O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Paulo Roberto de Almeida. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paulo Roberto de Almeida. Mostrar todas as postagens

domingo, 21 de abril de 2024

Relações do Brasil com os demais países da América Latina - Paulo Roberto de Almeida

 Relações do Brasil com os demais países da América Latina 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

 

Evolução histórica: da indiferença ou afastamento à integração e engajamento; no Império e velha República, as relações foram erráticas, aos impulsos e sem um conteúdo mais explícito de relacionamento, então concentrado nas grandes potências europeias e nos EUA. Da era Vargas em diante, prosseguimento de uma política de cautelosa aproximação, com objetivos específicos e no contexto da integração comercial, à medida a capacitação própria na área industrial, processo que culmina no projeto do Mercosul, o mais estratégico do Itamaraty desde a IIGM, mas diminuído desde as crises dos anos 1999-2002.

Mudança de conceitos: do conceito vago de AL para o mais focado de América do Sul, desde que o México definiu sua estratégia americana, com ingresso no Gatt (1986) e sua opção pelo NAFTA, com suspensão das suas obrigações sob a Aladi, e do reconhecimento, pelo Brasil, do relativo distanciamento em relação ao Caribe e à América Central. O novo conceito de América do Sul apareceu pela primeira vez de modo explícito na gestão de FHC como chanceler, ao dar posse ao seu SG Luiz Felipe Lampreia, que depois se tornaria chanceler de 1995 a 2000 (sucedido por Celso Lafer, que tinha sido chanceler no breve segundo governo Collor). A nova orientação seria materializada na reunião de presidentes da América do Sul, em 30/08 e 1/09/2000, em Brasília, da qual resultou a IIRSA, Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana.

Argentina: vivendo ainda no Plano Cavallo de estabilizada com paridade fixa entre o peso e o dólar, o principal parceiro do Brasil na América do Sul não aderiu ao conceito e Fernando De La Rua continua explicitamente a aderir ao conceito de AL, sem condições de abrigar a segunda reunião, em 2001 (ela foi organizada pelo Equador em 2002; a IIRSA definiu planos de integração física na América do Sul). As relações Brasil-Argentina sempre foram determinantes.

Mercosul: Concebido idealisticamente a partir do momento em que a Comunidade Europeia avança para o Mercado Unificado (1986-1992) e em que os EUA passam do acordo de livre comércio com o Canadá (1986-87) para o projeto do Nafta, unindo o México a um abrangente acordo de livre comércio da América do Norte, o projeto do Mercosul começa com o PICE, Programa de Integração e Cooperação Econômica, entre Brasil e Argentina, em 1986, sob Alfonsin e Sarney, continua com o Tratado de Integração, ainda bilateral, de 1988, já prevendo um Mercado Comum do Sul (Mercosul), em 10 anos, com base em duas dúzias de protocolos setoriais, e ingressa num processo de aceleração e automatização (sem mais protocolos setoriais) da liberalização comercial geral a partir da Ata de Buenos Aires (julho de 1990), quando se reduz o prazo de formação do mercado comum à metade do tempo. Esse processo deslancha o interesse de outros países, e os primeiros a serem aceitos, nas mesmas bases, são Uruguai e Paraguay; daí resulta o Tratado de Assunção de 1991, que nada mais é do que a Ata de Buenos Aires quadrilateral; Bolívia e Chile se tornam dois países associados ao Mercosul.

Chile: Um “aliado pouco natural” do Brasil, desde os tempos em que a Argentina constituía a principal preocupação dos líderes políticos e militares nacionais, sempre ocupou um lugar de prestígio em nossa visão externa, mas por razões que tinham pouco a ver com a intensidade de contatos econômicos, sempre modesta até o surgimento do Mercosul. No passado, ocupou esse papel diplomático de aliança potencial em face da mais poderosa Argentina, e desde os anos 1950 foi uma espécie de celeiro dos economistas brasileiros em ideias desenvolvimentistas, dado o papel da Cepal e de Prebisch na formação intelectual, no receituário de políticas econômicas, de ideias em geral no plano hemisférico e mundial. Na época da Guerra Fria e das ditaduras militares, ocorreu um envolvimento mais ativo do Brasil do regime militar com a destruição da democracia no Chile, muito estimulada por Kissinger. Desde o Mercosul, o Chile vem crescendo sua interface econômica com o Brasil e com o bloco, mas sem a menor intenção de participar de um arranjo ainda protecionista.

Bolívia: Com o Paraguai, um importante vizinho, por boas (comércio) e más razões, entre as quais se destacam a criminalidade e o contrabando. Sempre cultivou uma ambivalência nas suas relações externas, seja com a Argentina, seja com o grupo andino. Sua associação com o Mercosul não mudou muito o seu perfil interno, mas o fato de ter se tornado membro pleno pode começar a mudar sua estrutura econômica e seu perfil político, mas é duvidoso que o país alcance coerência política interna e externa, dadas suas várias contradições sociais, étnicas e políticas.

Uruguai Paraguai: Características próprias a cada um, com perfis diferentes no relacionamento, mas ambos dependem muito do Brasil e da Argentina para vários aspectos de suas políticas econômicas e diplomáticas. A penetração humana de brasileiros no Paraguai é muito mais intensa do que no Uruguai, assim como a interpenetração de atividades criminosas, com grandes efeitos sobre a criminalidade na costa atlântica do Brasil. O fato de ambos pertencerem ao Mercosul não impede o fato de terem características próprias, e em parte incongruentes com as políticas econômicas protecionistas dos dois membros maiores do bloco, o que se choca com o perfil mais aberto dos dois menores. Há um enorme espaço para a cooperação e a projeção dos interesses econômicos e culturais do Brasil em ambos, talvez pouco aproveitado. Itaipu representa um casamento pouco natural, mas que precisa ser administrado pelo Brasil, nem sempre com coerência e consistência nas políticas.

Colômbia: Um vizinho distante, pela barreira amazônica, mas que também é um escoadouro pouco controlado na conversão do Brasil a grande exportador e consumidor de cocaína. As relações bilaterais estiveram aquém das possibilidades, justamente devido a esses fatores e parece pouco provável que a situação se altere significativamente nos próximos anos. O petróleo é uma nova interface no perfil externo de cada um deles, mas por razões próprias a cada um, não por qualquer convergência de políticas ou de projetos.

Venezuela: Só se tornou um vizinho mais relevante sob o chavismo e o lulismo, nem sempre por razões isentas de cálculos políticos e diplomáticos nas duas lideranças. Mas, a Venezuela se tornou um problema para si mesma e para a região, Brasil inclusive, dadas as políticas desastrosas do chavismo nos últimos 20 anos e continua sendo. Brasil parece dispor de uma falta de visão e de ausência de políticas para lidar com esse fenômeno destruidor de equilíbrios internos e externos, dada a exportação de emigrantes e ameaças à estabilidade dos vizinhos, Guiana e Colômbia. 

Peru: A barreira amazônica também limitou a possibilidade de maior expansão e aprofundamento das relações bilaterais, como também a descontinuidade de grandes projetos integracionistas (IIRSA, Unasul, CAF-Banco de Desenvolvimento e outros). A OTCA poderia ser um foco de projetos mais consistentes, mas ainda não possui capacidade para sê-lo, a despeito das possibilidades.

México: O grande competidor pela liderança política e diplomática na AL, e também no ranking econômico na região. As geografias econômicas empurram os dois países para objetivos e direções diferentes, a despeito dessa vaga identidade latino-americana.

Equador: Pouca expressão nas relações bilaterais, mas acolhimento de negócios do Brasil na construção. Foi, durante os tempos áureos do chavismo e dos petrodólares venezuelanos, um aliado da causa bolivariana, tendo acolhido não só a sede da Unasul, como do Conselho de Defesa Sul-Americana, mas tornou-se um elo preocupante na cadeia da criminalidade latino-americana ligada ao comércio de cocaína. O Brasil poderia ser o organizador de uma ação internacional para combate à criminalidade regional, mas não se pode prever que o será, pois isso implica cooperação ampliada com americanos e europeus, os principais consumidores e atores do lado da demanda.

América Central e Caribe: Pouca expressão em nossas relações bilaterais ou regionais, a não ser por motivos tópicos e conjunturais – Haiti, Honduras – e sempre com a presença sobressalente dos EUA, ator de relevo durante toda a história contemporânea desses países. 

Estados Unidos: Incontornável personagem da história de cada um desses países e presença inevitável nas suas relações externas, mas na parte norte da região, do que no Cone Sul, também cabe contar com eles na nossa diplomacia regional, por vezes de maneira convergente, em outras vezes com divergência de visões e de propósitos: no campo das prescrições de políticas econômicas, por exemplo, ou no enfrentamento aos problemas mais prementes, alguns deles criados ou alimentados pelo Grande Irmão (na Guerra Fria, por exemplo, como o estímulo a governos de direita, mesmo ditaduras militares, ou no atual “guerra” contra as drogas e a criminalidade transfronteiriça). 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília- São Paulo, 4563, 15-17 janeiro 2024, 4 p.

 

 

sábado, 20 de abril de 2024

Alianças preferenciais no Sul Global: o Brasil deve seguir esse caminho? - Paulo Roberto de Almeida

 Alianças preferenciais no Sul Global: o Brasil deve seguir esse caminho?

