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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Referendo venezuelano para anexar metade da Guiana: um desafio para o Brasil - Marcelo Godoy (OESP)

A ameaça bélica que vem da Venezuela e vira dor de cabeça para os EUA e para Lula 

Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo, 8/11/2023

Regime de Maduro convoca referendo para população votar sobre anexação de mais de metade da Guiana; generais venezuelanos apoiam ação São cinco perguntas.


 Elas serão respondidas no dia 3 de dezembro pelos venezuelanos no referendo convocado pelo regime de Maduro para saber se o país deve anexar pouco mais da metade da vizinha Guiana. No momento em que o mundo vive as guerras da Ucrânia e de Gaza e assiste à ameaça chinesa a Taiwan, a Venezuela leva adiante o plano de tomar o território de Essequibo, uma área de 159 mil km² rica em petróleo e minérios. 

 Trata-se de uma disputa territorial que tem origem no século 19, quando a Inglaterra reclamou a região como parte de sua Guiana. Uma arbitragem internacional patrocinada pelos EUA lhe deu razão. O resultado foi contestado pela Venezuela e nova discussão ocorreu em 1966, quando a Guiana se tornou independente. Tudo foi retomado agora por Nicolás Maduro. Como resposta ao referendo do vizinho, a Guiana apelou à Corte Internacional de Justiça de Haia, a fim de que ação venezuelana seja declarada ilegal. A Corte se reunirá para examinar o caso no dia 14. 

O problema é que a disputa deixou de ser entre uma potência colonial e uma nação sul-americana para envolver dois países da América do Sul. Enquanto isso, o ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padrino, manifesta-se diariamente pela anexação do território entre os Rios Cuyuni e Essequibo. O general, um dos homens fortes do regime, disse no dia 25 de outubro: “Nós nos somamos ao poder eleitoral nessa consulta popular para a defesa da Guiana Essequiba, um dever das e dos venezuelano. 

Nos vemos no dia 3 de dezembro!” O general Domingo Hernández Lárez, comandante estratégico-operacional das Forças Armadas da Venezuela, também fez publicações apoiando o referendo: “O Essequibo é da Venezuela!”. Vídeos com deslocamento de tropas para a “frente de Essequibo”, próxima a Roraima, foram publicados, como o do vice-almirante Ashraf Abdel Hadi Suleimán Gutiérrez, que disse à tropa formada: “Esse território, por sua história, pela lei e pela tradição é da Venezuela”. Em seguida, ouve-se os “urras” de seu soldados. 

O próprio Maduro publicou imagens de desfiles militares com a palavras de ordens sobre Essequibo. Diante da escalada, pode-se perguntar: além do direito internacional, de quais meios de dissuasão a Guiana dispõe? O maior é o Comando Sul, dos EUA, país cujos recursos já estão ocupados em se opor ao Irã, à Rússia e à China. Os marines se exercitaram em Georgetown em julho. A um ano do voto, Biden vê surgir nova ameaça. E o que o Itamaraty tem a dizer sobre a crise que se avizinha? Tudo pode ser só mais uma bravata de Maduro. Mas, se há dúvida, quem vai garantir a integridade da Guiana até Haia se manifestar? Ou Lula vai pedir a paz só depois de um novo fato consumado? 

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Resposta do governo Lula a atentados terroristas do Hamas expõe influência de Celso Amorim no Itamaraty - Felipe Frazão (OESP)

Resposta do governo Lula a atentados terroristas do Hamas expõe influência de Celso Amorim no Itamaraty

Felipe Frazão

O Estado de S. Paulo11 de outubro de 2023 | 20:30

A reação do governo aos atentados terroristas do Hamas contra Israel e às mortes de dois cidadãos brasileiros nos ataques se tornou nos últimos dias alvo de críticas nas redes sociais e em círculos políticos e diplomáticos em virtude da hesitação em condenar o grupo terrorista palestino. As notas de pesar divulgadas pelo Itamaraty sobre as mortes de Ranani Nidejelski Glazer e Bruna Valeanu, ambos de 24 anos, também provocaram ruído por um tom considerado frio e insensível.

Diplomatas e especialistas consultados pelo Estadão apontam que as posições ideológicas do assessor de assuntos internacionais Celso Amorim sobre política externa e diplomacia muitas vezes se sobrepõem à linha mais técnica do Itamaraty em muitas questões. É o caso da Guerra da Ucrânia, do alinhamento ocasional do Brasil ao eixo Rússia-China e, agora, da crise em Gaza. No caso do Oriente Médio, sobretudo, Amorim já demostrou publicamente, em diversas ocasiões, uma simpatia pelo lado palestino no conflito.

Segundo um embaixador que acompanha as discussões internas do Itamaraty, e pediu para não ter o nome divulgado, houve uma involução no posicionamento da chancelaria desde o início da crise em Israel no sábado, 7.

“ Tínhamos que ter uma posição mais firme. O Itamaraty decidiu condenar os ataques (na nota de 7 de outubro) e depois eles voltaram atrás, provavelmente sob pressão do PT e outras agremiações de esquerda”, disse a fonte. “Neste caso tem de condenar e transmitir apoio, apesar do histórico de equidistância. O Hamas sempre desejou impedir o processo de paz”.

O Itamaraty e Amorim foram procurados, mas até a última atualização desta reportagem não enviaram resposta. O espaço está aberto.

‘Antiamericanismo infantil’

Amorim participou de uma reunião no Palácio do Itamaraty no domingo, 7, com o ministro da Defesa, José Múcio, e a chanceler interina, Maria Laura da Rocha, para discutir os atentados do Hamas e a situação dos brasileiros na região.

Após os atentados, Celso Amorim condenou os ataques, mas disse que eles eram consequências da violência de Israel contra o povo palestino. “O atual conflito não é um fato isolado. Vem depois de anos e anos de tratamento discriminatório, de violências, não só na própria Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia”, disse o assessor, que foi chanceler durante os primeiros mandatos de Lula.

Para o ex-embaixador Paulo Roberto de Almeida, que serviu em Genebra, Paris e no Leste Europeu, a visão de Lula, Amorim e do PT se sobrepõe à do Itamaraty e, hoje, resulta na execução de uma política externa que contesta a liderança dos Estados Unidos no cenário global.

“Lula, Amorim e o PT consideram essa liderança contrária aos interesses de longo prazo do Brasil”, disse. “Eles padecem de um anti-imperialismo anacrônico e de um antiamericano infantil”.

