tomada de decisão.
É assim que o Brasil melhor protege os seus interesses, meu jovem. Percebi que isso seria uma vantagem, especialmente, para dialogar mais a fundo com os líderes de um promissor país: os Estados Unidos da América. O seu presidente, na minha época, era o Theodore Roosevelt – um homem jovem, de quase 43 anos, e de justeza. Estudou, em Harvard, e foi até da revistinha de lá a tal The Harvard Advocate. Te confesso, que tenho certa admiração, meu jovem, pela carta dos pais fundadores daquela nação americana. Um deles era o Thomas Jefferson, de uma polidez intelectual e de refinamento jurídico indescritível. Foi o que eu soube. Não sei se você já leu algo sobre isso. Sou um velho que gosta, também, de história. O Rui está certo, sabe! O respeito ao Direito foi importante amalgama e um dos melhores argumentos a usar para estabelecer um laço de confiança para com os seus líderes.
Por isso, o Nabuco, o Joaquim, era a chave na nossa estratégia. Mandamos o Nabuco – era um sujeito garboso e de intelecto agudo – para chefiar a nossa Legação Diplomática, em Washington, que elevamos à categoria de Embaixada. Ali, ele tinha uma missão vital. Garantir o apoio dos Estados Unidos a nossa causa nas arbitragens de fronteira e, se possível, expandir o comércio. O Nabuco era duro na queda quando a coisa se enveredava para esses dois assuntos: soberania e a autodeterminação dos povos. O “Quincas” não abria mão em defesa dos dois princípios. Você deveria ler mais, meu jovem. É bom aprender. Quincas, o belo, é o Nabuco, ora! Me contaram que ele perambulava em Washington propagando os Lusíadas de Camões. Aliás, o que o pessoal anda lendo na nova capital? Quem? Fale de novo. Quem? Perdoe minha memória e velhice, mas nunca ouvi falar de Olavo de Carvalho. Deixe para lá.
O Senhor Elihu Root, Secretário de Estado de Roosevelt, tinha apreço especial pelo Nabuco – acabou lhe vendendo a casa. O pernambucano trabalhou bem, garantiu o apoio nos processos de arbitragens remanescentes e abriu uma boa frente comercial. E mais, desde então, nos tornamos, apesar dos percalços, os garantes da estabilidade da América do Sul. Sabe, meu jovem, é vital cuidar da nossa região e de nossos interesses. O Lampreia, o moço que ocupou o meu posto, me disse que o Celso Amorim tinha boa visão estratégica, mesmo com desacertos aqui ou ali.
O Lampreia, cá entre nós, deu também as suas escorregadas: olhou muito para o norte achando que dava samba! A nossa vocação, meu jovem, é universalista! Bom, chegando a Brasília no dia do diplomata, 20 de abril, tentarei encontrar com o moço que está à frente do Itamaraty. Soube que o Rubens Ricupero disse que a coisa está à deriva. Uma enciclopédia esse homem, segundo me disse o Afonso Arinos.
Nabuco ficaria com inveja da inteligência dele!
Na minha época a nossa projeção além-mar tinha três componentes: realismo, pragmatismo e interesse nacional. És jovem e ainda terás oportunidade de entender o que digo. E a religião? Qual religião, meu jovem? Não posso crer que já sequestraram a constituição em nome dele. O divino nada tem a ver com política externa. Se tivesse não seria necessário canhões para a guerra e diplomatas para a paz, meu jovem.
Deixe o altíssimo!
E tentarei ver o Presidente, se for possível para ele me receber. Ah...ele admira o Senhor Trump. O atual incumbente dos Estados Unidos. Quanta degradação, não? Tinha gente melhor a se espelhar, não? Podia ser o George Washington que, enfim, era militar. Podia admirar ao menos algum mandatário brasileiro. Há muito o que acertar antes de retornar ao meu sossego.
Enfim, até logo, meu jovem! Preciso ir e deixar o meu agradecimento aos verdadeiros patriotas de ontem e de hoje que me homenageiam em sua alma e em seu silêncio. Espero não ter de vir no ano que vem!

* Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

terça-feira, 14 de abril de 2020

A insustentável estratégia da diplomacia brasileira - Hussein Kalout

A diplomacia olavo-bolsonarista é de uma incompetência tão atroz, tão estúpida e tão nefasta, do ponto de vista dos interesses nacionais, que sequer o conceito clássico de “alinhamento automático” serve para caracterizar sua submissão abjeta aos interesses pessoais do presidente Trump. Alinhamento com o quê? Não aos Estados Unidos, que tampouco possuem uma política externa definida, racional; o que prevalece nos EUA são os instintos primitivos do pior presidente americano, assim como também não temos NENHUMA política externa, apenas os instintos primitivos do pior presidente da nossa história. O que existe é um adesismo sabujo ao personagem, exemplificado pelo boné “Trump 2920” do inepto 03 — que nunca ouviu falar de Kissinger —, a quem se submete vergonhosamente o chanceler acidental.
Paulo Roberto de Almeida

A insustentável estratégia da diplomacia brasileira
Políticos, diplomatas, militares, acadêmicos e empresários imaginaram que a realidade iria servir como barreira natural para a nova doutrina das relações exteriores do País. Se enganaram.  
Hussein Kalout 
O Estado de S.Paulo13 de abril de 2020

Desde que o presidente Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial de 2018, foi exibido ao teatro político nacional uma inédita moldura de como o Brasil pretendia defender os seus interesses estratégicos e projetar o seu poder nas relações internacionais. 

Apesar das desconfianças e da perplexidade com a heterodoxia da nova orientação da “política exterior” do País, políticos, diplomatas, militares, acadêmicos e empresários imaginaram que a realidade iria servir como barreira natural de contenção para as descalibradas aventuras que se prenunciavam e o pragmatismo, logo acabaria, com o tempo, predominando sobre a frívola proposta que foi apresentada à Nação. 

O novo corolário doutrinário das relações exteriores do País trazia consigo um equívoco de concepção: desprezar na largada os tabuleiros de fácil e imediata maximização dos interesses nacionais em troca da projeção de hipotéticas vitórias em tabuleiros mais volúveis e de alta complexidade – e isso, obviamente, sem os necessários recursos que delimitam o poder real de dissuasão de um país. 

China e EUA foram transformados em dilema. O presidente, durante a campanha e após a campanha, não poupou esforços para atacar um país e louvar o outro. O inquilino da Casa Branca tornou-se referência moral e padrão estratégico a ser seguido pelo Palácio do Planalto. Até os erros, inertemente, são macaqueados.

No marco dessa difusa equação, a reafirmação de lealdade a esse alinhamento passou a estar consubstanciado no constante antagonismo com a China, na agressividade retórica na América do Sul e no abandono do equilíbrio dos temas médio orientais.  

O bolsolavismo acreditava que poderia modular duas narrativas, que, apesar de ambivalentes, poderiam funcionar sem custo diplomático. Erro crasso! Em seu torpe ideário, provocar um choque frontal com os chineses serviria a dois propósitos: 1) alimentar os ignorantes agitadores digitais de sua bolha ilusória nas redes sociais; e 2) reforçar os laços com Washington de aliado obediente e comprometido com a causa anti-China. A sua turva visão não alcançou, até o momento, a compreensão de que os EUA querem seguidores e não sócios na partilha de qualquer espólio comercial envolvendo o mercado chinês.  

Irritar a China publicamente e contemporizar os danos nos bastidores – para capitalizar com americanos e aplacar a ira dos chineses – é uma estratégia falida. É como caminhar no fio da navalha com uma granada na cintura.

Os bolsolavistas não sopesaram em seus cálculos a virulência da reação chinesa. Julgaram que o pragmatismo chinês amorteceria a sua infantilidade institucional e o que prevaleceria, ao fim e ao cabo, são os negócios – puxados sempre pelos competentes adultos do Ministério da Agricultura e pela prudência dos generais.  

O governo Bolsonaro criou um falso e desnecessário dilema para definir o papel do Brasil no contexto das relações do Brasil-China-EUA. Elevar as relações entre Brasília e Washington ao patamar de uma parceria estratégica – ou mesmo uma aproximação nos termos imaginados por Bolsonaro – não deveria excluir a expansão da relação política e comercial com Pequim. Uma agenda profícua com a China não deveria implicar, por outro lado, distanciamento dos EUA. 

Para jogar no tabuleiro geoestratégico em meio às duas superpotências mundiais – cujos recursos de poder são superiores aos nossos –, o Brasil precisa ter clareza das consequências. Atacar Pequim, sem ter para onde escoar as suas commodities e sem saber como substituir os investimentos no setor energético e de infraestrutura do País, é de um amadorismo atroz.