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

 

     Qual é o argumento típico dos entusiastas do Sul Global?


     Devemos reforçar os laços com grandes países (China, Rússia), com outros países em desenvolvimento (Índia, África do Sul) e, com os da América do Sul, com os quais dispomos de vantagens comparativas. 

     Talvez, mas vejamos os custos e benefícios desse tipo de política de aliança com o chamado Sul Global.

 

O problema dos países médios, ou “emergentes”, como o Brasil, é que eles dispõem de um estatuto incerto no sistema mundial. Não constituem, obviamente, grandes potências, dotados de meios militares ou econômicos suscetíveis de influenciar decisivamente a agenda internacional, mas tampouco são países irrelevantes ou desprovidos de meios para fazer pender, por vezes, a balança das relações internacionais em determinadas direções. O Brasil certamente se insere, com vários outros países, nessa categoria pouco precisa dos “países médios”, cuja classificação pode ser dada a partir de vários atributos físicos e econômicos. Vejamos, em primeiro lugar, características próprias a esses países, passemos em seguida às recomendações de política externa tais como apresentadas no título deste capítulo e discutamos, por fim, as implicações dessas orientações sugeridas.

Os países médios constituem geralmente grandes extensões territoriais, dotados de importante população, com economias não totalmente desenvolvidas ou avançadas do ponto de vista tecnológico, mas participando ativamente da vida diplomática internacional e podendo desempenhar um papel relevante na definição de alguns dos problemas que frequentam a agenda mundial. Não é o caso da Rússia ou da China, igualmente grandes e ativos, embora a renda per capita desses dois gigantes, um geográfico, o outro econômico, se situe na faixa dos países médios. Mas esses dois países não são normalmente identificados a países médios ou emergentes, uma vez que já são (ou já foram e voltaram a ser) grandes potências, detêm armas nucleares e são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. China e Rússia podem, portanto, ainda que com certo esforço, tentar desafiar o monopólio estratégico da superpotência remanescente no contexto mundial pós-Guerra Fria. A China, na verdade, é uma potência ascendente, ao passo que a Rússia é uma potência apenas militar, mas economicamente e demograficamente declinante. Por razões curiosas, os dois gigantes são identificados a um ainda mais bizarro Sul Global, o que não parece ser o caso, nem no plano estritamente geográfico, nem no plano político, ainda que lato senso.

A geografia política das potências médias apresenta contornos indefinidos, podendo cobrir gigantes demográficos como a Índia e a Indonésia, ou o próprio Brasil, e países realmente médios como o México, a África do Sul, talvez do Egito ou o Irã, e outros menores, como a da Coréia do Sul, assim como diversos outros, no mundo em desenvolvimento, ou o Canadá, a Espanha, a Itália e vários outros, no clube dos países ricos. As definições são, entretanto, ambíguas, uma vez que a “assemblagem” dessas potências “médias” num mesmo conjunto recobre realidades e potencialidades muito diversas. Senão vejamos.

A Índia é agora o primeiro país mais populoso do mundo, é dotada da arma nuclear e já pode, talvez, ser enquadrada entre as grandes potências. Ela se encontra envolta num cenário estratégico de tensões recorrentes e perigosas que conforma um dos maiores focos de instabilidade internacional, junto com o Oriente Médio e algumas partes da África. A Indonésia constitui, por sua vez, um mundo à parte, cujos focos de tensão são propriamente internos, ainda que ela tenha provocado, no passado, situações de instabilidade no cenário regional (Timor Leste, por exemplo). A África do Sul já foi uma emergente potência nuclear, mas decidiu renunciar a esse status ao iniciar-se o período de transição para o fim do regime de apartheid. O Brasil já ostentou uma economia bem mais pujante, em fases de crescimento sustentado ou de valorização cambial, chegando a superar alguns membros do G7, como seria o caso do Canadá, mas no início do século XXI chegou a ser superado em termos de PIB pelo México, país que tem uma projeção meramente regional, recuperando-se recentemente, ultrapassando não apenas o México, mas também o Canadá e a Rússia. 

Por outro lado, determinadas potências econômicas, como a Alemanha, o Japão ou mesmo o Canadá e a Itália, não ostentam um poderio militar à altura de sua presença no comércio e nas finanças internacionais, ainda que elas possam ser ativas em missões de manutenção de paz da ONU ou de um ativo engajamento na defesa de países atacados, como é o caso da Ucrânia a partir de fevereiro de 2022, país objeto de uma guerra de agressão por parte da Rússia. Todos elas estão no G7 e podem ser consideradas potências médias apenas do ponto de vista da limitada capacidade de determinar um cenário estratégico, de forma diferente como, por exemplo, a China, a Rússia, ou mesmo a Índia (mas esta se vê “dissuadida” pelo Paquistão, também nuclearizado). Em todo caso, o que identifica todas essas potências médias ocidentais (e o Japão se enquadra na categoria) é o fato de possuírem certa capacidade de moldar cenários regionais ou até determinadas conjunturas internacionais, mas um poder limitado no que se refere ao recurso “último” à arma nuclear no caso de uma confrontação estratégica. Nesse particular, talvez apenas EUA, Rússia e China sejam relevantes, todos os demais sendo atores de segunda ou terceira linha, mesmo França e Grã-Bretanha, a despeito de também nucleares.

O Brasil aparece como claramente situado num escalão modesto das potências médias, daí o frequente apelo – ou recomendação – de muitos de seus dirigentes políticos (e conselheiros diplomáticos) a algum tipo de “relacionamento especial” com outros países médios, na suposição de que essa interação aumentará nosso poder de tentar influenciar, modificar ou moldar em nosso favor determinadas vertentes da agenda internacional (no caso do Brasil, claramente no sentido de se impulsionar um projeto de desenvolvimento econômico e tecnológico, concebido como a base de maior projeção política e militar internacional). O pressuposto é o de que o relacionamento com grandes potências comporta situações assimétricas que não são facilmente superáveis, o que confirma nossa situação de desigualdade ou mesmo de dependência nos terrenos financeiro, tecnológico ou militar. De fato, não se afigura como factível qualquer diálogo de igual para igual com os EUA, assim como não são isentos de percepções assimétricas as relações com a França e a Grã-Bretanha, os outros dois membros ocidentais – e plenamente capitalistas, como o Brasil – do CSNU. 

Mas, também no caso da Rússia e da China, os outros dois parceiros apontados como estratégicos nessa recomendação de “alianças privilegiadas”, o fato nuclear e o pertencimento ao CSNU deveria colocar alguns constrangimentos para um diálogo aberto a considerações de natureza estratégica ou militar por parte do Brasil. Essas duas grandes potências não plenamente desenvolvidas encontram-se por sua vez envoltas em situações potencialmente conflituosas que têm pouco a ver com os interesses do Brasil no sistema onusiano ou mesmo no plano do diálogo político ou cultural (em matéria de direitos humanos ou de cooperação direta entre instituições governamentais, científicas ou culturais). Existe certo espaço e algum potencial para o desenvolvimento de áreas de cooperação de caráter parcialmente estratégico – como no caso do programa sino-brasileiro para a construção e lançamento de satélites – ou mesmo para a expansão do comércio e de outras trocas econômicas. Mas as diferenças de sistemas socioeconômicos, de instituições culturais e políticas e, sobretudo, os interesses de cunho estratégico são fatores limitantes na ampliação da interface, ainda que no caso da China a densidade das relações já estabelecidas aponte para o seu reforço futuro.

Considere-se, por outro lado, que não será da Rússia ou da Índia que virão os capitais, o know-how e os investimentos de ponta que permitirão ao Brasil avançar ainda mais na escala de sua industrialização ou no âmbito da sustentação dos investimentos em infraestrutura. Existe a ideia, talvez fundamentada, de que esses países poderão conformar, com o Brasil, uma agenda comum para a reforma das instituições multilaterais políticas e econômicas – seja o funcionamento do CSNU, seja o do FMI ou do Banco Mundial – que atenda aos interesses supostamente comuns (mas de fato diferenciados) de todos eles. 

Resta a intensificação dos laços comerciais e econômicos de todo tipo com os países mencionados, sem descartar a cooperação tecnológica e científica, mas reconheça-se, desde logo, a limitada capacidade transformadora desses vínculos no quadro de um sistema econômico já relativamente complexo como o do Brasil, inserido, por sua vez, numa rede de ligações de toda sorte com empresas e instituições dos principais países capitalistas avançados. No campo dos valores, por outro lado – direitos humanos, democracia, tratamento de minorias, identificação cultural – não é preciso ressaltar a intensidade, a diversidade e a fluidez naturais, inclusive por razões humanas dotadas de fortes raízes históricas, dos laços afetivos e materiais que nos unem aos países desenvolvidos do Ocidente. 

Deixando o plano longínquo das “estepes asiáticas” pode-se apontar, no lugar de um investimento relativamente custoso nas duas potências nucleares não-ocidentais, a forte indução à intensificação dos laços de cooperação e de integração, inclusive política e social, com os países vizinhos da América do Sul, ou mesmo, por razões talvez mais sentimentais do que lógicas, com os latino-americanos em geral, como se a América Latina fosse uma realidade “manipulável”, no plano operacional, para qualquer tipo de diplomacia concreta por parte do Brasil (descontando aqui a retórica política dos grupos regionais nos foros multilaterais, muito pouco “rentável” em si mesma). Ainda que essa vertente tenha sua razão de ser, sobretudo do ponto de vista da projeção econômica brasileira no plano regional, deve-se atentar, uma vez mais, para os custos e limites desse tipo de investimento regional e integracionista.

