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sexta-feira, 28 de março de 2014

Espionagem e revelacoes embaracosas para o Imperio: do Wikileaks a Edward Snowden - Paulo Roberto de Almeida

"Redescobri", agora, revisando velhas mensagens, uma postagem feita de artigo meu no Mundorama, tratando do Wikileaks, que já mereceu seus tremeliques diplomáticos na época de sua revelação.
O caso Snowden, de atualidade, é de outra natureza, mas concerne, basicamente, o mesmo problema: o acesso e o tratamento de informações sensíveis, de e a partir dos Estados Unidos, mas envolvendo as suas relações com outros países.
Transcrevo novamente esse longo artigo, pelo seu interesse para os analistas de relações internacionais.
Paulo Roberto de Almeida


Mundorama, 12 Aug 2011

  Uma questão inevitavelmente vinculada ao caso Wikileaks, e a liberação dos documentos relativos ao Brasil, seria a de aferir seu impacto efetivo nas relações do Brasil com os Estados Unidos, e vice-versa. Minha impressão pessoal é a de que esse impacto é limitado, tenderá a ser circunscrito a um pequeno círculo de interessados imediatos e deverá se diluir com o passar do tempo. Isso não quer dizer que todo o processo não tenha consequências para as partes envolvidas, para os Estados Unidos de maneira geral, e nas relações bilaterais em particular.
Já  elaborei e publiquei algumas reflexões a respeito, num momento em que os documentos vinculados ao Brasil – produzidos pela Embaixada americana em Brasília, ou alguns de seus consulados em algumas capitais estaduais – estavam sendo ainda liberados. Remeto os interessados a este texto meu: “Wikileaks: verso e reverso”, Mundorama (14.01.2011; link: http://mundorama.net/2011/01/14/wikileaks-verso-e-reverso-por-paulo-roberto-de-almeida/); republicado em Dom Total (03.02.2011; link:http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=1797). Os comentários e opiniões ali expressos tinham sido feitos num momento em que representantes do meio acadêmico no Brasil expressavam seu regozijo pela divulgação dos documentos e até circulavam listas com assinaturas em apoio ao personagem principal, antes e durante sua captura pelo polícia britânica. Um alto personagem da república (com minúscula neste caso) chegou a oferecer a possibilidade de asilo no Brasil ao “animador” do Wikileaks, Julian Assange, por causa do processo movido na Inglaterra contra ele.
Nesta altura, agosto de 2011, todos os documentos relativos ao Brasil já  foram, aparentemente, liberados (ver: “Wikileaks: todos os documentos estão no ar”, Publica, Agência de jornalismo investigativo, 15.07.2011; link: http://apublica.org/2011/07/semana-wikileaks-todos-os-documentos-estao-no-ar/). Não tenho a intenção, contudo, de desenvolver neste momento uma análise de conteúdo dos mais importantes, pois seria ainda necessário processá-los tematicamente, separar o joio do trigo – ou seja, o que é de fato relevante em termos de relações bilaterais, dispensando as simples fofocas de ocasião – e recolocar cada um deles no seu contexto próprio, antes de proceder a uma avaliação de sua importância real. Pretendo, tão somente, continuar algumas reflexões sobre seu impacto geral e vinculado ao Brasil, sob a forma de três grandes questões: o que significa o Wikileaks para a diplomacia americana na suas relações com o Brasil, como passaram a proceder as duas partes depois da liberação dos documentos – ou seja, a questão da cautela a ser observada doravante nos contatos e nos diálogos entre as duas diplomacias – e, finalmente, uma avaliação do impacto efetivo da liberação sobre todo o processo diplomático.
Como avaliar o impacto do Wikileaks na relação Brasil-EUA?
Como para qualquer outro país, a divulgação antecipada – e de forma ilegal e criminosa – de expedientes diplomáticos americanos sobre as relações Brasil-Estados Unidos, que deveriam ter permanecido confidenciais ou secretos durante aproximadamente dez anos além de sua produção, apresenta um impacto nas relações bilaterais, ainda que este aspecto seja o menos importante de todos, no conjunto de “tangos e tragédias” representada pelo fenômeno Wikileaks para a diplomacia americana como um todo, em especial para a condução das relações bilaterais dos EUA e, com impacto acrescido, para o planejamento estratégico – em primeiro lugar de segurança – daquela potência nas suas relações com o mundo todo, inclusive no encaminhamento de temas da agenda americana nos organismos multilaterais, nas suas instituições “imperiais” (tipo OTAN, por exemplo), e sob vários outros aspectos também (impossíveis de serem todos dimensionados e apreciados).
Digo “tangos e tragédias”, de modo irônico, mas deliberado, porque o Wikileaks é de fato uma “piada” – no sentido corriqueiro da palavra – e um drama, ao mesmo tempo. Uma “piada”  porque a maior parte, senão a quase totalidade do que foi “revelado” não é especialmente novidade, mas elementos de informação que se encontravam disponíveis há muito tempo na mídia de qualidade. A “piada” vem associada a certos comentários jocosos de diplomatas americanos a respeito de seus interlocutores em determinados países, ou suas próprias opiniões a respeito de situações por eles enfrentadas no desempenho funcional normal, e também ao lado “surpreendente” de certos comentários “inocentes” dos interlocutores locais dos diplomatas americanos a respeito de seus governos respectivos.
Por exemplo, o fato de que diplomatas americanos considerassem que os negócios familiares de certos ditadores árabes se assemelhavam aos da máfia americana não é propriamente algo surpreendente ou inusitado, para quem conhece o “ambiente de negócios” desses países, e apenas testemunha a favor dos diplomatas americanos em sua capacidade analítica, de não se deixarem impressionar pelo luxo e riqueza em que viviam certos “nababos do Oriente”, por saberem bem que esses recursos eram provenientes de roubo organizado, de espoliação de capitalistas nacionais e estrangeiros, de dilapidação do tesouro público, enfim, de comportamentos mafiosos, tout court. Quanto ao lado funcional, não deixa de ser piada ver um cônsul americano reclamar do intenso trabalho de escrutinização dos candidatos a vistos de turismo aos EUA, já que entre as demandas incontáveis se encontrava um pouco de tudo, do bom, do mau e do feio (frase clássica e comentário apropriado para quem se lembra do belíssimo western-spaghetti de Sergio Leone: The Good, the Bad, and the Ugly).
Pode ser também uma “piada” – mas também pode ser um “pequeno drama” para as partes envolvidas – saber da opinião de um imponente ministro brasileiro da Defesa – agora justamente dispensado em razão de sua big mouth – a respeito de um colega de ministério, chamando-o de “antiamericano”, o que não chega a ser novidade, para quem conhece o personagem, mas que revela o lado das pequenas hipocrisias que frequentam os meios oficiais. O “antiamericano” calou-se a respeito – talvez deliberadamente, para confirmar, e contentar a esquerda antiamericana, que ele se enquadra feliz e voluntariamente no conceito – e o emissor da opinião apressou-se a desmentir, dizendo ter sido mal interpretado ou não ter dito exatamente aquilo, correção que soa não apenas patética, mas totalmente falsa e ainda mais hipócrita. Ninguém pensava outra coisa do antiamericano em questão, e pode-se pensar que as relações entre ambos não tenha sido afetada minimamente por excesso de sinceridade de uma verdade tão óbvia quanto dispensável de ser confirmada. Mas esse é apenas o lado “piada” de todo este affair.
O lado dramático, uma verdadeira tragédia para a diplomacia americana, não pode ser colocado apenas no contexto bilateral, pois ele afeta TODAS as relações bilaterais dos EUA, em todo o mundo, a partir de agora. Os EUA passam a dispor, presumivelmente, de menos interlocutores, em meios oficiais e de oposição, em todas as instâncias das quais participam e em todos os países nos quais trabalham seus diplomatas. Qual é o agente público – ministro ou burocrata de alto coturno – ou o líder político de oposição, e até mesmo da situação, amigo ou “inimigo” dos EUA, que vai querer, a partir do Wikileaks, conversar, reservada e livremente, com o embaixador americano postado localmente, ou com seus diplomatas graduados, presumindo, a partir de agora, que essas conversas em off serão eventualmente reveladas em curto prazo por trânsfugas do Wikileaks (ou qualquer outra forma de apropriação indébita de expedientes oficiais)? Qual é o simples cidadão que vai continuar confiando na segurança das informações detidas pelos EUA, quando um simples soldado raso em um posto obscuro da máquina imperial pode ter acesso a esses expedientes e divulga-los livremente para o mundo inteiro?
 Esse é o lado da absoluta tragédia para os serviços diplomáticos americanos – de fato para TODO o seu sistema de segurança de informações – que passou a existir depois do Wikileaks e que vai afetar profundamente todas as formas de recolhimento, de processamento de informações, e de tratamento dessas informações para fins de tomada de decisões dessa grande máquina burocrática que é o maior império de todos os tempos. O império está não somente “nu”, como desprovido de meios de acesso a certas informações sensíveis, que são detidas apenas por seus interlocutores em todos os países e organizações internacionais: os EUA estão SEM INTERLOCUTORES, pelo menos dos que detêm, verdadeiramente, informações sensíveis e valiosas. Todos os seus encontros vão se limitar ao “banal costumeiro”, com comentários absolutamente anódinos, e agora terrivelmente aborrecidos, sobre o tempo, o vento, quão bom e correto é o meu governo, como todas as suas decisões são sábias e apropriadas, e coisas do gênero. Em outros termos, os EUA perderam valiosas fonte de informação, no Brasil e em todos os demais países, para o bem e para mal. Esta é uma tragédia que reputo incomensurável.
A outra tragédia – mas que também pode ser uma piada, dependendo de como se considere o fato – é que os diplomatas americanos, revelados em suas notas espirituosas, algumas maldosas, outras simplesmente óbvias, sobre seus interlocutores, amigos e “inimigos”, deixarão de fazer esses comentários jocosos, mas verdadeiros e sinceros, outros apenas esclarecedores, sobre seus interlocutores e sobre as informações e “análises” que eles forneceram, em caráter obviamente confidencial, numa conversa reservada e cordial. Qual é o embaixador ou ministro conselheiro que vai agregar, depois de sua transcrição fiel da conversa, sua própria opinião sobre o personagem em questão, sabendo que a mesma pode ser revelada em pouco tempo, o que redundará certamente em sorrisos amarelos, pedidos de desculpa ou “rompimento de relações”? Em outros termos, os telegramas confidenciais dos postos e embaixadas se converterão em aborrecidas transcrições de conversas, sem qualquer elaboração complementar a respeito, ou pelo menos sem o colorido e a verve das opiniões sinceras do “produtor” de telegramas, sem qualquer adição de “verdades verdadeiras” (mas incômodas, a qualquer título), que seu responsável poderia fazer a respeito. Ou seja, a “veia literária” – até histriônica – dos diplomatas americanos se encontra singularmente podada, cortada, eliminada por completa, com o que esses expedientes retornam à sua linguagem burocrática, aborrecida, terrivelmente contida, com todo o “politicamente correto” que é capaz de se expressar no “diplomatês” habitual dessas comunicações (que também contêm algumas doses de “bullshitismo”, é verdade). Enfim, vamos perder grandes vocações dramáticas, até intelectuais, com esse retorno a padrões normais da correspondência diplomática, borings como costumam ser esses expedientes.