Na avaliação do diplomata, a atuação da chancelaria na crise em Gaza é reflexo dessa influência de Amorim sobre a política externa. “O Itamaraty, parte submissa dessa coalizão primariamente esquerdista, tem de se submeter à vontade de seus controladores, e tem feito um papel lamentável tanto na emissão de declarações externas, quanto na publicação de notas patéticas, nas quais o principal objetivo é escamotear a realidade”, completa.

Condenação x cautela

Na terça-feira, o chanceler Mauro Vieira voltou a defender um fim da violência em Gaza, mais uma vez sem condenar o terrorismo do Hamas. “A posição do Brasil é a de que os atos violentos devem ser interrompidos e deve haver cessação de hostilidades. Evidente que condenamos a violência e o derramamento de sangue, mas achamos que, sobretudo com o Brasil na presidência do Conselho de segurança, precisamos trabalhar para o fim das hostilidades e uma negociação de paz”, disse o chanceler à Voz Brasil.

Diplomatas reconhecem que a posição histórica de equidistância do Brasil em relação ao conflito no Oriente Médio, aliada ao fato de o País estar no comando temporário do Conselho de Segurança da ONU aumentam a necessidade de a chancelaria se manifestar com cautela. Ao mesmo tempo, a morte de cidadãos brasileiros nos atentados e a possibilidade de haver reféns nascidos no País nas mãos do Hamas exigem uma condenação mais firme.

Críticas

“Uma nota do Itamaraty chega ao ridículo de falar do “falecimento” de brasileiro em Israel, o que é uma ofensa à família e um atentado à verdade objetiva dos fatos”, lembra Paulo Roberto de Almeida. “O que vale para a comunidade internacional são as notas do Itamaraty, que significam posição de governo, e estas até agora têm descurado completamente as expressões terrorismo e Hamas”.

André Lajst , cientista político e presidente-executivo da StandWithUs Brasil, uma ONG pró-Israel, defende que o governo precisa ser mais enérgico, especialmente com relação a morte de brasileiros. E citar nominalmente o Hamas, que atacou Israel, ao condenar o terrorismo.

“Por algum motivo, que a gente ainda não sabe qual é, o governo brasileiro insistentemente prefere não mencionar o Hamas, fala em ataque, fala em terrorismo, se solidariza com as vítimas de ambos os lados”, aponta Lajst. “Sem querer — ou querendo — faz uma equivalência de solidariedade e, claro que deve haver solidariedade a todas as vítimas civis, mas a situação não é equilibrada. Tem um país que está se defendendo e um grupo terrorista que está atacando”.

A posição de Lula

No dia dos atentados, no entanto, o petista condenou os ataques do Hamas. “Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”, disse o presidente.

Nesta quarta, Lula fez um apelo direcionado para ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e para a comunidade internacional, pedindo a liberação de crianças palestinas e israelenses sequestradas e mantidas como reféns durante o confronto entre Hamas e Israel.

Amorim e os palestinos

Quando comandava o Itamaraty, em 2010, Amorim foi um dos entusiastas do reconhecimento da independência da Palestina como independente pelo Estado brasileiro, atendendo a um pedido do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Na apresentação da edição brasileira do livro Engajando o mundo: a construção da política externa do Hamas, escrito pelo pesquisador britânico Daud Abdullah, Amorim chegou a elogiar o grupo terrorista palestino.

“Como firme defensor dos direitos palestinos e defensor de uma solução por meios pacíficos, fiquei muito encorajado com as palavras finais do autor: através de maiores esforços diplomáticos e alianças globais, ‘o Hamas pode desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos’”, diz o assessor na apresentação do livro, publicado no começo deste ano.

Felipe Frazão/Luiz Raatz/Estadão

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O tamanho da crise econômica da China - Paul Krugman (NYT, OESP)

O Brasil seria mais impactado por uma crise chinesa do que os EUA (pouco) ou o Japão e a Alemanha, que vendem muito para a China. Ou seja, o Brasil é um perdedor se a China entrar em recessão. 

O tamanho da crise econômica da China
Paul Krugman

O Estado de S. Paulo | Internacional
30 de agosto de 2023
Paul Krugman 
É colunista e ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2008
The New York Times

Graças à baixa exposição da economia dos EUA, é difícil que problemas chineses se tornem globais

O efeito da crise seria maior em países que vendem mais para a China, como Alemanha e Japão

A s agruras econômicas dos anos pós-pandêmicos têm ocasionado intensos debates intelectuais e sobre políticas. Algo com que quase todos concordam, porém, é que a crise póscovid se assemelha pouco à crise financeira de 2008. Mas a China – segunda maior economia do planeta – parece balançar à beira de uma crise muito parecida.

Eu não confio no meu próprio entendimento sobre a China para julgar se o país vive seu momento Minsky, o ponto em que todos de repente se dão conta de que uma dívida insustentável é, de fato, insustentável. E, de fato, duvido que alguém ? incluindo as autoridades chinesas ? saiba responder a essa questão.

Mas acho que somos capazes de responder a uma pergunta mais condicional: se a China realmente passa por uma crise em estilo 2008, ela transbordará para o restante do mundo? E a resposta é clara: não. Por maior que seja a economia chinesa, os EUA estão pouco expostos aos problemas chineses. Antes de chegar aí, contudo, falemos sobre por que a China de 2023 se assemelha às economias americana e europeia de 2008.

BOLHA. A crise de 2008 foi ocasionada pelo estouro de uma bolha imobiliária transatlântica. Os efeitos foram amplificados por perturbações financeiras, especialmente o colapso dos ditos "shadow banks" – instituições que agiam clandestinamente como bancos, criando riscos de uma corrida bancária, mas prescindindo de regulamentações e de redes de segurança.

E agora chega a China, com um setor imobiliário ainda mais inchado que o dos países ocidentais em 2008. A China também tem um atribulado setor de "shadow banking", além de problemas peculiares, como dívidas enormes de governos locais.

A boa notícia é que a China não é a Argentina ou a Grécia, que deviam quantias imensas a credores estrangeiros. A dívida em questão aqui é de dinheiro que a China deve para si mesma. E deveria ser possível, em princípio, para o governo nacional resolver a crise por meio de alguma combinação entre resgates de devedores e abatimentos para credores.

Mas o governo da China tem competência para gerir o tipo de reestruturação financeira? As autoridades chinesas têm determinação ou clareza intelectual para fazer o que é necessário? Eu me preocupo especialmente com a segunda questão.

A China precisa substituir o investimento imobiliário insustentável por maior demanda de consumo. Mas alguns relatos sugerem que autoridades chinesas mais graduadas continuam suspeitas em relação a gastos de consumo "supérfluos" e resistem à ideia de "dar poder para os indivíduos tomarem mais decisões a respeito de como gastar seu dinheiro".

E não é nada tranquilizador o fato de as autoridades chinesas estarem respondendo à possível crise pressionando os bancos para emprestar mais, basicamente continuando a política que levou a China à situação em que ela se encontra.

EXPOSIÇÃO. Portanto, a China poderá entrar em crise. Se entrar, como isso afetará os EUA? A resposta, até onde eu consigo perceber, é que a exposição dos americanos a uma possível crise chinesa é surpreendentemente pequena.

Quanto os EUA têm investido na China? O investimento direto é de US$ 215 bilhões. Investimentos em carteira – ações e obrigações –, pouco mais de US$ 300 bilhões. Então, estamos falando de um total de US$ 515 bilhões.

Este número pode parecer grande, mas, para uma economia enorme, não é. Considerem uma comparação. Neste momento, há muitas preocupações a respeito do setor imobiliário comercial dos EUA, especialmente em relação aos prédios de escritórios ? que provavelmente encaram uma redução permanente na demanda em virtude do aumento do trabalho remoto. Os prédios de escritórios dos EUA valem hoje US$ 2,6 trilhões, aproximadamente cinco vezes mais que o nosso investimento total na China.

Por que uma economia tão grande atraiu tão pouco investimento dos EUA? Basicamente, porque, dadas as arbitrariedades das políticas chinesas, muitos possíveis investidores temem a possibilidade de a China se tornar uma armadilha: você consegue entrar, mas não consegue sair.

Mas o que dizer da China enquanto mercado? A China é uma importante jogadora no comércio mundial, mas não compra muito dos EUA – apenas US$ 150 bilhões, em 2022, menos de 1% do nosso PIB. Portanto, uma crise não surtiria muito efeito direto na demanda por produtos americanos.

O efeito seria maior em países que vendem mais para a China, como Alemanha e Japão, e algo poderia ricochetear nos EUA por meio das vendas a esses países. Mas o efeito geral ainda seria pequeno.

DIFERENÇAS
Uma crise poderia até surtir um pequeno efeito positivo nos EUA, porque reduziria a demanda por matérias-primas, especialmente petróleo, o que reduziria a inflação. Nada disso significa que devamos aplaudir a possibilidade de uma recessão chinesa ou tripudiar sobre os problemas de outro país.

Mesmo que por razões puramente egoístas, devemos nos preocupar com o que o regime chinês poderá fazer para distrair a atenção de seus cidadãos dos problemas domésticos. Mas, em termos econômicos, parece que estamos diante de uma possível crise interna na China, não de um evento global em estilo 2008. 

TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSS


terça-feira, 29 de agosto de 2023

Uma família de mascates ou de larápios? Bolsojoias, Micheques e outras coisas - Monica Gugliano (OESP)

 Uma família de mascates ou de larápios? (PRA)


Vêm aí novas e fortes emoções para quem acompanha os capítulos do seriado das joias do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua cônjuge Michelle. 

Monica Gugliano
O Estado de S. Paulo, 29/08/2023

    Até o fim do mês de setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) deve ter em mãos uma relação completa de todos os presentes que ele recebeu nas viagens em quatro anos de governo, e que até agora não foram declarados publicamente e se desconhece o paradeiro deles. 
    O levantamento está quase terminado e deverá trazer novas e contundentes provas do hábito presidencial de guardar para si mesmo objetos de alto valor, alguns dos quais acabaram sendo revendidos e recomprados em estranhíssimas transações levadas a cabo em Miami. E o TCU ainda desconhece o total, mas cresce a suposição de que há muitos mais relógios e “lembrancinhas” valiosas voando por aí. 
    É que, como se sabe, as comitivas que acompanhavam Bolsonaro também eram presenteadas. Certamente com menos brilhantes, mas não com grifes menos valorizadas, como Cartier e Piaget. 
    Até o final do mandato de Bolsonaro, apenas três ministros haviam devolvido seus mimos: Onyx Lorenzoni (que passou pela Casa Civil e pelo ministério do Trabalho); general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e o diplomata Carlos França, que foi ministro das Relações Exteriores. A devolução envolveu uma história peculiar. Na prática, segundo fontes ouvidas pelo Estadão, a ideia de entregar os relógios para a Comissão de Ética teria partido dos três ministros presenteados. 

    Mas, na verdade, também de acordo com assessores que participaram da operação, eles queriam que um diplomata do Ministério das Relações Exteriores carregasse em sua mala os objetos e os levasse para Brasília, pois não havia intenção de devolvê-los. O funcionário do Itamaraty, uma das carreiras mais tradicionais do serviço público brasileiro, achou que não era conveniente ser o portador da carga e se recusou a trazê-los. Já de volta ao Brasil, consultou, por sua própria conta e risco, a Comissão no Palácio do Planalto. Foi informado que ninguém estava autorizado a manter o relógio no pulso, devolveu o seu e avisou os outros três ministros. 
    Na semana passada, o ex-presidente anunciou, em tom de bravata, que buscaria as joias e relógios que estão em posse do governo federal porque lhe pertenciam. Segundo fontes que acompanham o caso, não há nada de novo em relação às joias e o que Bolsonaro estaria tentando fazer seria mobilizar seus seguidores. Esses mesmos interlocutores do Estadão observaram que tudo não passa de uma jogada política, talvez para criar contradições que lhe permitam levar todo processo para a primeira instância. 
    O problema é que, por mais que o ex-presidente queira reaver os presentes ou procure justificativas para isso, é de 2016 o decreto 4.344/2002 com a determinação para que, a exceção dos itens de natureza personalíssima ou de consumo próprio – como finas caixas de tâmaras que a comitiva bolsonarista trouxe de países árabes – sejam incorporados ao patrimônio da União. 
    Nessa época, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff devolveram objetos que estavam com eles. Da mesma forma, o acórdão 443/2023, relatado pelo ministro Augusto Nardes, determinou ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro que, “nos termos do item 3, inciso, III, da Resolução 3, de 23 de novembro de 2000, da Comissão de Ética Pública, entregue os itens em seu poder oriundos dos presentes recebidos na visita da comitiva presidencial à Arábia Saudita e também as armas recebidas dos Emirados Árabes Unidos à Secretaria-Geral da Presidência da República no prazo de 5 (cinco) dias úteis, devendo ser juntado, de imediato, a este processo o correspondente comprovante da entrega”. 
    Como já se sabe, foi aí que a coisa complicou. Boa parte dos objetos já havia sido vendida em Miami numa operação que envolveu o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro César Cid – que está preso – e seu pai, o general de Exército na reserva, Mauro Lourena Cid. Coube ao advogado do ex-presidente Frederick Wassef – que conforme o Estadão acumula dívidas no total de R$ 60 mil – recomprar um dos relógios Rolex, pagando por ele quase R$ 300 mil. Ele ainda nem explicou direito a razão de tamanho altruísmo. 
    Pelo andar das investigações e a quantidade de “surpresinhas” que aparecem, a história das joias ainda está longe de acabar. 

https://www.estadao.com.br/politica/monica-gugliano/lista-de-presentes-preciosos-para-bolsonaro-e-michelle-e-maior-e-vem-surpresa-por-ai/

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Venezuelanos fogem desesperados da narrativa lulista (OESP)

 1.100 venezuelanos na fonteira da Colômbia com o Panamá, na tentativa de chegar à fronteira dos Estados Unidos, onde vão ser parados na frinteira mexicana, e dai a um fututo incerto, talvez a morte, numa travessia aleatória, pelo rio ou por terra. Mas deve ser apenas uma narrativa, segundo Lula, ou uma simples foto, segundo seu assessor internacional, o que não deve provar nada, sobretudo que a Venezuela NÃO é uma ditadura miserável.




quinta-feira, 20 de julho de 2023

Conflito na Ucrânia revive batalhas da Segunda Guerra, 80 anos depois - Andrew E, Kramer (NYT, OESP)

 Conflito na Ucrânia revive batalhas da Segunda Guerra, 80 anos depois 

Andrew E. Kramer
THE NEW YORK TIMES, 19/07/2023

 Em meio a rochas enormes, pneus usados e restos de lata-velha, Oleksandr Shkalikov aventurou-se no leito seco do vasto reservatório. Um lembrete perturbador, de batalhas sucedidas há muito neste mesmo local no sul da Ucrânia, jazia na paisagem desolada: uma suástica esculpida em pedra apareceu no fundo do lago depois que as águas baixaram. O ano de “1942′', indicando o momento do entalhe, estava escrito ao lado.

“É a história se repetindo”, afirmou o piloto de tanques Shkalikov, que estava de licença do Exército ucraniano, a respeito do entalhe da época da Segunda Guerra. Ele notou a coincidência: a suástica ficou visível em razão de um ato de guerra mais recente; a explosão da Represa de Kakhovka, em junho, drenou um reservatório do tamanho do Grande Lago Salgado de Utah.


“Nós estamos travando esta guerra no mesmo local e com as mesmas armas” da Segunda Guerra, afirmou ele, evocando a artilharia pesada e os tanques que ainda forjam o curso dos combates.

A Segunda Guerra tem constituído um campo de batalha ideológico no atual conflito na Ucrânia, com a Rússia acusando falsamente o governo em Kiev de neofascismo e citando essa mentira como justificativa para sua invasão. O histórico de guerra no território ucraniano também brota no campo de batalha — e não apenas na forma de artefatos encontrados no solo, mas também nas lições que a Ucrânia aprendeu com uma guerra travada muito tempo atrás.

Um monumento em homenagem aos soldados que morreram na Segunda Guerra Mundial perto da linha de frente na região de Zaporizhzhia, Ucrânia, em 6 de julho de 2023.
Um monumento em homenagem aos soldados que morreram na Segunda Guerra Mundial perto da linha de frente na região de Zaporizhzhia, Ucrânia, em 6 de julho de 2023.  Foto: David Guttenfelder / NYT

Contornos do terreno e leitos de rios com frequência direcionam os Exércitos de hoje para os mesmos locais em que algumas das mais ferozes batalhas da Segunda Guerra ocorreram quando tropas nazistas e soviéticas varreram vales e vastidões de planícies abertas na Ucrânia.

De fato, os locais de algumas batalhas cruciais da guerra atual coincidiram tanto com áreas de batalhas da Segunda Guerra, afirma o Exército da Ucrânia, que seus soldados chegaram a buscar abrigo em bunkers de concreto construídos 80 anos atrás no entorno de Kiev. E descobriram ossos de soldados alemães e cápsulas de projéteis usados pelos nazistas enterrados quando cavaram trincheiras no sul do país.

O começo da Segunda Guerra foi em 1939 em território que pertence atualmente à Ucrânia, quando a União Soviética invadiu uma região então controlada pela Polônia, no oeste ucraniano, num momento em que os soviéticos e a Alemanha nazista compunham uma aliança. Quando seu pacto se rompeu, em 1941, os alemães atacaram a União Soviética de oeste para leste através da Ucrânia. A maré da guerra mudou em 1943, quando a Alemanha foi derrotada na Batalha de Stalingrado; e o Exército Vermelho atacou, então, os nazistas de leste para oeste, novamente atravessando a Ucrânia.

Um dos primeiros sucessos dos alemães no início da guerra ocorreu na Batalha do Mar de Azov, em 1941, quando as tropas nazistas avançaram de Zaporizhzhia para Melitopol. Ao longo de três semanas, as forças alemãs atravessaram esse terreno para se posicionar para atacar a Crimeia e cercar os soldados do Exército Vermelho na região de Kherson.

A Ucrânia ecoa atualmente aquela ofensiva da Segunda Guerra, combatendo em linhas a sudeste de Zaporizhzhia num trajeto que os militares ucranianos chamam de “direção Melitopol”. O objetivo estratégico é o mesmo de oito décadas atrás: isolar os soldados inimigos na região de Kherson e ameaçar a Crimeia; mas as tropas ucranianas estão se movimentando muito mais vagarosamente, ganhando poucos quilômetros em mais de um mês de operações.

“Paralelos históricos, infelizmente ou felizmente, não param de emergir”, afirmou conselheiro do generalato ucraniano Vasil Pavlov, que estuda em profundidade as semelhanças entre as duas guerras. Estrategicamente, afirmou ele, os generais da Ucrânia tiveram como exemplo direto a história da Segunda Guerra ao definir a defesa da capital, Kiev, no ano passado.

Dos primeiros dias da guerra atual, o Exército russo avançou por Belarus na direção das várzeas do Rio Irpin — mas logo as forças russas souberam que os ucranianos tinham explodido uma represa e inundado uma vasta área de planícies, bloqueando seu avanço. Foi uma reprise de um truque soviético de 1941, quando Moscou explodiu uma represa no Rio Irpin para bloquear um ataque de tanques alemão, afirmou Pavlov.

Uma granada da época da Segunda Guerra Mundial no rio Dnipro foi revelada quando as águas baixaram após a destruição da barragem de Kakhovka, na região de Zaporizhzhia, Ucrânia, em 11 de julho de 2023.
Uma granada da época da Segunda Guerra Mundial no rio Dnipro foi revelada quando as águas baixaram após a destruição da barragem de Kakhovka, na região de Zaporizhzhia, Ucrânia, em 11 de julho de 2023.  Foto: David Guttenfelder / NYT
“Os generais sempre se preparam para combater a guerra anterior”, afirmou ele. “Mas os generais russos nem isso fizeram.” As forças alemãs conseguiram capturar Kiev em 1941; os russos combateram um mês nos subúrbios da capital na primavera (Hemisfério Norte) do ano passado e bateram em retirada.

Quando a guerra atual mudou de direção, de Kiev para o leste, suas batalhas percorreram os mesmos caminhos dos combates da Segunda Guerra. Naquela época, assim como hoje, o curso sinuoso do Rio Siverski Donets tornou-se linha de frente — com suas margens elevadas e várzeas lamacentas servindo de barreira natural enquanto Exércitos rivais lutaram por cidades e vilarejos ao longo de sua extensão.

Na Segunda Guerra, o rio formou uma porção da chamada Linha Mius, uma posição defensiva que os nazistas construíram para conter contra-ataques soviéticos após a Batalha de Stalingrado.

Na guerra atual, várias cidades e vilarejos ao longo do Siverski Donets entraram em disputa. As forças ucranianas usaram as ribanceiras altas do rio e suas planícies alagadiças, por exemplo, tentando defender a cidade de Lisichansk, o que não conseguiram, e para evitar que os russos atravessassem nas proximidades de Bilohorivka.

Ambas as guerras deixaram cidades e vilarejos às margens de rios em ruínas. Os atuais combates também danificaram com estilhaços monumentos erguidos para marcar batalhas da Segunda Guerra.

O vilarejo de Starii Saltiv, na região de Kharkiv, foi castigado por ambas as guerras; e acabou gravemente destruído nas duas ocasiões.

Lidiia Pechenizka, de 92 anos, que viveu sua vida inteira no vilarejo, recordou que em ambos os conflitos os combates foram definidos principalmente por projéteis de artilharia disparados do outro lado do rio contra soldados abrigados no vilarejo. Para os civis, as experiências foram similares: esconder-se em porões de casas e adegas subterrâneas. “É horrível”, disse Pechenizka em entrevista nesta primavera.

A contraofensiva ucraniana ao sul da cidade de Zaporizhzhia é, segundo Pavlov, “uma analogia direta” da ofensiva alemã de setembro de 1941. Os objetivos foram similares: atravessar as planícies, cortar linhas de abastecimento das tropas russas na margem oriental do Rio Dnipro e alcançar posição para ameaçar o istmo da Península da Crimeia.

Mas os paralelos não passam daí.

Na Segunda Guerra, o Exército Vermelho não teve tempo de fortificar linhas defensivas nas planícies; os alemães avançaram rapidamente até o Mar de Azov, cercando dezenas de milhares de soldados soviéticos em um bolsão no norte.

Na guerra atual, os russos tiveram meses para se entrincheirar. Como resultado, a contraofensiva da Ucrânia empacou diante das formidáveis fortificações, que contam com campos minados, redes de trincheiras e bunkers.

Os combates de hoje também se distinguem de outra maneira. Os Exércitos nazista e soviético se enfrentaram na Ucrânia movendo-se perpendicularmente ao fluxo norte-sul dos principais rios. Em sua contraofensiva, Kiev está movendo suas forças principalmente em paralelo aos cursos dos rios, o que lhes proporciona uma vantagem militar: suas tropas não têm de cruzar águas com tanta frequência.

Um soldado ucraniano em cima de um tanque russo abandonado no rio Siversky Donets, em Bilohorivka, Ucrânia, em 24 de maio de 2022. (Ivor Prickett/The New York Times)
Um soldado ucraniano em cima de um tanque russo abandonado no rio Siversky Donets, em Bilohorivka, Ucrânia, em 24 de maio de 2022. (Ivor Prickett/The New York Times) Foto: Ivor Prickett / NYT

No inverno de 1943-44, a União Soviética perdeu torrentes de soldados cruzando o Rio Dnipro de leste a oeste. Alguns corpos foram encontrados décadas depois pela ONG ucraniana Memória e Glória, que localiza cadáveres de ambos os lados para lhes oferecer sepultamentos dignos. Desde sua fundação, em 2007, o grupo afirma ter encontrado na Ucrânia mais de 500 corpos de soldados que lutaram na Segunda Guerra.

No ano passado, membros da ONG se juntaram ao Exército ucraniano para vasculhar campos de batalha em busca de soldados desaparecidos em combate e encontraram mais de 200 corpos de militares mortos na guerra atual — com frequência nos mesmos locais que cadáveres da Segunda Guerra tinham sido encontrados, afirmou o diretor da entidade, Leonid Ignatiev.

“Quando nós cavamos” à procura de corpos de soldados mortos recentemente, afirmou ele, “nós encontramos trincheiras da Segunda Guerra”.

Próximo à cidade de Novi Kamenki, na região de Kherson, o grupo procurava recentemente um soldado ucraniano desaparecido em combate, mas acabou encontrando a ossada de um soldado alemão, afirmou Ignatiev. Os ossos foram enviados para sepultamento em um cemitério destinado a alemães mortos em combate na Ucrânia.

“Os terrenos elevados e as posições para instalação de defesas são os mesmos”, afirmou Ignatiev.

Zaporizhzhia, uma grande cidade industrial à margem do Reservatório de Kakhovka, que se esvazia, foi ocupada por forças nazistas na Segunda Guerra é uma das atuais linhas de frente, onde sirenes de alerta para ataques aéreos soam várias vezes ao dia e mísseis russos explodem ocasionalmente.

Mas quando a água retrocedeu após o rompimento da represa em relação às margens originais, diante da cidade, foram projéteis não detonados que representaram a pior ameaça. O serviço de emergência da Ucrânia afirmou que os bancos de areia e as novas ilhas que emergiram no leito do reservatório “se revelaram surpreendentemente abarrotados de artefatos explosivos da  Segunda Guerra”, informou a agência.