A integração não pode ser considerada como um fim em si mesmo, uma vez que ela não se destina a corrigir nenhum grande obstáculo de natureza estratégica, militar ou econômica que se interponha no bom desenvolvimento das relações de todo tipo entre os países da América do Sul. Existem limitações do ponto de vista da infraestrutura ou derivadas do caráter “excêntrico” da maior parte dessas economias, resultado de alguns séculos de história colonial e da dominação subsequente das relações econômicas externas por um ou outra das grandes potências capitalistas avançadas. O não desenvolvimento dessas sociedades e economias, por outro lado, não se explica pela ausência de integração, e sim pela ausência de estruturas internas de geração endógena de tecnologia, o que por sua vez é determinado pelas insuficiências de caráter educacional e no plano das instituições públicas. Um pouco mais de integração pode ampliar as vantagens de escala de determinados ramos econômicos, sobretudo industriais, mas não permite, por si só, um upgradenotável na intensidade tecnológica ou uma reforma das estruturas educacionais e de administração pública em cada um dos países. 

Assim como no caso das potências nucleares não-ocidentais, não será do Paraguai, do Uruguai ou mesmo da Argentina, do Chile e do México, que virão os capitais, tecnologia e outros recursos tangíveis e intangíveis que permitirão acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico e social do Brasil. No máximo esses países nos proverão de oportunidades adicionais para empresas brasileiras competitivas que possam não estar em condições de enfrentar a concorrência no plano mais amplo da economia internacional, mas que podem sim deslocar congêneres da própria região. Trata-se, contudo, de uma relação que pode não ser julgada ideal por esses países, que estariam supostamente em busca de ganhos não recíprocos, o que lhes pode ser assegurada por uma grande economia “imperial”, não necessariamente por uma potência “média” como o Brasil. É o que se observou, precisamente, no caso do fracasso das negociações da Alca, após as quais os latino-americanos procuraram uma relação comercial “não recíproca” por parte dos EUA, à diferença do Brasil, cujos empresários confessavam temer o poder de fogo de empresas americanas em áreas como serviços e compras governamentais. 

A grande potência hemisférica, de seu lado, temia a “vantagem comparativa” dos baixos salários latino-americanos em todos os ramos dotados de forte componente laboral ou em recursos naturais, dados os baixos custos desses fatores nos países do Sul. Para o Brasil, paradoxalmente, a melhor relação custo-benefício estaria numa relação de intensificação “administrada” dos laços econômicos e tecnológicos com a potência do Norte, mais até do que com os seus parceiros regionais, mas os riscos percebidos eram considerados muito altos numa avaliação essencialmente política – isto é, envolvendo cálculos de “soberania” – feita pela maior parte das lideranças políticas. Com a interrupção do processo da Alca, o hemisfério perdeu uma oportunidade de maior inserção na economia global, o que, no caso do Mercosul, só poderia ser parcialmente compensado por algum acordo de associação com a União Europeia, mas que tampouco avançou muito nas duas décadas seguintes à implosão da Alca por razões puramente políticas. 

Com os demais países do assim chamado Sul Global – uma invenção acadêmica que não sustenta o teste da realidade econômica, cultural ou científica – dificilmente haveria uma oferta tão ampla e diversificada quanto a existente na interface com as grandes economias desenvolvidas, ainda que o comércio, sobretudo o comércio, possa aumentar desigualmente com alguns dessas economias em desenvolvimento. A exceção, há muitos anos, é representada pela região da Ásia Pacífico, ou do Sudeste asiático, onde as perspectivas de crescimento tem sido significativamente encorajadoras para um grande ofertante de grãos e proteína animal como é o Brasil. A África permanece uma promessa de progressos futuros, e será, certamente, o fogo de grande crescimento nos anos e décadas à frente, tanto pelo potencial demográfico, ainda ascendente, quando pela crescente inserção na economia mundial, algo previsível. Dada certa similaridade de perfis naturais, são oportunidades abertas ao Brasil, tendentes à adequação da agricultura tropical, já amplamente dominada pelo Brasil, podendo, portanto, ser objeto de cooperação tecnológica. Os problemas subsistentes na África referem-se, em grande medida, a títulos de propriedade e questões contratuais, que dificultam um ambiente propício aos negócios numa economia de mercado regida por normas legais e constitucionais. Alianças preferenciais nesse diáfano Sul Global precisam ser construídas pacientemente e corajosamente, uma vez que demandam um pouco mais de esforço do que o fluxo de relações contínuas com os países já inseridos na moderna economia de mercado à qual o Brasil certamente aspira.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20/04/2024

Perspectivas negativas para a ordem mundial no futuro imediato - Paulo Roberto de Almeida

Perspectivas negativas para a ordem mundial no futuro imediato

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre o difícil parto de uma nova ordem mundial.

 

A chamada “ordem mundial” – que é, mais bem, uma desordem atualmente –encontra-se fragmentada, muito em função de desacordos e até mesmo hostilidade entre as grandes potências mundiais, que são as que possuem algum controle sobre a agenda multilateral, hoje esgarçada entre interesses divergentes entre a comunidade ocidental (EUA e o meio império europeu) e as duas grandes autocracias que lhe são opostas nos objetivos políticos globais.

A capacidade de liderança americana parece paralisada por uma grande divisão interna. O delírio do povo trumpista foi longe demais; a deformação do partido Republicano parece irreversível; se a Justiça não conseguir barrar o populista autoritário ele vai destruir instituições e arruinar a credibilidade dos EUA no mundo. Os europeus tampouco conseguem mostrar-se unidos, em grande medida pelos avanços da extrema-direita em diversos países: a guerra da Ucrânia pode ter exacerbado essas divisões.

A Rússia pode até o reter parte do território ucraniano, sacrificando milhares de seus soldados e mercenários estrangeiros, mas sairá terrivelmente diminuída economicamente e militarmente dessa guerra insana de Putin, portanto dependente de favores chineses. 

Quanto à China, o novo imperador parece ter exercido um controle nefasto sobre o seu dinamismo econômico, centralizando demais as decisões de investimento. Ou seja, a perspectiva de superar a economia americana parece ter ficado mais afastada em vários anos. 

A tal de “nova ordem” virou uma paródia, com o ajuntamento de países autoritários nesse Brics+ sem qualquer papel positivo para um sistema interdependente no plano econômico global ou liberal no plano das liberdades democráticas. 

Pena que Lula embarcou nessa aventura lá atrás, como eu sempre critiquei: não existe NENHUMA convergência entre os objetivos das duas grandes autocracias e as aspirações nacionais do Brasil. Dificuldades visíveis para o Brasil na liderança do G20 em 2024.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4545, 9 janeiro 2024, 1 p.

 

Um Brasil ambientalista se torna associado à OPEP - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 Divulgo inteiramente, agora, o que tinha sido apenas parcialmente divulgado no momento da publicação deste artigo: 

Um Brasil ambientalista se torna associado à OPEP

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé sobre a nova postura pouco ambientalista do governo Lula.

Publicado, sob o título de “Governo Lula entra para o cartel dos chantagistas do petróleo” na Crusoé (n. 299, 26/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/299/governo-lula-entra-para-o-cartel-dos-chantagistas-do-petroleo/). Divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/01/um-brasil-ambientalista-se-torna.html).

 

Uma das inovações mais surpreendentes da política externa de Lula em 2023 foi o anúncio, em plena COP-28 – quando o Brasil estava tentando convencer o mundo de que seu programa de transição energética era para valer – de que ele também estava se tornando um país associado à OPEP, a organização dos países produtores de petróleo, dominada pelos grandes exportadores árabes de óleo cru. Paralelamente, se anunciou também que a Petrobras estava dando início a novas perfurações tentativas na faixa equatorial do Atlântico Norte e na própria Amazônia. Como diriam alguns, uma no cravo, outra na ferradura; ou seja, a despeito de apregoar seu engajamento na redução do recurso a combustíveis fósseis, para combater o aquecimento global, o Brasil estava igualmente dando consistência a seu novo status de grande produtor e exportador de petróleo.

Mas, o que significa essa “associação” – diferente de ser membro pleno – a uma organização que pretende justamente dar continuidade a um cartel de países produtores cujo primeiro compromisso é com a manutenção dos preços mais altos possíveis, conscientes de que a miragem da substituição dos combustíveis fósseis por equivalentes “sustentáveis” não passa mesmo, no futuro previsível, de uma grande miragem? A OPEP foi fundada por tão somente quatro grandes países produtores do Oriente Médio mais a Venezuela, num momento, em 1960, em que “preço da energia” era um conceito raramente utilizado pelos economistas. O preço do barril se manteve estável por décadas desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos ainda eram responsáveis por mais da metade da produção e da exportação mundiais.

Na verdade, os preços não ficaram estáveis; eles caíram sistematicamente, quando ajustados à inflação: o preço mundial do petróleo foi menor em 1950 do que era nos anos 1940, menor em 1960 do que tinha sido nos anos 1950 e ainda menor em 1970 do que era na década de 1960. O preço do petróleo era tão barato que não havia nenhum motivo para usá-lo de modo mais eficiente, um dos motivos pelos quais a indústria americana de automóveis ainda produzia, nos anos 1970, enormes “banheiras” bebedoras de gasolina, tendo sido duramente desafiada pelos carros compactos japoneses. A produção, ainda dominada pelas chamadas “sete irmãs” – as grandes produtoras ocidentais de óleo cru – aumentou gradativamente do lado da OPEP, mas um fenômeno politicamente novo interveio nesse momento: a gradativa nacionalização das unidades produtoras pelos governos dos países detentoras das jazidas: em 1971 Argélia e Líbia, em 1972 o Iraque, seguido pelo Kuwait, Qatar e Arábia Saudita.

Em 1973, a OPEP, já responsável pela metade da produção mundial, elevou o preço de referência em 16%, para justo TRÊS dólares o barril, valor elevado na sequência, em 17% adicionais, por seis produtores do Golfo. Tais elevações respondiam a uma realidade mais prosaica do que propriamente geopolítica: a dura erosão da renda petrolífera dos produtores após da decisão do governo Nixon de desvincular o dólar dos compromissos assumidos em Bretton Woods, em 1944, da qual resultou uma brutal desvalorização do dólar nos mercados cambiais. Foi só depois da vitória israelense sobre o Egito, no Sinai, em outubro de 1973, que a OPEP decidiu embargar a exportação de petróleo para os Estados Unidos e demais países que apoiavam Israel. Em janeiro de 1974, os países do Golfo elevaram o preço de referência para US 11,65 o barril, completando um aumento de mais de quatro vezes no preço da mais importante mercadoria energética em menos de um ano. Foi o primeiro choque do petróleo.

O Brasil, que nessa altura importava 80% do petróleo consumido internamente, e era um produtor absolutamente marginal, foi impactado terrivelmente em sua fatura petrolífera, que aumentou proporcionalmente. Mas o mundo também o foi, ao ter de transferir crescente renda petrolífera aos países produtores: o crescimento mundial decresceu 90% entre 1970 e 1975. Um segundo choque sobreveio depois que a monarquia iraniana deu lugar a uma teocracia fundamentalista, em 1979: uma nova de alta nos preços, de aproximadamente US$ 13 em 1978 para mais de $ 34 em 1981, causou nova queda no crescimento mundial; ocorreu nova deterioração na balança comercial brasileira e, consequentemente, nas transações correntes. Ao mesmo tempo, a elevação dos juros americanos precipitou a crise da dívida externa, não só no Brasil, mas na região como um todo, dando início à década perdida dos anos 1980. 

Os países avançados se ajustaram – com maior eficiência no uso do petróleo e busca de fontes substitutivas –, parcialmente seguida no caso do Brasil, que respondeu com um programa do álcool altamente inflacionista; mas teve início uma tendência declinante na economia, muito pouco revertida depois. A transição energética global diminuiu nos anos 1990, pois o preço do barril voltou à faixa dos 15 dólares, mas elevou-se o consumo de gás natural e de fontes eólicas e solares. No Brasil, a produção off shore em águas profundas conseguiu, finalmente, mudar o perfil até então basicamente importador do país. A eliminação do monopólio estatal sob Fernando Henrique Cardoso trouxe um bom estímulo produtor à Petrobras, regime que, no entanto, foi alterado quando a descoberta do pré-sal transformou o estatista Lula num novo sheik do petróleo, com mudanças significativas no perfil da companhia monopolista de fato, nem todas por razões estritamente energéticas.

Nos anos 2000, o Brasil se tornou progressivamente um grande produtor de óleo cru, embora ainda dependente da importação de petróleo leve e de derivados, dada a capacidade ainda insuficiente da refinação. Mas, pela primeira vez na história do petróleo no Brasil, a Petrobras, que era irrelevante até os anos 1970 como produtora, alinhou-se às grandes companhias monopólicas e às gigantes ainda existentes no setor privado. As tentativas de privatizar e de desmembrar a companhia nunca lograram efetivar-se, pois o mito patrioteiro do “petróleo é nosso” continua a pulsar no coração da quase totalidade dos brasileiros. Nos governos do PT ela tornou-se bem mais do que uma simples exploradora de óleo cru e produtora do combustível ainda indispensável (no caso do Brasil bem mais para a indústria do que para a oferta de energia, ou mais precisamente de eletricidade): ela foi utilizada para diferentes manobras empresariais e financeiras, algumas desembocando no Petrolão, que foi, possivelmente, o maior escândalo de corrupção de toda a história do Brasil, já que também produziu a Lava Jato, um fenômeno bem mais político do que propriamente judicial.

O que significa, em todo caso, a novidade pouco ambientalista de assistir o governo mais “sustentável” dos últimos anos decidir associar-se a um cartel basicamente chantagista dos países dependentes da importação de petróleo? De início, descarte-se completamente, por ser apenas ridícula, a justificativa de Lula de que a associação do Brasil à OPEP serviria para “engajar” e “convencer” os principais membros produtores a convergirem, igualmente, para a “transição energética” (fora dos fósseis, entenda-se). Ora, mesmo se todos os países membros – e seus diversos associados, entre os quais a Rússia de Putin, um dos maiores chantagistas do setor, junto com a Arábia Saudita – se tornassem surpreendentemente “ambientalistas renováveis”, não existe a mínima hipótese de que o mundo possa dispensar, proximamente, o uso múltiplo dos fósseis para uma linha infindável de produtos manufaturados e para fins propriamente energéticos.

A “opepização” do Brasil e a nova preeminência atribuída à Petrobras pelo atual governo petista vai, de alguma forma, “escurecer” – sem concessão ao politicamente correto do “racismo estrutural” – a imagem que o Brasil pretende exibir ao mundo de protagonista sincero nas várias causas ambientalistas anunciadas antes dessa recaída no mundo do “ouro negro” (mas já inscritas na agenda do G20, presidido pelo país em 2024). A “transição energética” vai ter de disputar terreno com as crescentes exportações de petróleo e com o novo papel indutor da Petrobras nos investimentos estatais e no crescimento do Brasil. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4543, 4 janeiro 2024, 3 p.


Uma reflexão sobre o mundo real e o mundo acadêmico dos nossos tempos - Paulo Roberto de Almeida

 Uma reflexão sobre o mundo real e o mundo acadêmico dos nossos tempos 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre uma das alienações mais frequentes no espaço acadêmico

 

Parece que boa parte do mundo acadêmico, geralmente em ciências sociais, não tem consciência de que o mundo em que se vive atualmente foi justamente construído pelo liberalismo capitalista dos últimos séculos, onde este existiu de forma livre. 

O socialismo nunca construiu nada de relevante, a não ser opressão e miséria! Basta revisar os registros históricos dos últimos 100 anos para verificar essa realidade: mais povos e nações SAÍRAM do socialismo nas últimas três décadas, do que adotaram soluções e regimes declaradamente socialistas, ou anticapitalistas, inclusive a China e a Índia, os dois melhores exemplos de diminuição de uma miséria ancestral, agravada pelo socialismo que adotaram na segunda metade do século XX.

Muito da produção acadêmica nessas áreas é feita de críticas acerbas ao capitalismo e ao liberalismo, e de prescrições para mais estatismo e mais intervencionismo, como se o mundo resultante dessas mudanças se tornasse mais eficiente para se criar riqueza e bem-estar, à margem das liberdades capitalistas já enunciadas por Adam Smith no século XVIII. 

Alguma dúvida sobre isso?

A despeito das reiteradas críticas ao capitalismo e ao liberalismo no mundo acadêmico, poucos experimentos efetivos nas últimas décadas se traduziram em movimentos tendentes a implantar regimes anticapitalistas em sua plenitude. Mas boa parte do mundo acadêmico ainda persiste em acreditar que um mundo regulado burocraticamente por instituições estatais seria melhor para a vida de pessoas reais do que a saudável anarquia do sistema capitalista, que sempre foi tendencialmente liberal, a despeito de controles de regulações, inerentemente instáveis e ineficientes.

E por que isso ocorre? A resposta é muito simples. A maior parte dos acadêmicos que pensam assim está apartada do mundo da contabilidade, das tabelas de ganhos e perdas, da lenta acumulação de riquezas vinculada ao esforço constante de controlar ativos e passivos, coisas que estão indissoluvelmente ligadas ao mundo capitalista. São acadêmicos alheios a esse mundo, ou porque são funcionários públicos de universidades ou mesmo quando trabalham em instituições privadas não são ligadas ao departamento de contabilidade, e podem assim dedicar-se a devaneios alheios ao mundo dos recursos que pagam seus salários.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4541, 01 janeiro 2024, 1 p.


 

Especialistas analisam conflito no Oriente Médio, pós-ataque do Irã - Paulo Roberto de Almeida e Heni Ozi Cukier (revista Exame, Instituto Millenium)

 Uma entrevista feita pelo Instituto Millenium, integrada a outra entrevista, com um amigo e distinguido professor, com quem partilho posições fundamentalmente similares com respeito à política internacional e à diplomacia brasileira.

