Depois de vários outros livros dedicados a outros grandes mestres do pensamento liberal e conservador – Friedrich Hayek, Ayn Rand, Hans Hoppe –, o professor Dennys Garcia Xavier vê seu mais recente livro dessa série finalmente publicado pela LVM:
Thomas Sowell e a aniquilação de falácias ideológicas
(Português) Capa Comum – 22 dez 2019
Thomas Sowell especializou-se em dinamitar o grande edifício do politicamente correto. Desde as primeiras páginas do seu corpus escrito este ponto resta claro: as coisas são o que são e esta deve ser a base segura de qualquer investigação científica ou filosófica minimamente honesta ou válida. Para o desespero dos adversários, muitos dos quais filhos de um eficaz processo de “lavagem cerebral”, Sowell lida como poucos com vasta erudição e grande capacidade comunicativa: binômio que faz dele um intelectual completo. As balizas lançadas por Sowell são indispensáveis num país que clama por mudanças que o coloquem na direção do que funciona, da prosperidade, da riqueza e de um processo formativo que tenha por finalidade a construção de homens livres, não autômatos ideologicamente contaminados.
Detalhes do produto
- Capa comum: 312 páginas
- Editora: LVM Editora; Edição: 1 (20 de dezembro de 2019)
- Idioma: Português
- ISBN-10: 6550520169
- ISBN-13: 978-6550520168
- Dimensões do produto: 16 x 6 x 23 cm
- Peso de envio: 499 g
Tive o privilégio de ter sido convidado para escrever o prefácio dessa obra, a convite do seu organizador, que aliás incluiu trechos de um trabalho meu sobre as universidades públicas brasileiras (de 2017) nas suas apresentações de dois livros precedentes desta série de "Breves Lições": Ayn Rand e F. Hayek.
Meu prefácio, intitulado "Thomas Sowell: um intelectual completo", vai reproduzido abaixo.
As capas de dois outros livros desta série, organizados por Dennys Garcia Xavier, figuram aqui:
Alguns capítulos do livro:
THOMAS SOWELL: UMA BIOGRAFIA –
A ECONOMIA DO CONHECIMENTO EM SOWELL –
AÇÃO AFIRMATIVA: AFIRMATIVA NA PERSPECTIVA DE QUEM? –
OS INTELECTUAIS E A SOCIEDADE: UMA LEITURA SOBRE AS VISÕES DE SOCIEDADE E A REALIDADE PARALELA NA MÍDIA E NO MUNDO ACADÊMICO –
SOWELL CONTRA O MARXISMO ECONÔMICO-FILOSÓFICO –
DA DOUTRINAÇÃO IDEOLÓGICA PARA A EDUCAÇÃO: UMA PROPOSTA DE RUPTURA PARADIGMÁTICA DO ENSINO NORTE-AMERICANO –
SOWELL E A MÃO VISÍVEL DO ESTADO –
A SEGURANÇA COMO VIRTUDE E A INSEGURANÇA CRIADA PELOS VIRTUOSOS. –
OS INTELECTUAIS E A GUERRA –
QUANDO O ‘POLITICAMENTE CORRETO’ É O MAIOR INIMIGO –
O “CONFLITO DE VISÕES” DE THOMAS SOWELL: DISTINTAS VISÕES SOBRE A NATUREZA HUMANA E SUAS CONSEQUENTES IDEIAS POLÍTICAS. –
AS FALÁCIAS DA SUPERIORIDADE MORAL ANTE A TRAGÉDIA HUMANA
Thomas
Sowell: um intelectual completo
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: ensaio introdutório; finalidade: coletânea de textos sobre
Thomas Sowell]
Meus encontros
(erráticos) com a obra de Thomas Sowell
Lamento ter demorado tanto tempo para
a “descoberta” desse grande economista americano, seguida do mergulho fascinante
em suas obras. Entre a penúltima estada nos Estados Unidos – como ministro-conselheiro
na embaixada em Washington, entre 1999 e 2003 – e a mais recente – no Consulado
do Brasil em Hartford, entre 2013 e 2015 –, passei dez anos no Brasil, entregue
a atividades acadêmicas vinculadas à economia do Brasil, objeto de minhas aulas
no mestrado e doutorado em Direito no Uniceub, onde ainda sou professor. Mas,
mesmo quando estava em Washington, eu me ocupei basicamente de estudos
dirigidos ao Brasil: encontros com brasilianistas, redação de livros sobre a
história diplomática ou sobre a política brasileira, e quase não me voltei para
a produção acadêmica americana, a não ser nos temas estritamente conectados à
minha área de trabalho naquela embaixada: finanças internacionais (seguimento
das atividades do FMI, do Banco Mundial e do BID, política comercial numa fase
em que a Área de Livre Comércio das Américas ainda não tinha sido implodida pelos
companheiros, encontros nos think tanks de capital americana, entre eles o
Institute of International Economics, onde trabalhava John Williamson, o homem
do “consenso de Washington). Mas, a despeito do atraso, creio ter recuperado
algum terreno desde então, e isso começou em Hartford, quando passei a adquirir
os seus livros.
