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domingo, 22 de novembro de 2020

Mercosul: da união alfandegária à união monetária (1998) - Paulo Roberto de Almeida

Mais um texto da fase otimista quanto ao avanço do Mercosul para etapas mais avançadas da integração econômica e comercial. Só me pronunciei sobre integração monetária porque estava na pauta dos organizadores, mas mesmo nessa época, ainda de expansão do Mercosul, eu não acreditava que fosse possível essa evolução.

Paulo Roberto de Almeida 

 

V Fórum Brasil - Europa

“Novos desafios para a União Européia e o Mercosul no marco das privatizações e da união monetária”

26 e 27 de novembro de 1998, BNDES, Rio de Janeiro

Realização: Fundação Konrad Adenauer, São Paulo

Instituto de Relações Europeu-Latinoamericanas, Madrid

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, Rio de Janeiro

Instituto Brasil-Europa, Rio de Janeiro

Apoio: Comissão Européia, Bruxelas

Centro de Estudos Estratégicos / Secretaria de Assuntos Estratégicos- PR, Brasília

Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília

 

Mercosul: da união alfandegária à união monetária

Moderador: Wolf Grabendorff - IRELA, Madrid

 

 

Preparando a união monetária: as agendas política e econômica

 

Paulo Roberto de Almeida 

Diplomata. Chefe da Divisão de Política Financeira

e de Desenvolvimento Ministério das Relações Exteriores.

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas. Editor Adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional. Autor de Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: LTr, 1998). E-mail: pralmeida@mre.gov.br. As opiniões e argumentos aqui desenvolvidos em caráter pessoal não expressam posições ou políticas do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro. 

 

Sumário:

Introdução: Idealpolitik e Realpolitk no processo de integração

O Mercosul virtual e o Mercosul real: copo meio cheio ou meio vazio?

O Manifesto de Maastricht: gostosuras e travessuras do modelo europeu

A agenda do Mercosul: back to the future ou a Europa dos “golden sixties”

Um Mercosul minimalista ou maximalista? O papel da moeda e do câmbio

Uma agenda de Realpolitik para objetivos de Idealpolitik: o Mercosul em ação

O futuro do Mercosul. A work in progress

 

Preparando a união monetária: as agendas política e econômica

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Introdução: Idealpolitik e Realpolitk no processo de integração

Abordar a questão de uma agenda política e econômica para preparar uma união monetária no Mercosul implica a suposição de que o processo de integração sub-regional se encontraria na iminência (ou pelo menos no caminho) da adoção de uma moeda comum aos quatro países-membros. Ora, tal parece não ser o caso, nem agora nem num futuro imediato, por razões que a muitos pareceriam óbvias.

Deve-se, portanto, indagar antes se uma tal questão sobre a agenda política e econômica da união monetária no Mercosul — e mais concretamente se a própria preparação de que se cogita — é legítima e pertinente do ponto de vista do estado atual e próximo futuro dessa união aduaneira ainda incipiente. A questão poderia merecer dois tipos de resposta, dependendo do ponto de vista do “espectador engajado”: de um lado, uma resposta positiva, confirmando que, sim, deve-se iniciar, hic et nunc, a preparação da agenda da futura unificação financeira; de outro, uma reação inquestionavelmente negativa, recusando uma tal agenda por seu caráter prematuro, inadequado ou até impertinente, uma vez que não estariam dadas, ainda, as condições para sequer se iniciar um debate sobre a unificação monetária.

Para comodidade desta discussão, chamemos a cada uma das duas posições, respectivamente, de idealista e de realista. A suposição, aqui, é a de que os idealistas seriam os que propugnam a preparação, desde já, da futura agenda da unificação monetária, e os realistas aqueles que recusam essa iniciativa como déplacée ou mesmo sua possibilidade como simplesmente inconsequente. Em outros termos, propor a agenda da moeda única seria praticar uma espécie de Idealpolitk, ao passo que ater-se à singela realidade das assimetrias estruturais do Mercosul atual significaria seguir o itinerário concreto da Realpolitik.

Mas, poder-se-ia, também, adotar a suposição inversa, com base no seguinte argumento: se a consequência natural de um mercado comum é a unificação de todo o espaço econômico correspondente ao território dos países-membros, se isso implica, por sua vez, a liberdade de circulação de todos os fatores produtivos e de todos os meios de sustentação da atividade econômica respectiva, inclusive e principalmente a do meio circulante próprio a cada uma das economias nacionais e se, finalmente, o Mercosul pretende, de verdade, converter-se num mercado comum pleno, então, nesse caso, a moeda única nada mais é do que a consequência natural e necessária desse mercado comum. Preparar-se para essa fase futura, ainda que mais ou menos distante no tempo, nada mais representa do que um simples ato de realismo, ao passo que recusar in limine esse tipo de discussão, com base em seu suposto caráter prematuro, aí sim, seria uma decepcionante demonstração de idealismo.

Não obstante, por facilidade de identificação ou por excesso de tradicionalismo em relação às rupturas de paradigma — a decisão de se caminhar para uma moeda única representa, certamente, uma espécie de salto paradigmático — adotaremos a classificação inicialmente proposta e chamaremos aos partidários de uma moeda única no Mercosul de idealistas e, por raciocínio inverso, seus opositores de realistas. Não há aqui um julgamento de valor apriorístico, mas uma espécie de convenção dicotômica quanto aos termos do problema, cuja discussão parece requerer uma certa dose de maniqueísmo, como ocorre em quase todas as tipologias formais da teoria social.

Os idealistas são, portanto, aqueles que pretenderiam o avanço do Mercosul com base em decisões de natureza política, cujo significado representaria nada menos do que o equivalente monetário de “queimar os navios”, ao passo que os realistas recomendam que se deixe uma tal discussão para um futuro indeterminado, sob escusa de prosaicos critérios de ordem econômica. Vejamos agora o diagnóstico do terreno, antes de discutir a agenda Idealpolitik da unificação monetária no Mercosul, pois é disso finalmente que se trata numa discussão deste tipo. 

 

O Mercosul virtual e o Mercosul real: copo meio cheio ou meio vazio? 

A despeito das atuais escaramuças “verbais” e de várias disputas comerciais, o Mercosul não parece estar ameaçado por alguma catástrofe política irreversível, nem por algum conflito econômico de grandes proporções. No que se refere às primeiras, elas parecem derivar do confronto entre uma retórica ideologicamente livre-cambista para consumo externo e algumas práticas internas, abertas ou veladas, de protecionismo explícito ou implícito, exercitado episodicamente para contentar ou apaziguar setores específicos da economia “doméstica” ameaçados de deslocamento pelo ritmo da integração. A necessidade de proteção dos empregos nacionais nos setores sob risco é, evidentemente, uma mola propulsora dessas contradições entre o programa doutrinário da integração — ao qual todos aderem sem restrições — e o pragmatismo mais discreto da proteção (justificada a título de “exceções”).

Quanto às disputas comerciais por acesso recíproco aos mercados dos países membros e as acusações mútuas de “comércio desleal” entre parceiros — a começar pela própria magnitude da TEC ou pela “legitimidade” de algumas barreiras não-tarifárias, remanescentes ou “construídas” durante ou após o período de transição —, elas são inevitáveis, na medida em que correspondem a uma situação de abertura progressiva num contexto de indefinição de normas estritas de competição e de ausência parcial ou total da “harmonização das políticas macroeconômicas”, objeto, como se sabe, do Artigo 1º do Tratado de Assunção. Ao não ter sido realizada essa harmonização, torna-se evidente o potencial de desentendimentos entre os membros nos mais diversos campos: níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo da convergência, barreiras ao intercâmbio, normas industriais e fitossanitárias, regulamentos técnicos, padrões e formas de proteção à propriedade intelectual, medidas de defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos “sensíveis”, créditos e financiamentos ao intercâmbio, enfim, questões próprias a toda e qualquer união aduaneira em formação. O contexto fin-de-siècle de crise financeira internacional ou as preocupações no Brasil e na Argentina com o desequilíbrio das transações correntes não ajudam, por certo, no desmantelamento de alguns dos obstáculos nacionais erigidos no caminho da consolidação dessa união aduaneira.

Ainda adotando-se uma visão maniqueísta sobre o desenvolvimento futuro do processo de integração regional, quais seriam, hipoteticamente, as perspectivas extremas e as alternativas dicotômicas colocadas como promessa ou como ameaça no futuro do Mercosul? Eles parecem conformar duas perspectivas bem definidas, ainda que aparentemente pouco factíveis, de desenvolvimento político-institucional. Por um lado, na vertente “otimista”, a realização plena do projeto integracionista original, ou seja, um mercado comum caracterizado pela “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos”, consoante os objetivos do Artigo 1° do Tratado de Assunção, ainda não realizados, diga-se de passagem. Por outro lado, no extremo “pessimista”, a diluição do Mercosul numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, do tipo da ALCA, de conformidade com o programa traçado em Miami em dezembro de 1994 e confirmado em Santiago em abril de 1998. Por uma questão de timing político, o horizonte inicial de uma suposta realização prática dessas hipóteses de desenvolvimento seria o mesmo, ou seja, em torno de 2005-2006.

O bom senso econômico nos recomendaria considerar como pouco factível o acabamento prático do mercado comum em 2005, assim como uma boa dose de realismo político também nos levaria a afastar a hipótese de uma “autoimolação” do Mercosul no altar do projeto livre-cambista hemisférico, tal como proposto pelos Estados Unidos. No primeiro caso, isto é, o da conformação efetiva do mercado comum, estariam dadas as condições para a consideração séria da agenda da unificação monetária, segundo a visão dos idealistas. No segundo, ou seja, o do começo da implantação de uma zona de livre-comércio hemisférica, seriam confirmados os piores prognósticos dos pessimistas quanto à incapacidade do Mercosul de avançar segundo o menu básico do Tratado de Assunção, como poderiam alertar os realistas.

Nossa própria hipótese de trabalho considera que o Mercosul nem pode estimar-se confortado pela ideia de que o projeto de um mercado comum estará efetivamente ao alcance da mão no horizonte 2005, nem se ver “condenado” ao purgatório livre-cambista como resultado de sua incapacidade em avançar o suficiente para escapar da ação dissolvente de uma ALCA em construção a partir dessa data. Ele estará possivelmente a meio caminho de ambas as situações, confirmando a tradicional dificuldade em se conseguir distinguir um copo meio cheio de outro meio vazio. Em outros termos, o Mercosul virtual de 2006 será o resultado de um necessário compromisso entre o Mercosul ideal do projeto original de 1991 e o Mercosul possível da agenda concreta de trabalho dos “mercocratas” atualmente engajados no cumprimento das promessas do Artigo 1º do Tratado de Assunção.

Dito isto, permito-me tocar agora num dos principais perigos que rondam o Mercosul, além e ao lado dos supostos conflitos comerciais internos e da ameaça sempre presente de uma ALCA dissolvente: o perigo de se estabelecer uma agenda “monetária” para o Mercosul com base num mimetismo de intenções e de modalidade de ações calcado na experiência europeia de unificação econômica e monetária.

 

O Manifesto de Maastricht: gostosuras e travessuras do modelo europeu

Um espectro ronda o Mercosul: o espectro da Europa de Maastricht e seus miríficos critérios de unificação monetária. Todos os poderes do mundo acadêmico e os do universo sindical que se batem pelo avanço concreto do Mercosul segundo as linhas integracionistas do modelo europeu parecem ter se lançado numa santa aliança para impulsionar o cenário idealista implícito a esse modelo. O que pedem essas forças do progresso e da democracia? Mais instituições, se possível supranacionais, consagradoras de um regime comum verdadeiramente engajado na realização dos princípios de coesão econômica e social tal como afirmados no Ato Único Europeu; mais direitos sociais ao estilo da Carta Social Europeia, supostamente capazes de introduzir o quantum de bem-estar e de justiça social, hoje inviabilizado pelos “capitalistas selvagens” do Cone Sul latino-americano. 

Qual mercocrata de plantão não foi descrito como “insensível” por esses idealistas do projeto integracionista? Onde os economistas responsáveis não deixaram de alertar para essa simplificação da realidade da integração no Mercosul em face da complexidade das tarefas ainda remanescentes para cumprir o simples enunciado do Artigo 1º do Tratado de Assunção? Duas consequências derivam desse fato:

1) As questões da supranacionalidade e da unificação monetária já fazem parte, por bem ou por mal, da agenda implícita ou explícita do Mercosul;

2) Já é tempo que os responsáveis políticos e econômicos do Mercosul eliminem algumas das confusões mentais remanescentes nas cabeças dos partidários de um “Mercosul europeu” e expliquem em face de todo o mundo que o cenário realista traçado pelos “mercocratas” permitiria exorcizar de maneira mais eficaz os perigos que rondam a aplicação de um critério uniformemente integrador a uma realidade pré-união aduaneira que é, de fato, a situação atual do Mercosul.

 

De fato, o processo de integração no Mercosul tem sido habitualmente avaliado ¾ e julgado, o que me parece ainda pior ¾ à luz do precedente histórico europeu e segundo critérios analíticos derivados da experiência institucional europeia. Sem pretender refazer a história ou reinventar a roda ¾ como se diz em relação a progressos tecnológicos dirigidos a resolver problemas práticos ¾, quer-me parecer que as possibilidades organizacionais de se instituir um mercado comum com forte embasamento nas realidades econômicas locais dos países do Mercosul não se esgotam no modelo europeu consagrado a partir de 1951 (CECA) e de 1957 (MCE). Uma tal atitude de adesismo institucional pode na verdade demonstrar uma certa preguiça conceitual dos analistas acadêmicos ou ainda uma derivação da velha constatação keynesiana de que somos, de uma forma ou de outra, prisioneiros de algum economista morto, neste caso, condenados a repetir a genial arquitetura concebida e implementada pelos founding fathers da integração europeia.

Nunca é demais insistir sobre as particularidades desse processo de integração, seu alto sentido geopolítico ¾ no contexto dos terríveis conflitos que ensanguentaram a Europa durante a segunda “guerra de trinta anos” entre 1914 e 1945 ¾, seu aspecto funcional no quadro da Guerra Fria e da sustentação americana à união e integração europeia, assim como as especificidades econômicas e políticas que presidiram à construção progressiva do belo edifício “gótico” ¾ pela sua complexidade, mais do que pela sua arquitetura ¾ que hoje constitui a União Europeia. Em alguns momentos desse processo, pode-se até dizer que os meios passaram a justificar os fins, tal o crescimento da “razão burocrática” no âmbito da Comissão e órgãos associados e as aventuras e tribulações da “loucura agrícola comum”, para ficar apenas nos dois exemplos mais conhecidos do gigantismo europeu.

Frente a esse quadro de “overload” institucional deveria o Mercosul tomar a atual EU como modelo e pretender que, segundo a frase latina bem conhecida, de te fabula narratur? Pessoalmente acredito que assim como, no passado, os juristas e estadistas latino-americanos já deram mais de uma prova de sua inventividade conceitual e institucional ¾ como evidenciado, entre outros exemplos, pelas doutrinas Calvo e Drago, pelos diversos instrumentos e instituições políticas pan-americanas ¾, poder-se-ía igualmente conceber alguma construção relativamente inédita nos anais das experiências integracionistas conhecidas.

Aliás, o Mercosul é certamente híbrido do ponto de vista institucional e não há por que pensar que o modelo comunitário europeu constitui o nec plus ultra dos padrões aceitáveis de construção de um mercado comum. A lógica do Mercosul, à diferença provavelmente da experiência europeia, é a do menor custo possível, político ou social, para não dizer econômico, daí a própria economia feita pelos países membros em número de “mercocratas” e outros gêneros de tecnocratas. A própria rationale para a existência de uma entidade integracionista no Cone Sul latino-americano é, deve-se reconhecer, de menor apelo político e de menor justificativa econômica, comparativamente, por exemplo, à justificativa de segurança nacional e de détente militar embutida no Memorandum Monet sobre a integração ¾ de fato fusão ¾ dos complexos carvão e aço de França e Alemanha.

No que se refere à possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no Mercosul, não se deve tomar como óbvio o conceito oriundo do direito comunitário europeu, isto é, de uma ordem autônoma e hierarquizada, implicando uma cessão de soberania por parte dos Estados-Membros. Visto de uma perspectiva propriamente latino-americana, o edifício europeu comporta virtudes e deformações, não porque seu modelo institucional seja politicamente inexequível, de maneira absoluta, ao sul do Equador, mas porque ele pode ser, tão simplesmente, na atual conjuntura econômica e geopolítica do cenário mercosuliano, historicamente desnecessário. Assim como não se pode exportar democracias ¾ pois elas dependem mais de uma cultura política e de um ethos social e mesmo “societal, do que de simples instituições políticas ¾, tampouco se poderia conceber uma exportação de modelos integracionistas. Os juristas podem até recusar esse tipo de argumento, passando a responder que uma ordem legal garantidora de normas e de procedimentos ritualizados é absolutamente indispensável ao bom funcionamento de todo e qualquer empreendimento integracionista. Talvez eles até tenham razão, mas então o Mercosul se faz pelo método do ensaio e erro, da empiria consagrada em norma, o que pode não ser uma má ideia em vista de sua ainda baixa densidade intrínseca em termos de conteúdo econômico integracionista.

 

A agenda do Mercosul: back to the future ou a Europa dos “golden sixties”

Qual seria, portanto, uma agenda realista para o Mercosul na presente fase do processo de integração? Comecemos agora por examinar a “hipótese” em função da qual foi elaborado o próprio projeto do Mercosul, ou seja, a realização do mercado comum sub-regional. A terem sido cumpridos os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção, o mercado comum previsto deveria ter entrado em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1995, o que obviamente não foi o caso. Segundo uma leitura otimista desse instrumento diplomático e do próprio processo de integração, esses objetivos serão cumpridos nesta etapa complementar, que poderíamos denominar de “segunda transição”, observados os prazos fixados no regime de convergência estabelecido para os diferentes setores definidos como “sensíveis” e cumpridos os requisitos mínimos desse mercado comum. Isto significaria, entre outros efeitos, a implementação efetiva da Tarifa Externa Comum e a conformação eventual, se necessário, de exceções verdadeiramente “comuns” a essa pauta aduaneira, e não listas nacionais de exceções como hoje se contempla. Idealmente, todas as barreiras não-tarifárias e medidas de efeito equivalente deveriam ter sido suprimidas. A coordenação de políticas macroeconômicas, nessa perspectiva, supõe igualmente que os países membros deveriam ter delimitado todas as áreas cruciais de cooperação em vista da necessária abertura recíproca de seus mercados a todos os bens e serviços dos países membros, inclusive no que se refere à oferta transfronteiriça de serviços e ao mútuo reconhecimento de normas e regulamentos técnicos específicos. 

Na ausência de progressos mais evidentes nessas áreas, se esperava que os países pudessem ter definido, pelo menos, um sistema de paridades cambiais com faixas mínimas de variação, se alguma, entre as moedas respectivas, bem como a harmonização dos aspectos mais relevantes de suas legislações nacionais relativas a acesso a mercados. Estes são os requisitos mínimos para a conformação de um amplo espaço econômico conjunto no território comum aos países do Mercosul, a partir do qual se poderia caminhar para a consolidação progressiva e o aprofundamento do processo de integração, em direção de fases mais avançadas do relacionamento recíproco nos campos econômico, político e social. 

Ainda que esse cenário razoável não se concretize, como parece previsível, nos primeiros anos do próximo século, seu desdobramento faz parte da lógica interna do Mercosul. Em todo caso, ele resultaria num Mercosul muito próximo do padrão de integração apresentado pelo mercado comum europeu em finais dos anos 60. Operando um “retorno ao passado” da integração europeia, o Mercosul se encontraria na situação do velho Mercado Comum Europeu, dos “golden sixties” e começo dos “seventies”, isto é, após terem os signatários originais do Tratado de Roma completado sua união aduaneira e definido uma espécie de “coexistência pacífica” entre uma pretendida vocação comunitária — encarnada na Comissão, mas freada pelos representantes dos países-membros nos conselhos ministeriais — e um monitoramento de tipo intergovernamental, consubstanciado no papel político atribuído ao COREPER, o Comitê de Representantes Permanentes, não previsto no primeiro esquema institucional. Em outros termos, mesmo a mais “comunitária” das experiências integracionistas, sempre foi temperada por um necessário controle intergovernamental ou, melhor dizendo, nacional.

No caso específico do Mercosul, as dúvidas ou obstáculos levantados em relação ao aprofundamento do processo de integração não parecem derivar de reações epidermicamente “soberanistas” ou mesquinhamente nacionalistas — ou até mesmo “chauvinistas”, como parecem acreditar alguns — mas de determinadas forças políticas ou de correntes de pensamento, para não falar de interesses setoriais “ameaçados”, que logram “congelar” o inevitável avanço para a liberalização comercial ampliada entre os membros. Tais tendências não são necessariamente nacionalmente definidas, mas existem ao interior de cada um dos países envolvidos no processo.

Não se poderia, por exemplo, excluir a hipótese de também o Mercosul  vir a instituir, em Montevidéu, uma espécie de COREPER, mas parece evidente que esse eventual “órgão” informal teria mais a função de assessorar o trâmite de matérias administrativas junto à Secretaria Administrativa ou de facilitar o contato “diário” entre os quatro países do que, como no exemplo original europeu, os objetivos de “controlar” um órgão legitimamente comunitário — a Comissão —, estabelecer-lhe limites no processamento das atividades de “rotina” (definidas em função dos “interesses nacionais”) e, também, de acelerar o trâmite de matérias julgadas relevantes pelas capitais. Sua institucionalização requereria uma mera “emenda”, por via de decisão ministerial, ao Protocolo de Ouro Preto, mas também parece evidente que seu significado político transcenderia o simples aspecto de um “acabamento” na incipiente estrutura organizacional da união aduaneira.

Quais seriam, em consequência, as opções razoáveis, ou as mais prováveis, que se apresentam para compor uma agenda em torno do desenvolvimento futuro do Mercosul? Elas se situam, claramente, no campo de seu aprofundamento interno, em primeiro lugar nos terrenos econômico e comercial, no âmbito de sua extensão regional, no reforço das ligações extra-regionais (em primeiro lugar com a União Europeia) e, finalmente, mas não menos importante, no apoio que o Mercosul pode e deve buscar no multilateralismo comercial como condição de seu sucesso regional e internacional enquanto exercício de diplomacia geoeconômica. 

Parece evidente que, a despeito de dificuldades pontuais e de obstáculos setoriais, a marcha da integração econômica não poderá ser detida pelas lideranças políticas que, nos próximos cinco ou dez anos, se sucederão ou se alternarão nos quatro países membros e nos demais associados. Tendo resultado de uma decisão essencialmente política, de “diplomacia presidencial” como já se afirmou, o Mercosul econômico não poderá ser freado senão por uma decisão igualmente política. Ora, afigura-se patente que o processo de integração possui um valor simbólico ao qual nenhuma força política nacional tem a pretensão de opor-se. Daí se conclui que os impasses comerciais, mesmo os mais difíceis, tenderão a ser equacionados ou contornados politicamente e levados a uma “solução” de mútua e recíproca conveniência num espaço de tempo algo mais delongado do que poderiam supor os adeptos de rígidos cronogramas econômicos. Nesse sentido, o Mercosul não é obra de doutrinários ortodoxos, mas de líderes pragmáticos.

Assim, sem entrar na questão do cumprimento estrito do programa de convergência ou no problema da compatibilização de medidas setoriais nacionais, tudo leva a crer que a futura arquitetura do Mercosul econômico não seguirá processos rigorosamente definidos de “aprofundamento” inter e intra-setoriais, dotados de uma racionalidade econômica supostamente superior, mas tenderá a seguir esquemas “adaptativos” e instrumentos ad hoc essencialmente criativos, seguindo linhas de menor resistência já identificadas pragmaticamente. Se o edifício parecer singularmente “heteróclito” aos olhos dos cultores dos esquemas integracionistas pode-se argumentar, em linha de princípio, que o itinerário do Mercosul econômico não precisa seguir, aprioristicamente, nenhum padrão de “beleza estética” ou de “pureza teórica” no campo da integração. Em qualquer hipótese, o Mercosul não está sendo construído para conformar-se a padrões organizacionais previamente definidos em manuais universitários de direito comunitário, mas para atender a requisitos econômicos e políticos de natureza objetiva, que escapam — e assim deve ser — a qualquer definição teórica ou pretensa coerência metodológica.

No que se refere à questão do aprofundamento interno, político e institucional do Mercosul , eventualmente inclusive no terreno militar, não se pode deixar de sublinhar, uma vez mais, as dificuldades inerentes — e as demandas inevitáveis, pelos protagonistas já identificados — vinculadas ao problema da supranacionalidade, constantemente agitado, como uma espécie de “espantalho acadêmico”, sobre a mesa de trabalho de “mercocratas insensíveis”. Não se poderia excluir, a esse respeito, a evolução progressiva do atual principal opositor a qualquer “renúncia de soberania” no âmbito do Mercosul , o Brasil, em direção de uma posição mais próxima, intelectualmente falando, dos demais países-membros — seja os declaradamente “supranacionais”, como Uruguai e Paraguai, seja a Argentina moderada, isto é, em favor de uma combinação de instituições intergovernamentais e comunitárias —, muito embora tal questão esteja em conexão direta com a definição de um outro tipo, ponderado, de sistema decisório interno à união aduaneira. 

 

Um Mercosul minimalista ou maximalista? O papel da moeda e do câmbio

Muitos dos cenários otimistas ou “razoáveis” que se traçam para o futuro do Mercosul têm, como no caso da ALCA por exemplo, a data fatídica de 2005 como fator político de mutação estratégica. Na verdade, os cenários aqui visualizados se situam mais no terreno da continuidade do que no da ruptura, ainda que alguns “choques” internos tenham de ocorrer para tornar verdadeiramente possíveis, ou prováveis, alguns dos desenvolvimentos aqui considerados. É bem verdade que, no caso dos prazos finais de convergência intra-Mercosul , o ano de 2005 — e, antes dele, o ano 2000 para a liberalização completa da maior parte das exceções tarifárias — aparece como uma espécie de “ponto-de-não-retorno” no cenário da integração sub-regional, mas ele também pode ser visto como um “ponto de fuga”, após o qual os países membros, ainda a braços com processos delongados de estabilização macroeconômica e confrontados a difíceis escolhas no terreno de suas políticas econômicas nacionais, continuariam afastando diante de si ou — para usar um verbo dotado de conotação positiva — buscando ativamente a “implementação” da união aduaneira projetada.

Aceitando-se que tanto a ALCA como uma hipotética “Rodada do Milênio” na OMC, ambos sob o signo de um “GATT-plus”, poderão servir de aguilhões para a implementação efetiva dessa união aduaneira, tem-se que antes ou a partir de 2005 os países-membros estarão avançando desta vez no caminho do mercado comum. As dificuldades derivadas da abertura comercial brasileira efetuada em princípios dos anos 90 e das turbulências financeiras num fin-de-siècle pouco glorioso para a maioria das economias planetárias já terão sido provavelmente absorvidas e restaria apenas consolidar as bases de um novo modelo de crescimento econômico e de integração à economia mundial.

Nessa fase, com toda probabilidade, estaremos assistindo à consolidação de novas configurações industriais na sub-região e no Brasil em particular, com um crescimento extraordinário do comércio intra-industrial e intra-firmas. Tem-se como certa, igualmente, a continuidade do processo de internacionalização da economia brasileira, em ambos os sentidos, ou seja, não apenas a recepção de um volume cada vez maior de capitais estrangeiros nos diversos setores da economia, com destaque para o terciário, mas igualmente a exportação ampliada de capitais brasileiros para dentro e fora da região. Com efeito, o Brasil é também, crescentemente, um país “exportador” de capitais, mesmo se os estados federados ainda lutam desesperadamente, inclusive por mecanismos espúrios de incentivos e de “guerra fiscal”, para atrair investimentos diretos estrangeiros. Nesse sentido, o Mercosul se consolidará como “plataforma” industrial de uma vasta região geoeconômica, mas se converterá igualmente em grande exportador mundial de commodities e sobretudo de bens industriais, o que ele hoje faz em escala muito modesta.

Seria ainda prematuro, nesse contexto, debater a questão da “moeda comum”, mas não se poderia excluir tampouco essa hipótese, via adoção prévia de um sistema qualquer de paridades correlacionadas entre suas principais moedas. Este cenário pareceria estar vinculado ao abandono, pela Argentina, do sistema de paridade fixa, assim como à aceitação, pelo Brasil de um mecanismo compartilhado de gestão cambial, mas afigura-se ainda precoce especular sobre os caminhos certamente originais que podem, também neste caso, conduzir a um padrão monetário unificado — que pode até mesmo significar preservação das moedas nacionais — no futuro mercado comum. A própria adoção efetiva da moeda única europeia, entre 1999 e 2002, que poderá “sugerir” o afastamento da referência exclusiva ao dólar, ainda hoje básico, nas operações de comércio exterior e de finanças internacionais dos países-membros, contribuirá certamente para alimentar o debate interno em torno da questão. Não se vislumbra, entretanto, além de exercícios acadêmicos obviamente inevitáveis e alguns debates preliminares de certa forma bem-vindos, qualquer definição de calendário e de compromissos nesta área antes de uma “terceira fase de transição”, a partir de 2006. 

Alguns economistas argumentam que mesmo um Mercosul minimalista não poderia eludir o problema da coordenação cambial como condição essencial de avanços ulteriores nos demais terrenos da construção do mercado comum. Provavelmente eles estão certos, mas não há contradição de princípio entre um processo de integração regional e regimes flutuantes de câmbio. Tal se deu, na prática, em diversas etapas do processo de integração europeia, inclusive numa fase ainda bem recente, quando da última crise, em 1992, do Sistema Monetário Europeu, quando o aumento da taxa de variação entre as moedas significou uma flutuação de fato para a maioria dentre elas. O NAFTA, por outro lado, funciona de forma razoavelmente bem na ausência total de qualquer coordenação cambial, e os recentes déboires do peso mexicano e mesmo do dólar canadense, para não falar do comportamento algo errático do dólar, não parecem afetar o intercâmbio intra-zona. Ou, alternativamente, se há um impacto sobre o comércio, as empresas incorporam tal variável como se se tratasse de um fluxo de comércio com qualquer país extra-zona, isto é, a grande maioria da comunidade internacional e a maior fração do comércio.

O critério básico nesse particular seria o seguinte: se o Mercosul pretende consolidar, numa primeira etapa, sua união aduaneira em formato simplificado, ele não tem por que avançar na direção da unificação monetária. Se, ao contrário, a intenção é aprofundar a integração e caminhar decisivamente no sentido do mercado comum pleno, então a questão da moeda e das taxas cambiais deve figurar necessariamente no menu de seus negociadores. Observe-se que se está falando de moeda e de paridade, não necessariamente de moeda única, pois um mercado comum pode muito bem ostentar um regime cambial unificado sem necessariamente dispor de moeda comum ou única. A primeira formulação de uma união monetária na Europa previa justamente, se não há engano, um regime de paridades fixas, mas com a preservação, numa primeira etapa, das moedas nacionais.

 

Uma agenda de Realpolitik para objetivos de Idealpolitik: o Mercosul em ação

Quaisquer que sejam as dificuldades eventuais, o Mercosul terá de avançar no terreno econômico-comercial como condição prévia à preservação de sua identidade política, regional e internacional, em face dos desafios hemisférico e multilateral que se apresentarão nos primeiros anos do século XXI. As demandas não são apenas externas, na medida em que se conhece o apetite — e mesmo a necessidade — argentina pela coordenação de políticas macroeconômicas, bem como a reiterada insistência do Uruguai, e com menor ênfase do Paraguai, por instituições supranacionais. Este aspecto é, porém, mais retórico do que efetivo, sendo bem mais importantes, no caso argentino, o problema da descoordenação cambial — de fato a ameaça de desvalorização por parte do Brasil — e, para todos os demais países, a questão do acesso continuado e desimpedido ao mercado interno da principal economia sul-americana.

Um dos grandes problemas da evolução política futura do Mercosul é, precisamente, o “salto” para a adoção integral de instituições comunitárias de tipo supranacional, transição que ocorrerá mais cedo ou mais tarde nos países-membros, considerando-se que o Mercosul constitui, efetivamente, o embrião de etapas superiores de integração. Este setor é, obviamente, o de maiores dificuldades intrínsecas, uma vez que combina, como seria de se esperar, preocupações relativas à soberania estatal e ao assim chamado “interesse nacional”. A questão principal neste campo refere-se à possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no Mercosul , que muitos autores consideram automaticamente a partir do conceito similar oriundo do direito comunitário construído a partir da experiência europeia de integração econômica e política. 

Em outros termos, o Mercosul deveria ou precisaria aproximar-se do modelo europeu para receber uma espécie de rótulo comunitário, uma certificação de boa qualidade de origem supranacional? Contra essa perspectiva “europeia” são levantados, e não apenas pelos “mercocratas”, vários óbices estruturais e sobretudo políticos nos países membros. A despeito de uma aceitação de princípio por parte das elites desses países dos pressupostos da construção comunitária — ou seja, a cessão de soberania, a delegação ou transferência de poderes, a limitação da vontade soberana do Estado — a internacionalização efetiva de suas economias respectivas ou uma ativa e assumida interdependência entre os países membros do Mercosul parece ainda distante. O problema aqui parece ser mais de ordem prática do que teórica: os economistas, que são os que de fato comandam o processo de integração, pelo menos em seus aspectos práticos, não têm o mesmo culto à noção de soberania — seja contra ou a favor — em que parecem deleitar-se os juristas e os acadêmicos em geral. 

Ainda que todos possam concordar em que a soberania nacional pode e deve recuar à medida em que se avança num projeto de mercado comum, não se trata de uma questão em relação à qual os atores relevantes possam ou devam se posicionar simplesmente contra ou a favor, ou, ainda, de uma noção que deva ser encaminhada ou resolvida por um tratado jurídico de qualquer tipo. A soberania, qualquer que seja o seu significado jurídico, não costuma integrar os cálculos de PIB ou as estimativas de (des)equilíbrios de balança comercial. Da mesma forma, ela não se sujeita facilmente à coordenação de políticas macroeconômicas, daí sua irrelevância prática para a condução efetiva do processo integracionista. Ela é, sim, exercida diariamente, na fixação da taxa de câmbio — que pode até ser declarada estável — ou na determinação do nível de proteção efetiva em situações de baixa intensidade integracionista, que é justamente aquela na qual vivem os países do Mercosul (ou, pelo menos, o maior deles, que é também o menos livre-cambista dos quatro). Em outros termos, a “soberania” não é um conceito operacional, a mesmo título que a harmonização de leis ou a padronização de normas técnicas, mas tão simplesmente um “estado de espírito”, uma percepção dos resultados prováveis de ações políticas adotadas — conscientemente ou não — pelos protagonistas de um processo de integração: é algo que se constata ex post, mais do que o resultado de uma planificação ideal do futuro.

Diversos juristas e estudiosos do Mercosul têm avançado a ideia de que caberia impulsionar, através da “vontade política”, a implementação gradual de um modelo supranacional, indicando o Brasil como o grande responsável pela preservação do caráter intergovernamental da estrutura orgânica mercosuliana pós-Ouro Preto. É verdade, mas neste caso se tratou de obra meritória, na medida em que tal atitude salvou o próprio Mercosul de um provável desastre político e de possíveis dificuldades econômicas e sociais. A Realpolitik é sempre a linha de maior racionalidade nas situações de forte incerteza quanto aos resultados de qualquer empreendimento inovador, seja uma batalha militar, seja um salto para a frente nesse modesto Zollverein do Cone Sul.

Dito isto, este articulista pretende deixar claro que não defende uma posição “soberanista” estrita no processo de construção, necessariamente progressivo e gradual, do Mercosul. A soberania, como no velho mote sobre o patriotismo, costuma ser o apanágio dos que se atêm à forma em detrimento do conteúdo, à letra em lugar do espírito da lei. Sua afirmação, em caráter peremptório ou irredentista, é geralmente conservadora, podendo mesmo sua defesa exclusivista e principista ser francamente reacionária no confronto com as necessidades inadiáveis de promoção do desenvolvimento econômico e social e do bem-estar dos povos da região. O que, sim, deve ser considerado na aferição qualitativa de um empreendimento tendencialmente supranacional como é o caso do Mercosul é em que medida uma renúncia parcial e crescente à soberania por parte dos Estados Partes acrescentaria “valor” ao edifício integracionista e, por via dele, ao bem-estar dos povos integrantes do processo, isto é, como e sob quais condições especificamente uma cessão consentida de soberania contribuiria substantivamente para lograr índices mais elevados de desenvolvimento econômico e social. 

O assim chamado interesse nacional — tão difícil de ser definido como de ser defendido na prática — passa antes pela promoção de ativas políticas desenvolvimentistas do que pela defesa arraigada de uma noção abstrata de soberania. Deve-se colocar o jurisdicismo a serviço da realidade econômica — e não o contrário — e ter presente que cabe ao Estado colocar-se na dependência dos interesses maiores da comunidade de cidadãos e não servir objetivos imediatos e corporatistas de grupos setoriais ou fechar-se no casulo aparentemente imutável de disposições constitucionais soberanistas. Em certas circunstâncias, pode-se admitir que uma defesa bem orientada do interesse nacional — que é a defesa dos interesses gerais dos cidadãos brasileiros e não os particulares do Estado, a defesa dos interesses da Nação, não os do governo — passe por um processo de crescente internacionalização, ou de “mercosulização”, da economia brasileira. Quando se ouve impunemente dizer que a “defesa do interesse nacional” significa a proteção do “produtor” ou do “produto nacional” poder-se-ía solicitar ao mercocrata de plantão que saque, não o seu revólver, mas a planilha de custos sociais da proteção efetiva à produção nacional (o que envolve também, é claro, os cálculos dos efeitos renda e emprego gerados no País).

A opção continuada dos países membros do Mercosul por estruturas de tipo intergovernamental, submetidas a regras de unanimidade, pode portanto ser considerada como a mais adequada na etapa atual do processo integracionista em escala sub-regional, na qual nem a abolição dos entraves à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, nem a instituição efetiva da tarifa externa comum, nem a integração progressiva das economias nacionais parecem ainda requerer mecanismos e procedimentos supranacionais suscetíveis de engajar a soberania dos Estados. Esses objetivos podem, nesta fase, ser alcançados através da coordenação de medidas administrativas nacionais e da harmonização das legislações individuais. Ainda que os objetivos do Mercosul sejam similares aos do Mercado Comum Europeu e, eventualmente, em última instância, aos da União Europeia, não há necessidade, para o atingimento dos objetivos que são os seus atualmente, de que o seu sistema jurídico copie, neste momento, o modelo instituído no Tratado de Roma e, numa fase ulterior, o Tratado de Maastricht. Basta atribuir-lhe personalidade de direito internacional e implantar um marco de disciplina coletiva no exercício das respectivas soberanias nacionais.

Um outro campo de avanços “virtuais” seria o da cooperação política entre os países membros. É teoricamente possível pensar, no Mercosul, em etapas mais caracterizadas de integração política, a exemplo da Europa de Maastricht. Não há contudo, neste momento, a exemplo dos conhecidos mecanismos europeus, uma instância formal de cooperação política e de coordenação entre as chancelarias respectivas para uma atuação conjunta nos foros internacionais, assim como não há uma instância específica do Mercosul para assuntos militares e estratégicos (a despeito mesmo da realização, tanto a nível bilateral Brasil-Argentina, como a nível quadrilateral, de diversas reuniões — de caráter meramente informativo e com características quase acadêmicas — entre representantes militares dos quatro países membros). A prática diplomática, contudo, tem levado a consultas políticas constantes entre os quatro países, sobretudo Brasil e Argentina, tanto a nível presidencial como por meio das chancelarias respectivas. Esses contatos passaram, cada vez mais, a envolver os setores militares respectivos dos países membros. Já, previsivelmente, os Estados Maiores conjuntos das forças armadas nacionais, no Brasil e na Argentina, reduziram ao mínimo, ou pelo menos a proporções insignificantes, os riscos de uma instabilidade político-militar nas relações recíprocas. Isto significa, tão simplesmente que a hipótese de guerra, sempre traçada nas planilhas de planejamento estratégico dos militares, é cada vez mais remota, senão impossível. 

No terreno mais concreto dos conflitos comerciais, parece por outro lado evidente que, assim como na experiência europeia a existência e o ativismo jurídico da Corte de Luxemburgo permitiu desmantelar de fato muitas barreiras não-tarifárias erigidas depois da consecução da união aduaneira, a eventual introdução de uma corte arbitral permanente no Mercosul poderia desarmar a maior parte dos impedimentos colocados pelos lobbies setoriais nacionais à abertura efetiva dos mercados internos à competição dos agentes econômicos dos demais parceiros. Talvez este seja o “primeiro grão” de supranacionalidade e de direito comunitário que caberia, por simples questão de racionalidade econômica, impulsionar no processo de integração.

 

O futuro do Mercosul : a work in progress

As fases mais avançadas do processo integracionista no Cone Sul poderão, a exemplo da experiência europeia, permitir o estabelecimento de uma cooperação e coordenação política propriamente institucionalizada e poderão até mesmo desembocar, a longo prazo, num processo ao estilo da Europa-92 e envolver as diversas dimensões discutidas e aprovadas por Maastricht, ou seja, união econômica ampliada (moeda e banco central), coordenação da segurança comum e ampliação do capítulo social em matéria de direitos individuais e coletivos. Nesse particular, as centrais sindicais do Mercosul vêm demandando, com uma certa insistência, a adoção de uma “Carta Social”, com direitos sociais e trabalhistas mínimos a serem respeitados pelos “capitalistas selvagens” do Cone Sul. Ainda que se possa conceber novos avanços no capítulo social do Mercosul , é previsível que a orientação econômica predominante neste terreno — isto é, tanto empresarial como governamental — continuará privilegiando mais a “flexibilidade” dos mercados laborais, ao estilo anglo-saxão, do que uma estrita regulação dos direitos segundo padrões europeus.

No que se refere, finalmente, ao relacionamento externo do Mercosul, caberia enfatizar primeiramente o aprofundamento das relações com outros esquemas de integração, a começar obviamente pela União Europeia. O Mercosul se constituiu no bojo de uma revitalização dos esquemas de regionalização, sobretudo os de base sub-regional. Sua primeira fase de transição coincidiu com a constituição de uma área de livre comércio na América do Norte (NAFTA), entre o México, os EUA e o Canadá, logo seguida pelo próprio desenvolvimento da ideia da “Iniciativa para as Américas” sob a forma de uma zona de livre-comércio hemisférica, a ALCA. Ao mesmo tempo, outros esquemas eram lançados ou se desenvolviam em outros quadrantes do planeta: todos eles obedecem, em princípio, à mesma rationaleeconômica e comercial, qual seja, o da constituição de blocos comerciais relativamente abertos e interdependentes, integrados aos esquemas multilaterais em vigor.

A União Europeia, que levou mais longe esse tipo de experiência, talvez seja o bloco menos aberto de todos, mas é também aquele que apresenta o maior coeficiente de abertura externa e de participação no comércio internacional de todos os demais, sendo ademais o principal parceiro externo do Mercosul. A atribuição pelo Conselho Europeu de um mandato negociador à Comissão de Bruxelas, no sentido de ser implementado o programa definido no acordo interregional assinado em dezembro de 1995 em Madri, parece ainda carente de maior definição quanto a seu conteúdo efetivo, em primeiro lugar no que se refere ao problema da liberalização do comércio recíproco de produtos agrícolas, uma das bases inquestionáveis do protecionismo europeu, francês sobretudo.

O Mercosul deve relacionar-se amplamente com os diversos esquemas sub-regionais, mas, ao mesmo tempo, preservar seu capital de conquistas no Cone Sul. Em outros termos, a associação, via acordos de livre-comércio, de parceiros individuais (foi o caso do Chile e da Bolívia, a partir de 1996) ou de grupos de países (os da Comunidade Andina, por exemplo), deve obedecer única e exclusivamente aos interesses dos próprios países membros do Mercosul , para que os efeitos benéficos do processo de integração sub-regional não sejam diluídos num movimento livre-cambista que apenas desviaria comércio para fora da região. Tal seria o caso, por exemplo, de uma negociação precipitada em prol da ALCA, sem que antes fossem garantidas condições mínimas de consolidação da complementaridade intra-industrial entre Brasil e Argentina e de expansão do comércio em geral no próprio Mercosul e no espaço econômico sul-americano em construção. 

Um acordo precipitado no âmbito da ALCA introduziria certamente uma demanda excessiva por salvaguardas durante a fase de transição e, sabemos pela experiência do próprio Mercosul, que elas devem limitar-se aos ajustes temporários requeridos pelos processos de reconversão ligados à repartição intersetorial dos fluxos comerciais e, em nenhum caso, dificultar ou impedir a marcha da especialização e da interdependência intra-industrial. As regras de origem, por outro lado, que conformam um dos capítulos mais intrincados de qualquer processo de liberalização, poderiam ser indevidamente utilizadas para impedir fluxos de comércio com outras regiões ou investimentos de terceiros países, geralmente europeus ou mesmo asiáticos, reconhecidamente mais dinâmicos em determinados setores de exportação.

A “ameaça” da ALCA incitou presumivelmente os europeus a se decidir por avançar na implementação do acordo de cooperação interregional firmado em Madri. Como registrado nesse instrumento, a liberalização comercial “deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos”, o que constitui uma óbvia referência à Política Agrícola Comum, uma das áreas de maior resistência à abertura no ulterior processo de negociação. Não obstante, é de se esperar que por volta de 2005, e coincidindo com avanços similares nos planos hemisférico e multilateral, o Mercosul e a União Europeia tenham delineado de maneira mais efetiva as bases de um vasto esforço de cooperação e de liberalização recíproca. Uma etapa decisiva no esforço negociador bilateral deverá ser realizada por ocasião da Cimeira Europa-América Latina, a realizar-se no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 1999, quando também deverão reunir-se representantes de cúpula do Mercosul e da União Europeia com vistas, possivelmente, ao anúncio do início das negociações tendentes a conformar, se não um novo esquema de integração, pelo menos um processo progressivo de liberalização do comércio recíproco dos dois espaços de integração regional. Também aqui, como no caso da ALCA, a possibilidade de resultados exitosos do ponto de vista do Mercosul depende em grande medida do grau de coesão interna do grupo, tanto no terreno econômico como político.

Mais importante do que qualquer esquema “privilegiado” de âmbito regional é, contudo, o reforço contínuo das instituições multilaterais de comércio, condição essencial para que o Mercosul não seja discriminado indevidamente em qualquer área de seu interesse específico, seja como ofertante competitivo de produtos diversos, seja como recipiendário de capitais e tecnologias necessárias. A OMC representa, nesse sentido, um foro primordial de negociações econômicas e, como tal, um terreno comum de entendimento com os diversos esquemas regionais de integração. Essa instituição não constitui, entretanto, um guarda-chuvas tranquilo e muito menos uma panaceia multilateralista suscetível de preservar os países-membros dos desafios da globalização já em curso: pelo contrário, ela tende a ser, cada vez mais, o próprio foro da globalização, ao lado de suas “irmãs” mais velhas de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial. Atuando de forma coordenada na OMC, bem como em outros foros relevantes do multilateralismo econômico internacional — como a OCDE, a UNCTAD e as instituições de Bretton Woods —, os países-membros do Mercosul logram aumentar seu poder de barganha e ali exercer um talento negociador que os preparará para a fase da “pós-globalização” que já se anuncia.

Em síntese, tendo em vista que o processo de construção do Mercosul não obedece tão simplesmente a opções de política comercial ou de modernização econômica — ainda que tais objetivos sejam, por si sós, extremamente relevantes do ponto de vista econômico e social de seus países membros — ou a meras definições externas e internacionais de caráter “defensivo”, mas encontra-se no próprio âmago da estratégia político-diplomática dos respectivos Governos e de certa forma entranhado a suas políticas públicas de construção de um novo Estado-nação na presente conjuntura histórica sub-regional, parece cada vez mais claro que o Mercosul está aparentemente “condenado” a reforçar-se continuamente e a afirmar-se cada vez mais nos planos regional e internacional. Nesse sentido, ele deixa de ser um “simples” processo de integração econômica, ainda que dotado de razoável capacidade transformadora do ponto de vista estrutural e sistêmico — algo limitado, reconheça-se, para o Brasil enquanto “território ainda em formação”, por mais significativo que ele possa ser no quadro dos sistemas econômicos nacionais respectivos dos demais países membros —, para apresentar-se como uma das etapas historicamente paradigmáticas no itinerário já multissecular das nações platinas e sul-americanas, como uma das opções fundamentais que elas fizeram do ponto de vista de sua inserção econômica internacional e de sua afirmação política mundial na era da globalização. O Mercosul é, mais do que nunca, um work in progress.

Para retomar a tipologia inicial, pode-se argumentar que a unificação monetária pertence, ainda, ao terreno da Idealpolitik, e que sua preparação efetiva não pode prescindir de grandes doses de Realpolitik na condução cotidiana da união aduaneira em construção. Mas, assim como o processo de integração, em sua fase inicial, foi propriamente obra de visionários, atuando mais sob o impulso de ideais políticos do que por necessidades econômicas, a unificação monetária do Mercosul também pertence a esse gênero de iniciativas pioneiras que prometem inserir decisivamente o atual quadro integracionista numa projeção utópica do futuro. Essa projeção será tanto mais realista quanto sustentada por valores que visam aproximar o Mercosul real do Mercosul ideal.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 648: 25/11/1998

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

IV Colóquio sobre Fronteiras e Direitos Humanos na União Europeia e no Mercosul - 1 a 3/12/2020

Recebido do prof. Tomaz Espósito Neto 

IV Colóquio sobre Fronteiras e Direitos Humanos na União Europeia e no Mercosul (online)



Entre os dias 01 a 03 de dezembro, acontecerá o IV Colóquio sobre Fronteiras e Direitos Humanos na União Europeia e no Mercosul. O evento é uma Cátedra Jean Monnet da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF) e do projeto PROCAD “Defesa Nacional, Fronteiras e Migrações: estudos sobre ajuda humanitária e segurança integrada” (Ministério da Defesa e CAPES).
O objetivo do IV Colóquio é ampliar as discussões sobre integração regional, fronteiras, direitos humanos e as relações entre o Brasil e a União Europeia. Com isso, a organização espera fomentar as pesquisas sobre a União Europeia e o Mercosul, em especial sobre as temáticas ligadas à cooperação internacional, à integração regional, à promoção da democracia e dos direitos humanos. Além de ser um espaço de debate sobre acontecimentos internacionais contemporâneos, o evento tem o propósito de difundir os conhecimentos sobre a União Europeia, fortalecendo assim a rede de cooperação e de governança conjunta entre as instituições participantes e os convidados do projeto.
Essa iniciativa é financiada pela Comissão União Europeia e tem apoio da CAPES, Ministério da Defesa e IDESF.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

O nefasto nacionalismo europeu - Willi Hofmeister


Um IMPORTANTÍSSIMO paper de Willi Hofmeister sobre o papel nefasto do nacionalismo no contexto europeu contemporâneo. Caberia talvez agregar um outro estudo sobre o nacionalismo nos EUA, atualmente marcado pela mediocridade intelectualmente atriz de sua forma mais perversa e ignorante no trumpismo. Recomendo FORTEMENTE a leitura e convido a uma reflexão sobre o nacionalismo no Brasil, atualmente também representado por uma contrafação especialmente atroz do bolsonarismo ignorante.
Paulo Roberto de Almeida


Simple Explanations

byWilhelm Hofmeister

Why Nationalists in Europe Grow Stronger

Yielding resentments against the European Union as well as alleged threats: Nationalist parties gained increased electoral success throughout the last years in many member states of the European Union, while challenging their democratic underpinnings and developments. The underlying causes are manifold and vary regionally. How could a promising political response be shaped?


Overview

Nationalism was the great evil of the 20th century in Europe. It arose as an emancipatory movement in the 19th century and inspired the first democratic processes in Europe, but quickly mutated into an ideology that justified competition among states in the age of imperialism and described the differences between nations in chauvinistic and racist terms. We all know how that ended. “Nationalism is the cause of most political conflicts since the 19th century and a necessary condition for the success of National Socialism since 1930,” writes Rolf Ulrich Kunze, who emphasises that nationalism “tends to radicalism and escalation, and especially to combination with universal racism and anti-Semitism,” while it “legitimises deep interference with human and civil rights, especially the rights of minorities and, under the name of a fictional autarchy within the free global economic system […] Nationalism favours populistic deinstitutionalisation of political culture, and is a danger to the stability of constitutional organs, legitimised by representative democracy in the constitutional state and at the inter-governmental, supranational level.” In reaction to the devastating consequences of the Second World War, the major post-war European political leaders, among them Konrad Adenauer, consciously pursued European integration as an instrument by which to overcome nationalism. In a 1946 speech, Adenauer characterised the romanticisation of the nation as a cause of the catastrophe, and in 1953 he said, “If we were to insist in today’s world that the traditional terms of nationalism should be maintained, it would mean abandoning Europe.”
Despite these warnings by the generation who had experienced the war, by the beginning of the new century nationalism had infiltrated Europe’s party systems once again. In Austria, the nationalist Freedom Party (FPÖ) became a member of the governing coalition in 2000. Two years later, the chairman of France’s Front National, Jean-Marie Le Pen, advanced to a run-off election for the presidency, and in 2004 he mobilised a majority to reject the EU’s constitutional treaty. This made nationalism’s anti-­Europe position obvious. The stigmatisation and partial isolation of Austria by the other EU members after the centre-right People’s Party (ÖVP) formed a coalition with the Freedom Party did not stop nationalism. Austria, France, and, gradually, other countries in Europe saw nationalist parties achieve increasingly sizeable electoral successes. But it was not until rightist, populistic, Eurosceptic parties won about one fifth of the seats in the European Parliament in 2014 that the broader European public became aware that nationalism had gained new adherents in almost all parts of the continent.
Besides the Front National, renamed as Rassemblement National in 2018, and the Freedom Party, this group includes the Sweden Democrats, the Finns Party, the Danish People’s Party, the United Kingdom’s ­UKIP, the Party for Freedom in the Netherlands, Italy’s Lega (formerly known as Lega Nord), Hungary’s Jobbik, and Greece’s Golden Dawn. Similarly, Poland’s Law and Justice, and Hungary’s Fidesz parties, one originally conservative and the other originally liberal, have integrated nationalism as a very successful mobilisation factor. The Alternative for Germany (AfD) party was initially shaped by several eurosceptic economics professors, but has since come under the sway of right-wing populists. But even at the beginning, the AfD was, at its core, a party that used nationalist sentiment to generate opposition to European unity.
At the very latest since the election of May 2014, if not before, the “monster” of nationalism was clearly perceived everywhere in Europe. That year deserves emphasis because the so-called migration crisis, which is frequently cited as a trigger for the rise of nationalist parties, did not develop until a year later. The crisis alone therefore does not explain rise of nationalist parties – which, of course, also means that restricting migration will by itself not effectively combat nationalism.
A second assumption must also be relativised: that nationalist parties grew stronger because of socioeconomic factors and social inequality. This is also a limited explanation because nationalist parties have gathered strength even in economically prosperous European countries with relatively good distribution indexes: the Nordic countries, the Netherlands, Austria, and Germany. So, these parties cannot be combatted with new distribution mechanisms alone, either.

Fig. 1: Results for Nationalist Parties in Recent European Elections (in Per Cent)


https://www.kas.de/documents/259121/9134064/hochmeister_karte_EN.svg/78026ee0-7ec0-0a19-6e21-761938f0a3ff?t=1594304885411
Source: Own illustration based on figures of national electoral authorities, map: Natural Earth p,.


In the European Parliament elections of May 2019, the nationalists did not do as well as they had hoped. One reason was because more people went to the polls to reduce their influence. Even so, nationalists received about one quarter of parliamentary seats. This confirms that nationalist parties now mobilise a substantial proportion of European voters. Even countries such as Germany and Spain, that had long felt immune to nationalism, saw the rise of new nationalist parties. Also in Portugal, a party using nationalist rhetoric, Chega! (Enough!), received a seat in the October 2019 parliamentary elections.
In view of these developments, questions arise in many parts of Europe: Why is nationalism mobilising such great numbers in Europe? And how can people be warned of, and protected against, the unavoidable, disastrous consequences of nationalism? The search for answers must begin with an examination of nationalism’s seductive message.

Nationalism and Nation

All nationalism is based on a fiction, and that fiction is the nation. The nation does not exist as a social entity, but only as a concept. Nations are imagined associations created by nationalists, as Benedict Anderson established in his well-known 1983 book on the origins of nationalism. And a few years later, the British historian Eric J. Hobsbawm added: “Nations do not make states and nationalisms but the other way round.”
Nationalism is a concept of differentiation, creating false identities and true bogeymen, since enemies are needed to highlight the in-group’s idea of itself and to distinguish it from others. Back in 1882, when nationalism was enjoying its first peak, French author and philosopher Ernest Renan identified nationalism’s reductionist worldview when he wrote, “There is no nation without falsifying one’s own history.” This means that nationalist movements everywhere have written the history of their “nation” so as to construct some sort of commonality, a joint destiny, or a common purpose. In the nationalist movements of Catalonia and other regions today, this is still clearly evident.
Of course it must be admitted that, despite their imaginary character as social units, nations do in fact exist – but only if the term is used to refer to a certain form of modern territorial state: the “nation state”. Without including this territorial element, there is no sense in referring to a “nation” – or doing so is dangerous because it evokes a kind of community that does not represent social reality.
In the era of globalisation, the “nation” is gaining new importance, since the international order is based on the cooperation of nation states.
The nation consists of all citizens of the state. But at the moment, nationalists in Germany and elsewhere are attempting to define the “nation” as those adhering to a particular identity. It is noticeably difficult for them to cite supposed elements that those in their “nation” share and that distinguish them from other nations. To simplify things, they fall back on old patterns, by trying to weed out those whose origin, language, skin colour, religion, etc. supposedly preclude them from belonging to the identity-based community. For example, the former co-chairman of Germany’s AfD, Alexander Gauland, said in 2016 that the German national football team’s Jérôme Boateng, whose father is from Ghana, is perceived as “foreign”; a year later he threatened to “get rid of” Aydan Özoğuz, a German politician of Turkish origin who serves as deputy chairwoman of Germany’s Social Democratic Party, by sending her back to Anatolia. In the face of such attempts to exclude individuals, it is important to emphasise that a nation of course includes immigrants and descendants of immigrants. The German “nation” therefore encompasses all members of ­Germany’s World-Cup-winning 2014 national football team, including Lukas Podolski and Miroslav Klose, who were both born in Poland; Jérôme Boateng from Berlin; and Mesut Özil, who was born in Gelsenkirchen to Turkish immigrants.
Nation and nationalism are indispensable elements of modern statehood, and particularly in the era of globalisation, the “nation”, i. e., the nation state, gains new importance, since the international order is based on the cooperation of nation states. In this respect, we are not experiencing a “return” to nationalism, as is sometimes asserted. However, we are increasingly experiencing a return of those forms of nationalism that have led to the catastrophes of the past. This is especially true of identity-based nationalism, which is spreading across Europe in various forms and is particularly evident in the debate on migration. There is, moreover, another element that contributes greatly to the electoral successes of nationalist parties: their populism.
In searching for causes for the new nationalism, we must look more closely because the migration crisis does not by itself explain the phenomenon.
What nationalism and populism have in common is that they reduce complex social and political issues to a simple core: the creation, salvation, or promotion of the nation. In many European countries, they form an unholy alliance. “Populist nationalism” or “nationalist populism” constructs a distinction between “true” members of a national identity that it purports to defend against the establishment of the “corrupt elite” and “fake news” organisations. Populists deny the heterogeneity and pluralism of society and claim a fictitious homogeneity and will of the people. The affinity of this method to the ideology of nationalism is obvious. While this method is also used by left-wing populist movements (such as Spain’s Podemos and Greece’s Syriza), the solution they offer is not the nation, but anti-capitalism. In essence, however, right-wing and left-wing populists use the same methods: they attempt to instrumentalise all grievances, enhance feelings of insecurity, identify scapegoats, propagate the idea of bogeymen, stir up resentment and hatred, and lower the inhibition threshold.

Nationalism and the Longing for Recognition

There is no clear answer to the question of why many people in Europe are turning to nationalist ideas and electing nationalist, anti-liberal, eurosceptic parties. A single valid explanation is therefore difficult, since nationalism has a variety of motives and forms of expression. In Spain, for instance, the nationalism of the new right-wing populist party “Vox” is primarily a reaction to regional nationalism and separatism in Catalonia and the Basque Country, and the inability of previously dominant parties, the Spanish Socialist Workers’ Party (­PSOE) and the People’s Party (PP) to solve the political crisis separatism has caused. In Germany, the new nationalist movement began in 2010 with scepticism towards the joint European currency and fear of the costs of bailing out heavily indebted countries during the Eurozone crisis. But the so-called migration crisis of 2015 is what really got nationalist right-wing populism going. In France, high unemployment resulting from deindustrialisation in several regions, especially the north and east, caused previously left-leaning workers to feel that they were the losers of globalisation. The Front National, respectively Rassemblement National, had originally tended to represent the traditional right and supported a liberal economic programme; it began to present itself as a “workers’ party” under Marine Le Pen. Growing social tensions that are noticeable from a certain geographical segregation, and a rural and suburban feeling of being left behind, gave the National Rally new voter groups. This is compounded by a feeling of insecurity following a number of terror attacks in France, which brought questions of immigration, integration, insecurity and Islam to the fore. In the United Kingdom, on the other hand, high-profile politicians have for years stoked resentment towards the EU with the fiction of loss of control, culminating in the Brexiteers’ victory in the June 2016 referendum. Since the 1990s, the Nordic countries have experienced limitations on the performance of their social welfare states as a result of the increased competitive pressure brought about by globalisation, so that increasing migration has become the primary source of fodder for nationalist movements focused on fear of competition and loss. Similar reactions can be observed in Central European countries (Poland, the Czech Republic, Slovakia, Hungary) which, albeit profiting greatly from integration into the European Union and the opening of borders and markets, have elected parties that promote national identity out of fear of excessive wealth redistribution in favour of immigrants – some parties gaining favour with a significant portion of the population. In many cases, the migration crisis has without a doubt played into the nationalists’ hands because it gave them the basis of a new form of identity-based nationalism: us against the threatening newcomers. However, in searching for causes for the new nationalism, we will likely need to look more closely, because the migration crisis does not by itself explain the phenomenon.
Francis Fukuyama cites the desire for recognition as an important motive governing the attitudes and voting behaviour of many. He describes resentment as the consequence of the feeling of neglect that some groups feel. “In a wide variety of cases, a political leader has mobilised followers around the perception that the group’s dignity had been affronted, disparaged, or otherwise disregarded […] A humiliated group seeking restitution of its dignity carries far more emotional weight than people simply pursuing their economic advantage.” This is likely a very accurate description and explanation of the mood of many people in several European countries, such as France’s “lost” regions, or the parts of England that do not benefit from the City of London’s boom, and parts of Germany’s eastern federal states where the AfD enjoys great support. Fukuyama believes that current identity politics is driven by the desire for equal recognition on the part of social groups that feel marginalised, and such a feeling can quickly change to a demand for the recognition of the group’s superiority. “This is a large part of the story of nationalism and national identity, as well as certain forms of extremist religious politics today.” That is why Fukuyama believes the issue of identity/recognition to be important to the understanding not only of modern nationalism, but also of extreme forms of modern Islamism. He believes that their roots lie in modernisation, which entails upheavals for traditional communities.
Economic disadvantages and increasing inequality have doubtlessly assisted the rise of nationalist movements in Europe.
As important as the feeling of neglect he points out is, Fukuyama has no answers to the question of how to defend and preserve liberal democracy. Because he views the search or passion for recognition more as a sociopsychological phenomenon as a result of the individual’s self-image that has developed over centuries, he does not consider economic and social factors to be decisive in pushing people towards nationalist parties. But there are economic disadvantages and increasing inequality, and there is little doubt that they have contributed to such developments as the rise of the Front National, respectively Rassemblement National, in France. On the other hand, as could recently be observed in Spain, members of the financially well-off middle and upper classes who cannot complain of insufficient recognition nevertheless vote for nationalist parties, so there must be other reasons for the rise of those parties.
It should be noted that the adherents of “national populists” are more heterogeneous than the stereotypical “angry white man” and that many nationalist voters are not anti-democratic, but merely reject certain developments of liberal democracy. However, this reveals the long-­observed problem of representation of democratic institutions, which has shown them to have “moved further and further away from the average citizen”, as two British academics put it. They maintain that the political elites either react inadequately to this problem, or not at all. While the nationalists want to discuss a number of legitimate democratic questions, the elites refuse such discussion because the questions are of no practical concern to them. An example of this is the erosion of the nation state in the age of globalisation, the capacity to absorb immigrants and the fast “ethnic shift” of several societies, inequality within Western countries, the social marginalisation of certain segments of the population, and the question of whether it would not be better for the nation to prioritise care for people who have paid into the tax and social systems for years. Some politicians find these questions unpleasant, but they are nevertheless of concern to many and are exacerbated by nationalists, while the “system parties” in many places fail to provide satisfactory answers. Wolfgang Merkel makes a similar argument when he says that right-wing parties are a direct consequence of the polarisation in many societies into so-called “cosmopolitans” and “communitarians” – that is, the winners and losers of globalisation.
Altogether, there are roughly four social transformation processes that have caused concern to a growing number of people, and which, to a large extent, explain the rise of nationalist populism:

  • increasing distrust of politicians and institutions;
  • destruction of the historical identity and established way of life of a national group;
  • a feeling of loss resulting from increasing income and wealth inequality and loss of faith in a better future;
  • a decoupling or weakening of ties between the traditional mainstream parties and the people.

Wolfgang Schäuble, President of the German Bundestag, believes that the solution to the problem of representation, which is addressed by the last point, is a precondition to tackling democracies’ current difficulties, and in particular the challenge posed by nationalist populism. It is therefore necessary for parliaments and the political groups within them to better fulfil their functions.
There are other developments that help account for the rise of nationalist and populist ideas and parties in many European countries, which could have a significant impact on the continued existence of liberal democracies and on the flight of many people to the nationalists.
One is the weakening of the nation state in the context of globalisation. It is above all the critics of neoliberalism which use this argument when trying to explain the rise of populist nationalism. While neoliberalism has long been criticised in Latin America because of a supposed limitation of national self-determination, this position has become more prominent in Europe as well. Curiously, this development is quite pronounced in the country in which neoliberalism has strong advocates, and which initially seemed to most clearly benefit from it: the United Kingdom. There, the European Union is the primary target of the feeling of loss of self-determination that mobilised nationalist eurosceptics and led to the Brexit vote. The protests against the free-trade negotiations between the EU on the one hand, and the US and Canada on the other, were also driven by fear of loss of control. This criticism came more from left-leaning groups and journalists, but was also grist for the nationalist parties’ mill. And when the minister-president of a German federal state criticised the “loss of control of the state” during the so-called 2015 migration crisis, he fuelled fears that the nation state and its protective function was weakening. It is undisputed that the nation state’s role has been reduced in the age of globalisation, at least insofar as it can no longer unilaterally control many processes or solve many problems. But for many, the nation state remains the central national reference. The nationalist promise that strengthening the nation state in itself will somehow relieve worries and solve problems is untrue, but that does not make it any less attractive.
The second point has to do with modern forms of communication, and not least the role of social media with their filter bubbles that destroy democratic dialogue and wither the ability to deal with criticism and other opinions. One effect of this is that people in many European countries feel themselves constrained by “political correctness” and turn to right-wing populism because it seems to better articulate their concerns. This was evidenced recently during the climate change debate. The problem here is not right-wing or nationalist stances. But people who believe the climate protection debate to be hysterical and worry about additional costs turn to right-wing parties, which attempt to attract supporters with their scepticism about climate change, as the AfD has recently done in Germany.
A further issue will gain importance in the future: the consequences of the digital revolution, artificial intelligence, the increasing number of previously human functions that will be taken over by robots, and the changes to the labour market this will cause, which may ultimately result in restrictions to our individual and political freedoms. Speculation and debate about the effects of digitalisation has only just begun in most European countries. However, when the alienations resulting from the digital revolution become more pronounced, additional flight is to be expected, and national populist parties will be one of the primary beneficiaries.
Finally, the fragmentation of the party systems in many countries in Europe and the difficulty of building a consensus and forming a government is taking its toll. Spain, Belgium, and the Nordic countries provide examples of this. This poses a great challenge to democracies. It is grist in the nationalist mill.

Political Approaches to Overcoming Nationalism

What can be done to stop the rise of nationalism? Even though the social sciences tend to deliver more problem analysis than recommendations for action, the analysis leads to an important conclusion: the centre parties must react even more clearly to the demands for recognition on the part of individuals, groups, and regions that feel neglected. Policies must be explained and communicated even more intensively, not only via the new electronic media, but by conventional means involving direct contact with the people. That is a challenge for all politicians. A major factor in the Christian Democratic Union’s electoral successes in Germany’s provincial parliamentary elections in Saxony in October 2019 was apparently Minister-President Michael Kretschmer’s willingness to spend practically an entire year attending daily town halls and meetings with concerned citizens to show that he was taking their concerns seriously. Political decisions were also made to demonstrate to the supposedly left-behind regions that they were not forgotten after all. This leads to the conclusion that politicians, from the local to the federal level, must spend more time establishing and cultivating contact with the people, both in person and using new technologies.
To combat mistrust of politicians and institutions, it is important to ensure that those who feel shut out of the political process have more opportunities to participate. But this must not mean “daring more democracy” in the sense of using referenda to make policy decisions. Doing so causes many problems, as has been demonstrated in many such attempts, not least the Brexit referendum. More direct democracy involves that risk of damaging political institutions, especially parties, even more. Instead, forms of participation must be found for party members and sympathisers and for citizens in general that can arouse interest in political involvement and activity.
A readjustment of migration policy in Europe is also important, even though it is extremely difficult to reach a consensus within the EU on this sensitive issue. Although the migration crisis is not the primary cause of the rise of nationalism in Europe, there is no question that it contributed. This issue therefore requires new policy approaches that demonstrate that Europe is regaining control of migration without ruthlessly rejecting migrants. This is the only way to undercut xenophobic national populist agitation.
Digitalisation is a priority for the new EU Commission. The concern here must not merely be technical expansion and control of providers, but precautionary measures including training, education, and workplace changes that will counteract new fragmentation of European societies. Automation and artificial intelligence will change labour markets and cause uncertainty that could rock political systems for a long time to come. Nationalists welcome the losers of these developments with open arms.
The “moderate” nationalism or populism that some authors recommend should be avoided. It is misleading. There is so far no empirical evidence that the approach promises success. In Germany and other European countries, there is no majority for such a movement, as the European Parliament and national election results show. The Christian Social Union in Bavaria tried this strategy in 2018, suffered badly, and has since reconsidered. In Spain and France, the Partido Popular and Les Républicains, respectively, failed in their attempts to engage in a “right-leaning” discourse to prevent voters from deserting to nationalist parties. The European Parliament election in 2019 had a high voter turnout because a certain segment of the population was intent on thwarting the rise of nationalist parties. Populism and nationalism cannot be combatted with populism and nationalism. The coronavirus crisis shows that wherever states lived up to their obligations to protect their citizens, nationalists were weakened. But the reverse is also true.
There is no conclusive answer to the question of the right means for combatting nationalism. Each country must develop its own instruments. It remains important to describe the phenomenon and to constantly remember its sinister consequences. Only when our liberal democracies are conscious of these consequences will Europe’s societies be strong enough to resist nationalism and its hostility.
 – translated from German – 



Dr. Wilhelm Hofmeister is Head of the Konrad-Adenauer-Stiftung’s Spain and Portugal office in Madrid.