Enquanto o bolsolavismo não quebrar a criptografia das regras de engajamento que regulam as relações sino-americanas, é melhor o Brasil manter uma distância segura em relação a esse embate.

A diplomacia do governo Bolsonaro não dá sinal de querer ser governada pela razão, pelo pragmatismo ou em defesa dos interesses estratégicos do País, mas, sim, monetizar em votos apoiadores fanáticos a serviço de seu projeto de poder – mesmo que isso arruine a relação do Brasil com China, França, Alemanha, Argentina ou o inimigo fabricado da vez.

HUSSEIN KALOUT, 43, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

O nacionalismo não pode nos salvar - Hussein Kalout (OESP)

Pretendo seguir o Hussein Kalout no Estadão, como já sigo na Época.
Paulo Roberto de Almeida

Análise: O nacionalismo não pode nos salvar

Diante de desafios impostos pela pandemia, não é o nacionalismo que pode nos salvar de seus efeitos, mas a cooperação internacional por meio do fortalecimento do multilateralismo

Hussein Kalout

O Estado de S. Paulo, 6/04/202


O mundo não será mais o mesmo depois da pandemia do covid-19. Trata-se de um abalo sísmico de grandes proporções na ordem internacional construída pós-Segunda Guerra Mundial. O seu impacto não é menor do que uma guerra em perdas de vidas humanas, desestruturação de tecidos produtivos e na redistribuição mundial de poder. Embora a primeira reação dos diversos países é ter reafirmado as prerrogativas dos governos nacionais - fechando fronteiras, centralizando compras de insumos médicos, baixando pacotes econômicos -, o efeito de longo prazo da pandemia, se formos capazes de tirar as lições corretas, deveria ser o reforço da cooperação multilateral. 

Antes da pandemia, já havia uma clara crise estrutural na ordem internacional dita liberal do pós-Guerra. Os EUA, os antigos garantidores dessa ordem, mostravam insatisfação crescente com suas regras, uma vez que, de sua perspectiva, potências malignas puderam vicejar nesse contexto. 

China teria se valido de sua participação na OMC para auferir vantagens indevidas, angariando os benefícios do sistema multilateral de comércio sem arcar com os ônus. Resultado teria sido a exportação líquida de empregos dos EUA para a China e outros países asiáticos. A Rússia, por sua vez, teria aproveitado as brechas do sistema de segurança coletiva da ONU, onde possui poder de veto, e as fragilidades da Otan para mostrar as garras na Geórgia, na Síria e, sobretudo, na Ucrânia

O unilateralismo e uma visão “transacional” das relações exteriores passaram a dominar a política externa dos EUA sob Trump, que não hesitou em minar regimes internacionais - como o Acordo de Paris, o pacto migratório da ONU e o mecanismo de solução de controvérsias da OMC - para forçar mudanças das regras a seu favor. Essa mesma lógica levou à guerra comercial com a China, à imposição de sobretaxas ao aço e ao alumínio sob alegação de segurança nacional, à renegociação forçada do Nafta e à retirada do TPP, além das críticas à atuação e ao financiamento da Otan. 

Apesar da reação inicial à pandemia aparentar vitória do nacionalismo egoísta sobre a cooperação multilateral, não há dúvida de que ameaças como essa não encontrarão respostas sustentáveis no ambiente do cada um por si ou do toma-lá-dá-cá que caracteriza a política de Trump. O enfrentamento da pandemia e a reconstrução posterior demandarão investimentos públicos maciços não apenas dos governos nacionais, mas também das instâncias multilaterais. 

Se a OMS contasse com um sistema de alerta precoce mais robusto em matéria de notificação de pandemias, com sanções claras, talvez a demora da China em alertar sobre os primeiros casos tivesse sido menor, com ganhos para a prevenção e preparação em todo o mundo. Além disso, sistemas nacionais de saúde frágeis têm implicações além-fronteiras. Para mobilizar recursos, conhecimentos especializados e boas práticas, será fundamental envolver organismos internacionais como a ONU, a OMS, o Banco Mundial, o FMI, a FAO e a OMC, entre outros, com vistas a fortalecer as estruturas nacionais. 

pandemia do covid-19 é particularmente dramática porque concentra no tempo os seus efeitos, mas não é distinta, em sua natureza, de temas como mudança do clima, migrações, crimes transnacionais, terrorismo, segurança alimentar, e diversos tipos de conflitos e tensões regionais e globais. Diante desses desafios, não é o nacionalismo que pode nos salvar, mas a cooperação internacional por meio do fortalecimento do multilateralismo. No lugar da anarquia internacional do salve-se-quem-puder, apenas a ordem regida por regras compartilhadas será capaz de garantir soluções de longo prazo. 

