Ofício do Senador Telmário Mota, de Roraima, a respeito da “visita” do Secretário de Estado dos Estados Unidos a Boa Vista.
GSTMOTA/Oficio no 84/2020
Brasília, 16 de setembro de 2020
Excelentíssimo Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO
Senhor Presidente,
Ao tempo em que saúdo Vossa Excelência, venho novamente a sua presença para expressar o meu profundo descontentamento com a maneira desrespeitosa e irresponsável como o Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo trata os interesses brasileiros e de Roraima nas nossas relações com a Venezuela.
Peço que Vossa Excelência considere esta manifestação no contexto e com os propósitos que inspiraram o Ofício GSTMOTA/Oficio no 80/2020, no qual expus aspectos relevantes da longa história das relações diplomáticas do Brasil com a Venezuela, país irmão com o qual mantemos seculares e pacíficas relações econômicas, sociais e culturais.
Na ocasião, por dever de lealdade, alertei Vossa Excelência para as consequências dos atos totalmente estranhos à tradição da diplomacia brasileira praticados pelo atual Chanceler:
“Diante desse quadro, Senhor Presidente, são preocupantes as crescentes hostilidades da parte do Chanceler Ernesto Araújo para com o governo da Venezuela. O quadro atual, que já é desfavorável aos negócios, será agravado absurda e desnecessariamente com a escalada de medidas provocativas, irresponsáveis e contrárias ao interesse nacional de parte do Chanceler: (i) participação no grotesco espetáculo de ingresso forçado de “ajuda humanitária”, (ii) esvaziamento da nossa representação diplomática pela retirada de diplomatas brasileiros com o objetivo evidente de forçar, pela via da reciprocidade, a consequente esterilização da representação diplomática designada pelo atual governo venezuelano no Brasil, (iii) expulsão dos representantes diplomáticos venezuelanos em plena pandemia do Coronavírus (impedida pela ação republicana e constitucional do Procurador Geral da República e do Supremo Tribunal Federal) e, agora, (iv) em conclusão do processo de traição ao interesse nacional por parte do Chanceler, o Itamaraty declara “persona non grata” os representantes do governo da Venezuela, o que equivale a retirar-lhes as imunidades diplomáticas e, como efeito prático, conseguir por vias oblíquas o que o Supremo Tribunal Federal lhe impediu de fazer.”
Na citada correspondência, comuniquei a Vossa Excelência as medidas que por patriotismo e sentido de dever republicano decidi adotar:
“Diante disso, Senhor Presidente, e tendo a minha paciência e esperança se esgotado, é meu dever de lealdade com Vossa Excelência e movido com o espírito de colaboração com o seu trabalho dar conhecimento das medidas que tomarei a respeito dos crimes do senhor Ernesto Araújo contra a Nação:
(i) utilizarei as minhas prerrogativas parlamentares para que a ação fiscalizatória do Senado Federal e do Congresso Nacional sejam acionadas imediatamente;
(ii) divulgarei amplamente os seus crimes interna e internacionalmente;
(iii) ingressarei com Representação junto ao Procurador Geral da República para que ofereça
de denúncia contra o Ministro por crime de responsabilidade junto ao Supremo Tribunal Federal, com fundamento na Constituição Federal, arts. 102, I, c, e 129, I, e na Lei no 1.079/50.
(iv) em razão de não estar pacificado no STF o entendimento a respeito da vigência do art. 14 da Lei no 1.079/50 (legitimação universal) no caso de impeachment de Ministro de Estado por crime de responsabilidade não conexo ao praticado pelo Presidente ou o Vice-Presidente da República (art. 52, I, CF), ingressarei com Petição no Supremo Tribunal Federal por crime de responsabilidade contra o Ministro com fundamento arts. 102, I, c, e na Lei no 1.079/50.
(v) uma vez que apenas extremismo ideológico e irracionalidade gratuita não explicam suficientemente a obsessão do Chanceler contra a paz com a Venezuela, ingressarei de Representação Geral da República para que determine investigação a respeito da movimentação financeira, em nível internacional, do Ministro.”
Senhor Presidente, imaginava que aquela manifestação, dado à gravidade dos fatos nela reportados, refrearia a escalada de provocações do Chanceler em relação à Venezuela. No entanto, para a nossa surpresa e profunda indignação o Chanceler promove o ato mais hostil que se poderia promover contra o governo e o povo venezuelanos e para isso usa de maneira vil e covarde o sagrado solo roraimense, onde os meus antepassados lutaram com armas em defesa do território nacional.