A tragédia se amplia também para o processo de tomada de decisões nas instâncias apropriadas dos EUA, que agora são obrigadas a tomar novos cuidados quanto ao acesso e disseminação dessas informações. Ou seja, menos pessoas vão estar envolvidas nesses mecanismos e na própria tomada de decisões, o que significa que, com menos informações e menos especialistas participando de todo o processo, o “império” vai errar mais nesse itinerário entre o insumo e sua resposta, e tomará decisões equivocadas ou não apropriadas ao caso. Uma tragédia de dimensões gregas para a máquina de informações e de tomada de decisões que sustenta qualquer império. A última tragédia é a dos historiadores e analistas de arquivos, alguns dos quais ficaram absolutamente – e equivocadamente – maravilhados com essa liberação antecipada de uma massa de documentos “picantes e saborosos” sobre as engrenagens internas do maior império da humanidade – alguns até eufóricos, com a revelação inopinada das “roupas sujas” do império, o que se explica pelo antiamericano habitual em certos meios. Pois é um fato que, dentro de dez anos, os mesmos “garimpadores de arquivos” vão ficar decepcionados com a ausência súbita de informações relevantes na massa de documentos que serão liberados: todos estarão contidos pela tragédia cômico-dramática do Wikileaks, ou seja, não haverá revelações dignas de notas a serem exploradas (pelo menos durante certo tempo, até que as pessoas esqueçam o que ocorreu e o Wikileaks seja apenas um intervalo incômodo numa história diplomática bem mais ampla e interessante).
Em síntese, poucas revelações do Wikileaks podem ou devem ser consideradas apenas no contexto bilateral Brasil-EUA, e mesmo as que se situam no plano estritamente bilateral não são suscetíveis de influir decisivamente no perfil, substância ou direcionamento dessas relações, embora possa haver um curto-circuito temporário nas conversas de bastidores que sustentam, diplomaticamente, essas relações.
A nova seletividade dos contatos entre as duas diplomacias
Certamente que ministros, altos funcionários do governo, e simples diplomatas passam a ser, depois do Wikileaks, extremamente seletivos e cuidadosos na abordagem de todo e qualquer assunto com seus parceiros ou interlocutores oficiais americanos. Poucos se mostrarão dispostos a falar sinceramente de seus assuntos correntes, e menos ainda serão aqueles dispostos a falar sinceramente sobre os temas de suas agendas respectivas, ou menos fazer comentários jocosos sobre colegas ou conhecidos, sem mencionar que pequenos e grandes segredos, hipócritas ou não, serão deixados convenientemente de lado, pois ninguém está disposto a correr o risco de ver estampadas na imprensa esses comentários picantes ou sinceros sobre os temas da conversa. Somente aflorarão amenidades e banalidades, sobretudo no que se refere às análises e opiniões sobre governos amigos e menos amigos. Como, por exemplo, dizer que tal candidato a caudilho de algum país vizinho é histriônico, patético ou francamente antidemocrático, quando isso pode afetar as relações bilaterais do Brasil – ou mais importantes, negócios de grandes companhias brasileiras – com esse país, oficialmente aliado ou até “parceiro estratégico” do governo em vigor? Todo mundo vai ser amigo, até prova em contrário.
É previsível, assim, até esperado, que as relações normalmente “desconfiadas” entre o grande líder hemisférico e global e o grande candidato a líder regional se tornem ainda mais “desconfiadas” a partir de agora, com uma “contenção” acima do normal nos diálogos formais e nas conversas de coquetel entre representantes dos dois lados. Todos vão se olhar desconfiados e o mais previsível que ocorra são variações deste tipo: os brasileiros se recusarão a expressar suas opiniões pessoais, e até certas visões oficiais, sobre os temas na pauta da conversa, temerosos de revelações indevidas, e os americanos redatores de expedientes se conterão em expressar suas opiniões, além e acima da transcrição dessas conversas aborrecidas, deixando de lado, justamente, o lado bom – e talvez até o mau e o feio – desses expedientes, que seria o acréscimos de suas percepções pessoais sobre o tema e os interlocutores em pauta.
Desconheço se alguma instrução do gênero “não falem mais nada com esses americanos trapalhões” tenha sido expedida, ou feita em caráter não oficial a todos os interlocutores potenciais dos representantes do império no Brasil, mas suspeito que, sponte sua, os “visados” brasileiros passaram a ser muito mais seletivos nos seus encontros formais e informais, abertos e confidenciais, com esses representantes, e muito mais comedidos na expressão livre de suas opiniões – além e acima da versão oficial, geralmente inútil – sobre os temas das relações bilaterais e assuntos paralelos. Entre os diplomatas a contenção já era de rigor, pois são seres normalmente recatadas, discretos, quase repetitivos – tipo “la voix de son maître”, ou “hora do Brasil” – que se limitam a expressar a versão oficial, mesmo quando não acreditam nela, de qualquer assunto. Os demais interlocutores, da vida “civil”, deixarão de receber com o mesmo encanto os convites do embaixador americano para jantares e recepções, ou, se continuarem a aceitar, vão se tornar aborrecidamente anódinos em seus comentários, lembrando-se, justamente, das desventuras de algum colega flagrado pelo Wikileaks em alguma frase menos politicamente correta, digamos assim. Ou seja, as conversas daqui para a frente vão se tornar aborrecidamente dormitivas, sem as emoções da fase pré-Wikileaks.
Wikileaks-Brasil: um impacto negativo, mas limitado
O impacto da revelação dos documentos, tanto quanto se possa julgar pelo que já foi liberado, pode ser considerado como diplomaticamente negativo, embora o impacto global, no conjunto do relacionamento, seja limitado, já que algumas comunicações poderiam ter um efeito ainda mais desestabilizador nas relações bilaterais. Isto se deve a que a interface diplomática não abriga nenhum grande assunto muito sensível.
O Brasil, com exceção da venda de aviões militares, não possui, a rigor, nenhum grande tema de interesse bilateral que se situe num nível de segurança e de importância estratégica com os EUA que poderia ter sido impactado por alguma revelação mais contundente a partir dessas “fugas Wikileaks”. Todo e qualquer expediente confidencial é concebido para permanecer confidencial durante um tempo adequado, pois o tema representa, supostamente, informações não exatamente sensíveis, mas importantes, ao revelarem percepções e tratamento de determinados assuntos que são melhor conduzidos se o processo que conduz à tomada de decisão não for exposto de modo claro. Esta é uma lógica do tratamento burocrático das informações e decisões em qualquer governo que merece e deve ser respeitada.
Todo e qualquer governo é formado por pessoas que possuem diferentes percepções a respeito de um problema qualquer, que é objeto de tratamento oficial e que será formalizado numa decisão qualquer mais adiante, com uma única versão, a oficial, sendo apresentada como homogênea, consensual, etc. Ora, é evidente que o processo que levou a tal decisão é obviamente contraditório, até  desgastante, e os interesses da outra parte – no caso, os EUA e sua interface com o Brasil – podem estar sendo contemplados com maior ou menor grau de “aderência”. Ao desvendar os bastidores desse processo, o Wikileaks revela as contradições inerentes a todo e qualquer processo governamental, como opiniões pró e antiamericanas, para simplificar uma questão bem mais complexa.
Tomemos, como exemplo, o caso mais importante, justamente, o da venda de aviões militares. Além e acima de aspectos mais nebulosos ou até corriqueiros do assunto – preparação dos relatórios técnicos a respeito dos aviões concorrentes, questões técnicas, de desempenho tático ou operacional, ou, mais importante ainda, transferência de tecnologia e custo total, direto e indireto, de toda a operação –, existem aspectos propriamente políticos – e até “ideológicos”  – envolvidos numa operação gigantesca como essa, que podem afetar, decisivamente, todo o curso do negócio. Ora, que o governo brasileiro seja mais ou menos antiamericano, que “ decisores decisivos” sejam mais influenciados pela percepção que eles tenham dos EUA – de sua política “imperial”, de seu papel na região, da “subordinação estratégica” e da “dependência”  do Brasil, ou qualquer outro aspecto desse gênero –, tudo isso é  relevante, independentemente do mérito próprio das ofertas, de sua qualidade técnica ou de seu custo financeiro estrito senso. O governo americano pode estar se movimentando, além e à margem dos encontros oficiais, para lograr obter vitória na oferta de suas empresas, o que é normal e esperado de qualquer governo que defende o interesse de sua economia – e até de seu planejamento de segurança estratégica – em negócios desse tipo. Os governos francês e sueco – e outros, antes deles – também fazem e devem continuar fazendo exatamente o mesmo, com maior ou menor sucesso, justamente, em função do ativismo de seus diplomatas e representantes oficiais envolvidos no negócio. Nada do que disserem americanos e brasileiros em torno desse assunto pode ser considerado irrelevante ou supérfluo num negócio de tal magnitude; nada do que se puder fazer para “influenciar” os decisores corretos, pró-americanos entenda-se, é indiferente ao sucesso da empreitada e a seu resultado final.
Este é apenas um exemplo, entre outros, de temas importantes que podem ser, como talvez já estejam sendo, afetados pelo Wikileaks, com imenso prejuízo para os EUA e seus interlocutores e aliados –  e até seus “inimigos” – no Brasil. Outros temas relevantes são os das relações do Brasil com seus vizinhos imediatos, em especial aqueles que possam ser julgados excessivamente “inimigos” dos interesses do império, ou até amigos voluntários do próprio, na medida em que conversas reservadas, interesses ocultos e posicionamentos internos de chancelarias podem afetar, para o bem e para o mal, relações diplomáticas normais ou até a condução de negócios específicos. Enfim, todo e qualquer tema de chancelaria, de governo num sentido amplo, e até negócios privados, da sociedade civil, podem ser beneficiados ou prejudicados por revelações inesperadas, algumas até “bem-vindas”, outras absolutamente prejudiciais para o curso ulterior dos assuntos.
Mas estas são observações genéricas, até teóricas, sobre o caso Wikileaks nas relações Brasil-Argentina. Um exame mais detalhado do conteúdo de todas as mensagens reveladas até aqui, sua correta interpretação no contexto das relações bilaterais, e sua inserção no quadro mais amplo dos interesses brasileiros e americanos –  cada um de seu lado – em todas as esferas de interesse relevante, até com terceiras partes, poderia trazer um cenário e uma análise mais corretos sobre o papel e a importância real do Wikileaks para essas relações. Como julgamento genérico e superficial do assunto, eu diria que nenhum interesse essencial nesse plano bilateral foi afetado pelas revelações e – desconfortos pessoais não obstante e à parte – as relações não devem ser afetadas significativamente agora e no futuro imediato. Todos os assuntos são corriqueiros e todos os preconceitos e peculiaridades das relações foram revelados, por vezes de modo canhestro e desconfortável, e até confirmados pelo Wikileaks. Não creio que exista qualquer “potencial explosivo”  nessas revelações.
Concluindo, eu reafirmaria um julgamento anterior já feito sobre todo este assunto: o Wikileaks representa um tesouro para os jornalistas, uma tragédia para a diplomacia americana e algumas “trouvailles”  temporariamente interessantes para os historiadores da área, que serão, no entanto, “penalizados” mais adiante, dado que as fontes vão “secar” de modo perceptível.
A vida segue adiante, com ou sem Wikileaks…
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.orgpralmeida@mac.com).

terça-feira, 23 de abril de 2013

Wikileaks paraguaio nao previu as eleicoes: nao se pode acertar tudo...