Shkalikov, o piloto de tanques, que vive a uma curta caminhada de distância do leito exposto da represa, combateu no início da contraofensiva ucraniana em campos a sudeste da cidade. Depois que seu tanque atingiu uma mina, ele foi dispensado da unidade, voltou para casa e começou a explorar o fundo do lago seco. Encontrar a suástica emergindo da água, afirmou ele, “não me surpreendeu absolutamente”. Décadas separam as guerras, mas “a paisagem natural não mudou”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Como lidar com Vladimir Putin - Nicholas Kristof (OESP)

 Como lidar com Vladimir Putin, segundo especialistas no assunto 

Nicholas Kristof
O Estado de S. Paulo, 14/07/2023

VILNA, Lituânia — Muitos americanos e europeus trocam lisonjas por perceber a guerra na Ucrânia através de um prisma falso. Com bastante frequência nós pensamos que estamos nos sacrificando pelos ucranianos, trocamos tapinhas nas costas por fornecer armas caras e pagar contas de gás mais altas para ajudar os ucranianos a lutar por sua liberdade — e nós desejamos que eles alcancem seu objetivo.

Mas na realidade, o que fica claro aqui nos Países Bálticos é que ocorre o inverso: os ucranianos que estão se sacrificando por nós; são eles que nos fazem um favor ao desgastar o Exército russo e reduzir o risco de uma guerra na Europa que consumiria vidas de nossos soldados.

“Por meio do apoio à Ucrânia, estamos defendendo a nós mesmos”, afirmou Egils Levits, que concluiu este mês seu mandato como presidente da Letônia. Ele usou sua última entrevista antes de deixar a função para argumentar que o Ocidente deveria fornecer à Ucrânia mais armas para garantir que Kiev recupere todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, para que a agressão de Vladimir Putin seja absolutamente descreditada.

A cúpula da Otan em Vilna, esta semana, movimentou-se para adicionar a Suécia ao jogo, manteve todos os membros unidos e, em geral, foi bem. A única perdedora é a Rússia. Mas o teste verdadeiro não é conseguir oferecer palavras lustrosas diante das câmeras, mas se os países ocidentais irão aumentar ou não as transferências de armas para a Ucrânia e melhorar a perspectiva de que a guerra possa realmente se encerrar.

“Todos nós temos de fazer mais”, disse-me a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas. Ela está correta, mas eu não tenho certeza se todos no Ocidente compreendem isso. O presidente Joe Biden tem feito um ótimo trabalho em administrar a aliança — uma das razões que explica a cúpula ter ido tão bem — mas eu acredito que ele tem sido cauteloso e reativo demais no fornecimento de armas que a Ucrânia necessita, como mísseis precisos de longo alcance e caças de combate.

Considerando as duas décadas recentes, muitos na Alemanha e em toda a Europa Ocidental e EUA foram enganados com a ficção de que a Rússia pós-comunista seria um urso mais gentil. Em contraste, os Países Bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia — foram os primeiros a expressar alertas a respeito de Putin, portanto nas preparações para a cúpula eu viajei aos três países para colher suas impressões sobre Ucrânia e Rússia.

Francamente, eles ainda pensam que nós somos algo ingênuos.

“Nós deveríamos dar mais apoio agora, para que a Ucrânia possa vencer”, insistiu Levits, alertando que seria um grande erro pôr fim à guerra com um pacto que dê à Rússia a Crimeia ou outras regiões ucranianas. “Isso é uma péssima ideia, porque provocaria a guerra seguinte”, afirmou ele. “A conclusão para Moscou seria clara: o Ocidente é fraco.”

Os Países Bálticos são lúcidos a respeito da Rússia em razão de sua história. Os soviéticos se apoderaram das três nações durante a 2.ª Guerra e as governaram com pulso de ferro até sua independência, em 1991. A mãe da primeira-ministra Kallas foi deportada para a Sibéria num vagão de gado.

Mas a Rússia nunca acertou as contas com esse passado, o que pode explicar por que 70% dos russos afirmaram em uma pesquisa de 2019 que aprovam Stálin — e por que eles afirmam hoje em pesquisas que aprovam Putin.

Se Putin terminar a guerra com uma fatia da Ucrânia, afirmou ela, ditadores receberão a mensagem de que agredir vale a pena, e “Ninguém mais poderá se sentir realmente seguro”.

Os Estados Bálticos são motivados por temer que, se a Ucrânia cair, eles poderão ser os próximos a ser derrubados. A Estônia contribuiu mais para o esforço de guerra ucraniano em relação ao próprio PIB do que qualquer outro país — fornecendo obuses e até saunas móveis (os estonianos adoram suas saunas). Kallas lamentou que outros países não tenham se esforçado mais para acelerar envios de armas para os ucranianos, em vez de optar por fornecer-lhes gradualmente os equipamentos.

“Às vezes eu penso que o desfecho poderia ter sido diferente se nós tivéssemos lhes dado já em março do ano passado toda a ajuda militar que estamos lhes dando agora”, refletiu Kallas. “Porque a Rússia poderia ter percebido mais cedo que estava cometendo um erro.”

Uma razão para Biden demorar para enviar mísseis de longo alcance e caças de combate para a Ucrânia é a preocupação a respeito de motivar Putin a usar armas nucleares táticas. Levits e Kallas rejeitam esse argumento e, dado seu histórico recente em estar corretos, vale a pena lhes dar ouvidos.

“A Rússia ou Putin são motivados pela fraqueza, não pela força”, afirmou Levits, notando que, mesmo que não saibamos ainda da história completa, ao que parece o chefão mercenário Ievgeni Prigozhin cruzou todos os limites e desafiou diretamente Moscou — e a resposta de Putin foi negociação, conciliação e desescalada.

Kallas, da mesma forma, quer ver o Ocidente fornecer mais armamentos — incluindo bombas de fragmentação — para ajudar a Ucrânia a vencer.

“Se dermos sinais de que nos ameaçar com uma bomba nuclear realmente lhe dará o que ele quer, todos os ditadores vão querer uma”, acrescentou ela. “Isso faria despertar um mundo muito mais perigoso.”