Uma grande ameaça gera sempre o reflexo inicial de proteger os interesses nacionais por meio de ações individuais dos países. Esse nacionalismo epidérmico, contudo, terá de ceder lugar, no andar da carruagem, a uma visão mais sofisticada do interesse nacional, que, no longo prazo, estará melhor protegido por regras multilaterais e pela cooperação internacional. Não podemos repetir o erro dos anos 1930, em que a cegueira ultranacionalista dos entusiastas de políticas transacionais da época gerou apenas mais insegurança, desesperança e conflito. 

*HUSSEIN KALOUT, 43, é cientista político, professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

sábado, 21 de março de 2020

A "diplomacia" olavo-bolsonarista e a embaixada da China - Hussein Kalout e Grupo Band de Comunicações

Confirmado que a diplomacia daquela parte do governo brasileiro sob influência do olavo-bolsonarismo é capaz de criar suas próprias crises, tivemos, na semana que se encerrou, um raro incidente nos anais de nossas relações exteriores, consubstanciado nas declarações em Twitter de um deputado que aspirava ser o embaixador do Brasil nos Estados Unidos – por uma suposta "amizade com a família Trump"–, ou talvez até o chanceler brasileiro, sobre a responsabilidade da China pela pandemia do Coronavirus, e uma inédita reação do embaixador da China, em linguagem pouco protocolar, reagindo às acusações.
Abaixo o artigo de Hussein Kalout sobre o incidente e, mais abaixo, um "editorial" falado no Jornal da Band, em termos incisivos contra o atual chanceler, que o Grupo Bandeirantes simplesmente designa de IDIOTA.
Paulo Roberto de Almeida


O 'DELFIM DA POLÍTICA EXTERNA' E A FÁBULA CHINESA

Diante de uma grave crise global e nacional de saúde pública, Eduardo Bolsonaro emplacou uma olímpica crise diplomática com a poderosa China
https://epoca.globo.com/colunistas/coluna-o-delfim-da-politica-externa-a-fabula-chinesa-24318831