Foi apenas da segunda vez que tratei
de atualizar minha bibliografia econômica e logo tratei de encomendar meu
primeiro livro do grande economista: descubro agora que seis anos atrás, mais
exatamente em abril de 2013, encomendei o primeiro, The Thomas Sowell Reader (2011), ao qual se seguiram muitos outros
livros dele. Na postagem que fiz em meu blog Diplomatizzando sobre esse e vários outros de sua bibliografia – a
qual eu já estava mirando com um olhar cúpido –, verifico que o título escolhido
foi o mesmo que, inadvertidamente, decidi adotar neste ensaio: “um intelectual
completo”.
Este é, creio, o que define o self-made intellectual que ele foi,
nascido em família pobre, pai falecido antes do seu nascimento, logo entregue
para adoção por sua mãe a uma parente de maior renda, e que enfrentou todas as
durezas da vida, até se consagrar ao que sempre quis fazer: ensinar o que
aprendeu ao longo de uma carreira juvenil permeada de mudanças e até uma
passagem, como fotógrafo militar, pela guerra da Coreia. Pois foi justamente o
GI Bill – a lei que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, assegurava aos
soldados retornados de conflitos bolsas de estudos, habilitando-os a frequentar
uma universidade de prestígio, o que a maioria deles nunca teria conseguido com
seus próprios, e parcos, recursos – que lhe permitiu aceder a estudos
superiores de qualidade.
Sowell foi para Harvard e depois
para Columbia, antes de se dirigir ao templo da economia liberal, Chicago, ele
que, na época, se definia como marxista. Não sei se foi por essa característica
que eu ressenti precoce empatia pela obra de Thomas Sowell, mesmo sem conhecer ainda
seu livro sobre o marxismo (1985; 2012). A afinidade não era tanto de
substância, uma vez que eu justamente comecei minha educação política e
econômica pelo marxismo, mas mais propriamente de método, o de foco no estudo e
nas críticas subsequentes às principais teses de Marx, o que acredito tenha
sido igualmente o meu percurso. De forma não exatamente similar, e sem qualquer
produção intelectual longinquamente comparável, comecei no marxismo: ainda
adolescente, consegui resumir o Capital
em apenas 70 páginas, a partir de uma edição já abreviada de uma tradução em
francês, passando a ler depois todos os clássicos do marxismo. Paralelamente, contudo,
e creio ter sido este também o caso de Sowell, nunca deixei de ler os grandes
nomes da bibliografia “liberal”: Raymond Aron, Roberto Campos, Max Weber e
muitos outros. Não ser dogmático já é um grande começo.
Em seu livro sobre o marxismo – que
talvez possa ser lido em paralelo ao de Aron –, Sowell começa pela abordagem
dialética, indo em seguida ao materialismo filosófico e à teoria da história,
antes de se dedicar à análise da economia capitalista propriamente dita (modo
de produção, da “teoria” da mais valia e das crises), para, finalmente, tratar das
prescrições revolucionárias na política, assim como da figura de Marx e de seu
legado. Por mais que a contribuição intelectual de Marx e do marxismo não se
sustentem nem no plano da lógica, nem na do desenvolvimento real das sociedades
humanas, ele não se exime de analisar e dissecar criticamente o método e a
substância de uma visão do mundo que terminou por dominar grande parte do globo
e da espécie humana. Sowell procede com total honestidade intelectual em
relação ao promotor de uma doutrina que está na origem do grande sofrimento
humano produzido por uma filosofia coletivista à qual ele sempre objetou.