Nós estamos certos em celebrar uma cúpula da Otan bem-sucedida. Mas especialmente se a Ucrânia tiver dificuldades para recuperar grandes fatias de território nesta contraofensiva haverá indivíduos irresponsáveis resmungando nas capitais ocidentais a respeito do preço que nós estamos pagando e dos favores que nós estamos fazendo pela Ucrânia. Qualquer um tentado a pensar desta maneira deveria escutar os líderes bálticos, porque eles aprenderam do modo mais difícil como lidar com ursos indomáveis. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Lula, que já implodiu a Alca, ameaça agora implodir o acordo Mercosul-UE - Beatriz Bulla (OESP)

 Insistência do Brasil em debater compras públicas ameaça acordo Brasil- UE

Insistência do Brasil em debater compras públicas ameaça acordo Mercosul-UE, diz ala do governo

Setores apontam que texto encabeçado por Casa Civil e Itamaraty traz itens tecnicamente desnecessários, que remetem a outro texto de dez anos atrás e que podem atrapalhar negociação
Por Beatriz Bulla
O Estado de S. Paulo, 12/07/2023

A contraproposta que Brasília pretende fazer à União Europeia, se avalizada pelos demais parceiros do Mercosul, para avançar no acordo comercial entre os dois blocos, pode ter efeito contrário e travar as negociações, segundo uma ala do próprio governo. O texto deve ser apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por integrantes do Itamaraty e da Casa Civil ainda nesta semana. Com a permissão de Lula sobre a nova proposta, o documento será compartilhado com Argentina, Uruguai e Paraguai para, então, ser levado aos europeus.

O texto que foi elaborado e que parte do governo diz ser fruto de um consenso entre todos os ministérios envolvidos está longe de ter agradado a ala que se diz mais liberal na Esplanada. A insistência de ministros mais próximos a Lula em reabrir as discussões com os europeus sobre o capítulo relativo a compras governamentais que poderão ser feitas após o acordo UE-Mercosul coloca, de acordo com fontes insatisfeitas com as negociações, o acordo em risco.

O acordo União Europeia-Mercosul abarca uma série de temas, como bens, serviços, facilitação de comércio e compras governamentais. No capítulo relativo às compras do governo, a intenção do acordo UE-Mercosul é permitir competitividade de estrangeiros em contratações públicas e limitar aquelas feitas sem licitação. Assim, empresas europeias não poderiam ser discriminadas nos processos de licitação no Brasil, por exemplo, salvo em determinados casos. Essa disposição é alinhada com a lei de licitações de 2021, que prevê que estrangeiros devem poder participar das contratações.

Antes de assinar o acordo de 2019, o Brasil negociou com os europeus situações e áreas em que o governo poderia se isentar dessa obrigação assumida com os europeus e usar as compras governamentais para promover políticas públicas. Estatais, por exemplo, podem ter preferência na contratação pelo governo. Compras de pequenas e médias empresas, para incentivar empreendedorismo social, compras para o setor de defesa e compras que sejam consideradas estratégicas para a área de saúde já estão entre as exceções previstas.

O debate sobre reabrir a discussão a respeito do tema colocou, de um lado, os ministérios da Indústria e Comércio, Planejamento, Defesa e Agricultura, e, de outro, Casa Civil, Itamaraty, Saúde e Gestão. Interlocutores do primeiro grupo disseram, internamente, que parte das exceções pleiteadas pela Casa Civil para serem incluídas na contraproposta é tecnicamente desnecessária, remete a um texto de dez anos atrás e atrapalhará o processo de negociação com europeus, podendo inclusive inviabilizar uma conclusão rápida do acordo.

Um dos debates mais recentes girou em torno da possibilidade de incluir, no acordo, exceção para o governo contratar empresas nacionais para serviços de construção civil. O governo Lula tenta estimular o setor através de um novo PAC. Técnicos com conhecimento do texto já assinado em 2019, no entanto, ponderam que esse tipo de debate é infrutífero, pois o acordo não afetaria políticas do PAC por oito anos. O pedido de Lula para proteger pequenas e médias empresas, de acordo com os mesmos técnicos, também já faz parte do acordo e pode ser feito sem novas alterações ou pedidos adicionais.

De outro lado, no entanto, a ponderação feita no governo é a de que é preciso incluir no desenho final do acordo UE-Mercosul temas caros para a atual administração, como ampliar o espaço para o governo poder usar as compras públicas para induzir uma política nacional de industrialização em setores importantes, como o da saúde. O principal argumento, aqui, é o de que o cenário mundial mudou desde 2019, quando o texto foi fechado, para cá. Pandemia e guerra na Ucrânia fizeram os países repensarem suas cadeias de produção para torná-las mais próximas e menos dependentes de China e Índia, por exemplo, no tema da saúde.

O Estadão ouviu pessoas de cinco ministérios, que pediram para não ser identificadas.

Parte do setor industrial, que seria beneficiado com a maior flexibilização no capítulo sobre compras governamentais, no entanto, também não acha boa ideia estender a discussão. Em entrevista recente ao Estadão, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, defende que o governo se empenhe em aprovar com celeridade o acordo, em vez de insistir em ampliar possibilidades de exceção para compras governamentais (um ponto que poderia beneficiar a indústria).

“O acordo já foi discutido por muitos e muitos anos, é o momento de virarmos essa página. Precisamos urgentemente desse acordo. A questão das compras governamentais, que envolve principalmente a micro e pequena empresa, tem formas de desenvolvermos no Brasil sem interferência com o que está no acordo Mercosul-UE. Precisamos avançar no acordo, é fundamental para a economia toda do País. Não temos mais tempo para ficar discutindo e gastar mais anos e anos”, defende Andrade.

A crítica principal que vem da ala considerada liberal é a de que argumentos técnicos foram desconsiderados no texto final e que a Casa Civil, ao lado do Itamaraty, acabou liderando esse debate sem participação ampla como havia sido prometido. Afirmam, também, que o Brasil já tem acordos de comércio com as cláusulas incluídas no UE-Mercosul, como o assinado com o Chile. A outra ala do governo, no entanto, considera que é importante que Lula deixe seu DNA no acordo, que foi assinado pela gestão passada, de Jair Bolsonaro.

O desconforto e a divisão de opiniões foram colocados às claras dentro do governo, embora, com o texto considerado fechado, haja agora uma tentativa de minimizar a cisão interna por parte do entorno do presidente.

Nesta quarta-feira, 12, Lula mostrou, mais uma vez, resistência às imposições da União Europeia e afirmou que o Brasil não irá abrir mão das compras governamentais no acordo. “Nós vamos ter que ter uma disputa”, disse.

