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domingo, 20 de setembro de 2020

Sobre ser diplomata atualmente - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre ser diplomata atualmente 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivopalestra online para secundaristasfinalidadeRotary Club Curvelo]

 

 

Sumário:

Introdução: Atribuições relacionadas ao seu ofício

1. O mercado de trabalho para a profissão atualmente.

2. Possíveis áreas de pesquisa relacionadas a formação

3. A relação entre vida pessoal e profissional

4. Melhores faculdades

5. Motivo pelo qual escolheu esta profissão

6. Média salarial

Conclusões: ser diplomata é uma grande profissão

 

 

Introdução: Atribuições relacionadas ao seu ofício

Trata-se de uma burocracia de alto nível de qualificação técnica com ampla abertura para as humanidades e o conhecimento especializado. É a mais intelectualizada carreira na burocracia federal, combinando aspectos da carreira acadêmica, da pesquisa aplicada e da elaboração de decisões em ambiente altamente competitivo, tanto interna, quanto externamente. Uma elite, como se costuma dizer. As funções são aquelas clássicas: informação, representação, negociação, para o que se exige não apenas conhecimento especializado, mas também experiência prática, que se adquire ao longo da carreira, participando de conferências internacionais, defendendo os interesses do Brasil no plano externo, no plano bilateral, em foros regionais e em organizações multilaterais.

 

1. O mercado de trabalho para a profissão atualmente.

É preciso distinguir entre o mercado de trabalho da diplomacia estrito senso – que é reservado exclusivamente aos que ingressam na carreira por concurso público, em número necessariamente limitado a cada ano – e o mercado mais amplo do internacionalista, ou seja o egresso dos cursos de relações internacionais, ou os que formados em quaisquer outras áreas, resolvem trabalhar em ocupações que requeiram algum conhecimento especializado nesse enorme terreno, que vai de empresas vinculadas ao comércio internacional, finanças e serviços transnacionais, e quaisquer outras atividades que se desenvolvam no plano externo. 

O “mercado” da diplomacia, se o termo se aplica, é cativo dos aprovados no concurso da carreira, mas outros profissionais podem encontrar empregos no setor privado, nos bancos, nas empresas de publicidade, em ONGs ou até em organizações internacionais, que também são muito solicitadas e requerem um bom currículo e concursos. Em função dessas características, eu recomendaria uma formação bem mais adaptada ao mercado privado do que ao concurso para a diplomacia, uma vez que a seleção é impiedosa, e as pessoas precisam trabalhar antes de conseguir passar no concurso.

 

2. Possíveis áreas de pesquisa relacionadas à formação

Ciências Sociais, ou Humanidades, no sentido lato, embora muitos dos candidatos à carreira sejam egressos dos cursos da própria área, ou seja, Relações Internacionais. Mas Direito, Economia e Administração podem ser válidos, desde que completados por uma boa formação em história e política internacional. No meu caso, acredito que uma formação ampla nas ciências sociais, com leituras em praticamente todas as áreas das Humanidades, foi fundamental para o ingresso e sucesso na carreira escolhida. Desde muito cedo inclinei-me para os estudos sociais, com forte ênfase na história, na política e na economia, complementados por uma dedicação similar a geografia, antropologia, línguas e cultura refinada, de uma maneira geral. Sou basicamente um autodidata e creio que isso facilitou-me enormemente o ingresso na carreira, pois quase não necessitei de muito estudo para os exames de ingresso. Aliás, entre a decisão de fazer o concurso (direto, no meu caso) e o ingresso efetivo, decorreram pouquíssimos meses (três). Minhas maiores dificuldades nos exames de ingresso estavam em Direito e inglês, já que eu havia estudado amplamente todas as demais matérias, mas não Direito, e todos os meus estudos foram feitos em francês, que eu dominava amplamente. Mas, o meu inglês era muito elementar, servindo tão somente para leituras. Acho que passei raspando nessas duas matérias, nas outras fui bem.

 

3. A relação entre vida pessoal e profissional

Nunca fui um carreirista, no sentido tradicional do termo, e não me preocupava em ser embaixador ou ocupar qualquer posto de distinção. O que me seduzia era a profissão em si, a mobilidade geográfica, o conhecimento de novos países, a possibilidade de estar sempre aprendendo, estudando, viajando. Sou basicamente um estudioso, um observador da realidade, um “compilador” de informações e análises e um escritor improvisado. Todo o resto me é secundário. Devo dizer que sou basicamente um acadêmico, sendo a diplomacia a profissão mais próxima de meus interesses de estudo. Nunca deixei de dar aulas, de fazer pesquisas, de publicar artigos e livros nas áreas de meus interesses de estudo. Mas, cabe enfatizar que muito na carreira, na vida simplesmente, tem a ver com a situação familiar, o companheirismo, e a sensação de compartilhamento. Eu nunca teria feito muito do que fiz se não fosse pela extraordinária sorte de ter encontrado uma pessoa maravilhosa, ainda mais estudiosa, leitora, nômade, aventureira e dedicada à família, que foi Carmen Lícia Palazzo, que conheci assim que ingressei na carreira, ela economista de formação, depois historiadora, e que me acompanha desde o início e ao longo dos últimos 43 anos. 

Ao me interessar por tantas atividades simultaneamente, reconheço que isso possa representar algum stress no plano familiar, e nisso sou particularmente reconhecido à Carmen Lícia, que me permitiu fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Incorro em algum sacrifício para consegui fazer tudo aquilo que tenho vontade, pela simples razão que eu tenho vontade de ler tudo, o tempo todo, em qualquer circunstância, assim como tenho vontade de viajar, de participar de atividades acadêmicas e intelectuais, tendo ao mesmo tempo de desempenhar as funções atribuídas pela burocracia no meio de tudo isso. Ora, é praticamente impossível conciliar tantas vontades, e ainda ser um marido perfeito, um pai de família perfeito e outras coisas da vida social e relacional. Sem a compreensão de Carmen Lícia, e de meus filhos, eu não teria conseguido fazer sequer a metade do que fiz ao longo dos anos.

Em síntese, outros aspectos, não especificamente burocráticos ou familiares, foram de certa forma sacrificados no empenho pessoal em ler, estudar e escrever. Reconheço essas imperfeições, mas não se pode ter tudo na vida: escolhas são inevitáveis, e as minhas estão do lado da leitura, do saber e da escrita. São atividades nas quais eu me realizo plenamente. Em outros termos, ninguém consegue integrar todos os seus interesses perfeitamente, e algum aspecto (ou vários) acaba sempre sendo sacrificado; no meu caso, são horas de sono, de lazer, de simples far niente, e também certa negligência familiar, reconheço. Não pratico esportes, a não ser caminhadas moderadas, já em idade madura. Pratico leituras múltiplas, com alguma intensidade, eu diria intensíssima, e sobretudo o gosto da escrita. No mais, sou um pouco eremita...

 

4. Melhores faculdades

Atualmente existem bons cursos de relações internacionais em praticamente todas as universidades públicas do país, mas também existem excelentes cursos em instituições privadas, geralmente muito caras, tipo Católicas, FGV, Insper, Ibmec, etc. Minha própria instituição, o Uniceub, oferece curso de graduação nessa área, mas eu estou vinculado aos programas de mestrado e doutorado em Direito. Como já disse, não acredito que o candidato ou o jovem vocacionado para a diplomacia deva necessariamente fazer um curso de relações internacionais, pois acho que ele deva moldar uma carreira normal de mercado, e se tornar praticamente um autodidata no estudo preparatório para os exames de ingresso na carreira.

 

5. Motivo pelo qual escolheu esta profissão

Não tenho certeza de ter escolhido a profissão de diplomata; talvez eu possa dizer que, de certa forma, foi a profissão que me escolheu, uma vez que, desde muito cedo, comecei a viajar, primeiro pelo Brasil, depois pela América do Sul e, finalmente, ao completar 21 anos, em 1970, decidi estudar na Europa, por meus próprios meios e obtendo meus próprios recursos. Mas, isso não tinha sido planejado até aquela época: eu pretendia terminar o meu curso de Ciências Sociais, que eu havia iniciado na FFLCH da USP em 1969, mas que tinha sido dramaticamente atingido pelo AI-5, da ditadura militar: praticamente todos os meus professores mais importantes do curso – Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e outros – foram compulsoriamente aposentados; eu então decidi abandonar o curso no Brasil e tentar retomá-lo na Europa. Foi uma escolha que me preparou para uma vida nômade e aventureira. Nunca me arrependi de me ter lançado ao mundo em fase precoce, ainda no segundo ano da graduação. Depois de algum esforço para encontrar a situação mais conveniente, combinando trabalho e estudo, realizei meu intento, ao reiniciar o curso de Ciências Sociais na Universidade de Bruxelas; ele foi completado por um mestrado em economia e a inscrição num doutoramento, em 1976. Quando regressei ao Brasil, depois de quase sete anos na Europa, eu já estava preparado, digamos assim, para tornar-me diplomata. Foi uma decisão repentina, pois não tinha pensado antes: se ouso dizer, “tropecei” com a carreira. Até aquele, eu só queria derrubar o governo militar. 

 

6. Média salarial

Atualmente, ela parece situar-se num patamar razoável, em torno de 14 mil líquidos. Mas já foi muito pior; lembro que quando ingressei na carreira, meu salário de terceiro secretário, irrisório, não me permitia ter crediário em loja de departamento para adquirir os primeiros móveis para mobiliar o apartamento funcional que o Itamaraty colocava à disposição dos diplomatas de carreira.

 

Conclusões: ser diplomata é uma grande profissão

Em todas a etapas de minha carreira, eu fui muito feliz com as experiências, as boas e as más, ao longo de minha carreira, pois em todos esses anos, e em cada posto, eu fiz aquilo que mais gosto: viajar, muito e intensamente, ler, também intensamente, escrever, observar, aprender, em toda e qualquer circunstância, mesmo em situações difíceis de abastecimento, conforto, restrições monetárias ou outras. Toda a minha carreira me trouxe algo de bom, mesmo em situações temporárias de sacrifício. Nunca deixei de fazer aquilo que mais gosto: viajar, conhecer novos países, povos, situações, visitar museus, bibliotecas, cidades. 

Cabe reconhecer que alguns postos no exterior apresentam dificuldades materiais, desconfortos psicológicos, desafios razoáveis: por pequenos momentos, chega-se a desejar voltar ao Brasil e retornar à rotina burocrática do cerrado central, onde os atrativos são menores, mas também as surpresas. De toda forma, sempre aproveitei os momentos de dificuldade para refletir e escrever, como sempre, aliás. Talvez eu devesse ter dedicado menos atenção aos livros e mais às pessoas, mas essas são escolhas que fazemos deliberadamente, por opções próprias, pensadas ou não. Quem tem a compulsão pela leitura e pela escrita, não consegue acalmar-se a menos de satisfazer o seu “vicio”, daí o sacrifício de outros aspectos da vida social que muita gente valoriza em primeiro lugar. 

Por outro lado, nunca, na carreira, fui obrigado a assumir obrigações que eu mesmo não desejasse assumir, como por exemplo trabalhar em áreas para as quais eu não me sinto talhado nem tenho a mínima vontade de experimentar: administração, por exemplo, ou cerimonial; mas, eu tinha um preconceito contras as atividades consulares, o que não faz o menor sentido: trabalhei em consulado e me senti extremamente útil para a comunidade brasileira no exterior, que já é muito grande. Mas tive oportunidade de escolher as áreas nas quais eu me sentia mais feliz, que são as relações econômicas internacionais, num sentido bem amplo. Meu terreno natural de interesse são os estudos de qualquer tipo: geográfico, político, econômico, cultura, antropológico, no sentido amplo. Todas as áreas funcionais de caráter geográfico, político ou sobretudo econômico me servem perfeitamente. 

Creio que sou capaz de fazer análises contextuais que envolvam conhecimento histórico, embasamento econômico e situação política, ou seja, tenho instrumentos analíticos e amplos conhecimentos que me permitem situar qualquer problema (ou quase) em um contexto mais amplo, e daí extrair alguns elementos de informação para a instrução de um processo decisório que tenha em conta o interesse nacional. Toda a minha vida eu estudei o Brasil e o mundo, visando tornar o primeiro melhor, num mundo que nem sempre é cooperativo. Registre-se que eu não pretendo tornar o Brasil melhor para si mesmo, ou seja, uma grande potência ou qualquer pretensão desse gênero, que encontro simplesmente ridícula. Eu pretendo tornar o Brasil melhor para os brasileiros, ponto. 

Contento-me apenas com isso. Minha perspectiva, a despeito de ser um funcionário de Estado, não é a do Estado. Não pretendo trabalhar no Estado, para o Estado, com o Estado: minha perspectiva é a dos indivíduos concretos, e meus objetivos são promover os indivíduos, se preciso for contra o Estado. Não tenho nenhum culto ao Estado e nem pretendo torná-lo maior ou mais poderoso, apenas mais eficiente para servir aos indivíduos, não a si mesmo. Desespera-me essas pretensões nacionalistas estatizantes, pois elas se fazem, em geral, em detrimento do bem-estar individual da maior parte dos cidadãos

Meus pontos fortes, portanto, são minha capacidade analítica, meus conhecimentos acumulados e meu devotamento à causa dos indivíduos, não dos Estados, e sempre tento passar esses pontos à frente de qualquer outra consideração. Não hesito em defender meus pontos de vista, mesmo contra meus interesses imediatos, que poderiam recomendar uma acomodação com a situação presente – a lei da inércia é uma das mais disseminadas na humanidade – ou com autoridades de qualquer tipo. Não costumo fazer concessões a autoridades apenas para obter vantagens pessoais, e acho essa atitude basicamente correta (ainda que a um custo por vezes enorme no plano pessoal). Talvez seja teimosia de minha parte, mas considero isso antes uma virtude, do que um defeito. Enfim, tendo concepções fortes sobre determinados temas, me é muito mais fácil preparar e expor posições do interesse do Brasil, com base em conhecimentos previamente acumulados, o que me dispensa de longas pesquisas ou buscas em arquivos.

 

Por fim, recomendo uma consulta a diversos materiais que produzi sobre a carreira, o acesso, dicas de estudos, que figuram em meu site (http://pralmeida.org/294-2/), assim como no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2009/07/1192-diplomacia-dicas-gerais-para.html).

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3758, 19 de setembro de 2020

Um comentário:

Lucas Breder disse...

Gosto muito do seu trabalho e por vezes acabo lendo seus textos antigos nesse blog. Pouco tempo atrás li seu texto do início do século comentando os mesmos aspectos. Muito interessante perceber as diferenças depois de tantos anos. Um abraço, professor!!!