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domingo, 16 de junho de 2019

Nova matéria sobre as relações diplomáticas França-Brasil durante a ditadura militar - Sergio Augusto (OESP)

Historiador analisa relações da ditadura brasileira com a França

A diplomacia entre Brasil e França, encarnada no Itamaraty e no Quai d’Orsay, teve altos e baixos no período do regime militar

Sérgio Augusto
O Estado de S. Paulo, 15 de junho de 2019

O sol da última segunda-feira ainda raiava quando Le Monde soltou, na internet, sua primeira matéria sobre o #VazaJato, horas antes detonado pelo site Intercept Brasil. O jornal francês de maior prestígio no mundo continua a velar por nós, pensei avec mes boutons, enquanto singrava as 559 páginas do mais recente estudo do historiador Paulo César Gomes sobre o regime militar instaurado em 1964.  
O autor já publicou, pela mesma Record, uma análise das relações dos bispos católicos com a ditadura. Seu tema de agora são as relações franco-brasileiras desde a derrubada de João Goulart até o início do processo de abertura, no governo Geisel. Seu título, Liberdade Vigiada, diz mais respeito aos brasileiros que se exilaram e se asilaram na França, fugindo do autoritarismo, do que àqueles que aqui ficaram, vivendo sob férrea censura e diuturna repressão.  
Seu protagonista é a diplomacia, encarnada no Itamaraty e no Quai d’Orsay, e entre os heroicos coadjuvantes que em suas páginas transitam nenhum é mais frequente que a imprensa francesa. E nenhum tão presente e combativo quanto Le Monde. Sempre atento aos acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil, o diário francês alertou primeiro a ofensiva contra a esquerda e o programa de reformas de Goulart, vistos com simpatia não apenas pelo Monde, mas até pelo conservador Le Figaro e o liberal Combat.  
Irineu Guimarães, correspondente do Monde, e Daniel Garric, do Figaro, não receberam com otimismo a intervenção militar. Três dias depois do golpe, o editor do Monde, Hubert Beuve-Méry, assinou um editorial em que apresentava a intervenção como uma reação da direita contra os avanços sociais propostos pelo governo deposto e criticava a indiscriminada aplicação do rótulo genérico de “comunista” a quem se opusesse à nova ordem.  
A partir do Ato de 9 de abril, quando o governo Castelo Branco tirou a máscara e a onda repressiva que se seguiu, com perseguições, prisões indiscriminadas e cassações, a imprensa francesa não mais largou o calcanhar da “revolução”. Irineu Guimarães acabou preso mais de uma vez e François Pelou, diretor da agência de notícias France-Presse, foi expulso do país no governo Médici.  
Nos 15 anos cobertos pelo livro, farto em documentação inédita e muito bem articulado, a França foi governada por três presidentes e o Brasil por cinco ditadores, mais uma junta militar, da qual fazia parte um futuro embaixador do Brasil em Paris, o general Lyra Tavares. Ao longo do período, tivemos cinco chanceleres e cinco vezes trocamos nossos representantes diplomáticos na França.  
Efetivando com atraso um convite feito por Goulart, Charles de Gaulle foi o primeiro presidente francês a visitar o Brasil, em outubro de 1964. Geisel seria o primeiro mandante brasileiro a visitar o Palácio do Eliseu. Costa e Silva ainda era apenas ministro da Guerra de Castelo Branco quando o líder francês, com ocupações mais relevantes, recusou-se a recebê-lo. De Gaulle também guardou distância de Carlos Lacerda, em missão oficial do governo Castelo, e de Adhemar de Barros, que de lá não pôde voltar com a prometida Légion d’Honneur. Apesar do empenho do embaixador Vasco Leitão da Cunha, Leonel Brizola tampouco pôde apertar a mão de De Gaulle. 
Uma concepção pragmática das relações internacionais ditou as estratégias diplomáticas dos dois países e fez prevalecer o princípio de não intervenção em assuntos internos. Ao menos, de parte da França, que, a despeito das persistentes pressões da opinião pública, da mídia e da intelectualidade, não permitiu que seus interesses comerciais e financeiros fossem perturbados por qualquer tipo de comentário sobre violação de direitos humanos pelo regime militar. E deixou a inana por conta da imprensa. “Savoir faire” é uma expressão tão francesa quanto “saia justa” é brasileira. Ambas se defrontaram quase diariamente durante os nossos anos de chumbo, quando o Itamaraty funcionou como braço repressivo da ditadura, espionando e dedurando os inimigos do regime em âmbito internacional, isto é, os comunistas (com ou sem aspas) e os subversivos (idem).  
Mal saía uma crítica ou denúncia em jornais e revistas, e lá iam nossos pressurosos embaixadores e ministros-conselheiros, sempre em pânico, ao Quay d’Orsay implorar providências censórias e exigir que o governo francês controlasse a cobertura jornalística envolvendo o Brasil. Ouviam, invariavelmente, a mesma desconversa, assim resumível: “Nada podemos fazer. A imprensa na França é totalmente livre. Escreva uma carta ao editor do jornal ou fale com ele pessoalmente.”  
O ministro-conselheiro Raul de Vincenzi visitou as redações do Monde e do Figaro, para caitituar Beuve-Méry e Pierre Brisson, e saiu como saíra do Quay d’Orsay, de mãos abanando. Mendes Viana, nosso embaixador nos primeiros dois anos da ditadura, fez um escarcéu contra o Monde, acusando-o de agir de má-fé, o que não deu em nada.  
Iguais reveses conheceram os graduados diplomatas Paulo Paranaguá e Carlos Calero Rodrigues, este signatário de uma carta-protesto ao Figaro tão ridícula quanto se podia esperar do nosso atual chanceler Ernesto Araújo. Na vã tentativa de promover uma imagem positiva do Brasil, o Itamaraty chegou a contratar os serviços de um picareta internacional, de passado colaboracionista, chamado Georges Albertini. Sustentado por David Rockefeller e a Shell, até aqui ele deu palestras, a convite da Fiesp. Só o bolso dele saiu ganhando.

domingo, 9 de junho de 2019

O Brasil dos generais e a França dos liberais - livro de Paulo Cesar Gomes

O Brasil dos generais e a França dos liberais: no meio, exilados políticos vigiados

Pesquisador lança livro em que aborda as relações entre os governos: de um lado, a ditadura que expulsava brasileiros e de outro, a democracia que acolhia os exilados, sem deixar de monitorá-los

São Paulo –  Pesquisador e criador de um site voltado à história da ditadura brasileira, Paulo Cesar Gomes dedicou quatro anos a um trabalho que resultou no livro Liberdade vigiada: as relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês – do golpe à anistia (editora Record), que terá lançamento neste sábado (8), às 16h, na livraria Tapera Taperá, localizada na Galeria Metrópole, na região central de São Paulo. Um desses quatro anos foi em Paris, e o autor lembra que não se trata de um trabalho de história oral, com entrevistas e depoimentos. “Eu trabalhei com documentos oficiais ostensivos e sigilosos tanto da diplomacia francesa quanto da brasileira, além dos acervos dos órgãos de segurança e informações ligados ao Itamaraty (Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores e Centro de Informações do Exterior). Fiz essa escolha porque quis que o cerne do meu trabalho fosse a visão oficial das relações franco-brasileiras durante a ditadura”, explica.
Seu interesse estava relacionado ao fato de que a Europa em geral e Paris em particular concentrou o maior número de brasileiros que tentavam escapar das perseguições do regime instalado em 1964. “Eu queria entender como as relações bilaterais foram influenciadas pelo golpe de Estado e pela instauração de um regime de exceção do Brasil, já que, além da presença de exilados brasileiros, a imprensa francesa, até mesmo a vertente mais conservadora, adotou posições muito duras acerca da tomada do poder pelos militares. Não podemos esquecer que a França é reconhecida como o berço da democracia liberal, além de ter construído a tradição de ser uma terra de asilo”, observa o pesquisador, que também assessorou a Comissão Nacional da Verdade.
Suas pesquisas narram, por exemplo, a atuação do general Aurélio de Lyra Tavares como embaixador do Brasil na França, de 1º de junho de 1970 a 16 de dezembro de 1974. “Foi o período em que se buscou estabelecer regras mais rígidas para o monitoramento de brasileiros opositores ao regime no exterior. Esse período foi também quando as transações comerciais de armamentos militares atingiram seu auge como, por exemplo, a compra dos caças Mirage, que custaram uma fortuna ao Brasil e foram exibidos com grande pompa no desfile de 7 de setembro de 1973”, diz o historiador. Lyra Tavares também foi ministro do Exército e integrante da Junta Militar que governou o país durante seis meses entre 1966 e 1967.
À primeira vista, pode surpreender o fato de a França ter mantido sob observação os brasileiros exilados, por sua tradição liberal. Mas, embora os acolhesse, o país – também interessado em desenvolver relações comerciais – sempre esteve atento às suas atividades políticas, lembra Gomes. Mesmo seus líderes à época, o presidente Charles de Gaulle e o primeiro-ministro, Georges Pompidou, nunca manifestaram-se criticamente em relação à ditadura na nação sul-americana. O mesmo não aconteceu em relação à imprensa francesa, mesmo a conservadora, como aponta o pesquisador.
 Quando se pensa em 1964, lembramos imediatamente dos Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria. Por que a França? Qual foi seu interesse?
As relações dos Estados Unidos e da França com o Brasil são muito distintas. O Brasil está na zona de influência estadunidense e, como outros pesquisadores já demonstraram, os Estados Unidos tiveram uma atuação direta no golpe de 1964 e, não sem razão, foram os primeiros a reconhecer o regime que se instaurou após o rompimento constitucional. Assim, o governo dos EUA estava muito bem informado do que ocorria no Brasil. Há inúmeros documentos que comprovam essa configuração histórica. Inicialmente, meu interesse em analisar as relações franco-brasileiras após o golpe estava ligado ao fato de que Paris foi a capital europeia que recebeu o maior número de brasileiros que buscavam escapar das perseguições políticas que vinham sofrendo no Brasil. Eu queria entender como as relações bilaterais foram influenciadas pelo golpe de Estado e pela instauração de um regime de exceção do Brasil, já que, além da presença de exilados brasileiros, a imprensa francesa, até mesmo a vertente mais conservadora, adotou posições muito duras acerca da tomada do poder pelos militares. Não podemos esquecer que a França é reconhecida como o berço da democracia liberal, além de ter construído a tradição de ser uma terra de asilo.
Após a Lei de Acesso à Informação (LAI), promulgada no final de 2011, assim que os documentos sigilosos do Itamaraty, bem como os acervos dos órgãos de informações ligados a esse ministério, foram liberados para o público, fui consultá-los. Na medida em que eu ficava mais familiarizado com o modus operandi do Itamaraty desde os momentos posteriores ao golpe, percebi que as questões eram mais complexas do que eu havia pensado inicialmente. Por esse motivo, resolvi ampliar o objetivo do meu trabalho e comecei a desenvolver uma pesquisa mais aprofundada sobre as relações franco-brasileiras. Decerto, o Brasil não tinha a mesma importância para a França como tinha para os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, nosso país não era desprezível no contexto mundial. Havia interesse da França não apenas de reforçar sua influência cultural, que desde a 2ª Guerra vinha decrescendo, mas também havia a intenção de fortalecer as relações comerciais com o Brasil. É preciso lembrar que, ao longo do século 20, a França se especializou na venda de armamentos militares e esse comércio representa, até hoje, uma parcela muito significativa do PIB francês. Nesse sentido, é muito interessante analisar a tensão que começou a se criar entre as denúncias feitas por exilados brasileiros, por religiosos, pela imprensa e por setores da sociedade franceses, até mesmo alguns parlamentares, e a posição oficial do governo francês diante da ditadura. Ao longo de todo o período que analisei, o governo francês fez prevalecer seus interesses comerciais e financeiros e nunca emitiu qualquer crítica oficial ao Brasil. Quando ocorria de haver algum questionamento direto sobre esse posicionamento, a resposta padrão era a de que a França adotava o princípio de não intervir em questões internas de outros países.
De Gaulle reconheceu imediatamente o novo regime brasileiro? E quanto ao primeiro-ministro Pompidou?
Ao contrário dos Estados Unidos, logo após o golpe, os meios governamentais franceses não entenderam muito bem o que estava acontecendo em nosso país. No entanto, assim que Castello Branco foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, a França reconheceu o novo regime. O governo de Jango era visto pelos meios diplomáticos franceses como muito bagunçado e instável. Posso citar, por exemplo, dois conflitos importantes que aconteceram entre os dois países nesse período: o contencioso franco-brasileiro e a chamada “guerra da lagosta”. Assim, ao menos no âmbito das correspondências sigilosas, a queda de Goulart foi muito bem avaliada pelo governo francês, pois, aparentemente, os militares trariam mais ordem ao país.
De Gaulle tinha uma visita oficial agendada para o Brasil em razão de um convite feito ainda durante o governo de Goulart. De início, chegou-se a comentar a possibilidade de excluir o Brasil da viagem, que incluía diversos outros países da América Latina. No entanto, quando o governo brasileiro soube, extraoficialmente, dessa possibilidade, tratou de reforçar o convite, que foi prontamente aceito. A visita ocorreu em outubro de 1964. O presidente francês foi recebido com euforia por todos os lugares por onde passou. Há diversos registros iconográficos dessa viagem. O evento acabou simbolizando internacionalmente o reconhecimento do regime militar por uma grande potência mundial, o que foi excelente para a imagem externa do Brasil. Assim, nem o general De Gaulle, nem Pompidou emitiram publicamente qualquer crítica ao novo governo brasileiro. A mesma postura se manteve até o início da década de 1980, com a chegada de (François) Mitterrand ao poder. De todo modo, nem mesmo nesse período chegou a haver uma mudança radical de posicionamento da França com relação ao Brasil.
 Essa colaboração não chega a ser surpreendente, quando imaginamos que a Europa, particularmente a França, ainda que tivesse um governo conservador, era um destino comum dos exilados brasileiros? 
Em um primeiro momento, esse monitoramento dos exilados brasileiros tanto pela ditadura como pelo governo francês pode parecer surpreendente. No entanto, quando se observa o contexto da época com mais atenção, percebemos que a França, embora acolhesse esses indivíduos, sempre esteve atenta às suas atividades políticas. Um dos requisitos para conseguir a carta de residência, por exemplo, era não se envolver em atividades políticas. De todo modo, é possível observar que os militantes que tiveram algum tipo de envolvimento com a luta armada eram observados com muito mais atenção. Assim, o tratamento dado aos primeiros exilados, que eram aqueles que tinham alguma ligação com o governo de Jango, tais como Samuel Wainer, Josué de Castro, Celso Furtado e até mesmo Juscelino Kubitschek, que já tinham projeção internacional, foi muito diferente daqueles que chegaram após 1968, sobretudo depois do golpe do Chile. Seja como for, embora tenha sido possível comprovar articulações pontuais entre os órgãos oficiais brasileiros e franceses, não consegui comprovar que essa colaboração tenha sido sistemática ao longo da ditadura.
 E havia também uma forte mobilização, na Europa, para denunciar os crimes da ditadura. Essas atividades eram monitoradas?
Sim. Essas atividades foram as que provocaram mais preocupação por parte da ditadura. A quantidade de documentos produzidos sobre todas as denúncias contra o Brasil feitas na Europa é assustadora. A imprensa europeia era minuciosamente analisada e tudo que fazia menção, sobretudo negativa, ao Brasil era incluído pela mala diplomática para ser enviado ao SNI. Além disso, as atividades políticas dos exilados eram detidamente vigiadas. Não podemos esquecer do papel fundamental que dom Helder Câmara exerceu nesse contexto. O bispo, que chegou a ter sua candidatura ao Nobel boicotada por pressões do governo brasileiro, buscou direcionar sua trajetória para denunciar no exterior não apenas as violações aos direitos humanos, mas também a extrema desigualdade social do país, característica brasileira muito marcante até os dias atuais.
Havia posições distintas, então, entre a imprensa e o governo francês?
Claramente. A imprensa francesa, até mesmo a mais conservadora, buscou denunciar desde os momentos posteriores ao golpe todos os abusos que eram cometidos pelas autoridades brasileiras. Foram raras as exceções de veículos, em geral pouco relevantes, que tinham uma posição anticomunista e, portanto, de apoio à ditadura. Por esse motivo, em diversas ocasiões, os diplomatas brasileiros, por ordem do SNI, buscaram interceder junto aos editores dos principais jornais franceses para tentar conter o tom das críticas ao Brasil. Nos arquivos do Itamaraty, há diversos exemplos dessa tentativa de censura por parte do governo brasileiro. Houve inclusive alguns embates entre o editor do Le Monde, por exemplo, e funcionários diplomáticos.
Como se dava a participação do Itamaraty? Havia um esquema de vigilância, de arapongas?
Durante algum tempo, chegou-se a pensar que a DSI-MRE e o Ciex eram órgãos autônomos, uma espécie de corpos estranhos apenas alocados no Itamaraty. No entanto, quando analisamos de maneira detalhada e comparativa a documentação produzida por esses órgãos, observamos que todas essas estruturas estavam interligadas. Os órgãos subordinados ao SNI utilizavam as informações produzidas cotidianamente pelo serviço diplomático para alimentar o sistema de espionagem da ditadura. Havia mesmo diretrizes sobre os temas que deveriam ser encaminhados diretamente ao SNI. Apenas recentemente se começou a entender a complexidade e a amplitude do sistema de informações estruturado pela ditadura. Havia a intenção de criar não apenas um instrumento de monitoramento dos chamados subversivos, mas pretendia-se implantar um mecanismo de controle social de maneira mais ampla. Interessava ao SNI não apenas as questões estritamente políticas, mas também tudo que tocasse temas relativos à moral e aos bons costumes.
 No Brasil ainda há grande dificuldade em acessar determinadas informações relacionadas ao período autoritário. E na França?
Eu discordo em parte de que, no Brasil, haja dificuldades de acessar documentos relativos à ditadura. Desde 2011, com o surgimento da LAI, que foi criada no mesmo dia da Comissão Nacional da Verdade, o acesso aos documentos sigilosos da ditadura ficou muito mais fácil. No entanto, é preciso reforçar que os documentos produzidos pelos órgãos de segurança e informações ligados aos ministérios militares, incluindo aqueles produzidos pelos adidos militares no exterior, nunca foram liberados para a consulta pública. Embora a CNV tenha tido muitos problemas e limitações, o órgão foi muito importante para a disponibilização de documentos da ditadura para um público mais amplo, inclusive com um investimento considerável em digitalização. Na França, um dos berços da arquivística, essas questões são muito mais claras. Há um código do patrimônio que estabelece regras muito rígidas para o acesso a documentos sigilosos, incluindo os casos em que é possível haver exceções. Na França, eu tive acesso a todos os documentos que solicitei para consultar. No entanto, ainda há muitos registros que se encontram dentro do prazo de manutenção do sigilo. Por isso, nos próximos anos, é possível que muito mais detalhes do que consegui pesquisar sejam acessados com a liberação paulatina dos acervos concernentes ao Brasil.