O presidente quer que a contraproposta esteja pronta e seja enviada aos parceiros do Mercosul antes de embarcar, no final de semana, para Bruxelas, onde participará de encontro da Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac) com a União Europeia. Ele não irá apresentar o documento aos europeus, mas quer indicar que o Brasil já fez a sua parte e aguardará o retorno dos parceiros regionais para dar andamento às tratativas. Na Europa, Lula também deve fazer comentários sobre parte das propostas brasileiras apresentadas para Uruguai, Paraguai e Argentina.

A expectativa de negociadores é que a rodada de tratativas com europeus aconteça entre agosto e setembro, já com o Brasil na presidência pro tempore do Mercosul.

O Ministério da Fazenda tem tentado colocar panos quentes na divisão. A despeito de, internamente, o ministro Fernando Haddad ter dado sinais de que é favorável a uma conclusão rápida do acordo, a pasta não tem encabeçado um movimento mais crítico às sugestões da Casa Civil.

A leitura de assessores de Haddad consultados pela reportagem do Estadão é a de que as condições políticas para assinatura do acordo de forma rápida não estão presentes — e não é por causa do Brasil, mas sim da Europa. Resistências públicas do governo francês ao acordo e a possibilidade de eleição de um governo de direita ou extrema direita na Espanha, no fim de julho, estão entre os desafios no cenário internacional.

O acordo de livre comércio entre Mercosul e UE foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências, um prazo que não será cumprido. Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental.

O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia. Do outro lado, Brasília quer aproveitar a negociação aberta para incluir a possibilidade de mais exceções para manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido publicamente por Lula.

Procurada, a Casa Civil não retornou contatos feitos pelo Estadão até a publicação desta reportagem. O Itamaraty informou que quem se pronuncia sobre o acordo é a Presidência da República./Com Sofia Aguiar e Bruno Luiz

terça-feira, 11 de julho de 2023

Defesa Nacional: desafios externos e internos - Rubens Barbosa (OESP)

 DEFESA NACIONAL: DESAFIOS EXTERNOS E INTERNOS


Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 11/07/2023


O cenário internacional vem passando por profundas transformações que terão impacto nos esforços brasileiros para alcançar objetivos relacionados ao seu desenvolvimento econômico e social e, também, à preservação de sua soberania e projeção externa. 

A geopolítica voltou a ocupar o centro das atenções das grandes potências. Os principais atores com capacidade militar e vontade para usá-la, como a OTAN, liderada pelos EUA, a Rússia e a China, encontram-se claramente em rota de colisão. Os EUA deixam cada vez mais claro a intenção de conter os avanços da China no cenário internacional, apesar de atitudes táticas de estabilizar as relações bilaterais e reduzir as tensões. A perspectiva de um conflito entre esses atores não deve ser descartada. A confrontação entre os EUA e a OTAN com a Rússia, por meio da guerra na Ucrânia dividiu o mundo. O Brasil, nas duas crises, definiu sua posição como de autonomia estratégica, de equidistância ativa entre os dois lados. Deve ser lembrado que os países ocidentais estão adotando uma posição muito proativa em questões de clima, inclusive no contexto da Defesa, como evidenciado por declaração da OTAN em sua última reunião na Espanha em 2022. O Brasil tem sido alvo da atenção desses países e reiteradamente criticado pela política ambiental e pela devastação da Amazônia.

Por outro lado, cabe apontar que uma nova era de operações bélicas com o uso de alta tecnologia já começou tornando obsoletos os sistemas de armas usados nos conflitos e os sistemas de defesa para a proteção das fronteiras. Se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar meios robóticos e de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seu território, sua extensão marítima ou seu espaço aéreo.

Em qualquer desses cenários, o Brasil necessitará de uma capacidade militar crível e muito superior à que hoje possui, para dissuadir possíveis ameaças e para aumentar sua projeção externa. As três áreas ressaltadas na END (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na OTAN, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios da inteligência artificial. Nenhum país de grande porte, como o Brasil, pode prescindir de uma capacidade industrial, tecnológica e de inovação própria para manter FFAA modernas e capazes de enfrentar qualquer tipo de ameaças. O Brasil possui uma base industrial de defesa muito pequena e incapaz de atender às necessidades de suas FFAA. Quase todos os meios existentes, e/ou os seus principais componentes e tecnologias críticas, são fornecidos por países da OTAN. É necessário atentar para a qualidade dos investimentos em Defesa já que mais do que 3/4 dos gastos são com bens e serviços de origem estrangeira. É fundamental criar condições para aumentar o conteúdo nacional dos sistemas de Defesa de forma a potencializar a reindustrialização e a geração de empregos. Esta dependência de meios e tecnologias dos países da OTAN se constitui em enorme vulnerabilidade, especialmente no momento que estamos atravessando. Nesse contexto, parece claro que o Brasil necessita começar imediatamente um grande e continuado esforço para desenvolver, da forma mais autônoma possível, sua capacidade militar. É necessário estabelecer uma agenda positiva para a Defesa de curto, médio e longo prazo, que inclua a Defesa como uma das vertentes da reindustrialização do país. A agenda de curto prazo deveria incluir, entre outros aspectos, o fortalecimento da Base Industrial da Defesa por meio de sua crescente nacionalização, da atuação do BNDES e Banco do Brasil para o financiamento do comprador de produtos da BID e outorga de performance bonds e para a criação de empresas críticas de defesa.

Os acontecimentos político-militares recentes e as desconfianças criadas no mais alto nível do atual governo, é importante ressaltar, estão sendo contrabalançados pelo fato de   que, apesar das tentativas da presidência anterior e do envolvimento de militares da ativa em ações político-partidárias, as FFAA, como instituição, nos últimos quatro anos, reafirmaram seu profissionalismo e evitaram qualquer interferência que colocasse em risco a democracia.

Dentro desse contexto, torna-se urgente discutir dois temas: uma grande estratégia para o Brasil, uma estratégia de segurança nacional de médio e longo prazo, a exemplo dos documentos recentes da Alemanha, EUA e Reino Unido. Nesse contexto, deverão ser levadas em conta as atuais vulnerabilidades das FFAA e estimulada, no âmbito das políticas de reindustrialização, o fortalecimento da indústria de defesa. E, com base na nova atitude profissional das FFAA, examinar, de forma transparente, a normalização do relacionamento entre civis e militares com a definição de regras e práticas de um efetivo controle do executivo, legislativo e judiciário sobre os militares, como em muitos países.

Com a palavra a sociedade civil e o Congresso Nacional.

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN)