DE MAJESTADE
A PATINHO FEIO – O ITAMARATY EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO
JOÃO PAULO
PEIXOTO
Diário do Poder, 1/07/2015
Houve uma época em que o
belo Palácio Itamaraty ostentava em seu espelho d’água vistosas garças, e uma
majestosa escultura de Bruno Giorgi – o meteoro. Este ainda está presente, as
outras não. Ao menos não as mais vistosas, que voaram para longe levando
consigo os bons tempos de outrora. Ambos projetavam elegância, a majestade e
beleza estética do Palácio. Não é por acaso, também, que o prédio que abriga as
relações exteriores se diferencia, em muito, dos demais ministérios.
Sinalizando que a ele é reservado um papel diferenciado no conjunto do governo.
A penúria financeira do
Itamaraty no Brasil e no exterior, portanto, espelhando uma realidade que
difere muito da aparência, não condiz com sua importância para um país que
ostenta a sétima economia do mundo em um mundo globalizado. Ademais, o que
chama mais atenção atualmente é o contraste com outros tempos, não necessariamente
longínquos. Embora não seja novidade cortes de despesas corriqueiras das
embaixadas e dos diplomatas no exterior. A título de exemplo vale lembrar que,
certa vez, o chanceler Azeredo da Silveira teve que recorrer diretamente ao
presidente Geisel (1974-1979) para reclamar do corte dos telefones do Itamaraty
feito pela então Telebrasília. Obviamente, o problema foi resolvido
imediatamente.
Por
outro lado, desnecessário ressaltar o impacto negativo dos cortes de despesa,
os quais resultam em geral em inadimplência junto a organismos internacionais,
sobre a atuação do ministério perante seus pares e fornecedores de toda espécie
mundo afora, bem como na moral e na autoestima dos membros do Serviço Exterior.
Os servidores, por outro lado, encontram-se em situação de fragilidade,
convivendo com a incerteza dos pagamentos do auxílio-moradia, que por vezes é
maior que o próprio salário, dadas as peculiaridades do mercado imobiliário
local. A falta de verba fez com que o último plano de remoções fosse adiado em
meses, trazendo toda sorte de inconvenientes para os servidores do Serviço
Exterior e suas famílias.
A
credibilidade de uma política – qualquer uma – reside em grande parte na
respeitabilidade de quem a implementa. Tal credibilidade, por sua vez, se
assenta no cumprimento das obrigações e deveres para que se possa fazer valer a
vontade política dos seus responsáveis.
No
caso do Itamaraty a escassez de recursos é mais grave se considerarmos alguns
dos seus dados em relação ao conjunto do governo. Sem levar em conta que se
trata, em última análise, da própria imagem do país.
A
Casa de Rio Branco administra o terceiro menor orçamento entre os ministérios,
excetuando-se as secretarias especiais; a menor média salarial dentre as
carreiras típicas de Estado e o menor número de servidores comparando dez
principais ministérios da Esplanada. As causas para tal tratamento diferenciado
por parte do governo ao seu serviço exterior têm várias causas internas e
externas. Não cabendo aqui analisa-las e sim procurar despertar a reflexão, por
quem de direito, sobre elas.
Não
obstante, torna-se redundante pontuar a importância das relações exteriores
neste mundo globalizado. O que por si só, seria justificativa para que o MRE
fosse tratado com mais atenção. Para não mencionar a costumeira retórica de
necessidade de ampliar a participação do Brasil nas relações comerciais
globais. Principalmente nestes dias de escassez e crise econômica doméstica.
Outro
dado que espelha o crescimento da importância das relações internacionais é o acréscimo
exponencial dos cursos universitários de Relações Internacionais. Hoje são mais
de 100. Um número bem distante do pioneirismo da Universidade de Brasília, que
por muitos anos atuou sozinha nesse campo, desde que inaugurou o primeiro
programa do gênero no Brasil nos anos de 1970.
Da
mesma forma os ministérios expandiram em larga medida sua atuação
internacional, nem sempre de maneira coordenada com o MRE.
Como
se não bastasse, vale lembrar ainda que o Brasil tem hoje na África mais
embaixadas do que a Grã-Bretanha. Tendo sido aquela uma outrora potência
colonial naquele continente.
Diante
desses fatos, a pergunta que se faz é porque a Casa de Rio Branco suporta
quietamente, ao menos publicamente, tal situação. Razões lhe sobram para reagir
e exigir o devido tratamento, como ocorria em governos passados, desde as
décadas de 1970/80 onde o profissionalismo e o respeito pelos seus quadros e
suas tradições eram motivo de prestígio, respeito e reconhecimento pelos donos
do poder. É tempo de ir em busca dos tempos grandiosos.