Esse tipo de abordagem metodológica,
aplicada sobretudo aos grandes problemas sociais, foi um dos fatores que me
levou a me aproximar de sua obra, já aderente ao pensamento econômico liberal, provavelmente
pelos mesmos motivos que Sowell: somos ambos adeptos da “teoria do pudim”: o
funcionamento dos mecanismos econômicos da sociedade deve ser avaliado pelos
seus resultados concretos, ainda que complementado por muitas leituras, pelo
estudo contínuo dos clássicos e por reflexões suscitadas pela observação atenta
das realidades do mundo. No meu caso, foi a comparação entre a doutrina dos
livros e o conhecimento direto da mediocridade socialista; no caso dele, deve
ter sido a constatação extraída de sua própria vida, ao ter vindo da Grande
Depressão e acompanhado o “Grande Salto para a Prosperidade Americana”, da era
Roosevelt aos anos 1960, quando seu pensamento já se tinha fixado nos caminhos
práticos para o bem-estar social, ao passo que os países socialistas continuavam
patinando no marasmo econômico e na opressão política.
Ao longo da segunda década do novo
milênio, fui adquirindo aos poucos suas obras mais representativas, preferencialmente
as de análise econômica, mais do que as coletâneas de artigos conjunturais
sobre questões tipicamente americanas. Um dos últimos, adquirido em Buenos
Aires, foi a tradução em espanhol de um dos primeiros livros de Sowell, Classical Economics Reconsidered (1974), na qual ele retoma as lições dos clássicos
agrupadas em quatro grandes áreas de interesse: a filosofia social (para ele um
foco sempre mais relevante do que a simples economics),
a macroeconomia, a microeconomia e questões de metodologia. Nos últimos anos,
os livros em formato eletrônico, habilitando-me a ler em qualquer lugar, se
acumularam em bem maior número do que os volumes impressos, alguns até pesados.
Mesmo tendo acumulado
uma boa coleção, não posso me considerar um especialista em sua obra, o que
seria quase impossível: quase cinco dezenas de livros, várias outras coletâneas
de escritos (centenas de artigos em colunas de periódicos), monografias, e
muitas outras dezenas de resenhas e notas, convertem sua obra completa em uma
biblioteca inteira de economia acadêmica, de discussão de problemas práticos e
de redescobertas dos “antigos”, como muitas vezes descobri com seus comentários
em torno dos clássicos, mas também a propósito de autores hoje praticamente
esquecidos dos anos 1940 e 50.
Um contrarianista
metodológico: as falácias econômicas
Um dos livros de Sowell que mais
aprecio, porque talvez também combine com meu espírito contrarianista, é o seu
famoso Economic Facts and Fallacies (2008), na verdade um tipo de abordagem que ele seguiu,
invariavelmente, em muitos dos seus demais livros, em especial aqueles voltados
a desmentir políticas distributivistas, ações afirmativas, supostos efeitos do
racismo ou das disparidades sociais, demonstrando aos incautos, com base em
certezas acachapantes, como nosso julgamento superficial sobre a aparente
“racionalidade” de certas opções políticas não fazem nenhum sentido do ponto de
vista da eficiência ou da consistência econômica. O frontispício dessa obra,
uma citação de John Adams, deixa transparecer sua atitude básica em face de
opiniões subjetivas ou de percepções de senso comum:
Fatos são coisas teimosas; e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas
preferências, ou os ditados de nossas paixões, eles não podem alterar o estado
dos fatos e das evidências.
Paradoxalmente, ele
trata os principais postulados econômicos como evidências de alcance geral, tal
como revelado no título de seus livros mais conhecidos, e mais usados como text-books: Basic Economics: A
Citizen's Guide to the Economy (2000) e Basic Economics: A Common Sense
Guide to the Economy (3ª. edição, 2007). Em consonância com essa atitude
inerente à sua metodologia, ele nunca hesitou em marchar contra a corrente,
seja nas questões raciais – um tema especialmente delicado num país com remorso
de seu apartheid passado, talvez nunca terminado, e que empreendeu uma cruzada
nas ações “afirmativas” –, seja nos problemas de desigualdades de renda dentro
e entre os países. Ele não apenas toma posição contra essas verdades de senso
comum, que nada mais são do que pensamento politicamente correto envelopado em
belas frases progressistas, como demonstra, com apoio em estudos empiricamente embasados,
como a visão dos bem pensantes e das almas caridosas não passam no teste da
realidade prática ou da eficiência econômica. Nisso ele se aproxima de um outro
intelectual que também nadou contra a corrente durante a maior parte da sua
vida: o francês Raymond Aron, tão denegrido em sua terra natal quanto, entre
nós, Roberto Campos ou Eugênio Gudin, dois liberais clamando no deserto.
O debate econômico nos
Estados Unidos – em grande medida graças aos grandes bastiões do liberalismo
clássico que são os think tanks da linha hayekiana ou miseniana, e escolas de
pensamento econômico como Chicago – nunca foi tão dominado pela vertente social-democrática
quanto o foi na Europa continental, em especial na França e nos países latinos.
Na França, por sinal, durante muito tempo se repetiu que era “melhor estar
errado com Jean-Paul Sartre do que ter razão com Raymond Aron”, mas é também
verdade que a praga do politicamente correto teve início nas universidades
americanas para depois se espalhar como erva daninha por instituições
congêneres de quase todos os países do mundo. Na América Latina, a chegada da
praga foi mais delongada, pois o desenvolvimentismo estava na linha de frente
do debate público, sujeito às controvérsias conhecidas e que foi abordado em várias
das obras tipicamente econômicas de Sowell: como seria de se esperar ele recusa
as teorias vulgares da dependência e da exploração como causas do atraso.
A maior parte das
falácias econômicas é partilhada por pessoas não formalmente instruídas na
teoria ou na história econômica. Mas mesmo economistas podem ser levados a
defender algumas falácias simplesmente por ignorar certos fatos econômicos – a
verdadeira obsessão de Sowell com a fundamentação empírica de todas as suas
demonstrações – ou por operar um corte seletivo na realidade econômica, sem
observar uma metodologia rigorosa que os teria levado a outras “descobertas” ou
argumentos. No caso da América Latina, por exemplo, não só a opinião pública
educada (entre elas políticos e acadêmicos), mas também economistas se deixaram
seduzir pela “teoria”, aparentemente “comprovada pela evidência histórica”, da
“deterioração dos termos do intercâmbio”, ou seja, a baixa relativa e contínua
dos preços das matérias primas comparativamente ao valor dos produtos
industrializados. O confronto tendências opostas entre preços de commodities e
de manufaturas alimentou vários programas de industrialização substitutiva, com
todas as consequências criadas pelo excesso de protecionismo e de dirigismo
estatal nas décadas seguintes à disseminação dessa “teoria” a partir de suas
fontes cepaliana e prebischianas. A França, por sua vez, é um dos poucos países
do Ocidente avançado onde livros de economistas recomendando a adoção explícita
e aberta do protecionismo recebem certa adesão entre colegas.
Nos Estados Unidos,
concepções da dinâmica comercial como um jogo de soma zero, ou as próprias noções
de “comércio justo” ou “leal” sempre ganham novo vigor em épocas de campanha
eleitoral, quando candidatos populistas agitam o conhecido temor da concorrência
para cativar alguma clientela pouco instruída, como se observou no caso de
Trump. Novas falácias surgem continuamente, ao lado daquelas velhas já
amplamente conhecidas – como aquela tristemente famosa na história econômica, a
de que os países avançados ficaram ricos no tráfico de escravos e por ter impiedosamente
explorado colônias conquistadas e frágeis nações periféricas –, como a do
desemprego tecnológico ou a de que os imigrantes estão “roubando” os empregos
dos nacionais. Não se pode esperar que pessoas simples deixem de acreditar
nessas falácias, ou que políticos oportunistas deixem de explorar essas
concepções ingênuas em seu proveito, mas se deveria esperar que, ao menos, economistas
formados nas melhores faculdades do mundo não se deixassem seduzir pelo
protecionismo mais prejudicial à própria prosperidade de seus países. Sowell
passou a vida inteira combatendo esse tipo de bobagem, mas a luta é
interminável, como aliás provado pelos progressos do criacionismo entre
parcelas expressivas de populações ricas.
Um intelectual
completo, e insaciável
Uma consulta ao índice do Thomas Sowell Reader revela a amplitude
de seus temas básicos de pesquisa e de reflexão. As 500 páginas de artigos
selecionados se dividem em 26 breves notas sobre questões sociais, dez outros
artigos sobre temas propriamente econômicos, uma dúzia sobre problemas
políticos (inclusive o longo ensaio sobre “Marx o Homem”, retirado de seu livro
sobre a filosofia e a economia do marxismo), mais uma dezena e meia de
discussões sobre questões legais, outro tanto de debate em torno da raça e
questões étnicas, quase duas dezenas de problemas educacionais, uma preocupação
básica em toda a sua vida, para terminar com dois esquemas biográficos e pensamentos
esparsos sobre questões corriqueiras. A seção de frases preferidas de sua
página (http://www.tsowell.com/) transcreve citações dos mais
variados autores, indo de Adam Smith, David Ricardo e Jean-Baptiste Say a Paul
Johnson e Dinesh D'Souza, passando por Joseph Schumpeter, Friedrich Hayek
e o “filósofo estivador” Eric Hoffer.
Curiosamente, eu tinha chegado a Eric
Hoffer quando comecei a pesquisar sobre os fundamentalistas religiosos e
políticos: esse trabalhador das docas de San Francisco, e ao mesmo tempo
pesquisador na Universidade da Califórnia, em Berkeley, tem um livro de 1951
chamado, justamente, The True Believers: thoughts
on the nature of mass movements – no qual procura explicar as origens
psicológicas do fanatismo, referindo-se ao comunismo, ao fascismo e ao nacional-socialismo,
ao catolicismo, ao protestantismo e ao islamismo –, e que voltou a ser
consultado depois dos ataques terroristas de 2001. Muito antes disso, Sowell
cita esse e vários outros livros de Hoffer, como uma espécie de tributo a um
estivador que, cego durante muitos anos, passou longos anos lendo e anotando obras
clássicas em bibliotecas públicas da Califórnia, para compor manuscritos que
depois foram adquiridas pela Hoover Institution, à qual Sowell está ligado
desde longos anos.
Talvez o que tenha aproximado Sowell
dos livros de Hoffer, trinta anos mais velhos do que ele, morto em 1983, quase
20 anos antes que a Hoover adquirisse seus escritos, tenha sido a comum
rejeição do fanatismo, quer seja religioso, secular ou nacionalista. Um
possível outro aspecto dessa aproximação é a desconfiança dos intelectuais, os
ungidos, como Sowell intitulou um de seus livros. Hoffer, desde os tempos da
guerra do Vietnã, tinha uma rejeição visceral por acadêmicos como Noam Chomsky,
que considerava os Estados Unidos como a potência mais agressiva do mundo, a
grande ameaça à paz, à autodeterminação dos povos e à cooperação internacional,
quase ao mesmo nível do antigo fascismo. Hoffer, em termos não muito diferentes
dos que seriam usados mais tarde por Sowell, reagia a isso:
Chomsky
adora o poder. Ele também está convencido de sua superioridade sobre qualquer
político ou homem de negócios vivo dos Estados Unidos. Ele olha o mundo sendo
administrado por seres inferiores, por pessoas que fazem dinheiro, por gente
sem princípios ou ideologia. Ele acha que o capitalismo é coisa para vulgares e
ignorantes, e que as pessoas inteligentes devem cultivar uma forma superior de
socialismo. (Tom Bethell. Eric
Hoffer: the longshoreman philosopher. Stanford: Hoover Institution Press,
2012; e-book, loc. 270)
Thomas
Sowell exibe palavras igualmente críticas a propósito dos intelectuais, seja em
A Conflict of Visions: Ideological Origins of
Political Struggles (1987), seja em The
Vision of the Anointed: Self-Congratulation as a Basis for Social Policy
(1995), ou, mais diretamente em Intellectuals and Society (2010). No primeiro dessa
tríade, ele tenta desvelar os supostos ideológicos por trás das diferentes