Especialistas analisam conflito no Oriente Médio, pós-ataque do Irã

Instituto Millenium conversou com o diplomata Paulo Roberto de Almeida e o cientista político Heni Ozi Cukier

No fim de semana passado, o mundo assistiu a mais um capítulo do conflito no Oriente Médio: o envio de mísseis e drones no território israelense, pelo Irã. Para entender as implicações disso não apenas no Oriente Médio, mas em todo o mundo, e como o Brasil será afetado, conversamos com dois especialistas no assunto: os professores Heni Ozi Cukier (HOC) e Paulo Roberto de Almeida.

Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais, foi diplomata de carreira, serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. Já HOC, é cientista político, mestre em Paz Internacional e Resolução de Conflitos, palestrante e dono de um canal com mais de um milhão de inscritos no Youtube. Ele também já foi deputado estadual em São Paulo.

Paulo Roberto de Almeida, diplomata exonerado por Ernesto Araújo

Os dois especialistas divergem em algumas leituras e previsões, como a possibilidade de uma terceira guerra, as chances de diplomacia no Oriente Médio e o posicionamento de Israel e Palestina/ Irã no atual cenário. Mas ambos são críticos ao governo brasileiro no campo da diplomacia. Confira abaixo as entrevistas:

Instituto Millenium: Como o recente ataque do Irã contra Israel influencia a dinâmica do conflito em Gaza, especialmente considerando as tensões pré-existentes e as negociações de cessar-fogo em curso?

Paulo Roberto de Almeida: O ataque introduz uma nova camada de complexidade ao conflito em Gaza, uma região já marcada por décadas de tensões desde a fundação do Estado de Israel em 1948, e as guerras subsequentes com países árabes vizinhos. A situação foi moldada inicialmente pela primeira guerra, logo após a partilha da Palestina pela ONU, que levou à expulsão de palestinos e à ocupação de territórios durante conflitos como a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Este conflito prolongado tem sido caracterizado por uma série de retaliações e violências que persistem até hoje.

Desde a revolução iraniana de 1979, que alinhou o Irã contra Israel, o Oriente Médio tem visto um aumento no apoio iraniano a grupos como o Hezbollah e o Hamas. Estes grupos têm mantido uma resistência armada que frequentemente resulta em retaliações israelenses. A violência escalou significativamente, exemplificada pelo ataque de outubro do Hamas, que levou a uma intensa resposta militar de Israel. As violações de direitos humanos nos dois lados são inéditas pela sua intensidade e extensão, refletindo a severidade do atual estado de hostilidades.

Nos anos 80 e 90, tentativas de normalização entre Israel e alguns de seus vizinhos trouxeram esperanças temporárias de paz. Contudo, as intifadas palestinas e as invasões israelenses do Líbano contra o Hezbollah durante esses anos demonstraram que a paz duradoura ainda estava fora de alcance. Esses conflitos sublinharam a contínua instabilidade e a dificuldade de se chegar a um acordo de paz estável.

No século XXI, apesar de Israel ter encerrado sua ocupação em Gaza e concedido autonomia limitada à Autoridade Palestina na Cisjordânia, a vitória eleitoral do Hamas em Gaza, em 2006, e o contínuo controle do Fatah na Cisjordânia refletem a divisão política interna palestina. Estas divisões são agravadas pelas políticas internas israelenses e pela mudança nas políticas dos Estados Unidos, que juntas complicam ainda mais as negociações de paz.

A situação atual, exacerbada pelo recente ataque do Irã e pela contínua pressão interna sobre o governo de Benjamin Netanyahu em Israel, ilustra a complexa teia de desafios políticos e militares que impedem a resolução do conflito. A resposta de Israel aos ataques recentes e as violações de direitos humanos nos dois lados, inéditas pela sua intensidade e extensão, sublinham a urgência de buscar uma solução diplomática que possa finalmente trazer paz a uma região desesperadamente necessitada de estabilidade.

Heni Ozi Cukier: O confronto entre Israel e o Irã pode afetar Gaza dentro de um contexto de negociações ou pressão por parte dos EUA para Israel não atacar, não retaliar ao Irã, e Israel querer extrair algum tipo de concessão dos americanos, algum tipo de apoio para a sua ofensiva em Rafah. Do mesmo jeito, também tira um pouco da tensão de Israel com Gaza e coloca a preocupação com o Irã também.

De muitas maneiras, um conflito não estava separado do outro, porque o Hamas só conseguiu obter tamanho sucesso nesse ataque, com a ajuda do Irã. E a guerra no Oriente Médio já era uma guerra regional. Ela começa com o ataque do Hamas contra Israel, mas nós já tínhamos uma guerra regional antes. De baixa intensidade, mas era uma guerra regional, porque já tinha Houthis atacando do Iêmen, milícias xiitas no Iraque e na Síria atacando bases americanas, Hezbollah no Líbano atacando Israel, Hamas em Gaza atacando. Todos fazem parte do eixo da resistência do Irã e todos já estavam trabalhando contra Israel.

Então a guerra de Gaza já estava relacionada com o Irã em muitos níveis. A maneira mais decisiva é, talvez, outros países, como os Estados Unidos, colocarem mais pressão para que o Hamas ceda, uma vez que estão preocupados que Israel pode estar levando a guerra para um outro nível. E, como eles não querem que a guerra chegue nesse outro nível, então eles iriam trabalhar para colocar mais pressão no Hamas.

Não me parece que o Hamas é suscetível a nenhuma dessas pressões, então no final das contas, eu não vejo muita alteração no que está acontecendo em Gaza, a não ser que o conflito entre Irã e Israel se torne uma coisa aberta, direta, numa escala muito maior. Aí Israel vai tirar o foco de Gaza e, nesse sentido, o conflito em Gaza não seria resolvido, mas seria colocado em segundo plano.

IM: De que maneira esse ataque pode alterar a relação entre a comunidade internacional e Israel? Existem sinais de mudanças na posição de aliados tradicionais ou na abordagem de organizações internacionais como as Nações Unidas?

HOC: O ataque do Irã à Israel não faz a comunidade internacional ficar contra Israel. Ao contrário, aproximou a comunidade internacional de Israel. As organizações internacionais não, porque elas são organizações universais, e a grande maioria da comunidade internacional é composta por ditaduras. As ditaduras usam Israel como um grande bode expiatório, dedicam todo foco de investigação, de pressão em Israel para não sofrerem as consequências, ou não serem alvos de investigações desses órgãos internacionais.

Então é do interesse dos países direcionar a ação desses órgãos internacionais contra Israel, para que não tenham esses órgãos focados nos problemas internos que a maioria desses países têm, sendo que a maioria são ditaduras violadoras de direitos humanos e violadoras de uma série de outras coisas.

Certamente a maior parte do mundo é pró-Palestina, e isso faz parte dessa lógica anti-Ocidente, anti-capitalista, anti-democrática. Israel simboliza tudo isso e é natural que se você tem ideologia envolvida, a narrativa vem de que a Palestina é a vítima, é o mais fraco, é o mais pobre, é o explorado, o dominado… e que Israel, com o apoio dos Estados Unidos, são os poderosos, os colonizadores, os dominadores. E essa narrativa tem uma aceitação muito grande no mundo por questões ideológicas, questões políticas, questões diversas.

PRA: A relação da comunidade internacional com Israel já estava em processo de mudança, devido à percebida intransigência do governo israelense, que rejeita a solução de dois estados e parece empenhado em restaurar o 'grande Israel', dominando completamente os territórios palestinos. Apesar de haver uma população árabe ou palestina com cidadania israelense, o governo atual tem intensificado a ocupação, especialmente na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

Recentemente, mesmo líderes como Joe Biden se declararam a favor da solução de dois estados, uma posição que os Estados Unidos nunca tinham adotado formalmente antes. A brutalidade e a destruição desumana perpetrada pelas forças israelenses em Gaza, que devastaram a região e levaram a população à fome, marcaram um ponto de inflexão na percepção global.

Esta nova realidade tem causado divisões na opinião pública mundial, incluindo na Europa e nos Estados Unidos, entre apoiadores de Israel, e uma maioria expressiva pró-palestina, que, embora crítica ao Hamas, reconhece a gravidade da situação. No Brasil, por exemplo, há quem compare as ações israelenses a um genocídio, embora isso seja uma analogia controversa e não comparável ao Holocausto.

Por fim, essa mudança de percepção também se reflete nas organizações internacionais. A Corte Internacional de Justiça, por exemplo, recebeu petições para examinar se Israel está cometendo crimes de guerra e crimes contra a humanidade sob a convenção sobre genocídio. Ainda que não haja uma decisão final, a disposição da Corte em considerar estas questões indica uma mudança significativa na abordagem internacional em relação a Israel e suas políticas.

IM: Com o recente agravamento das tensões no Oriente Médio, especialmente após o ataque do Irã a Israel, quais seriam os impactos diretos para a economia brasileira, considerando aspectos como exportações, preço do petróleo e segurança energética? Além disso, como esse cenário pode influenciar a postura diplomática do Brasil nos fóruns internacionais?

PRA: Em um cenário de guerra continuada entre Israel e o Irã, ou Israel e o Hezbollah, acredito que o setor da energia não é o mais relevante. Mesmo com a escalada do conflito, o Brasil não enfrentaria problemas significativos de abastecimento de petróleo, mas sentiria impactos mais no aspecto inflacionário. O aumento do preço do petróleo importado e seus derivados afetaria diferentes vertentes do comércio internacional, influenciando a economia brasileira, principalmente através de pressões inflacionárias.

No campo da diplomacia, a situação é mais complicada. As simpatias históricas do PT e de governos liderados por Lula por movimentos anti-americanos complicam as relações com Israel, visto como um aliado fiel dos Estados Unidos. Desde a sua fundação, o PT adotou uma postura tipicamente esquerdista latino-americana, caracterizada pelo anti-americanismo e anti-imperialismo, que não passou pelas reformas ideológicas que muitos partidos social-democratas e socialistas no mundo adotaram no final do século XX.

O PT não seguiu o exemplo de partidos como o SPD alemão, o partido socialista francês sob Mitterrand ou o New Labour de Tony Blair, que moderaram suas posições marxistas originais para adotar posturas pró-democráticas e pró-capitalistas reformistas. Em vez disso, o PT manteve uma orientação pró-cubana, pró-socialista e fortemente anti-americana, o que continua a influenciar sua política externa.

Essa orientação se refletiu nas políticas diplomáticas do Brasil durante os mandatos de Lula e menos durante o governo de Dilma, que não priorizou tanto a política externa. Com a volta de Lula ao poder, essa tendência se acentuou, com um apoio mais explícito a movimentos que desafiam a ordem global dominada pelo Ocidente e promovem uma alternativa ao sistema de Bretton Woods.

Portanto, nas arenas internacionais, é provável que o Brasil mantenha uma postura que privilegie alianças e posições anti-americanas, seguindo a linha de uma política externa que busca promover uma ordem global mais multipolar, em contraste com a preeminência americana tradicional.

IM: Considerando as alegações de que o Irã teria sinalizado previamente sobre o ataque, qual poderia ser a estratégia por trás dessa comunicação? Isso reflete uma tentativa de manter o controle da narrativa sem escalar o conflito para uma guerra aberta?

PRA: O Irã, ao sinalizar previamente sobre seu ataque a Israel, demonstra uma estratégia de manter controle sobre a narrativa sem escalar para uma guerra aberta. O Irã não tem interesse em uma guerra aberta contra Israel, que poderia expandir-se para envolver vários outros países ocidentais, especialmente considerando a continuidade de seu programa de enriquecimento de urânio e seu programa nuclear. Este último foi significativamente impactado quando Trump encerrou o acordo de 2015 estabelecido por Obama, o acordo de Genebra, que havia colocado o programa nuclear iraniano sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica, com envolvimento do P5+1 — os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha.

O Irã já possui capacitação nuclear em termos de capital humano e precisa apenas enriquecer urânio suficientemente para produzir um dispositivo nuclear, contando com mísseis e capacidades de lançamento. No entanto, o Irã opta por uma postura cautelosa e não busca um confronto direto; enfrentou uma guerra de oito anos com o Iraque nos anos 80 e continua a enfrentar sanções internacionais severas — sendo o estado mais sancionado do mundo até a Rússia assumir esse lugar após sua invasão da Ucrânia.

O Irã também atua por meio de proxies, como o Hezbollah na região do Oriente Médio, algumas brigadas islâmicas a partir da Síria, o Hamas na Faixa de Gaza, e os houthis do Iêmen do norte, além de grupos terroristas em todo o mundo, incluindo aqueles envolvidos nos atentados na AMIA nos anos 90. O Irã foi formalmente acusado pela justiça argentina, acusações que foram evitadas durante os governos peronistas de Cristina Kirchner.

Israel, por sua vez, pode retaliar com sabotagem eletrônica e ataques cibernéticos contra alvos iranianos, especialmente seu programa nuclear, e através da eliminação de generais e cientistas da Guarda Revolucionária Islâmica. Israel realiza essas ações provavelmente sem o apoio explícito de nenhum país ocidental, especialmente sem o apoio declarado dos Estados Unidos, que defendem Israel mas não apoiam um ataque externo. As reuniões do conselho de segurança de Israel estão focadas em decidir qual tipo de resposta será dada, que provavelmente envolverá diferentes estratégias para atingir os interesses iranianos sem provocar uma escalada aberta ou espetacular.

IM: Dado o contexto atual e as capacidades militares demonstradas, qual é a sua visão sobre os próximos passos tanto para o Irã quanto para Israel? Há espaço para diplomacia ou devemos esperar mais confrontos militares? 

HOC: Me parece muito difícil que a diplomacia vá ser efetiva, uma vez que o Irã cruzou uma linha que até então nunca havia cruzado. Nós nunca tivemos uma guerra Israel-Irã. Nós nunca tivemos o Irã atacando Israel diretamente, lançando mísseis e drones do seu território direto a Israel. Essa linha que foi cruzada pelo Irã era um sinal claro que diplomacia não tem nenhuma capacidade de lidar com os objetivos e estratégias e desenrolar de tudo que está acontecendo no Oriente Médio.

Nós estamos assistindo uma escalada crescente, consistente e bem sólida. E a diplomacia dificilmente terá a capacidade de desescalar essa situação. Não só porque o problema está alcançando níveis maiores dentro do Oriente Médio, mas porque o contexto geral do mundo é de mais conflito.

Guerra na Ucrânia, os movimentos da China em direção à Taiwan, e outros posicionamentos ao redor do mundo, uma série de conflitos na África, a Venezuela em relação à Guiana, Azerbaijão na Armênia…

A ordem internacional foi abalada e, com isso, a desestruturação traz muito mais instabilidade, e a diplomacia se torna muito ineficaz em conseguir conter o que está acontecendo no Oriente Médio e no mundo. As divisões entre blocos do mundo também contribuem para a dificuldade da diplomacia funcionar.

O mundo está claramente dividido em dois blocos, o que eu chamo de eixo das ditaduras, que é Rússia, Irã, China, Coreia do Norte, Venezuela -  e do outro lado, as democracias. O Conselho de Segurança, por exemplo, jamais vai chegar em algum consenso, dada essa divisão do contexto geopolítico da atualidade. Alguns anos atrás, o Conselho de Segurança chegou em decisões unânimes, pressionando o Irã pelo seu programa nuclear. Hoje, isso jamais aconteceria.

PRA: Sim, há espaço para diplomacia, mesmo em meio a conflitos armados. Sempre existe a possibilidade de negociação, seja diretamente entre Irã e Israel ou por meio de mediadores internacionais como os Estados Unidos. Surpreendentemente, os EUA têm desempenhado um papel crucial como mediadores, com o Secretário de Estado, António Blinken, realizando várias visitas ao Oriente Médio e dialogando tanto com aliados quanto com adversários, incluindo Rússia e China. Enquanto a Rússia pode ter interesse em complicar a situação para os EUA, a China mostra pouco interesse em envolver-se no conflito.

Apesar das possibilidades diplomáticas, as operações de inteligência e contra-espionagem, assim como as atividades de milícias e forças paramilitares, continuam a ocorrer. Essas ações sub-reptícias ou abertas são parte do jogo de poder na região. Por exemplo, enquanto o Irã realizou ataques com foguetes, mísseis e drones, sabendo que não seriam eficazes em termos militares, essas ações serviram para satisfazer uma demanda interna por uma resposta visível ao seu público e à Guarda Revolucionária.

Além disso, a diplomacia é acompanhada de retórica nos fóruns internacionais. Recentemente, o representante do Irã no Conselho de Segurança adotou um tom moderado, apelando ao direito internacional e à Carta das Nações Unidas, destacando que Israel havia violado essa carta ao atacar uma instalação diplomática na Síria. De fato, ambas as grandes potências e Israel têm histórico de violações do direito internacional, mas o discurso iraniano apontou essas questões em um contexto diplomático.

No entanto, Israel também usou o direito internacional em sua defesa, visando mais a audiência internacional do que a doméstica, que se concentra mais nas demonstrações de força, como o lançamento de projetos contra o Irã. No final das contas, a diplomacia ainda é predominante, com os Estados Unidos desempenhando um papel chave na moderação do conflito, mantendo diálogo tanto com aliados quanto com inimigos de Israel e do Irã.

IM: Considerando os conflitos em andamento, como a guerra entre Rússia e Ucrânia e as tensões no Oriente Médio, como você avalia o risco de uma escalada para uma guerra de proporções globais, especialmente se a China decidir avançar sobre Taiwan e os Estados Unidos se envolverem diretamente?

PRA: Não acredito que o mundo esteja 'pronto' para um enfrentamento direto entre as três grandes potências militares — Estados Unidos, China e Rússia —, além da União Europeia, que considero um 'meio império'. Estamos assistindo a um aumento na preparação militar, especialmente da China, que está construindo uma marinha significativa e desenvolvendo novas armas aéreas. No entanto, a China não aspira a ser uma potência hegemônica; seu objetivo é ser respeitada internacionalmente e evitar a humilhação histórica que sofreu no passado.

Taiwan é um ponto focal nas tensões regionais. Historicamente, nunca pertenceu à República Popular da China. A ilha emergiu como um refúgio para as forças de Chiang Kai-shek após a vitória comunista no continente em 1949, representando a China na ONU até 1971. Xi Jinping, que recentemente assegurou um terceiro mandato, tem interesse em resolver a 'questão de Taiwan', possivelmente até o fim de seu mandato, da mesma forma autoritária que lidou com Xinjiang e Hong Kong.

A aliança declarada entre Xi e Putin antes da invasão da Ucrânia sugere que a China poderia ter considerado ações mais assertivas se não houvesse uma forte resposta ocidental. No entanto, a cautela chinesa em seu apoio à Rússia reflete a complexidade de suas ambições, sabendo que um conflito aberto seria desastroso em vários níveis, inclusive econômicos e tecnológicos.

Enfrentar Taiwan diretamente seria complicado para a China, que poderia optar por uma abordagem econômica e tecnológica para integrar a ilha gradualmente. Em termos de geopolítica global, é mais provável que vejamos guerras por procuração e 'golpes baixos' ao invés de um confronto militar direto. Esta postura é agravada pelo fato de que a ameaça nuclear, frequentemente levantada por Putin, é vista mais como uma chantagem do que uma intenção real, pois um conflito nuclear é impensável para as lideranças militares envolvidas.

Portanto, embora a tensão continue, a probabilidade de uma guerra global é baixa. Em vez disso, podemos esperar um aumento nos gastos militares e uma desaceleração na cooperação internacional e globalização, refletindo-se em divisões ideológicas que impactarão futuras conferências internacionais como o G20 ou a ONU. Este cenário sugere que o mundo enfrentará uma era de incertezas sem precedentes, com foco mais em preparação militar do que em soluções produtivas ou sociais para problemas globais.

IM: HOC, Você tem falado em suas palestras, vídeos e entrevistas que vê o cenário geopolítico se desenhando para uma terceira guerra mundial. Dadas as declarações pouco incisivas do governo brasileiro, quando se refere a condenar o terrorismo, e o conhecido antiamericanismo que é uma marca do PT e do atual presidente, de que lado acredita que o Brasil vai ficar, se uma terceira guerra realmente eclodir?

HOC: O Brasil tem demonstrado que quer estar do lado do eixo das ditaduras. É claro que o governo e seus simpatizantes acreditam que esse é o lado certo a estar. Acreditam que esse será o lado vitorioso. É uma aposta. A gente não sabe quem realmente vai sair vitorioso, caso tenhamos um conflito desse tamanho, dessa magnitude.

Eu entendo que esse é o lado errado para estar. Mas muita gente acredita que o Ocidente, o Mundo Livre, sairá perdedor. E não é impossível de imaginar que o Ocidente possa perder, uma vez que está dividido, polarizado, e não está trabalhando unido, da mesma forma que o eixo das ditaduras trabalha.

Então, existe um argumento para o PT e para os seus aliados, uma justificativa de por que o Brasil tem que estar do lado do eixo das ditaduras. Porque eles acreditam que quem vai vencer o conflito, ou esse choque, ou essa grande transição, serão esses outros países, serão as ditaduras.

Eu não acredito nisso, mas eu entendo que tem gente que aposta, e é plausível essa aposta. Não acho que é óbvio que as democracias irão vencer, dados esses problemas.

=============

Divulgado na plataforma Academia.edu, link:

https://www.academia.edu/117805447/3632_Especialistas_analisam_conflito_no_Oriente_Médio_2024_



Numa bifurcação do mundo, o governo brasileiro resolve assumir um dos lados, sem precisar… - Paulo Roberto de Almeida

Numa bifurcação do mundo, o governo brasileiro resolve assumir um dos lados, sem precisar…

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a escolha do governo Lula em prol da coalizão antiocidental na atual Guerra Fria.

 

O Brasil não tem condições de influenciar as políticas e as escolhas estratégicas das grandes potências, nem tem qualquer interesse em posicionar o país em conflitos que são alheios aos seus objetivos fundamentais de desenvolvimento econômico e social, num ambiente internacional se possível mais caracterizado pela cooperação do que pela confrontação.

Não cabe ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky dizer com quem Lula pode ou não se encontrar. Lula está ansioso para se encontrar com seu amigo Putin: ele o fará para, justamente, confrontar o presidente ucraniano, de quem não gosta. 

A postura de Lula compromete a diplomacia do Brasil, que seria teoricamente neutra em face de grandes confrontos interimperiais. Mas Lula já escolheu um dos lados, o da coalizão antiocidental que pretende criar uma “nova ordem global”, e arrasta o Brasil consigo nessa aventura. Consequências advirão dessa opção. Elas podem ser imprevisíveis. 

Por que o atual dirigente brasileiro pretende amarrar a diplomacia brasileira a um dos lados, que não é exatamente aquele que mais condiz com as características fundamentais da sociedade brasileira? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4635, 20 abril 2024, 2 p.


sexta-feira, 19 de abril de 2024

O Brasil e o G20 - Paulo Roberto de Almeida (Revista Brasileira de Comércio Exterior)

 Mais recente artigo publicado: 

4597. “O Brasil e o G20”, Brasília, 8 março 2024, 5 p. Artigo sobre como o Brasil pode impulsionar a sua agenda no G20, para atender a pedido de Mário Cordeiro de Carvalho Jr., Economista-Chefe e Editor-Chefe da RBCEPublicado na Revista Brasileira de Comércio Exterior (ano, 38, n. 158, jan.-fev.-mar. 2024, p. 19-21; Rio de Janeiro: Funcex, Fundação Centro de Comércio Exterior, ISSN: 0102-5074versão flip do artigo: https://www.funcex.org.br/rbce/rbce158/mobile/index.html; link para o pdf isolado:http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE158_PauloRobertoAlmeida.pdf); divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/117735054/4597_O_Brasil_e_o_G20_2024_)Relação de Publicados n. 1556.


Versão original (reduzida na versão publicada, que pode ser consultada nos links acima):


O Brasil e o G20 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre como o Brasil pode impulsionar a sua agenda no G20.

Revista Brasileira de Comércio Exterior (ano, 38, n. 158, jan.-fev.-mar. 2024, p. 19-21; Rio de Janeiro: Funcex, Fundação Centro de Comércio Exterior, ISSN: 0102-5074versão flip do artigo: https://www.funcex.org.br/rbce/rbce158/mobile/index.html; link para o pdf isolado:http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE158_PauloRobertoAlmeida.pdf). Relação de Originais n. 4597.

  

O Brasil assumiu a presidência temporária do G20 em 1º de dezembro de 2023, e conduzirá os trabalhos do grupo durante todo o ano de 2024, culminando com o encontro dos chefes de Estado e de governo no Rio de Janeiro nos dias 18 e 19 de novembro. Uma primeira etapa, de definição de prioridades, já foi realizada no próprio Rio de Janeiro, em fins de fevereiro, com a presença dos ministros de relações exteriores e representantes de organismos internacionais, durante a qual o Brasil apresentou as suas metas ao grupo. A reunião enfrentou algumas dificuldades, uma vez que se imiscuiu no debate o problema das duas guerras em curso no atual momento: a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, desde 23 de fevereiro de 2022, e a guerra Hamas-Israel, desde 7 de outubro de 2023.

É evidente que o G20, tendo em vista seu foco tradicional nos temas econômico-financeiros, com alguma derivação para a agenda ambiental desde alguns anos, será incapaz, e sequer possui mandato para tal, de encaminhar qualquer solução, mesmo precária, para essas duas tragédias das relações internacionais, que já reforçaram o sentimento de que o mundo consolidou o cenário geopolítico, de uma Segunda Guerra Fria, já em curso desde mais de dez anos, sobretudo no campo econômico e tecnológico, entre as duas maiores economias da atualidade: os Estados Unidos e a China. Não cabe, portanto, concentrar o foco deste artigo nas questões concretamente geopolíticas, de confrontos interimperiais.

Cabe, sim, da perspectiva do Brasil, concentrar a atenção nas prioridades brasileiras estabelecidas para a sua presidência. Oficialmente, elas são as seguintes: (1) a inclusão social e o combate à fome e à pobreza; (2) a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental e transições energéticas; e (3) a reforma das instituições de governança global, incluindo as Nações Unidas e os bancos multilaterais de desenvolvimento. Para as primeiras duas prioridades, o governo brasileiro propôs a constituição de duas Força Tarefas (Task Forces): a primeira para o lançamento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, a segunda para uma mobilização global contra a Mudança do Clima e a Iniciativa para Bioeconomia. Caberá seguir os trabalhos dessas duas forças tarefas, mas o objetivo aqui é o de discutir as chances de o Brasil conseguir resultados satisfatórios nas três prioridades oficialmente apresentadas como relevantes do ponto de vista da melhoria na agenda multilateral e no presente estado, fragmentado, das relações entre as grandes potências e entre o que se convencionou chamar de Ocidente versus Sul Global. 

No tocante à primeira prioridade brasileira, trata-se de um objetivo permanente do PT no plano interno, mas que também foi objeto de uma iniciativa de Lula desde o início de seu mandato inicial como presidente do Brasil. Desde a campanha presidencial, em 2002, ele agitava, como a grande prioridade de seu governo, acabar com a fome no Brasil, tentando fazer, por meio do programa Fome Zero, com que os brasileiros mais frágeis pudessem se alimentar três vezes ao dia. O método adotado, no entanto, foi o mais equivocado possível: coletar, fisicamente, alimentos entre fornecedores – de preferência da pequena agricultura familiar – para distribuí-los entre os necessitados. Foi também o seu primeiro fracasso, tanto que foi abandonado depois de poucos meses – a despeito de ser coordenado desde a própria Presidência da República – e substituído, em pouco tempo, por uma contrafação do programa Comunidade Solidária, criado e desenvolvido do zero pela primeira-dama, Ruth Cardoso. 

Esse programa foi “entregue” ao governo petista com cerca de 6 milhões de famílias pobres, que passaram a ser assistidas por diversas modalidades de ajuda material, inclusive uma forma precoce de Bolsa Escola (com contrapartidas). O governo Lula, para compensar o evidente fracasso do Fome Zero, realizou uma assemblagem dessas modalidades, carimbou tudo como sua iniciativa, sob o apelativo de Bolsa Família, e passou a expandir, sobretudo numericamente, a população assistida. Ao final do seu mandato, o BF família alcançava mais de dez milhões de famílias, um volume superior a 40 milhões de pessoas – quase um quarto da população total, o equivalente a uma Argentina inteira – dotadas de um cartão magnético que as habilitavam a complementar a renda acima da linha da pobreza, ou simplesmente a consumir uma espécie de cesta básica de manutenção alimentar (na verdade, muitas famílias utilizavam o subsídio para cobrir despesas mensais de compras a “dez vezes sem juros”).

Indiferente a esse fracasso no âmbito interno, Lula insistiu, no plano externo, em criar uma espécie de Fome Zero Universal, já visando, provavelmente, um futuro Prêmio Nobel da Paz (depois perseguido pelas tentativas de fazer a paz entre israelenses e palestinos ou encontrar uma solução ao programa nuclear iraniano). Lembro-me perfeitamente, servindo em 2003 na embaixada em Washington, de seus insistentes pedidos dirigidos a delegação na ONU para obter a constituição de uma iniciativa nessa linha: alimentar os pobres do mundo. O Secretário Geral da ONU, argumentando que já existia uma ampla estrutura com os mesmos objetivos, o Programa Mundial de Alimentos (coordenado pela FAO), convidou Lula a se associar a essa iniciativa, existente desde várias décadas, o que Lula recusou terminantemente, uma vez que pretendia ter o “seu” programa, financiado pela ONU. Lula continuou insistindo junto a outros chefes de Estado – o presidente francês Jacques Chirac, entre outros –, mas, ao final, a única coisa que foi criada tratou da distribuição de medicamentos antiAids dirigido sobretudo à África. 

Não existe ainda consenso entre os membros do G20, e os organismos internacionais associados, sobre a possibilidade de criação e funcionamento efetivo dessa Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, dois flagelos que já são colocados sob os auspícios de diversos programas onusianos e da cooperação bilateral de países doadores, geralmente agrupados no Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE (uma organização internacional reunindo três dúzias de países, mas que não conta com as simpatias de Lula ou do PT). A retórica do apoio a tão nobres objetivos não deverá ser contestada por nenhum dos países membros do G20, mas é improvável que se consiga montar uma nova superestrutura multilateral capaz de iniciar novas metas, quando os mesmos objetivos já estão contemplados em programas similares, ainda que fragmentados em diversos organismos internacionais.

Na segunda frente, a do desenvolvimento sustentável e da transição energética, não deveria haver objeções políticas aos objetivos gerais, ainda que a segunda vertente, a da transição energética, seja bem mais complexa, e improvável de ser canalizada a iniciativas convergentes, do que as questões ambientais, de resto reconhecidamente necessárias e até urgentes, dada a agravação dos extremos climáticos nos últimos anos e o aumento da devastação dos recursos naturais em grandes países do chamado Sul Global. Algum consenso retórico poderá ser registrado em documentos e declarações de boas intenções, de cunho puramente voluntário, como são geralmente as resoluções aprovadas ao cabo dos muitos encontros de cientistas e de diplomatas realizados desde a Rio-92 e a Rio+20. Haverá, aqui, portanto, uma aparência de progressos políticos, mas é improvável que eles reflitam as ações concretas dos países, do G20 e fora dele, no sentido de acelerar suas medidas de mitigação das mudanças climáticas ou que acelerem claramente a transição energética para fora dos combustíveis fosseis (que continuarão alimentando as cadeias produtivas e a energia). 

A terceira grande meta, a reforma das instituições de governança global, sobretudo a ONU e as instituições de Bretton Woods, conhecerá, provavelmente, alguns avanços cosméticos, inclusive porque os próprios Estados Unidos se declararam dispostos a considerar o aumento de membros permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas, como os demais objetivos, e a exemplo de exercícios anteriores nessa direção, mudanças no processo decisório e na própria estrutura dessas instituições enfrentarão naturais resistências daqueles que poderiam perder poder relativo nas instâncias de comando. Isso não impedirá que mais diretorias nas organizações tipicamente onusianas sejam atribuídas a delegados de países em desenvolvimento, embora muitos deles já exerçam inclusive a presidência ou a diretoria-geral de algumas delas, ou que aumentos de cotas, nas organizações de Bretton Woods possam também ocorrer em seu favor (lembrando que a China já foi contemplada com o aumento de seu capital em ambas). 

Curiosamente, o objetivo mais ambicioso acalentado por Lula desde o seu primeiro mandato, ver o Brasil integrar, como membro permanente, uma das cadeiras de um Conselho de Segurança ampliado, encontra surpreendentes obstáculos, vindos de um membro que Lula considera como seu principal aliado na concretização do mirífico projeto de uma “nova ordem global”: a República Popular da China. Desde quando tiveram início tentativas variadas no sentido de se encontrar algum consenso em torno da reforma da Carta da ONU e da ampliação do seu Conselho de Segurança, com a RPC já tendo assumido nele o lugar antes pertencente à República da China (Taiwan) entre 1945 e 1972, se sabe que a China não pretende, de maneira geral, ampliar o número de membros permanentes, mas sobretudo, porque se opõe, em particular, ao ingresso do Japão e da Índia, com os quais ela possui notórias antipatias, diferenças históricas e conflitos diplomático-militares.

O mais provável, portanto, é que se aprovem algumas melhorias cosméticas na presença e participação de alguns grandes países em desenvolvimento nos organismos onusianos e que se conceda algum aumento de capital, e algumas novas ou antigas diretorias nas “irmãs” de Bretton Woods e na OMC (que, aliás, não se baseia em cotas de capital, e que por isso mesmo acaba sendo paralisada pela inércia dos seus grandes membros). Não creio que os diplomatas, experientes em todas essas barganhas negociadoras nos organismos internacionais, se decepcionem, como provavelmente ocorrerá com Lula e assessores do PT, com a magreza de resultados efetivos ao cabo da reunião de cúpula do G20 em novembro. A marcha das reformas nos grandes “dinossauros” da ONU – De Gaulle a chamava de grand machin, a grande geringonça – sempre foi lenta e não será diferente num G20 agora (e diferente de quando surgiu nesse formato de cúpula em 2009) dividido entre os “ocidentais” e os supostos proponentes da “nova ordem global”, entre os quais se alinham, ingenuamente, Lula, os ideólogos do PT e acadêmicos sonhadores. 

O mundo pós-invasão da Ucrânia encontra-se irremediavelmente fragmentado, e as propostas do Brasil de Lula se veriam comprometidas por essa divisão mesmo se ele, numa hipótese otimista, fizesse parte dos mais entusiastas defensores do “Ocidente” (o que está longe de ser o caso). Que não se espere, portanto, resultados entusiasmantes, capazes de integrar um discurso sorridente de Lula no dia 19 de novembro no Rio de Janeiro. Os diplomatas profissionais farão os maiores esforços para, literalmente, extrair “leite de pedra”, num ambiente internacional que continuará a se deteriorar, com o cruel prolongamento da guerra na Ucrânia, de outros conflitos no Oriente Médio, e de uma virtual estagnação da integração regional, em face dos quais Lula tentará manter sua linguagem otimista, como pretenso líder de um diáfano Sul Global. 

Em todo caso, caberia efetuar nova avaliação, no momento devido, das realizações do G20 sob a presidência brasileira, uma vez que os resultados concretos, ali apresentados, sejam confrontados aos presentes argumentos dotados de certo ceticismo sadio. O que se pode, no entanto, prever, é que o mundo – enquanto Putin permanecer no comando da Rússia, e enquanto os generais do Pentágono continuarem paranoicos, como é seu dever e obrigação – enfrentará, no futuro previsível, nova corrida armamentista e pesados investimentos, tanto custosos quanto inúteis, em novas armas fantásticas, que provavelmente nunca serão usadas até uma hipotética mudança nos fios condutores das principais potências nucleares. Queremos crer que o estadismo responsável prevalecerá sobre as trombetas do Apocalipse, que, infelizmente, voltaram a se manifestar ruidosamente, desde a conclusão da primeira Guerra Fria, exitosamente dada por concluída por Gorbatchov e Bush pai. Eles não parecem ter encontrado sucessores à altura na atual geração de dirigentes pressionados por partidos extremistas, por ecologistas radicais, pelas baixas taxas de crescimento, pelo desemprego setorial e pelo afluxo maciço de imigrantes exóticos e miseráveis. O século XXI já não é o que se pensava emergir, nos anos triunfantes da unipolaridade imperial.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4597, 8 março 2024, 5 p.

Aceito para publicação em 13/03/2024, com poucas mudanças tópicas.