O despertar da África
Luiz Alberto Machado
Espaço Democrático, 30/12/2019
Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
Costumo dizer que na economia globalizada, não basta conhecer apenas as características do país em que se está inserido, mas também as realidades e perspectivas dos outros atores da economia mundial.
Por algumas décadas, o bom desempenho econômico da Ásia chamou a atenção do mundo. Primeiro foi o Japão, que conseguiu, com incrível rapidez, superar as enormes dificuldades ocasionadas pela derrota na Segunda Guerra Mundial e se transformar numa das maiores potências econômicas do planeta na década de 1970.
Em seguida, houve grande repercussão do acelerado crescimento de algumas economias do sudeste asiático, que se tornaram conhecidos pelo nome de Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong e Taiwan. Com o excepcional crescimento econômico posterior às reformas introduzidas por Deng Xiaoping em 1979, suficiente para transformá-la na segunda maior economia do mundo, é natural que as atenções tenham se voltado para a China, que se tornou “a bola da vez”. Isso fez com que o desempenho econômico de outro grande país da região, tanto em extensão territorial como em população, tenha passado quase despercebido, a Índia. Com a redução das taxas de crescimento da economia chinesa para o que se convencionou chamar de “novo normal”, a Índia foi o país que apresentou maiores taxas de crescimento do PIB por dois ou três anos consecutivos, em que pese a continuidade de acentuadas disparidades regionais, como assinalam Jean Drèze e Amartya Sen no livro Glória incerta..
Desde 2018, porém, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional, dos cinco países com maior taxa de crescimento do PIB, quatro são do continente africano, Ruanda, Líbia, Etiópia e Costa do Marfim, permanecendo a Índia como a única representante do continente asiático.
Evidentemente, a base é muito baixa, pois o nível de pobreza desses países é extremamente elevado, e muitos questionam até que ponto a crescimento de alguns países da região não tem sido artificialmente inflado por capitais chineses (que evidentemente, têm outros interesses na região, como alerta a economista Dambisa Moyo, no livro O vencedor leva tudo), mas não deixa de chamar a atenção o fato de países que passaram por um terrível genocídio como Ruanda, ou por uma ditadura atroz como a Líbia no governo de Muamar Kadafi, estejam hoje na ponta do ranking do crescimento mundial.
Outro país que chama especialmente a minha atenção é a Etiópia, que normalmente aparecia nas manchetes em razão da fome que afligia parte significativa da população. Apenas dois fatos ficaram gravados na minha memória ao longo da história: os extraordinários feitos de Abebe Bikila, que por duas vezes ganhou a maratona olímpica, tendo corrido descalço na primeira delas, disputada nas ruas de Roma em 1960; e o longo reinado (1930-1974) do imperador Hailé Selassié, que acabou posteriormente sendo cultuado pelo movimento rastafári, tendo seu nome numa série de publicações e em músicas reggae, cujo ícone é o jamaicano Bob Marley.
O acelerado crescimento desses países começa a despertar a atenção de analistas internacionais, havendo inclusive quem se refira à Etiópia como a China da África, não apenas em virtude das altas taxas de crescimento, mas também por razões históricas e culturais, afinal, como bem observa o professor José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE:
A Etiópia é o berço do Homo Sapiens e dos grãos do café. Atualmente é uma das principais nações da África. A população da Etiópia, em 2018, de 107,5 milhões de habitantes é a segunda maior do continente, ficando atrás somente da Nigéria com 195,9 milhões de habitantes, mas à frente do Egito com 99,4 milhões de habitantes e
com cerca do dobro da população da África do Sul (57,4 milhões).
O PIB da Etiópia foi de US$ 222,3 bilhões em 2018, bem abaixo do PIB da África do Sul de US$ 794,7 bilhões, da Nigéria de US$ 1,19 trilhão e do Egito de US$ 1,29 trilhão. Mas a Etiópia tem a economia que apresenta as maiores taxas de crescimento ao longo dos anos 2000.
Na sequência de seu artigo, observa o pesquisador:
A comparação da Etiópia com a China não se deve apenas ao alto crescimento econômico recente. Na verdade, os dois países possuem uma rica história. A China da Grande Muralha, da fabricação da seda, das cerâmicas e das 4 grandes invenções – bússola, pólvora, papel e tipografia – tem uma história mais conhecida. Mas ambos os países acreditam que eles estão destinados a ser grandes.
A Etiópia também tem uma civilização antiga e teve um Estado-Nação relativamente maduro bem cedo, com o Reino Aksumita, datando do século I DC Os regimes subsequentes, através dos tempos medievais e além, exerceram uma boa quantidade de poder. Mais importante, os etíopes de hoje veem seu país como uma extensão direta dessas unidades políticas anteriores. Alguns etíopes influentes afirmaram traçar sua linhagem até o rei Salomão dos tempos bíblicos. O país tem vínculos entrelaçados com as três maiores religiões abraâmicas do mundo. A Etiópia divide com a África do Sul o posto de maior número de Patrimônios Mundiais da UNESCO na África.
Como se pode observar, está na hora de colocar a África, por muito tempo considerado o continente esquecido, na mira dos radares.
Referências bibliográficas e webgráficas:
ALVES, José Eustáquio Diniz. Crescimento demoeconômico da Etiópia: a “China
da África”? Disponível em https://www.ecodebate.com.br/2019/01/30/crescimento-
demoeconomico-da-etiopia-a-china-da-africa-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
DRÈZE, Jean e SEN, Amartya. Glória incerta: a Índia e suas contradições. Tradução
de Ricardo Doninelli Mendes e Laila Coutinho. São Paulo: Companhia das Letras,
2015.
MOYO, Dambisa. O vencedor leva tudo: a corrida chinesa por recursos e seu
significado para o mundo. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2013.