O Padre José de Anchieta historiou sobre a dimensão da estupidez e da irracionalidade do comportamento do homem perante o óbvio. Convencido de que pau torto não se desentorta, concluiu: “As cores da vida são as que pintamos”.
Diante de uma grave crise global e nacional de saúde pública, Eduardo Bolsonaro, “o delfim da política externa”, emplacou uma olímpica (e desnecessária) crise diplomática com a poderosa China. Usando sua conta no Twitter, atacou a China, responsabilizando Pequim pela crise global do coronavírus, ao agir de maneira análoga ao regime soviético por ocasião do desastre de Chernobyl.
Jogou para a plateia de milicianos digitais, em nome do suposto “debate democrático”, quando o que estava por trás era algo muito diferente: o emprego de teorias conspiratórias para desviar a atenção de sua própria incompetência.
O grande problema é que escolheu o alvo errado. Agora, setores do governo e do empresariado correm atrás do prejuízo, desesperadamente, no desiderato de apagar o incêndio e fazer contenção de danos com esse país que é, simplesmente, o maior parceiro econômico e comercial do Brasil.
Em estado de perplexidade, diplomatas, políticos e empresários questionam a necessidade de deflagrar um entrechoque diplomático direto com um país cujos recursos de poder são infinitamente maiores do que os do Brasil – e tudo isso em meio a uma luta para salvar a vida de brasileiros e resguardar a combalida economia do país.
Diante da saraivada de críticas institucionais e debaixo de um panelaço nacional, a estratégia pode ter buscado desviar o foco da crise para um inimigo externo. Encontrar bodes expiatórios – sobretudo se for estrangeiro e ainda melhor se for vermelho e comunista – encaixa bem na narrativa fabricada da nossa extrema-direita, ajudando a desviar a atenção dos problemas reais e de suas soluções urgentes.
A insistência em dizer que se trata de um vírus chinês, copiando Trump, mal consegue esconder uma visão xenófoba que se associa à tese, corrente entre grupos bolsonaristas, segundo a qual a doença seria uma invenção chinesa para dominar o mundo.
A ignorância da política internacional, a cegueira imposta por sua ideologia lunática e a ausência do menor traço de bom senso e compostura levaram Eduardo Bolsonaro – secundado por seu ajudante de ordens que responde formalmente pelo Itamaraty – a cometer dois erros pueris: 1) não entendeu que o “timing” para engrossar com a China é inadequado; e 2) não percebeu que o que funciona como estratégia nos EUA não necessariamente funciona no Brasil. O tiro saiu pela culatra!
A reação do Embaixador da China, Yang Wanming, ocorreu dez horas após os tuites do Deputado Eduardo Bolsonaro. É inimaginável pensar que essa reação ocorreu sem consultas com Pequim e sem o respaldo de Xi Jinping.
O grau de descontentamento chinês não poderia ser maior, como demonstra a opção de deixar de lado a sua tradicional liturgia diplomática, mandando recados incisivos, frontais e sem camuflagem na linguagem diplomática ao núcleo duro do bolsonarismo. A China sente que o vento já sopra em outra direção.
Não é preciso lembrar de que a China é o principal investidor estrangeiro em infraestrutura e importador majoritário de ampla gama de nossos produtos agrícolas. Cabe lembrar, ainda, que foi a China quem, recentemente, salvou o governo Bolsonaro do maior fiasco no setor energético – o megaleilão do Pré-Sal promovido pela Petrobras no fim do ano passado. E a China é quem está socorrendo a Itália e também fornecendo insumos de saúde para o Brasil, tendo merecido inclusive agradecimento do ministro da Saúde!
O setor empresarial brasileiro e o agronegócio estão em alerta e atônitos com a irresponsabilidade da conduta do deputado. A nossa área de saúde, preocupada em mobilizar a cooperação internacional, em particular da China, está estupefata.
Sem investimento e sem o escoamento da produção para a China a situação econômica do povo brasileiro seria impactada em matéria de ingresso de capitais, empregos e renda, e, tudo isso, em uma hora que precisamos de toda a ajuda possível para combater uma pandemia viral e impedir o declínio total da economia brasileira.
Independentemente dos acontecimentos, a incompetência do comandante-em-chefe da nação já foi precificada. Eximir o governo e a si mesmo pelos resultados dessa tragédia, na tentativa de estancar o derretimento de massa de votos que o levou ao poder, já não é mais uma opção viável. A estratégia de culpar os outros – esquerda, isentões, chineses – não vai colar, como já não colou no teflon das panelas que soaram em protesto.
Em momento de aguda crise e estado de calamidade pública, o que se espera dos políticos e membros de Poderes é que estejam à altura do desafio de liderar o país, o que requer abnegação e espírito público. O momento é crítico, vidas humanas estão em jogo, o bem-estar dos mais vulneráveis está em perigo.
É hora de mostrar maturidade, colocando de lado objetivos pessoais e político-partidários em nome do bem comum. Os indignos da tarefa, insensatos de sempre e notórios ineptos fariam bem em ao menos não atrapalhar. Por enquanto, infelizmente, vão confirmando a tese de Anchieta.
HUSSEIN KALOUT é cientista político, professor de Relações Internacionais e pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018).
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Postura do Grupo Bandeirantes de Comunicação sobre a nota do chanceler a propósito do incidente entre um deputado e a embaixada da China (20/03/2020)

“A provocação desnecessária de um deputado irresponsável, seguida por um chanceler idiotizado, uma espécie de avesso do Barão do Rio Branco, colocou o Brasil em conflito com o seu maior parceiro comercial.
Pura inépcia. O chefe da diplomacia, que teria como missão zelar pelos interesses do país, torna-se assim um obstáculo, talvez o maior, no caminho de nossas relações com a China.
O lamentável chanceler realiza essa proeza de inverter seu papel, numa demonstração clara de que é incapaz de responder pelo cargo que lhe deram. Exigir, como ele exigiu, que o embaixador chinês se retratasse, depois de reagir ao destempero do deputado, é uma atitude descabida, que prova a inconsciência de um diplomata despreparado.
Uma atitude de desprezo pela amizade e respeito por um povo que, neste momento, mostra a sua tenacidade numa luta eficiente contra o Coronavirus, exatamente o contrário do que conseguem enxergar o deputado imaturo e o chanceler inepto.
Por quanto tempo ainda veremos um IDIOTA ocupar a cadeira de Rio Branco, Afonso Arinos e San Tiago Dantas.
Essa é a opinião do Grupo Bandeirantes de Comunicação.” (1:26)

https://m.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=VeNCehaybRE