19) Os leitões de Niemöeller (Semana 19)
Pode ser a senilidade batendo à porta, mas nunca lembro como viemos parar aqui. O amigo perdoará, que, afinal, a lucidez anda algo cabisbaixa no Brasil de 2020. As velhas estórias, de meninice, por sua vez, andam sempre frescas na memória. Também pudera, tantas vezes foram repetidas. Uma delas fez-me refletir sobre nosso atual desestado (SIC) das coisas: Os Três Porquinhos, consagrada em 1890, na coletânea de folclore inglês do australiano Joseph Jacobs. No conto, os três irmãos suínos, Cícero, Heitor e Prático, deparam-se com dilema de descaso e precaução, ao construírem suas moradas.
Cícero, preguiçoso e cultor do descaso, optou por uma choupana de palha. Era fácil de erguer, e não acreditava que pudesse correr algum
perigo. Heitor, sabendo que o frio do inverno penetraria a palha fina, foi um pouco mais prudente e construiu um chalé de madeira. Já Prático, velho sabido, insistiu em sólidos pilares fundacionais. Investiu seu tempo para construir uma casa de tijolos e cimento. Não faltaram troças de Cícero e Heitor ao irmão neurótico, mas Prático sabia que o perigo poderia vir.
Estava certo. Em pouco tempo, o lobo veio. Primeiro, na casa de Cícero, que se escondeu, tremendo, mas, com uma só bufada, o lobo soprou toda a palha da choupana. Cícero então correu a se esconder no chalé de madeira de Heitor, que confiava em sua estrutura de madeira. Mas bastaram duas boas bufadas do algoz para que todas as tábuas se despedaçassem. Desesperados, Cícero e Heitor correram para a casa do irmão precavido que, com certa dose de “eu avisei”, recebeu-os em sua casa de sólidas pilastras.
Novamente, o lobo veio. Bufou, bufou, bufou, mas não conseguiu trazer a casa a baixo. Segundo a estória, o lobo ainda teria tentado adentrar a fortaleça suína por duas vezes. Uma com disfarce de cordeiro e a outra pela chaminé, mas acabou com o rabo queimado em uma panela de água fervente que Prático fez borbulhar. O lobo mau, então, fugiu assustado e nunca mais voltou.
Por esses dias, ao ler mais um disparate deste ministro ou daquele presidente, já não sei ao certo, pensei que, diante do mal do bolso-olavismo, eu mesmo fui Cícero. Sequer imaginei que um pensamento tão fraco e desconexo pudesse chegar perto de nossa Casa. Quando me dei conta que esses ventos sim sopravam por aqui, fui Heitor. Não podia acreditar que ameaçariam a nós, que tanto nos gabamos de nossa inteligência. Ao fim, talvez estejamos a repetir a estória dos porquinhos, mas com um toque de Martin Niemöller, já que nunca acreditamos que viriam por nós.
O que não consigo lembrar exatamente é como pudemos, Práticos que somos, permitir a entrada desse mal em nossa sólida Casa, construída sobre firmes alicerces de tradição e pragmatismo. Fiquei perdido na história e não sei como o lobo entrou. Ele já destruiu toda a Casa? Ou será que lhe abriram a porta da frente?
Para que não viremos pururuca, reflitam.
Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN