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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Novas crônicas do Itamaraty Bolsolavista: 16) A jornada do herói (Semana 16) - Cronista Misterioso

 16) A jornada do herói (Semana 16)

 

Meu saudoso Rubem Alves, de quem fui um dia discípulo, disse certa vez que a vida se compõe assim: fragmentos que arranjamos em torno de um tema. Este tema se apossa de nosso corpo (pode ser uma melodia, uma imagem, um toque), e as variações vão se repetindo, sempre iguais, sempre diferentes. Às vezes, o “script” é trágico. Mas ficamos fiéis a ele, por ser belo. Não é isto que nos faz continuar a ouvir a música que nos corta a alma, a continuar a leitura do livro que nos dilacera? A dor pode ser bela. 

 

Retomo as palavras de Rubem para trazer a tragédia de um nobre herdeiro de Rio Branco. Embora seja trágico seu “script”, é meu dever de ombudsman cantá-lo com beleza, pois é a jornada de um verdadeiro herói. Um dos poucos que tive a honra de conhecer, não pelos livros, mas pela vida. José Jobim, para sempre embaixador desta Casa, por mais que ainda se tente obscurecer sua memória. Quem sabe uma chefia com caráter ainda lembrará seu nome em uma placa, como Vinicius e Maria Rebello.

 

Jobim era peito ilustre brasileiro, sem arroubos de grandeza e com grande honradez. Serviu à Casa com moralidade, respeito pela coisa pública, honestidade e capacidade técnica (características de um comunista irridento, para os padrões asno-lunáticos atuais). Conservador progressista, um desses paradoxos sublimemente lógicos que só a casa de Rio Branco oferece, tinha consciência das insígnias que carregava.

 

Não chegamos a ser próximos, mas o conheci pessoalmente quando iniciava minha carreira no exterior. Aprendi muito sobre a Argélia e o Vaticano. Sobre os resultados do armistício de Evian e sobre o progressista Papa Paulo VI. Escutei histórias saborosas sobre seu trabalho com Raul Bopp na edição do mesário “Correio da Ásia”, redigido, em português, a partir do Japão. Conheci sua esposa, Lígia Collor Jobim, filha de Lindolfo Collor, o ex-ministro varguista, e seus filhos. Lembro de apreciar a leitura de seu livro “Hitler e seus comediantes”, de 1934, que ainda mantenho em minha estante.

 

Este herói, que como muitos, não desejava ser um herói, senão um homem honrado e vivo, foi arrastado para sua jornada por desejar respeitar seus princípios. Como bem relatou nosso colega Gustavo Pacheco, em 15 de março de 1979, nosso nobre e já aposentado herói esteve na posse de João Batista Figueiredo e do chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, seu amigo. Durante a cerimônia, aqui sigo as palavras de Pacheco, “comentou com alguns amigos que estava escrevendo suas memórias, que incluiriam denúncias de superfaturamento na construção de Itaipu, comprovadas por extensa documentação, guardada em uma mala xadrez azul e branca, que ficava trancada em seu quarto. Um desses amigos, o senador Gilberto Marinho, chamou Jobim num canto e pediu que ele por favor parasse de falar no assunto, porque as pessoas que ia denunciar estavam presentes ali, na recepção.” 

 

Cerca de uma semana depois, Jobim desapareceria. Em 24 de março, foi encontrado morto no Rio. Sequer fazíamos ideia da causa. Ouvíamos sempre as histórias de tortura e execuções políticas praticadas no Brasil, e nos calávamos, cada qual à sua maneira. Mas não imaginávamos que um colega - tanto mais um embaixador respeitado - pudesse ser vítima da repressão. Hoje conhecemos a Verdade, pela busca de sua filha Lygia. Por tentar denunciar a corrupção na construção de Itaipu, o embaixador José Jobim foi assassinado pelo regime militar.

 

Pela memória de um herói.

 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN

 

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