visões do mundo de diferentes grupos de opinião, em relação a conceitos
básicos, como igualdade, poder ou justiça. O subtítulo do segundo livro já
traduz boa parte do seu conteúdo: os problemas existem porque certas pessoas,
decisores no poder, não são tão sábios ou tão virtuosos quanto os ungidos. Estes
recusam recorrentemente aceitar montanhas de fatos e de evidências que
desmentem suas assertivas e suas propostas de políticas públicas, ao mesmo
tempo em que acusam os seus críticos de más intenções. No terceiro livro, à diferença
de Paul Johnson, que trata de casos individuais de intelectuais, a partir de
Rousseau, Sowell busca determinar a natureza das diferenças de visão entre
intelectuais sobre diversas questões de interesse básico da sociedade: a
economia, as políticas sociais, o direito e a justiça, a guerra e questões
raciais, um eterno problema americano.
Sem dúvida que Thomas Sowell participa ativamente do debate público nos
Estados Unidos sobre questões cruciais das políticas públicas e das propostas
feitas pelos “ungidos” resolver problemas práticos da sociedade, mas ele nunca
descurou de uma abordagem desses problemas por um método analítico
profundamente enraizado nos clássicos da economia, como demonstrado por um dos
livros iniciais de sua carreira, aquele justamente dedicado à reconsideração
dos clássicos da economia: Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, e
também Marx. Numa edição mais recente (2016) de Wealth, Poverty and
Politics: an international perspective, ele volta a tratar das diferenças
de renda entre as nações e dentro das nações, mas, em lugar de se estender
sobre as propostas para “acabar” com a pobreza e a desigualdade, ele se
preocupa basicamente em explicar e analisar os diferentes fatores que se encontram
entre as causas dessas diferenças: fatores geográficos, culturais, sociais e
políticos, para ao final tratar da diferença entre causação e culpa. Ele cita,
por exemplo, o caso da China, que esteve durante largo tempo à frente de todas
as demais nações, mas que depois retrocedeu também durante bastante tempo,
antes de começar a se recuperar rapidamente.
Um compromisso básico de Thomas Sowell, em todos os seus livros não
está tanto com a filosofia social que possam defender diferentes grupos da
sociedade, mas com os simples fatos da vida e da economia, razão pela qual ele
volta a repetir a frase de John Adams em mais de um frontispício de seus livros.
E um dos temas recorrentes em seus livros é o slogan perfeito de políticos,
benfeitores, almas cândidas, acadêmicos, do povo em geral: igualdade. Basta
dizer que o objetivo das medidas sociais, das políticas públicas, como um todo,
que o princípio guia e o valor prioritário de toda ação governamental é a
sacrossanta e sempre presente igualdade, detalhada como sendo uma “melhor
distribuição de renda” e a “correção” das injustiças da economia de mercado,
que cessam todas as resistências se desfazem e uma assembleia de piedosos e
numerosos seguidores da seita dos politicamente corretos se levanta em uníssono
para aprovar tais metas.
Pois Thomas Sowell, vindo de um meio pobre (eu até esqueci de dizer,
até aqui, que ele é negro, o que para ele não tem uma mínima importância) e
desprovido de uma estrutura familiar que lhe garantisse as condições essenciais
para empreender qualquer projeto de ascensão social, tem coragem de, e
considera ser sua tarefa principal como economista, levantar-se contra essa
unanimidade praticamente consensual e recusar-se a aderir à crença geral. Não
apenas ele prova, com fatos, que a desigualdade é um traço comum a toda a
humanidade, em todas as épocas e lugares, como afirma, claramente, que buscar
igualdade não pode ser um objetivo de qualquer política estatal.
Os grandes conceitos da trajetória intelectual de
Thomas Sowell
Sowell é o oposto daqueles formalistas da microeconomia ou dos processadores
de grandes números dentre os teóricos da macroeconomia. Entre os conceitos principais
que percorrem suas obras, e sobretudo seus artigos populares, figuram os da
igualdade, o da discriminação – crucial em vista do apartheid americano, nunca
realmente superado –, o da distribuição de renda, o do protecionismo comercial,
o da promoção de interesses particulares, todos eles referidos a realidades
concretas e cujo tratamento analítico recebe o mais meticuloso e sacrossanto
respeito aos fatos. Como seu colega economista, professor na Universidade
Mason, Walter Williams, igualmente negro, Sowell não hesita a tratar das
questões raciais, mas sempre a contra corrente das opiniões dominantes, seja
das políticas oficiais de ação afirmativa, seja da maioria dos demais
acadêmicos, brancos e sobretudo negros, ao se opor ao racialismo dessas políticas
de promoção de uma falsa igualdade, o que também decorre de sua oposição às
tentativas de políticos de promoverem bondades com base apenas em suas
suposições do que seria o bem, não com base nas realidades da vida.
Na questão das disparidades raciais ou de renda ele sempre observa que
as pessoas tendem a se posicionar a favor ou contra certas políticas com base
em suas concepções a priori de natureza abstrata, não com base nos fundamentos
empíricos das desigualdades e nos efeitos reais dessas políticas supostamente
corretoras dessas desigualdades. A edição mais recente (2019) de seu livro Discrimination
and Disparities está aliás dedicada ao professor Walter Williams, que de
acordo com a dedicatória, “trabalhou no mesmo vinhedo”. E ele volta a recorrer
ao seu credo no prefácio a esse livro, citando uma frase conhecida do
intelectual Daniel Patrick Moynihan, para quem “você tem direito à sua própria
opinião, mas não tem direito aos seus próprios fatos”. Ele também começa o
livro citando o historiador francês Fernand Braudel, que expressa uma realidade
praticamente universal: “Em nenhuma sociedade, todas as regiões e todas as
partes da sociedade se desenvolveram de maneira igualitária”.
Num livro anterior, Affirmative Action Around the World: an
empirical study (2004), ele examina as experiências de ação afirmativa da
Índia, da Malásia, do Sri Lanka, da Nigéria e dos Estados Unidos. O Brasil é
apenas referido episodicamente como sendo um país dotado de tais políticas, mas
seu caso não recebe, infelizmente, nenhum tratamento empírico nesse livro,
talvez porque esse tipo de medida só se expandiu em fases históricas
posteriores. O Brasil, aliás, não figura muito frequentemente, ou quase nada,
em suas obras, o que não impediria economistas ou sociólogos brasileiros de
adotarem sua postura analítica e sua teimosa adesão à pesquisa empírica para
também abordar os grandes problemas nacionais com o mesmo espírito aberto e
certa adesão filosófica ao liberalismo. Na verdade, a crença nas soluções
liberais em economia não se justifica apenas com base em algum princípio
filosófico abstrato, mas como uma espécie de guia para a melhor conduta
pessoal, por parte do analista econômico, e para a seleção das melhores
políticas públicas, por parte dos dirigentes governamentais, na busca da
prosperidade social e do bem-estar para toda a nação, com base nos valores da
democracia e dos direitos humanos.
Todos nós temos muito a aprender com as obras e o pensamento de Thomas
Sowell, um gigante do liberalismo econômico e da disseminação da educação econômica
para as grandes massas, um exercício intelectual que os franceses chamam de haute
vulgarisation. No caso dele, é bem mais do que isso, pois suas obras servem
perfeitamente bem aos cursos de pós-graduação em economia e em sociologia,
assim como a outros ramos das ciências sociais, em especial aos programas de
pesquisa empírica. Não por outra razão, o início de muitos livros sempre
recorre à conhecida frase de John Adams: “fatos são teimosos...”
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
12/07/2019