O ocaso do domínio lulopetista
O PT reacionário
O PT cometeu um erro decisivo em 1989. Quando Lula passou para o segundo turno, isso abriu o olho grande do comissariado, que então concluiu que era possível, sim, chegar de uma vez ao topo: conquistando logo a chefia do Estado e do governo num sistema presidencialista imperial.
Quais eram os poderes que encantaram os companheiros?
Entre outros, o de reeditar medidas provisórias (mais eficazes do que as ordens executivas trumpistas) eternamente (vigente na época); o de controlar a liberação de emendas para alugar o apoio de deputados e senadores, transformando o Congresso em órgão chancelador da vontade do presidente e do seu partido; o de aparelhar a máquina pública de alto a baixo; o de usar politicamente as estatais e os bancos públicos ao seu bel prazer; o de alinhar o país às ditaduras amigas de esquerda. E o de fazer mais um montão de coisas temerárias, algumas indevidas, como o mensalão e o petrolão e, enfim, "a revolução pela corrupção" (como disse o saudoso Ferrreira Gullar).
Com tudo isso nas mãos, pensaram os companheiros, seria possível estabelecer uma ligação direta do grande líder com as massas, bypassando as mediações institucionais da democracia e dando um curto circuito no sistema controlado pelas elites "que nos dominam desde Cabral".
Com essa fixação pelo poder desmedido de um presidencialismo imperial (e é por isso que o PT sempre foi contra o parlamentarismo), os companheiros deixaram de fazer a lição de casa, que aconselhava começar de baixo, construindo bases populares (comunidades políticas) nos bairros e municípios do interior e das periferias das médias e grandes cidades, conquistando prefeituras e câmaras municipais, governos e assembleias estaduais e o Congresso Nacional. Hoje o PT é minoria em todos esses âmbitos - e também, talvez, em parte por causa disso, nas mídias sociais, nas ruas e nas urnas.
É uma construção sem alicerces, um ídolo com pés de barro, que ainda imagina que possa alterar a correlação de forças a partir do lero-lero do seu condutor de rebanhos, supostamente sempre capaz de mesmerizar as massas em cima de um palanque.
Não é mais capaz. Os parlamentos e governos, em todos os níveis, afirmaram sua autonomia em relação ao executivo federal, as mídias digitais se tornarem imunes ao assalto de uma militância ainda analógica, exilada no passado da primeira guerra fria, as ruas não são mais ambientes propícios à manifestações sindicais no velho estilo do caminhão de som com líderes pançudos e barbudos vociferando para uma galera de bonezinho, disposta a agitar bandeiras fabricadas pelos aparatos burocráticos classistas (e não comparecem aos atos petistas ou cutistas, nem mesmo recebendo jeton em espécie, tubaína e sanduíche de mortadela).
Até os mais pobres, transformados em pensionistas do Estado por programas, mal-desenhados porque sem saída, de transferência de renda, não estão mais satisfeitos em serem aprisionados em currais eleitorais. Para não falar dos também pobres, mas não miseráveis, que agora almejam ter condições de empreender e melhorar suas vidas em vez de permanecerem como objetos permanentes de programas assistenciais ou de algum auxílio ou intermediação governamental.
A propaganda política revolucionária (muitas vezes travestida como “progressista”) do PT revelou-se, entretanto, conservadora e, até certo ponto, reacionária, na medida em que, diante do avanço de uma extrema-direita antissistema, que ataca as instituições da democracia, postou-se como defensora do passado, incapaz de imaginar um novo futuro. Sim, reacionária - e o melhor exemplo disso é o impulso de censurar as mídias sociais em vez de aprender a usar as novas formas de interação que elas ensejaram.
Com efeito, não há nada de novo no que diz e faz o PT. Os discursos de seus dirigentes e militantes são sempre mais do mesmo, como se ainda estivéssemos no século 20 (repita-se, na época da primeira guerra fria).
Em vez de privilegiar relações com as democracias liberais, os lulopetistas alinham-se às maiores autocracias do planeta (como Rússia e China) ou às mais envelhecidas ditaduras (como Cuba). Por isso investem no BRICS e desprezam a OCDE. Contemporizam com a teocracia do Irã e seus braços terroristas (como o Hamas e o Hezbollah) e condenam injustamente não apenas o governo Bibi, mas o próprio regime democrático de Israel (o que denuncia um viés antissemita, via-de-regra disfarçado como antissionista). Não defendem a Ucrânia (invadida por Putin) e responsabilizam a OTAN pela guerra de conquista movida pelo imperialismo russo, transformando o agredido em agressor. Não dão uma palavra em defesa da democracia liberal de Taiwan ameaçada de anexação pelo ditador Xi Jinping. Não conseguem nem condenar a fraude eleitoral promovida pelo ditador Maduro e rezam para que a gente esqueça sua proximidade com o sandinismo revolucionário do ditador nicaraguense Ortega e com o ditador angolano Lourenço.
Suas formas de organização continuam hierárquicas em uma sociedade em rede (e por isso o PT continua analógico num mundo digital). Suas dinâmicas de atuação não se libertaram do dirigismo e do hegemonismo, querendo que as pessoas não apenas ajam sob comando, mas pensem sob comando - o que indica que se trata de um projeto de dominação, não de libertação. E isso, não há como negar, nem conservador é - e sim reacionário.
Velharias regressivas que não encantam mais ninguém. Sintomas de que o projeto de dominação lulopetista aproxima-se rapidamente do seu ocaso.