A invasão do solo da minha Roraima pelo Secretário de Estado dos Estados Unidos, o ex-Diretor da CIA Mike Pompeo, ciceroneado pelo Chanceler Ernesto Araújo, para promover atos de provocação contra um país vizinho e amigo é um ato indigno, hostil, desnecessário, sem qualquer vínculo com o interesse nacional. Trata-se de mais um ato midiático voltado a promover os interesses eleitorais do Partido Republicano às vésperas das eleições naquele país. Roraima, a minha Roraima, transformada em palanque eleitoral do senhor Donald Trump é algo que eu, sinceramente, jamais imaginava que veria, não posso aceitar e não aceitarei passivamente.
O senhor é oriundo das Forças Armadas. É meu dever lembrar a Vossa Excelência um gesto de um ex-Presidente, também militar, o general Ernesto Geisel. O Brasil, em ato soberano de administração dos nossos interesses nas relações internacionais, foi o primeiro país do mundo ocidental a reconhecer a República de Angola, recém saída de uma guerra de libertação nacional e com um governo socialista. O Presidente Geisel não admitiu que o Secretário de Estado estadunidense Henry Kissinger, que veio ao Brasil em abril de 1975, ousasse tratar do assunto no solo pátrio. Na época, o Itamaraty estava sob o comando do Chanceler Azeredo da Silveira.
Permita-me lembrar a Vossa Excelência também as declarações do General Villas-Bôas na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, quando ocupava o Comando do Exército, no sentido de que o Brasil é grande demais para não ter um projeto nacional. OBrasil não pode ser apêndice de nenhuma potência, porque o Brasil é ele próprio um grande país. Ao Brasil interessa mais que a nenhum outro país que a América do Sul viva em paz. A Roraima interessa a paz nas nossas fronteiras. Atos gratuitos de hostilidade para com os governos dos países vizinhos não consultam o interesse nacional. A quem interessa tensões nas nossas fronteiras?
Eu somente continha a minha indignação diante da presença do senhor Ernesto Araújo à frente do Itamaraty em respeito a Vossa Excelência. Todavia, quando assisti a uma entrevista do cidadão Olavo de Carvalho à BBC (https://www.youtube.com/watch?v=HZwWcy4UTDU), na qual ele se apresenta como responsável político pela nomeação do senhor Ernesto Araújo, eu passei a considerar que devo lutar para livrar Vossa Excelência de semelhante má companhia. Esse Olavo de Carvalho está auto-exilado nos EUA (do que vive?), de onde quer fazer parecer que governa o Brasil, ofendendo brasileiros, dizendo impropérios e palavrões contra altos dignatários da República, inclusive honrados generais do Exército brasileiro. Não estranha que seja o líder espiritual do senhor Ernesto Araújo.
Senhor Presidente, lutarei todos os dias para que o senhor Ernesto Araújo desocupe a sagrada cadeira honrada por grandes brasileiros que comandaram a Casa de Rio Branco.
Somente quem não conheça a minha história e a dos meus antepassados possa imaginar esta correspondência a Vossa Excelência e as medidas que dela se seguirão sejam desproporcionais à força deste humilde senador, um Davi diante do Golias da internacional de extrema direita que capturou a Casa de Rio Branco em prejuízo do interesse nacional, da economia e da paz em Roraima e na América do Sul.
Venho de longe. Recebo dos meus antepassados o legado de compromisso de vida e de morte com o povo roraimense e brasileiro. O meu bisavô, Coronel Mota, educador e Juiz de Paz, foi o primeiro prefeito de Boa Vista. O seu primeiro filho, o tio Vítor, morreu lutando pelo território nacional contra os ingleses. Junto a ele estava o meu avô, Pedro Rodrigues, o último comandante do Forte São Joaquim do Rio Branco.
Nasci numa comunidade indígena. Aprendi com a minha mãe, Ana, índia Macuxi, e com o meu pai, o vaqueiro Tuxaua Pereira, a amar as pessoas e a ter coragem na vida. Os meus antepassados arriscaram tudo para defender o povo de Roraima e o interesse nacional e um deles, o tio Vítor, perdeu a vida pela nobre causa da Pátria.
Eu honrarei os meus antepassados lutando contra a dominação colonialista do território brasileiro, manchado de vergonha pela presença boçal do Secretário de Estado dos EUA com as bênçãos genuflexas do mais indigno ocupante da chancelaria brasileira em toda a nossa história.
Receba Vossa Excelência os meus sinceros votos de respeito, elevada estima e distinta consideração, e continue contando com o meu apoio no Congresso Nacional para as medidas que consultem o interesse nacional.
Atenciosamente,
Senador TELMÁRIO MOTA PROS/RR
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