ePublica, 22/04/2013

Horácio Cartes, o presidente eleito no Paraguai pelo partido Colorado no último domingo, foi investigado pela DEA, a agência anti-drogas americana, como traficante de narcóticos e dono de um grande esquema de lavagem de dinheiro internacional, baseado na tríplice fronteira – Brasil, Argentina e Paraguai. Em 2009, seu grupo chegou a ser infiltrado por agentes da DEA em uma operação secreta batizada de “Coração de Pedra”.
Um documento diplomático da embaixada americana em Buenos Aires, de 5 de janeiro de 2010, vazado pelo WikiLeaks, descreve os pormenores da operação policial. O objetivo era “interromper e desmantelar a operação de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro na área da tríplice fronteira entre Argentina, Paraguai e Brasil, e em outras partes do mundo”.
À época em que o documento classificado como “confidencial – não para estrangeiros” foi escrito, a investigação havia “estabelecido ligações entre tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e outras organizações criminosas”, tendo como alvo específico Horácio Cartes. Sete agências do governo americano trabalharam na investigação, incluindo o escritório da DEA em Buenos Aires, a equipe de investigação financeira da força-tarefa de crime organizado e a divisão de confisco de dinheiro lavado do Departamento de Justiça – contando com o apoio do Banco Central (Federal Reserve Bank), da Procuradoria-Geral dos Estados Unidos, e da divisão de controle de bens estrangeiros do Tesouro Americano.
O documento cita uma investigação sobre lavagem de dinheiro no banco Amambay, de propriedade de Cartes. Após uma investigação inicial, Cartes foi designado como “Alvo Organizacional de Prioridade Consolidada” (CPOT, na sigla em inglês). Para o governo americano, nomes incluídos na lista de Alvo Organizacional de Prioridade Consolidada, editada todo ano pelo Departamento de Justiça, representam “as organizações mais significativas de tráfico de drogas internacional que ameaçam os Estados Unidos”.
Infiltrando o grupo de Cartes – com identidade falsa
Usando a estratégia de aproximação para alvejar o comando internacional e os centros de controle dessas organizações criminosas baseadas na Tríplice Fronteira, agentes enfocaram as atividades investigativas em um esforço para desenvolver essa investigação com o objetivo de apresentar um agente disfarçado da DEA ao CPOT designado Horacio CARTES”, explica o documento. “Através da utilização de uma fonte colaboradora da DEA em Buenos Aires e outros funcionários da DEA disfarçados, agentes se infiltraram no empreendimento de lavagem de dinheiro de Cartes, uma organização a qual se atribui a lavagem de uma grande quantidade de dinheiro dos Estados Unidos, gerada por meios ilegais, inclusive por meio da venda de narcóticos da Tríplice Fronteira para os Estados Unidos”.
A partir daí, o plano teria três etapas. Primeiro, os agentes iriam se aproximar de William Cloherty, lobista de Cartes em Washington e diretor da Tabacos USA Inc., de propriedade do recém-eleito presidente paraguaio. “Acredita-se que Cloherty tenha uma perspectiva histórica de operações de tabaco entre o Paraguai e os Estados Unidos e, mais diretamente, informações que digam respeito à produção e venda de tabaco e à movimentação de dinheiro obtido com o negócio de Cartes”. Depois, seria a vez de “apresentar um segundo agente disfarçado a Cartes” e a seus representantes Osvaldo Gane Salum – que também é do partido Colorado – e Juan Carlos Lopez Moreira – que atualmente encabeça a equipe de transição do governo. O agente infiltrado portaria documentos falsos, como relata o documento: “Para cumprir com essa tarefa, os documentos do agente disfarçado precisam ser obtidos. Isso será realizado nas próximas semanas por membros envolvidos na investigação”.
A DEA utilizaria “técnicas de investigação básicas, como entrevistas, debriefings, verificações de registros e possíveis encontros de agentes disfarçados”. O objetivo final era “interromper e desmantelar a organização de tráfico de drogas de Cartes”.
Phillip Morris e British Tobacco contra Cartes
A intrincada e custosa operação “Coração de Pedra” foi planejada em um belo resort na cidade do Panamá durante 3 dias – entre 6 e 9 de dezembro de 2009.
O encontro foi realizado para compartilhar informações entre as agências citadas e empresários do ramo de tabaco – e coordenar um plano de “ataque”. Além das agências envolvidas – incluindo agentes da DEA de Assunção, Lima e Buenos Aires – estavam representantes das empresas líderes do mercado americano: Ewan Duncan, Terry Hobbs e Richard Pandohie, da British American Tobacco; Russell, da Reynolds American; Derek Ogden, da Imperial Tobacco; e Dave Zimmerman e Mike Grogan, da Phillip Morris USA.
A seguir, o documento traz dados sobre Cartes, “chefe da organização de lavagem de dinheiro”, e sobre pessoas ligadas a ele que também deveriam ser investigadas, como a empresa Tabacos USA, INC, cujos sócios são, além do presidente paraguaio, sua irmã Sarah Cartes e William Cloherty– esse, também “lobista”. Também são listados os sócios diretos de Cartes, Osvaldo Gane Salum e Juan Carlos Lopez Moreira, qualificados como “membros da organização criminosa envolvida na importação de cigarros falsificados da América do Sul para o território continental dos EUA”.
O texto finaliza dizendo que os escritórios da DEA em Assunção e Buenos Aires “irão continuar a trabalhar juntamente com todos os outros escritórios interessados em desenvolver agressivamente essa investigação”.
Não há infomações sobre o desfecho da operação Coração de Pedra e o governo americano não se pronunciou sobre o caso.
O cartel de Sinaloa bate à porta
Outro documento do WikiLeaks levanta uma suspeita ainda mais preocupante sobre o novo presidente do Paraguai. Trata-se de um despacho da embaixada de Assunção de 15 de outubro de 2008, intitulado “O rei da efredrina é preso no Paraguai”. O documento confidencial relata que a agência anti-narcóticos paraguaia – que é financiada e treinada pela DEA americana – havia detido três cidadãos mexicanos, incluindo o suposto líder do tráfico de efedrina do cartel de Sinaloa, maior cartel de drogas mexicano na atualidade.
Segundo o documento, o mexicano Jesus Martinez Espinosa, que já era investigado pelo governo argentino pela morte de três empresários ligados ao tráfico de efedrina, foi preso juntamente com dois outros mexicanos membros do cartel, Jorge Almanza Guzman e Leobardo Gaxiola, depois que o último foi pego no aeroporto de Assunção com 5,6 quilos de efredrina escondido em pacotes de chá.
Martinez, preso em seguida no hotel em que estava na capital “disse às autoridades que tinha planos de investir no Paraguai em parceria com um empresário paraguaio chamado Cartes, mas se recusou a dar mais informações”, segundo o documento. “Ele disse que estava planejando investir no setor turístico, em uma cadeia de restaurantes, e importação-exportação de carros americanos”.
Após a prisão, Jesus Martinez Espinosa foi extraditado para a Argentina, onde foi condenado, no ano passado, a 14 anos de prisão por tráfico de efedrina.
Procurado pelo jornal ABC Color, Horacio Cartes negou que seja ele o empresário mencionado no documento do Wikileaks. Também afirmou que, depois do vazamento, reuniu-se com os embaixadores de países da América do Sul para exlicar que todas a suas atividades são legais. Ele disse que procurou a embaixada americana, e saiu de lá “satisfeito”. 
Questionado repetidamente pela imprensa nacional e internacional sobre possíveis vínculos com narcotráfico, o empresário nega veementemente.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Wikileaks Brasil-EUA:mas que injustica com a "Justica" brasileira...

Esta vai ser difícil de engolir, para gregos e goianos, ou seja, para os dois lados e vários outros lados também, inclusive os AAs (não, não são os alcóolicos anônimos, e sim os anônimos adesistas): esperamos agora sorrisos amarelos de parte e outra, desculpas de um lado, frieza de outra, e vamos em frente, que a vida é assim mesmo...
Paulo Roberto de Almeida


Carta de embaixador dos EUA mostra preocupação com corrupção no governo Lula

Documento de diplomata americano foi revelado pelo site WikiLeaks esta semana

Jamil Chade / CORRESPONDENTE / GENEBRA
O Estado de S.Paulo, 09 de setembro de 2011 | 0h 05
A diplomacia americana considera que a corrupção durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva era "generalizada e persistente" e atingia todos os Três Poderes. A avaliação foi revelada em uma carta enviada há um ano e meio pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, ao procurador-geral americano, Eric Holder.
Na carta, que servia como uma preparação para a visita de Holder ao Brasil, Shannon fez ainda um raio X da Justiça brasileira, acusando-a de "despreparada" e "disfuncional". O documento foi revelado esta semana pelo WikiLeaks.
Essa não é a primeira revelação sobre os comentários da diplomacia americana sobre a corrupção no Brasil. Documentos de 2004 e 2005 revelaram a mesma preocupação e mesmo o risco de os escândalos do mensalão acabarem imobilizando o governo.
Mas o que fica claro é que, mesmo no último ano do governo Lula, a percepção americana não havia mudado sobre a presença da corrupção na administração. E o fenômeno não se limitaria aos Três Poderes. Segundo Shannon, as forças de ordem também seriam prejudicadas por "falta de treinamento, rivalidades burocráticas, corrupção em algumas agências e uma força policial muito pequena para cobrir um país com 200 milhões de habitantes".
Outra constatação da diplomacia americana foi sobre os problemas enfrentados pela Justiça no Brasil. "Apesar de muitos juristas serem de alto nível, o sistema judiciário brasileiro é frequentemente descrito como sendo disfuncional, permeado por jurisdições que se acumulam, falta de treinamento, burocracia e atrasos", escreveu o embaixador.
Para Shannon, "polícia, procuradores e juízes precisam de treinamento adicional" no Brasil. "Procuradores e juízes, em especial, precisam de treinamento básico para ajudá-los a caminhar em direção a um sistema acusatório mais eficiente", escreveu.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Wikileaks: follow the trail (New York Times)

Wikileaks: The organization has published more than 134,000 diplomatic cables in recent days, many including the names of sources.

WikiLeaks Leaves Names of Diplomatic Sources in Cables
By SCOTT SHANE
The New York Times, August 29, 2011

WASHINGTON — In a shift of tactics that has alarmed American officials, the antisecrecy organization WikiLeaks has published on the Web nearly 134,000 leaked diplomatic cables in recent days, more than six times the total disclosed publicly since the posting of the leaked State Department documents began last November.

A sampling of the documents showed that the newly published cables included the names of some people who had spoken confidentially to American diplomats and whose identities were marked in the cables with the warning “strictly protect.”

State Department officials and human rights activists have been concerned that such diplomatic sources, including activists, journalists and academics in authoritarian countries, could face reprisals, including dismissal from their jobs, prosecution or violence.

Since late 2010, The New York Times and several other news organizations have had access to more than 250,000 State Department cables originally obtained by WikiLeaks, citing them in news articles and publishing a relatively small number of cables deemed newsworthy. But The Times and other publications that had access to the documents removed the names of people judged vulnerable to retaliation.

WikiLeaks published some cables on its own Web site, but until the latest release, the group had also provided versions of the cables that had been edited to protect low-level diplomatic sources.

Government officials and journalists were poring over the newly released cables on Monday to assess whether people named in them might face repercussions. A quick sampling found at least one cable posted on Monday, from the American Embassy in Australia, had a name removed, but several others left in the identities of people whom diplomats had flagged for protection.

Among those named, despite diplomats’ warnings, were a United Nations official in West Africa and a foreign human rights activist working in Cambodia. They had spoken candidly to American Embassy officials on the understanding that they would not be publicly identified.

The new disclosures are likely to reignite a debate over the virtues and perils of making public the confidential views of American diplomats, some of whom have complained that the leaks have made their work more difficult. The disclosures take place as a federal grand jury in Alexandria, Va., continues to hear evidence in a criminal investigation of WikiLeaks for disclosing classified information.

WikiLeaks said in a statement on Monday that the acceleration in disclosing the cables was “in accordance with WikiLeaks’s commitment to maximizing impact and making information available to all.” The statement suggested that it was intended to counter the “misperception” that the organization “has been less active in recent months.”

The statement said that “crowdsourcing” the documents by posting them will allow people of different backgrounds and nationalities to interpret the cables. It was unsigned, but WikiLeaks’s founder, Julian Assange, generally drafts or approves the group’s statements.

Even as WikiLeaks made its new postings, a German publication reported that an encrypted file containing all of the 251,287 diplomatic cables obtained by WikiLeaks last year had been posted months ago on the Web, and that the password was also available on the Internet. It was unclear on Monday whether anyone had cracked the encrypted file described by the publication, Der Freitag, a small Berlin-based, left-leaning weekly, and had made public previously unpublished material.

A State Department spokesman, Michael A. Hammer, said the department would not comment on the authenticity of the documents released. He said the United States “strongly condemns any illegal disclosure of classified information.”

Last year, WikiLeaks was sharply criticized by human rights activists for disclosing the names of Afghan citizens who had provided information on the Taliban to the American military. It was far more cautious in subsequent releases, using software to strip proper names out of Iraq war documents and publishing versions of the cables after they had been edited by The New York Times and other publications.

The publication of cables began slowly last year, with only 2,500 made public by year’s end, often with redactions. As of last week, the total had reached about 20,000.

But the State Department has always acted on the assumption that all quarter-million cables might become public. A department task force worked with American embassies to review all the leaked cables, quietly warning people named in the cables that they might be in jeopardy. Some especially vulnerable people were given help to move, usually outside their home countries.

Steven Aftergood, an expert on government secrecy at the Federation of American Scientists, said he had reviewed several dozen cables from the new batch — all among those classified “secret” by the State Department — and found only one redaction. He said the volume of the new release made it unlikely that all the information that might endanger diplomatic sources had been removed.

“If these cables have not been carefully reviewed, it’s likely to be problematic for any number of people named in the cables,” Mr. Aftergood said.

Ravi Somaiya contributed reporting from London.
A version of this article appeared in print on August 30, 2011, on page A4 of the New York edition with the headline: WikiLeaks Leaves Names of Diplomatic Sources in Cables.

sábado, 20 de agosto de 2011

Wikileaks Brasil-EUA: o Itamaraty no meio do caminho

Amorim: a pedra no meio do caminho
Por Marina Amaral e Natalia Viana
ePublica, 18/08/2011 06:00:26

Os documentos vazados pelo Wikileaks revelam como o serviço diplomático americano elaborou uma estratégia para (não) lidar com o ex-chanceler e hoje ministro da Defesa Celso Amorim, que chamavam de “esquerdista” . Ao mesmo tempo, a diplomacia dos EUA tinha Nelson Jobim como fonte e recebia apoio de integrantes do governo e das forças militares.

Aos olhos do serviço diplomático americano, em especial durante a era George W. Bush (2001-2009), a posição mais independente do Ministério das Relações Exteriores (MRE) capitaneado por Celso Amorim parecia uma constante provocação.
Nos telegramas vazados pelo parceiro da Pública, o WikiLeaks, o MRE é visto “com inclinações antiamericanas” que impedem a melhoria das relações com o governo brasileiro e que tem, além de um “acadêmico esquerdista” (Marco Aurélio Garcia) que aconselha o presidente Lula, um ministro “nacionalista” (Celso Amorim) e um secretário-geral “antiamericano virulento” (Samuel Pinheiro Guimarães).
“Manter a relação político-militar com o Brasil requer atenção permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação bilateral no hemisfério”, desabafava em novembro de 2004, o embaixador do partido republicano John Danilovich, um dos dois diplomatas que receberam a embaixada em Brasília como “recompensa” por levantar centenas de milhares de dólares para a campanha presidencial de Bush.
Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou catequizar Celso Amorim sobre a ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava a toda a América do Sul. A resposta foi “clara” e “seca” na descrição do americano. “Nós não vemos Chávez como uma ameaça”, respondeu Amorim. “Não queremos fazer nada que prejudique nossa relação com ele”, afirmou. O embaixador finaliza o documento em tom desapontado: o Itamaraty não “comprou” a ideia americana.
Sobel, o sucessor
Sai Danilovich entra Clifford Sobel, também republicano e ligado aos Bush. Sobel soube escolher melhor de quem se aproximar: do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, que virou interlocutor contumaz do embaixador, a ponto de confidenciar sua irritação com o MRE – compartilhada pelos EUA – em especial com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
Jobim tornou-se peça vital em uma estratégia diplomática americana que explorava a divisão dentro do governo em benefício próprio. Em fevereiro de 2009, com Barack Obama presidente dos Estados Unidos, Sobel enviou uma série de três telegramas com o significativo título de “Compreendendo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil”.
Neles, pensava uma estratégia para contornar o triunvirato “esquerdista” que já incomodava os planos do seu antecessor. “Juntos com o presidente Lula, eles (Amorim, Guimarães e Garcia) têm puxado o MRE para direções inabituais e, às vezes, diferentes entre si”, pontua Sobel.
“Enquanto tentamos aprofundar nossas relações, a dinâmica ideológica faz com que o Itamaraty seja, às vezes, um parceiro frustrante”, assinala o embaixador, esperançoso com a aposentadoria próxima de Pinheiro Guimarães e com a possibilidade de influenciar os diplomatas mais jovens que ocupariam os futuros postos de comando.
O primeiro telegrama ainda trata da proximidade entre Amorim, “um esquerdista mais afeito às delicadezas diplomáticas”, e Guimarães “adepto de posições radicais como a de que o Brasil precisa de armas nucleares para se impor no cenário internacional”.
A indicação de Amorim para o cargo teria sido obra de Pinheiro Guimarães, ao contrário do que sugeriam suas posições hierárquicas. “Um diplomata aposentado contou a nossos conselheiros políticos que a influência e independência de Guimarães deve-se ao fato de ter sido o primeiro escolhido pelo PT para o MRE. Como ele achava que seu nome não seria aprovado pelo Congresso, indicou Amorim para o cargo e escolheu para si o posto de secretário-geral. Além de ligações familiares, a filha de Guimarães é casada com o filho de Amorim. Essa história explica sua autoridade desmedida e substancial autonomia”, fofocou o embaixador.
Escanteando o Itamaraty
O certo é que Sobel via o MRE como “um desafio” para os EUA. O jeito, sugeriu, seria fazer aliança com os setores privados, que têm “habilidade para conseguir aprovar iniciativas junto ao governo”, além de tentar uma aproximação direta com o presidente Lula e outros ministros que poderiam defender a causa americana.
Essa é uma “estratégia testada”, afirma Sobel, citando entre outros exemplos o caso da transferência dos agentes da Drug Enforcement Administration (DEA), a agência americana de combate às drogas, que foram expulsos da Bolívia no final de 2008.
As conversas com setores do governo brasileiro começaram em seguida do presidente boliviano Evo Morales expulsar cerca de 30 oficiais da agência, que centralizava a guerra contra as drogas, acusando-os de espionagem.
A DEA, de fato, faz parte do aparato de inteligência americano. Para realocá-los, Sobel evitou o caminho protocolar, que seria dialogar com Virginia Toniatti, diretora de crimes transnacionais do Itamaraty (COCIT), figura “geralmente resistente à cooperação com os EUA”.
Um relatório escrito pela conselheira da embaixada dos EUA, Lisa Kubiske, no final de dezembro de 2008, conta que Sobel discutiu o aumento do pessoal da DEA com Tarso Genro, então Ministro da Justiça e com o Ministro-chefe de Segurança Institucional, general Jorge Félix, além de debater de maneira “extensiva” com a Polícia Federal, que apoiou “completamente” a transferência.
“A embaixada evitou propositalmente pedir permissão formal para aumentar (o número) de escritórios (da DEA), já que (um pedido) não é estritamente necessário para aumentar a equipe em escritórios já existentes, e somente o MRE poderia garantir isso”, escreve Kubiske.
Isso porque esse tipo de requerimento teria que passar por uma nota diplomática por meio da diretora de crimes transacionais e, de novo, pelo secretário-geral do MRE e “ambos provavelmente atrasariam o pedido”.
Sobel explica que o Itamaraty, ao saber da estratégia, tentou evitar a vinda dos presumidos espiões da DEA. “Apesar da recusa do MRE de conceder vistos aos agentes americanos, conseguimos realizar a transferência com a ajuda da Polícia Federal, da Presidência da República e de nossas excelentes relações com o Ministro da Justiça”, explica, orgulhoso do feito. Segundo ele, a transferência também teve o apoio do governo boliviano.
De olho nos novatos
O segundo dos três telegramas da série sobre o MRE é dedicado à falta de recursos humanos e financeiros do Itamaraty que, diante do crescimento do papel internacional do Brasil, se expandiu entre 2003 e 2009, com a abertura, por exemplo, de 44 novas unidades administrativas em Brasília e 17 novas embaixadas brasileiras na África.
Para a diplomacia dos EUA o emprego de “trainees e terceiros-secretários” sem condições de acompanhar os movimentos de Lula no cenário internacional era vista com bons olhos.
“É crucial influenciar essa nova geração de diplomatas que, embora nacionalistas, estão mais abertos a considerar que a cooperação entre EUA e Brasil pode coincidir com os interesses de seu país”, assinala o embaixador.
“Os franceses instituíram um programa de intercâmbio diplomático com o Itamaraty em 2008, semelhante ao nosso Transatlantic Diplomatic Fellowship. Acreditamos que uma proposta similar seria válida tanto para conseguir um posto que nos permita observar de dentro o funcionamento desse ministério-chave, como para fazer os diplomatas brasileiros entenderem como os EUA executam sua política externa”.
Seguindo a estratégia de contornar Amorim, o terceiro telegrama trata da “concorrência entre agências do governo”. De acordo com a análise de Sobel, embora o MRE continuasse a ser o líder da política externa brasileira, o crescimento internacional do país tendia a erodir seu controle à medida que os temas se expandissem.
A oportunidade americana seria facilitada diante da falta de hábito das instituições brasileiras em lidar diretamente com governos estrangeiros. “Muitos ministros se autocensuram, impedindo-se de estabelecer relações com outros governos sem a luz verde do Itamaraty”, lamenta, citando como exemplo o Ministério do Trabalho e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
No entanto, alguns ministérios como o do Meio-Ambiente (à época chefiado por Carlos Minc) e, principalmente, o da Defesa “estabeleceram relações diretas” com a embaixada brasileira, comenta Sobel.
Um telegrama enviado em 31 de março de 2009, depois da visita do presidente Obama ao Brasil, dá um exemplo prático. Pedindo sigilo absoluto de fonte, o embaixador conta que Jobim estava ciente da oferta de Lula a Obama de buscar caminhos para contribuir com o combate ao narcotráfico na região, possivelmente por meio do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) criado em dezembro de 2008 pela União Sul-Americana de Nações (UNASUL).
“Ele disse que o CDS poderia ser o canal perfeito para conseguir o engajamento dos militares dos outros países diretamente com a presidência do Brasil (sem passar pelo MRE) e que planejava falar com o presidente nas próximas semanas”, escreve Sobel.
Jobim também informou a disposição em envolver os militares na luta contra o tráfico de drogas nas fronteiras brasileiras. E contou que o presidente Lula teria lhe pedido que fosse ao México, a pedido do presidente Calderón, para discutir a colaboração entre os governos nesse tema.
“O Brasil hesita em empregar os militares no combate ao narcotráfico tanto por sua história como pela possibilidade de corrupção. O plano de Jobim sinaliza um grande passo, uma vez que o assunto é altamente sensível internamente, no governo, e para o público brasileiro. A intenção de Jobim de trabalhar sem o Ministério das Relações Exteriores traz uma susceptibilidade burocrática adicional a complicada tarefa de conquistar o apoio das outras nações da América do Sul”, comenta Sobel
A compra dos caças

Tudo indica que no episódio das tratativas frustradas de compra dos caças F-X, Jobim e os líderes militares agiram também bem longe dos olhos do Itamaraty.
Os informes diplomáticos sobre a negociação se iniciam em 2004 e estão entre os mais reveladores e numerosos – cerca de 50 telegramas. A comparação entre o que dizem os representantes brasileiros em público e o que cochicham em particular é gritante.
A exceção, nesse caso, foi Amorim, que se posicionou abertamente pela compra dos caças Rafale, da França, tanto pela garantia de transferência de tecnologia feita pelo presidente Nicolas Sarkozy como pelo interesse estratégico na aliança com àquele país o que, para Sobel, se configura como disposição para “desafiar os americanos”.
Jobim, por sua vez, se comportava de maneira dúbia e confundia a diplomacia estrangeira. Em um telegrama intitulado “Brasil e França: amor verdadeiro ou casamento de conveniência”, o embaixador relata a visita da comitiva presidencial à França e à Rússia cujos objetivos “cada vez com mais detalhes” haviam sido confidenciados por Jobim antes da viagem.
“O encontro entre os presidentes Lula e Sarkozy e a visita do ministro Jobim à França desencadearam uma onda de francofilia na política externa brasileira, particularmente em relação a uma parceria estratégica”, escreve Sobel em maio de 2008. “Talvez seja mais um ‘marriage blanc’ do que ‘amour veritable’”. Numa tradução livre, um “casamento de fachada e não amor verdadeiro”.
Sobel continua: “Nos encontros privados, Jobim minimizou a relação com a França e manifestou um claro desejo de ter acesso à tecnologia americana. O obstáculo é a resistência do MRE. Ele diz que o governo brasileiro acha a aliança com a França mais conveniente politicamente e considera que o país tem mais a ganhar com a tecnologia americana”.
Em um telegrama de janeiro de 2009, pouco depois da eleição de Obama, Sobel conta ter sido convidado a ir à casa do então ministro da Defesa para um encontro privado. Jobim teria dito que as relações de defesa entre Brasil e França prosperaram por causa da relação pessoal entre os presidentes Sarkozy e Lula, mas que o presidente brasileiro estaria interessado em conversar sobre assuntos estratégicos com o novo governo americano.
Disse ainda que “Jobim acrescentou que Lula ‘usa’ o ministro Amorim, mas não tem uma relação forte com ele, e que o presidente não gosta de Samuel Pinheiro Guimarães”.
Sobel também se reuniu diversas vezes com os comandantes das Forças Armadas para pedir “conselhos” e ouvir sua opinião sobre as chances dos caças da Boeing vencerem a concorrência de quase 10 bilhões de reais. “Os apoiadores mais fortes do Super Hornet (o F-18 americano) são as lideranças militares, em particular o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, que considera a oferta da Boeing o melhor negócio e vê as Forças Armadas americanas como a melhor escolha para uma parceria com o seu país”, escreve em telegrama de janeiro de 2009.
Durante um jantar oferecido ao comandante americano Doug Fraser, em julho do mesmo ano, o brigadeiro Saito teria puxado Sobel e seu conselheiro político de lado para discutir a aquisição dos caças. “Ele disse que não havia dúvida do ponto de vista técnico sobre a superioridade do F-18: ‘Há décadas voamos em equipamentos americanos e sabemos o quanto eles são bons e fáceis de manter’”.
Saito então pediu que o governo americano enviasse uma carta ao governo brasileiro se comprometendo a transferir tecnologia além de reiterar a importância da aproximação de Lula e Obama para o negócio.
Em outro telegrama, o embaixador conta ter obtido “uma cópia não oficial” de uma Requisição de Informações da Aeronáutica (passada eletronicamente para Washington) que “permite planejar os próximos passos para os EUA vencerem a negociação”.
Além de classificar o F-18 como uma aeronave testada em combate “com incomparável segurança e durabilidade”, e de garantir que o preço não seria o principal critério da escolha da Aeronáutica, a informação mais importante obtida pelo documento é de que a Embraer, “principal beneficiária de qualquer transferência de tecnologia”, consideraria “desejável a oportunidade de estabelecer uma parceria com a Boeing”, principalmente se a companhia americana “tivesse a intenção de oferecer uma cooperação adicional na área da aviação comercial”.
Se os telegramas tivessem vazado anteriormente, seria embaraçoso para a Aeronáutica sustentar o relatório apresentado em janeiro de 2010 pela Força Área Brasileira (FAB) ao ministro Jobim que colocava o caça sueco em primeiro lugar na preferência, exatamente por causa do preço e custo de manutenção.
Naquele momento, o documento foi interpretado pela imprensa brasileira como uma “derrota” do governo, nitidamente favorável ao caça francês, classificado em terceiro lugar, atrás dos americanos.
O relatório teria sido modificado dias depois por “pressão do Planalto”, de acordo com a imprensa, para melhorar a posição do caça francês, afirmando que, apesar dos suecos serem mais baratos, o Rafale e o F-18 têm tecnologia superior.
Haiti, exceção a regra
Pouco depois do lançamento dos documentos do WikiLeaks, Amorim minimizou as revelações, dizendo que “ou são irrelevantes, ou eu já sabia, ou tem um valor às vezes de fofoca”.
Quanto às críticas ao Itamaraty, disse que a instituição sempre foi vista com reservas pelos diplomatas estrangeiros, por ser “a primeira linha de defesa da soberania”. “Eles não gostam de tratar diretamente com o Itamaraty. Não são só os am ericanos, não. É qualquer diplomata estrangeiro”.
Durante sua gestão, no entanto, a exceção a regra que aproximou o Itamaraty dos EUA foi o Haiti. Amorim foi favorável ao envio das tropas brasileiras – e da subsecretária para assuntos políticos do Itamaraty, Vera Pedrosa, que ajudou a assegurar à embaixada americana que o Brasil iria agir, mesmo que tivesse que “dar um jeitinho”.
Segundo um telegrama de março de 2004, Vera explicou que tradicionalmente a interpretação é de que a Constituição brasileira só permite enviar tropas em casos previstos no capítulo VI do Estatuto da ONU, ou seja, em operações de manutenção de paz – enquanto o caso do Haiti se encaixava no capítulo VII, que significa uma missão de imposição de paz. Por conta do grande interesse político do governo brasileiro em participar, Vera teria dito que a situação é “manejável”.
Um ano depois, outro comunicado diplomático indica que Amorim insistiu, pessoalmente, junto a Danilovich, para que os EUA enviassem verbas para projetos humanitários que deveriam se seguir aos ataques “robustos” da Minustah (a força de paz da ONU) contra as gangues na capital do país.
Amorim teria dito ser necessário “contrabalancear reações negativas com uma mensagem forte que focasse na assistência e estabilidade que a Minustah e a comunidade internacional estão tentando trazer ao Haiti”.
Sob forte pressão americana, que chegou a pedir a cabeça do comandante das tropas brasileiras, Augusto Heleno Pereira, o Brasil engajava-se cada vez mais em ações contra rebeldes e gangues haitianas.
Em março de 2007, em reunião com o sub-secretário de Estado norteamericano William Burns, Amotim teria dito que o Barsil estava no Haiti em um “compromisso de longo prazo” e que “a experiência no Haiti tem sido um exemplo positivo de cooperação Brasil-EUA, apesar dos dois governos terem divergido em alguns aspectos específicos da missão”.
Depois do terremoto que devastou o Haiti, em janeiro de 2010, o ex-chanceler reclamou da presença de milhares de marines americanos, enviados para conter a situação de emergência. “A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), liderada pelo Brasil, deve ser a única força estrangeira no país caribenho, assim que for superada a crise”, disse em entrevista ao diário espanhol El País.
Agora, como o novo ministro da Defesa, Amorim parece ter mudado de opinião. No dia 1 de agosto deste ano, defendeu a retirada das tropas brasileiras do Haiti. “Claro que não pode ser uma saída irresponsável”, disse, “mas não faz sentido (permanecer)”. E repetiu o discurso, já como ministro, na sua primeira reunião com os comandantes das Forças Armadas.
Atualmente, 2.160 soldados brasileiros homens trabalham em segurança interna no Haiti, atingindo um custo total de 1 bilhão de reais desde 2004.
Se o ministro Amorim cumprir seu desígnio é provável que uma das suas primeiras ações no Ministério da Defesa entre em choque com os intentos do governo americano, que sempre insistiram na permanência da ONU. Uma estreia e tanto.

(texto editado por Thiago Domenici)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Wikileaks Brasil-Peru-EUA: o triangulo pouco amoroso

'Revolution! South America and the Rise of the New Left'
Nikolas Kozloff
Huffington Post, August 15. 2011

WikiLeaks: U.S. and Brazil Vie for Power in Peru

In their correspondence with the State Department, U.S. diplomats in South America have been exceptionally paranoid about the activities of Hugo Chávez and the possibility of a leftist regional alignment centered upon Venezuela. That, at least, is the unmistakable impression that one is left with by reading U.S. cables recently disclosed by whistle-blowing outfit WikiLeaks, and it's a topic about which I have written widely in recent months. Yet, with President Hugo Chávez's health now fading fast and Venezuela looking like a rather spent force politically, it would seem natural that Washington will eventually turn its sights upon other rising powers -- countries like Brazil, for instance.
Judging from WikiLeaks cables, the U.S. doesn't have much to fear from this South American juggernaut in an ideological sense, and indeed leftist diplomats within Brazil's Ministry of Foreign Affairs are regarded as outmoded and anachronistic relics of the past. Nevertheless, Brazil is a rising player in the region and U.S. diplomats are keenly aware of this fact. For the time being, Brazil and the United States maintain a cordial, if not exactly stellar diplomatic relationship. As Venezuela fades and Washington struggles to maintain its crumbling hegemony in the wider region, however, Brazil and the U.S. will inevitably develop rivalries.
This geopolitical competition has fallen somewhat under the radar, but a close reading of WikiLeaks cables lays bare Washington's secret agenda. As far back as 2005 American ambassador to Lima Curtis Struble wrote that the U.S. was enmeshed in an "undeclared contest" with Brazil for political influence in Peru. "We are winning on most issues that count," Struble added, remarking that negotiations over a U.S.-Peru free trade deal had remained positive. However, the ambassador noted ominously, "the government of Brazil is still very much in the game" and had met with some success in pushing for the so-called South American Community of Nations or UNASUR which would diminish U.S. influence.

Run-Up to 2006 Election
Further cables indicate that the Brazilian administration of Luiz Inácio "Lula" da Silva pursued narrow-minded self interest in order to advance Machiavellian geopolitical and economic goals. In the run-up to the Peruvian presidential election in 2006, Brazilian foreign policy advisor Marco Aurelio García visited Peru where he met with members of the Alejandro Toledo administration. During his discussions, García sought to spearhead moves to establish the South American Community of Nations in the face of internal difficulties.
Chief amongst those "difficulties" was none other than Hugo Chávez, a regional rival. In order for the South American Community of Nations to progress, its two constituent parts, namely trading blocs Mercosur and Andean Community, would have to be "stabilized." According to García, however, the Andean Community was in "crisis" due to Chávez's "antics." Speaking to the Peruvians, García recommended that the Toledo government simply "ignore his [Chávez's] diatribes" [privately, the Brazilian added, Lula had helped to "rein in" the Venezuelan leader].
Meanwhile, García opposed Chávez's so-called Bank of the South, an institution designed to counter large financial entities like the International Monetary Fund and World Bank. According to a WikiLeaks cable, the Peruvians agreed that Bank of the South would not be suitable for the new South American Community of Nations. Like García, Toledo officials saw the more conservative Andean Development Fund as a more appropriate mechanism to enhance regional integration.

Handling Humala
García also met with nationalist presidential candidate Ollanta Humala, a kind of Chávez protégé. During the campaign, the Venezuelan leader had provocatively backed Humala while attacking the candidate's chief opponents. At campaign events, Humala had taken a leaf from his political mentor by sporting red T-shirts, calling himself "comandante" and boasting of plans to assert greater state control over energy resources.
None too pleased by Humala's tilt toward Venezuela, García reportedly told the candidate that Brazil disapproved of Chávez's actions which promoted "intranquility" in the region. Moreover, the diplomat remarked that he did not agree with Chávez's notion of countries belonging to different "axes" of powers. García added that he was very concerned about social, political and economic tensions in the Andean region and Brazil was intent on playing a larger stabilizing role.
The meeting took place at Humala's own house and the candidate's wife, Nadine Heredia, took great pains to graciously entertain the Brazilians [perhaps Heredia wanted to reassure her guests in light of her own reported links to Venezuela]. Humala meanwhile "was very polite, upright and not at all a firebrand." The candidate added that he wanted Peru to peacefully co-exist with both the U.S. and Brazil.

A More Assertive Brazil
In the event, Humala must have surely regretted his political associations with Chávez. During the campaign, the Peruvian was widely criticized for his ties to Venezuela, and the connection may have even cost him the election. The man who edged out Humala, former president Alan García, had a previous incarnation as a fiery nationalist. However, García was extremely critical of Chávez during the campaign and as he succeeded to the presidency the veteran politician went out of his way to court Brazil.
According to WikiLeaks cables, Brazil viewed the election as a necessary corrective which would help to restore "regional equilibrium" and to curb Chávez's increased geopolitical profile. In the wake of the contest, Lula met personally with García in Brasilia in what insiders termed a "love-fest." Though both leaders had political origins on the left, García and Lula had long since jettisoned such ideals in pursuit of their respective careers.
Perhaps, Lula sensed that Chávez's star had waned and that it was now time for Brazil to press its own strategic advantage. The Brazilian president stressed the need for greater physical integration between Peru and Brazil, including the dreaded Inter-Oceanic Highway which stood to exacerbate deforestation in the Amazon (for more on this, see my book No Rain in the Amazon: How South America's Climate Change Affects the Entire Planet). The project, which is being carried out by Brazilian construction giant Odebrecht, will ship Brazilian exports to China via Peruvian ports.
Lula also spoke of the need for a regional, military, and political alliance between Peru and Brazil. Lest García get the wrong idea about Brazilian intentions, Lula stressed that his country did not seek regional "hegemony" but merely wanted to transform South America into "a global actor on a par with China and India." Responding to Lula, García candidly admitted that he preferred Brazilian regional hegemony to that of the United States. Peru, the new president added, would surely be interested in forming joint ventures with Brazil and benefiting from Brazilian technological know-how.
Judging from other cables, García sought to extend cooperation in yet other areas. In 2009, U.S. diplomats reported that Lima was interested in purchasing a dozen Super Tucano combat support aircraft manufactured by Brazilian aerospace giant Embraer. Details of the deal were discussed during a Lula visit to Lima, "with a large commercial delegation in tow." The Peruvians may have been prompted to turn to Brazil out of pure frustration with the United States. According to leaked documents, the García government was dissatisfied with the "slow and complicated U.S. defense procurement process and high price tags for U.S. equipment."

Humala Act II
Perhaps recognizing that Chávez's star was on the wane, Humala saw fit to remake himself politically by cultivating greater ties to Brazil. Reporting on Peru's recent presidential election, the New York Times remarked, "in a transformation this year that points to the eclipse of Venezuela by Brazil, Mr. Humala has swapped the red shirts for dark suits, explicitly rejected talk of seizing private companies and celebrated Brazil's market-oriented economic model, while distancing himself from Venezuela's president, Hugo Chávez." In addition, Humala even hired campaign advisers tied to Lula's Workers' Party and paid a whopping four visits to Brazil.
Then, Humala went out of his way to praise Brazilian companies invested in Peru's mines, steel industry and hydroelectric projects, adding that the new boondoggle Interoceanic Highway connecting western Brazil to Peru's Pacific coast was a landmark achievement. Toning down the rhetoric, Humala started to refer to himself simply as Ollanta instead of "comandante." Perhaps, the more moderate image helped Humala, who edged out conservative challenger Keiko Fujimori. As soon as he was elected president, Humala flew to Brazil and met with Lula protégé Dilma Rousseff. It was Humala's first official trip abroad in his new office and sent a clear sign of Peru's geopolitical priorities moving forward.

Vying for Power in Peru
Though Humala continues to forge a partnership with the United States, Brazil could overtake Washington in the Andes. To be sure, Peru has an important free trade agreement with the U.S. and both countries collaborate on combating drug trafficking. However, Humala sees Peru as a crucial Pacific gateway and strategic link between the two mammoth economies of Brazil and China. For years, Brazil and Peru ignored each other diplomatically but now trade has mushroomed into the billions of dollars.
A voracious energy consumer, Brazil is keen on building hydroelectric projects in Peru which would allow the South American juggernaut to stop importing diesel fuel and produce electrical power instead. A proposed 600 mile natural gas pipeline meanwhile is due to connect Peru's Camisea field with a petrochemical plant proposed by Odebrecht. Additional firms are operating port concessions and even steel operations. The owner of Brazilian company Gerdau, which acquired Peru's largest steel plant, is a friend to both Lula and Rousseff. What is more, an additional Brazilian operation has purchased Peru's largest metal refinery, Cajarmarquilla, which produces indium, a material used to manufacture flat-screen televisions and computer monitors.
In time, might Peruvian nationalists turn against Brazil? The more Brazil inserts its tentacles into the Andean region, the greater the risk that the South American giant will ruffle feathers and local sensibilities. Already, one hydro-electric project has led to major opposition and some fear that Humala might favor the Brazilians excessively as 80 percent of the operation's 2,000 megawatt output would be allocated to its giant South American neighbor.
Moreover, Brazil hardly has a sterling record when it comes to hydro-electric power (for more on this, recall the controversy swirling around Hollywood director James Cameron), and one proposed Peruvian dam on the Inambari River would flood 158 square miles of rain forest, displacing some 7,000 people in the process. Old foreign policy hand Marco Aurelio García, who now serves as Rousseff's top foreign policy adviser, and who had earlier warned Humala about cozying up too much to Chávez, has declared that the project is "very important" for Brazil. Humala meanwhile says that locals' needs will be respected when it comes to deciding whether to move ahead with the project. That is, for the time being.

Christ Statue of Lima
Overlooking the Pacific cliffs of Lima hangs a potent symbol of Brazil's rise on the world stage: a towering statue of Jesus which at first glance looks remarkably similar to Rio de Janeiro's Christ the Redeemer, a famous icon lying on the Atlantic side of the continent. The statue, which rises 118 feet into the air, was sculpted in Brazil at a cost of $1 million and the cost was footed almost entirely by Brazilian construction conglomerate Odebrecht.
The "Christ of the Pacific" statue was erected even before Humala came into power by outgoing president Alan García, and there was no public consultation surrounding its construction. For Lima Mayor Susana Villarán, the donated Christ statute is a tasteless eyesore, while Humala has diplomatically remarked that the structure "would improve the Lima panorama." Odebrecht told the Associated Press defensively that it funded the statue because it "contributes to the diffusion of artistic expression" wherever it does business and because the statue could promote tourism for the poor who live in the vicinity.
In a tweet, Peruvian playwright César de María exclaimed, "I have nightmares in which I see that Peru's president is Odebrecht and all we do every five years is elect its representative." Speaking to Caretas magazine, outgoing Brazilian ambassador to Peru Jorge Taunay remarked "there is not the least risk of Peru becoming a satellite. It's not in Brazil's nature." Others, including Guillermo Vásquez, a retired professor at Peru's Center for Advanced National Studies, is alarmed by Brazil's presence but is resigned to his country's fate. "Brazil is coming," he told the Associated Press. "What are we going to do about it?"

Nikolas Kozloff is the author of Revolution! South America and the Rise of the New Left and No Rain in the Amazon: How South America's Climate Affects the Entire Planet. Visit his website, www.nikolaskozloff.com

domingo, 17 de julho de 2011

Wikileaks-Brasil: todos os documentos estao disponiveis (Publica)

WIKILEAKS: TODOS OS DOCUMENTOS ESTÃO NO AR
A Pública, 15/07/2011

Coroando o final da Semana WikiLeaks na Pública, todos os documentos provenientes do Brasil – da embaixada em Brasília e dos consulados em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife – foram publicados no site do WikiLeaks.

São quase 3 mil documentos escritos pela diplomacia americana. Entre eles, 63 despachos do Departamento do Estado para os diplomatas no Brasil e 2919 telegramas enviados a Washington entre 2002 e 2010 (1947 provenientes da embaixada em Brasília e 909 dos consulados de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife).

Entre esses documentos, apenas cerca de 1/5 são classificados – 468 são confidenciais e 73, secretos.

Agora, todos os documentos podem ser lidos pelo público brasileiro diretamente no site do WikiLeaks. Basta clicar no local de origem dos despachos, ou buscar por data. Outra possibilidade é usar o Cablesearch, um site que permite pesquisar os relatos diplomáticos por palavras-chave.

Esses documentos são muito relevantes – contam a história de todo o governo Lula a partir de olhos americanos, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos começavam a perder peso no cenário mundial e enfrentar uma pesada recessão que dura até hoje.

É por isso que a Pública tem orgulho de ter colaborado com a sua divulgação.

Vamos publicar ainda algumas reportagens já produzidas pelo nosso time de repórteres independentes durante a Semana Wikileaks, e vamos prosseguir olhando e escrevendo sobre esse rico material durante os próximos meses – e não apenas do Brasil.

A novidade é que, agora, todos os internautas podem fazer o mesmo.

Wikileaks-Brasil: the inside story - Natalia Viana (Publica)

Como conheci Julian Assange – e como os documentos do WikiLeaks vieram parar no Brasil
Por Natalia Viana, da Pública (15/07/2011)
Tudo começou com um telefonema mais do que inesperado e misterioso, em novembro do ano passado; menos de duas semanas depois, o Brasil seria o primeiro país a ter acesso aos documentos diplomáticos da embaixada americana, além dos cinco jornais da Europa e dos EUA.

Só às vezes o meu celular pegava. Eu estava em um bangalô à beira do Rio Tapajós, no Pará, onde ia morar por um mês para fazer uma reportagem. O telefone, portanto, não tocou. Ouvi o recado horas depois. Em inglês britânico: “Alô Natalia, aqui é a Hale, trabalhamos juntas em Londres. Agora estou com uma organização muito influente, queria te passar um trabalho…”

Era 14 de novembro de 2010, quinze dias antes do estrondoso lançamento dos 250 mil telegramas das embaixadas americanas pelo WikiLeaks, e no silêncio da floresta o convite soou longínquo, mal explicado. Decidi entrar em contato com meu ex-chefe, Gavin MacFadyen, diretor do Cento de Jornalismo Investigativo de Londres, onde trabalhara com a tal inglesa, para pedir mais detalhes.

Gavin é um dos mais incríveis jornalistas que eu conheço. Adora as reportagens arriscadas, saboreia os resultados, ri sem parar quando lembra que algum ricaço corrupto foi pego com a boca na botija. E sempre me dá as melhores dicas. Pouco depois do contato, ela volta a me escrever, por email.

“Estamos trabalhando em um grande projeto, extremamente empolgante, que vai ter enorme repercussão no mundo todo. Não é seguro escrever os detalhes, mas tenho certeza que qualquer jornalista gostaria de estar envolvido”, explicava a inglesa. “Todos os meus telefones estão grampeados, mas posso te ligar”.

Ao telefone, a proposta, afinal: que eu estivesse em Londres nos próximos dias, num local indicado. Não saberia o que nem para quem. Numa rápida ligação, Gavin deu uma só dica, preciosa: o trabalho envolveria uma pessoa “recentemente famosa”. Como grande parte dos jornalistas investigativos, eu já conhecia a trajetória de Julian Assange e me entusiasmava pela sua cruzada por documentos secretos. Achei que era ele: “Estou dentro”.

Ora, de Santarém para Belém e de lá para o aeroporto de Cumbica, em São Paulo. Mil pequenos receios tomam conta quando tomei o táxi para o aeroporto, afinal. Medos prosaicos: de ser tudo mentira; de perder os parcos 4 mil reais que gastara com as passagens; de ser barrada no aeroporto de Londres como tantos brasileiros da minha idade, sem trabalho fixo nem uma boa explicação para dar. Caprichei no ar blasé quando falei com o oficial da imigração: “estou apenas de férias, vou aproveitar para fazer compras”. Deu certo.

Em Londres, devia ir a um endereço – era toda a indicação que eu tinha. Mas quando cheguei ao Frontline Club, em Paddington, um clube aconchegante que promove o jornalismo independente com debates, exibição de filmes e quartos mais em conta para repórteres e documentaristas que vivem de orçamento apertado – ninguém.

Hora e meia depois ela chega, esbaforida. Loira, rabo de cavalo e roupa mal ajambrada que pouco disfarçava a beleza de olhos azuis, boca carnuda e jeito de menina. Hale desabafou: “Sinto muitíssimo, querida, mas você viu o que aconteceu hoje né?”. Eu, não. “Emitiram um mandado de prisão contra ele”.

Ele, como eu imaginara, era Julian Assange, uma das figuras mais controversas do jornalismo mundial – acusado, inclusive, de não ser jornalista. Àquela altura, o WikiLeaks já era conhecido no mundo todo, e já incomodava muita gente. Em julho, havia publicado 75 mil diários sobre a guerra do Afeganistão que provaram assassinatos indiscriminados de civis; em outubro, mais 400 mil relatos secretos sobre o Iraque, provando tortura contra prisioneiros.

Hale parecia mais aborrecida com o atraso nos planos que com a acusação em si. Trava-se de uma queixa na Suécia, feita por duas mulheres, de crimes sexuais. “É uma armação, isso vai embora com o tempo. Mas precisamos ter cuidado”. Muito cuidado, explicou. Meses antes, o Pentágono havia emitido uma ameaça clara: o WikiLeaks deveria devolver todos os documentos secretos e apagá-los do seu site, ou então os EUA “buscariam alternativas de obrigá-los a fazer a coisa certa”. Não tínhamos nem ideia do que podia acontecer.

***

A poucas quadras dali, no andar superior de uma casinha insuspeita em uma alameda de paralelepípedos, estavam meus companheiros de viagem. Agora, era só guardarmos as malas e partirmos, disse Hale, sem explicar aonde. Foi assim que vi pela primeira vez o Julian Assange, com seu rosto fino e nariz marcante, pálido, loiríssimo. Falou pouco, mas sua voz forte chamou a atenção, talvez um pouco menos que a vodka que ele ofereceu assim que sentei à mesa. Islandesa, supreendentemente boa.

Do outro lado, o islandês Kristin Hraffnson sorria. Bonitão, grisalho (teria uns 50 anos?) e com seu ar sério, elogiou o produto de sua terra, enquanto ao meu lado outro rapaz, de óculos, também bebia sem culpa. “Não vou dirigir”. Era um rapaz jovem, magricelo, com um aprumado topete e um ar irônico que só os melhores ingleses conseguem ter (embora seja, na verdade, de uma ex-colônia africana). Seguiu-se então uma discussão, que me pareceu infinita, sobre quem afinal seria o motorista – a escolha era entre um islandês meio bêbado, um africano meio cego e uma inglesa que não dirigia há anos. “Como você pode ver, somos uma organização muito eficiente”, brincou Hale, ao se dar por vencida e assumir a direção.

Pouco antes de sair, Julian me chamou para perto. Me entregou um pedaço de papel rabiscado: “Não fale nada”. Lia-se, na sua letra miúda, 250.000 telegramas de embaixadas americanas de 1966 a 2010. 1/10 não valem nada, 1/50 importantes, 1/250 muito importantes.

Na saída, aproveitei para fumar um cigarro. Kristinn se aproximou: “Você está bem?”. “Estou. Queria poder fazer perguntas”. “Quando estivermos na estrada”, respondeu.

Hale pediu meu casaco, uma espalhafatosa peça de lã azul marinho salpicada de bolinhas verdes. Subiu correndo e desceu rindo uma gargalhada gostosa, que tentava abafar com as mãos. “Eu juro que não vou conseguir dirigir se ele vier vestido assim”. Quando Julian finalmente desceu, todos caímos na risada. Vestia um lenço estampado de cetim sobre a cabeça, meu casaco acinturado, óculos e enchimento nos peitos e nas costas, simulando uma bizarra corcova. Fizemos uma breve sessão de fotos, até ser interrompidos por ele: “vamos, vamos!”

***

Enfim pudemos conversar quando chegamos a um posto de beira de estrada. Enquanto os demais foram comprar comida, Julian ficou no carro por segurança.

Por que queriam uma brasileira?

- Porque o Brasil é um grande país, independente, assim como a Austrália. Não pode ser visto como América Latina, e também tem uma língua própria…

Ele abriu seu pequeno laptop, onde reluzia um gigantesco arquivo de texto, verde e preto. Digitou “Brazil”: 3 mil documentos. “Você vai ter muito trabalho”, disse.

A principal tarefa seria escrever matérias em português (“temos muitos apoiadores no Brasil”) e conseguir parceiros confiáveis na mídia brasileira. “Ah, uma coisa”, ele acrescentou. “Vamos lançar os documentos no dia 28”.

Trabalhar com o WikiLeaks, percebi, é quase sempre tentar realizar o impossível. Ler e processar milhares de documentos era humanamente impossível.

Mas ser do WikiLeaks é isso: idealistas, apaixonados, todos desdobram-se em cinco para concretizar as empreitadas inventadas por Julian ou pelo grupo que o rodeia a toda hora, todo instante. “Em tempos de mentira universal, dizer a verdade é um ato revolucionário”, diz o site da organização.

Uma organização que usa essa frase no seu site é ingênua, ou revolucionária. Ou os dois.

***

Voltando para a estrada, recebemos ordens de desligar computadores e celulares. Ordens mesmo. Entendi rápido que o WikiLeak não é Julian Assange: qualquer decisão será contestada, discutida e rediscutida por todos à sua volta, num exercício de possibilidades e impossibilidades que só vai terminar com o melhor argumento – ou a estratégia mais ousada. Mas, quando se trata de segurança digital, Julian manda, ponto final. No dia seguinte, ele iria pessoalmente “blindar” todo o equipamento.

Já larga madrugada, a rodovia deu lugar a estradinhas tortuosas, rodeadas por plantações rasteiras e grandes casarões, antigas casas de duques e duquesas. Do lado de fora o campado acolhia as plantações e criações: faisão, patos, pombos brancos. Estávamos em Norfolk, na fazenda de Vaughan Smith, o mesmo dono do Frontline Club.

A mansão dos Smith tem nome próprio, Ellingham Hall. E merece. O estilo é georgiano; e tudo parecia mesmo datar da época de um rei longínquo. Até o odor, e o ranger do piso de madeira, de madrugada.

O casarão guarda histórias de gerações e gerações, que Vaughan e a sua esposa Pramvera, uma inteligentíssima mulher do Kosovo, iam nos contando ao redor da enorme mesa de jantar diante da lareira. Nas paredes, retratos a óleo dos antepassados nos seus melhores trajes –para não ser esquecidos no tempo. Vaughan apontava: “essa era minha tia avó”, “esse meu tataravô era capitão de infantaria”, “meu pai era mensageiro real”. Todos haviam morado naquela casa.

Ellingham Hall tem 10 quartos, quatro andares ligados por uma escada em caracol. Eu dormia com uma advogada mexicana que chegaria dias depois para dividir comigo uma impressão, digamos, mais latina sobre aquilo tudo. No quarto, confidenciávamos estar com medo de chegar a polícia, o serviço secreto britânico, ou a CIA. “Qualquer coisa, somos apenas empregadas!”, brincava ela.

***

No dia seguinte, Julian já se debruçava sobre os nossos laptops. A coisa se mostrou um tanto complicada; a internet funcionava mal e lentamente. Somente à noite conseguimos fazer uma reunião para, finalmente, programar o trabalho.

Para nossa segurança, ficaríamos fechados em Ellingham Hall, evitando chamar a atenção. O local era seguro, isolado de qualquer estrada, e cravado no meio de um enorme terreno de 650 acres – muito difícil, portanto, de ter escutas. Teríamos jornalistas indo e vindo, de muitos países, para escrever sobre os telegramas. As viagens à cidade deveriam ser raras, feitas em pequenos grupos. E só quando muito necessário.

A conversa chegou enfim ao processo sueco, que despertava minha curiosidade e a ansiedade de todos. Tudo indicava que a Interpol iria emitir um mandado de prisão internacional, e Julian não iria mais poder viajar. Ele jamais pensara em se tornar um fugitivo. Mas fato é que se a ordem fosse dada, se tornaria do dia para a noite um homem procurado.

“Me arrependo muito de não ter feito o WikiLeaks como uma empresa” disse, abatido. “Se fôssemos uma empresa que desse lucro, podíamos vender conteúdo sobre os documentos, pronto, todo mundo nos respeitaria”. Raciocínio típico de Julian Assange, perspicaz, original e inesperado; e típico do WikiLeaks, contestado com vigor de manhã cedo até o jantar. Ora essa, uma empresa.

No dia seguinte, recebi enfim os documentos. Quem colocou tudo em tabelas de Excell foi um inglesinho de cerca de 25 anos, de olhos azuis e pouco queixo. James Ball, formado em Oxford, é um jovem jornalista excelente com tabelas, números, documentos, com um tremendo raciocínio lógico – e conservador. Sensato, talvez um pouco demais para o WikiLeaks, sempre batia de frente com Julian ao defender a imprensa britânica. Mas sim, era delicioso assistir ao eterno embate entre o jovem britânico e o hacker (quase) quarentão com tendências a esgarçar limites.

Meses depois, James integrou-se ao time investigativo do Guardian. Deu, em troca, horas de depoimentos sobre o WikiLeaks, recheando o livro sobre Julian que o jornal publicou a toque de caixa e que, meses depois, seria comprado por Steven Spielberg para um filme de Hollywood. Com seu estilo careta, o jovenzinho reclamaria do estilo “errático” da organização, das mudanças de ideia de Julian, e das poucas horas de sono. “Era um grupo de jovens ativistas sem qualquer treinamento profissional”, diria.

E são assim contadas as histórias que ficam.

***

Trabalhávamos na sala contígua à de jantar, diante da lareira; nos três sofás, cinco, seis pessoas mergulhadas nos seus laptops enquanto a arrumadeira trazia lenha para manter o fogo aceso de hora em hora, com um café bem aguado. Dormíamos mal, pouco, trocávamos o dia pela noite.

Assim que recebi as duas tabelas de Excell – uma, com os 1947 telegramas de Brasília, outra com 909 dos consulados – fiquei cinco dias sem pregar os olhos. Estava ali um relato inédito da nossa história recente, preciso, datado, delicioso. Afinal, era a conta de todos os anos do governo Lula aos olhos do governo americano, primeiro com Bush e depois Obama. A história de um império em decadência, e de uma nação que desponta. Com seus meandros e suas sacanagens, e seus deliciosos flagrantes.

Eram documentos com valor histórico, e não só noticioso. Através deles, aprenderíamos como se dá na prática a política externa: nomes, datas, detalhes. Organizá-los bem e elaborar uma boa estratégia de divulgação era, portanto, essencial. Queríamos que fossem lidos, repercutidos, abraçados pela mídia e pelos sem-mídia.

Nos telegramas desfilavam Serras, Lulas, FHCs, Amorins, Jobins. Aos poucos os furos iam se revelando e eu, pacientemente, os ia classificando, elencando segundo a urgência e importância. Assombrei-me com a colaboração entre a inteligência brasileira e os americanos nas operações anti-terror; com a ajuda do governo para liberar na justiça os pilotos acusados do acidente da Gol; com a transferência dos agentes da DEA expulsos da Bolívia por espionagem para o Brasil, em silêncio, na surdina – e com o apoio do Minsitério da Justiça e do govenro boliviano. Me surpreendi ao ver que o ministro da defesa, Nelson Jobim, era o “homem mais confiável” para o embaixador, enquanto falava mal do Itamaraty.

- Meu deus! – lembro de ter gritado. Jobim fofocou que Evo tinha um tumor! Que traição!

Silêncio na sala. A verdade é que ninguém entendia os vaivéns da nossa política regional e cabia a mim, avaliar o que era bombástico, o que não. Percebi logo que muitos documentos teriam mais impacto se lançados ainda em dezembro: que o governo de Lula ia acabar. Mas, para isso, o Julian teria que comprar uma enorme briga.

Todos concordávamos que deixar apenas cinco jornais – de países centrais, ocidentais – decidir o que é e o que não é notícia era injusto. Mas o acordo rezava que Guardian, New York Times, Le Monde, El Pais e Der Spiegel teriam exclusividade sobre todos os documentos até janeiro. O problema então era expandir a parceria sem irritá-los.

A solução foi uma verdadeira gambiarra. Eu enviaria à imprensa brasileira, todo dia, as matérias que iria publicar no dia seguinte no site do WikiLeaks. Faltava só achar um parceiro, um grande jornal. E, mais importante, um jornalista confiável.

Fernando Rodrigues, da Folha de São Paulo, tinha uma enorme vantagem: ele conhecia o Gavin, sabia que eu trabalhava com ele, e portanto iria levar a sério o único breve telefonema que eu podia dar com segurança, do isolamento do nosso casarão. Consegui contato afinal através do Facebook. “Fernando, preciso falar com vc urgente. Vc pode me dar seu celular?”, digitei.

Ao telefone, podia falar muito pouco. O WikiLeaks queria um parceiro brasileiro, pois tinha em mãos muitos documentos, inclusive do Brasil. A repercussão seria enorme, a Folha com certeza podia dar destaque. Mas eu só poderia abrir o conteúdo no domingo, dia 28 de novembro, pela manhã. Sem mais detalhes.

Claro que não seria fácil segurar um jornal do porte da Folha com a promessa de um enorme furo que não se sabe direito o que é. Fernando seguiu o faro, e fez muito bem; mas é claro que enviava dezenas de emails checando e rechecando a data, perguntando mais sobre o conteúdo. Consegui acalmá-lo, afinal.

***

Na Inglaterra, em pleno novembro, é quase sempre noite. Em volta do casarão, tudo cobriu-se de neve. A rotina seguia intensa. Alívio eram os jantares, com bom papo e bom vinho do porto, tradição que seguíamos todas as noites. Chegaram colaboradores de toda parte – franceses, suecos, israelenses, americanos, ingleses.

Na mesa, evitávamos os temas mais pesados. Ali não estávamos fazendo nada diferente do que as equipes do Guardian, Le Monde, El Pais, faziam nas suas redações. E, no entanto, sob forte ameaça do Pentágono, éramos somente nós que tínhamos o que temer. “Mas esses documentos valem muito mais do que a minha vida. Ou a vida de qualquer um nesta mesa”, disse Julian uma noite. Seguiu-se, claro, um silêncio sepulcral.

A seriedade da situação não impediu que ele, a poucos dias do lançamento, teimasse em ir a Londres para o casamento do Gavin. Isso mesmo: Gavin, beirando os 70, iria se casar com a namorada, e fizera questão de escolhê-lo como padrinho. Mas, àquela altura, com um mandato de prisão iminente, seu paradeiro já gerava especulações em toda a imprensa. Hale o apoiava: “É muito mais romântico!”. Eu argumentava: seria o primeiro lugar onde o procurariam se houvesse um mandado de prisão repentino, ou um processo secreto nos EUA.

Além disso, discutíamos no jantar o meu tópico principal: o nome do lançamento. Julian rejeitava a ideia de algo burocrático como “telegramas das embaixadas”.

Também não cabia – e nisso todos concordávamos – nada como “despachos do império”, que cheirasse a slogan de esquerda. Uma manhã mal dormida, Julian apareceu na sala radiante. “Achei um nome: Cablegate”. A maioria não gostou.

Mas ninguém achou nada melhor.

***

Dias depois a notícia do próximo vazamento do WikiLeaks se espalhou na imprensa, embora ninguém soubesse o que íamos publicar. O New York Times procurara o governo americano, e nos dias seguintes Hillary Clinton passou a ligar para governos do mundo todo, pedindo desculpas por antecipação. O Departamento de Estado nos chamava de irresponsáveis: “o material colocará vidas em risco”, anunciou o porta-voz. De nada adiantou a carta, enviada por um emissário em Londres, pedindo que Washington indicasse quais nomes deveriam ser retirados. Não houve resposta.

A internet trazia notícias em quase todas as línguas sobre o que estávamos fazendo ali, naquela sala fria. Julian e Hale já não falavam com ninguém: tudo era terminar os detalhes. Elaboraram um engenhoso esquema que obrigava cada veículo a efetivamente ler os documentos antes de publicá-los. Garantiam, assim, que todos os nomes sensíveis seriam retirados, sob responsabilidade concorrente de todos os parceiros.

Ela passava horas conversando com os programadores geeks, rapazes da minha idade, ingleses, franceses. Dava gritinhos de alegria: “eu te amo, você é fabuloso, você é uma lenda”.

No sábado, 27, o casamento do Gavin transcorreu sem maiores percalços. Dois jornalistas do grupo foram até Londres; o padrinho, embora ausente, foi assunto principal e ganhou um brinde dos noivos, com direito a longo discurso do entusiasmado jornalista setentão. A noiva, uma alegre senhora americana, não se importou.

Quanto a nós, em Ellinghan Hall, tínhamos que conter a tensão dos cinco jornais, que começavam a desconfiar um do outro. Quem levaria o “furo do século” ? Será que dava para confiar que segurariam suas reportagens para publicarem todos juntos?

Segurar o embargo para a publicação – domingo, às 21 horas, já parecia impossível. Hale, Julian e Kristinn falavam no chat com um, dois, três jornais ao mesmo tempo. Ninguém deveria furar, e todos torcíamos ferozmente para isso, porque, afinal, o site do WikiLeaks estava longe de ficar pronto.

Mas, no sábado à tarde, o Der Spiegel furou. Publicou, por alguns minutos, uma reportagem que mostrava em detalhes no que consistia o vazamento: 251,287 documentos das embaixadas dos EUA no mundo todo: 15, 652 secretos, 101,748 confidenciais. A redação alegou “erro” e retirou a matéria do ar pouco depois, mas a historia já havia sido reproduzida, pra desespero dos demais jornais.

Para nós, a verdade é que a tensão era boa. Pouco importava quem furaria quem – essa é uma lógica própria das empresas jornalísticas. Para o WikiLeaks, o que importa é espalhar. Que os documentos sejam mais lidos, mais visitados, mais reproduzidos, mais discutidos, que alimentem jornais, TVs, revistas, acadêmicos, ativistas, políticos, cidadãos, sejam de direita, esquerda, de centro, de onde for.

Assim que, quando finalmente liguei para o Fernando na manhã do dia 28, ele mal escondeu a decepção: “Mas é só isso? Não tem nada mais forte?”.

Eu abriria a série com uma matéria sobre operações de contra terrorismo no Brasil, dentro da estratégia de priorizar temas internacionais. A Folha receberia esta matéria, e trechos de telegramas.

Para o jornal, a história – que já havia ventilado pela imprensa – não era um “furo”. Fui firme. “É isso por hoje”. A Folha concordou.

E assim as histórias que eu havia colhido nas noites diante da lareira foram criando vida, repercutindo, pautando a mídia nacional: jornais, rádio, TVs. Enquanto comentaristas apostavam o que mais haveria no balaio do WikiLeaks, era só eu, jornalista independente – sem veículo, sem patrão – quem tinha a resposta.

Sinal do tempo em que vivemos, definitivo e sem volta.

Às 6 horas do domingo, três horas antes do previsto, não deu mais pra segurar. Hale digitava furiosamente no seu laptop: “O Guardian vai furar”, “O El País quer publicar”. Finalmente o El País soltou a notícia, seguida pelos demais como uma verdadeira enxurrada. Enfim: o maior vazamento da história do jornalismo.

Na cozinha, Pramvera acompanhava pelo twitter a frenesi mundial. As linhas subiam histericamente, centenas de entradas por segundo, “impossível de ler”, gritava ela.

Eu olhava para o campo lá fora: já não tinha a menor idéia do que seria da minha vida. Em algumas horas, meu nome estaria no site do WikiLeaks, duas palavrinhas que iam mudar tudo.

Já comia a madrugada quando conseguimos estourar a gigantesca champagne, dessas de cinco litros. Brindamos alto: “Ao WikiLeaks!”.

***

Depois do lançamento fiquei apenas três dias na mansão.

Os documentos, claro, trouxe comigo para o Brasil. Improvisei, com apoio da diligente Maria Luisa: enfiei o pendrive dentro de uma meia usada, na mochila de roupas sujas. A despedida foi rápida e intensa. “Vamos ficar com saudade”, disse Hale.

Parti, de trem, agarrada à mochila. Foram horas longas, contornadas pela neve que me seguiu até a capital. Em Londres, causou um caos enorme: os trens não saíam das estações, os ônibus fugiam da rota usual. Consegui um ônibus até o bairro periférico onde passaria a noite, mas ele me deixou a meia hora do meu destino final. Fui andando, arrastando a mala sobre os bocados de gelo que se formavam na calçada. A rua estava deserta. Então voltou a nevar, e o caminho me pareceu infinito. E belo.
* Alguns nomes foram trocados a pedido dos personagens.