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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Pensamento brasileiro nas relações internacionais: itinerários desde a redemocratização (1985-2022) - Paulo Roberto de Almeida (Synthesis, UERJ)

Mais recente trabalho publicado: 


Dossiê 200 Anos de Pensamento Internacional Brasileiro: Lugares e Perspectivas - Volume 1


1478. “Pensamento brasileiro nas relações internacionais: itinerários desde a redemocratização (1985-2022)”, revistaSynthesis (Cadernos do Centro de Ciências Sociais da UERJ; v. 15, n. 2, maio-agosto 2022, p. 103-120; ISSN versão impressa: 1414-015X; ISSN versão digital: 2358-4130; DOI: 10.12957/Synthesis.2022.70875; link da revista: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/issue/view/2801; pdf do artigo: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/70875/43915). Relação de Originais n. 4057, 4060, 4061, 4062, 4063, 4064, 4068 e 4145.

Anexo não publicado:

4068. “Política internacional, contexto regional e diplomacia brasileira, acompanhada de listagem seletiva da produção acadêmica em relações internacionais e em política externa do Brasil, de 1985 a 2022”, Brasília, 20 janeiro 2022, 32 p. Atualização e complementação do trabalho 4030, para servir como um dos anexos ao trabalho “Pensamento brasileiro nas relações internacionais: itinerários desde a redemocratização (1985-2022)”, contribuição a número especial da revista Synthesis (do Instituto de Ciências Sociais da UERJ), sobre os “200 anos de Pensamento Internacional Brasileiro”, sob a direção de Dawisson Belém Lopes e Elizeu Santiago. No Academia.edu (link: https://www.academia.edu/68745737/Pol%C3%ADticainternacionalcontextoregionalediplomaciabrasileiraacompanhadadelistagemseletivadaproduçãoacadêmicaemrelaçõesinternacionaiseempol%C3%ADticaexternadoBrasilde1985a2022); complementado com a atualização da Bibliografia diplomática cronológica (link: https://www.academia.edu/68747311/bibliografiadiplomaticacronologica19852022).

 Excerto do artigo:

Pensamento brasileiro nas relações internacionais: itinerários desde a redemocratização (1985-2022)

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, doutor em ciências sociais, mestre em planejamento econômico, professor. (www.pralmeida.org)

Contribuição a número especial da revista Synthesis (Instituto de Ciências Sociais da UERJ), sobre os “200 anos de Pensamento Internacional Brasileiro”.

Publicado na revista Synthesis (Cadernos do Centro de Ciências Sociais da UERJ; v. 15, n. 2, maio-agosto 2022, p. 103-120; ISSN versão impressa: 1414-015X; ISSN versão digital: 2358-4130; DOI: 10.12957/Synthesis.2022.70875; link da revista: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/issue/view/2801; pdf do artigo: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/70875/43915). Relação de Originais n. 4057, 4060, 4061, 4062, 4063, 4064, 4068 e 4145.

 

 

Resumo: O ensaio parte da ideia de que haveria um pensamento condutor da política externa e guia da diplomacia brasileira, o que nem sempre correspondeu à realidade, seja a partir de sua formulação e execução, no plano estatal, seja na sua elaboração e interpretação conceitual, no plano acadêmico. Mas o itinerário da política externa brasileira, na sua concepção original, e a sua aplicação prática, por meio da diplomacia, permitiu construir, ao longo do tempo, um conjunto de fundamentos conceituais e práticos que tornaram a atuação externa do Brasil admirada no mundo, pela solidez de suas posições e pela qualidade de seus representantes profissionais. O ensaio discute “pensamento internacional brasileiro” no contexto das grandes etapas de desenvolvimento da política externa desde a redemocratização dos anos 1980 até a fase recente, quando ocorreu o que é provavelmente a maior ruptura nos padrões tradicionais, ou inovadores, da diplomacia nacional. 

Palavras-chave: política externa; diplomacia brasileira; pensamento internacional; Itamaraty; rupturas e continuidades.

Abstract: This essay starts by the question whether there is a guiding set of conceptions conducting the development of the Brazilian external policy, from its inception, and its practical application, by means of the professional diplomacy, even if there are many discontinuities along the course. The essay follows the historical itinerary of the Brazilian foreign policy, from the initial starting date (1985), up to the current situation, when a major discontinuity disrupted the traditional patterns of professional diplomacy.

Key words: foreign policy; Brazilian diplomacy; international thinking; Itamaraty; continuities and discontinuities.

 

Sumário: 

1. Desenvolvimento do campo das relações internacionais na redemocratização

2. Os grandes eixos da pesquisa e das atividades docentes nos anos 1980-1990

3. A diplomacia do Sul Global e sua influência na produção acadêmica

4. Ruptura política a partir de 2016-2018: o desaparecimento do pensamento

5. Tendências atuais e perspectivas para o pensamento internacional do Brasil

Bibliografia e referências

Texto completo publicado neste link: 

https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/70875/43915

e na plataforma Academia.edu; link: 

https://www.academia.edu/90549448/Pensamento_brasileiro_nas_relacoes_internacionais_itinerarios_desde_a_redemocratizacao_1985_2022_Synthesis_2022_

(SYN)THESIS é o periódico quadrimestral editado pelo Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, orientado para a divulgação de  trabalhos científicos relacionados à área das ciências sociais e  humanas: Administração, Antropologia, Arqueologia, Ciência Política, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Filosofia, História, Relações Internacionais, Serviço Social e Sociologia, bem como as derivadas de suas relações interdisciplinares.

e-ISSN: 2358-4130 | ISSN: 1414-915X | Ano de criação: 1992 - impresso, 2012 - eletrônico | Área do conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas | Qualis: B4 (Interdisciplinar); B5 (Filosofia).


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Eleições brasileiras de 2022 num cenário de terra arrasada - Paulo Roberto de Almeida (InterAção)

 Meu trabalho publicado mais recente: 

4222. “Eleições brasileiras de 2022 num cenário de terra arrasada”, Brasília, 22 agosto 2022, 12 p. Publicado na revista InterAção (Santa Maria: UFSM; vol. 13, n. 2, edição especial, setembro 2022; ISSN: 2357-7675). Relação de Publicados n. 1469.


Eleições brasileiras de 2022: um cenário de terra arrasada

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Texto composto em 22/08/2022

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Publicado na revista InterAção (Santa Maria: UFSM; vol. 13, n. 2, edição especial, setembro 2022; ISSN: 2357-7675). Relação de Publicados n. 1469.

 

 

Estaria o Brasil evoluindo insidiosamente para um regime iliberal?

Uma primeira reflexão interrogativa sobre o atual cenário de grandes dúvidas a respeito do desenvolvimento normal das eleições de 2022 poderia ser feito partindo de um questionamento geral sobre nossa trajetória como nação política. Rupturas institucionais ou de regimes políticos só ocorrem excepcionalmente na vida das nações. As sociedades já constituídas politicamente não costumam fazer assembleias gerais para decidir sobre o seu próximo destino: normalmente, mudanças e reformas, inclusive no plano institucional, se dão no âmbito parlamentar, depois de ampla discussão no corpo representativo. 

Com efeito, rupturas radicais só ocorrem ao cabo de revoluções ou de guerras civis. Ainda não é o caso do Brasil. Pelo menos não na magnitude dos episódios antecedentes que podem ser aqui sumariados: a crise do regime imperial, que também se devia, além dos casos religiosos e militares, a grandes dúvidas sobre a sucessão da monarquia, dada a idade provecta do imperador; quando se deu o golpe militar em prol da República; a crise da primeira República, refletida na luta dos militares e da classe média contra os votos falsos, também estimulada pela crise econômica externa; a própria crise do regime getulista ao final da Segunda Guerra Mundial; o clima de radicalização que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros e o arremedo parlamentarista que levou João Goulart à presidência, mas precipitou o acirramento das oposições; o golpe de 1964, quando os militares decidiram não apenas intervir na política, mas “fabricar” um novo regime tecnocrático; finalmente, a crise de vinte anos de autoritarismo que soçobrou na crise econômica e na falta de legitimidade política. 

Essa foi a sucessão de rupturas desde o início do regime republicano, o que justificou que o principal brasilianista americano, Thomas Skidmore, examinando nossa trajetória dos anos 1930 ao golpe de 1964, desse como subtítulo de seu primeiro livro sobre a política no Brasil esse qualificativo dubitativo: Politics in Brazil, 1930-1964: an Experiment in Democracy (1967). Atualmente, o Brasil, definitivamente, não vive um ciclo toynbeeano de ascensão e declínio civilizatório. Nossa trilha é um pouco mais “abaixo”, não em termos de avanços materiais ou progressos tecnológicos, mas no terreno dos valores e princípios morais de uma sociedade que deveria ser regrada, mas não consegue encontrar as bases de um regime político definitivamente regido pelas leis, não pela esperança eleitoral de se encontrar o próximo “salvador da pátria”. Não escapamos do sebastianismo, mas tampouco somos capazes de degringolar em experimentos tão radicais como as vistas em outros países.

Certas sociedades, enfrentando profundas crises, como a República de Weimar ou a Venezuela dos anos 1990, acabaram se entregando a um bando de sacripantas criminosos que terminam por levá-la ao paroxismo da autodestruição. Estaria o Brasil se aproximando dessa “atração fatal”? Não parece ser o caso, pelo menos não ainda.

Não se pense que certas “deformações” de um ciclo normalmente e tendencialmente ascensional estejam restritas a países que passaram por profundas crises sociais e econômicas como a Alemanha de Weimar ou a Venezuela pré-Chávez. Elas podem afetar, igualmente, nações aparentemente bem-sucedidas, mas bastante diversas em sua composição “civil”, com estamentos privilegiados, mas decadentes, e diferentes estratos de “desclassificados”, mas dotados de franquias eleitorais, como ocorre atualmente com a maior parte dos Estados-nacionais do sistema onusiano. Os Estados Unidos recentes podem ser um exemplo disso, como já revelaram alguns estudiosos da própria franja avançada das democracias de mercado, que veem o liberalismo em crise e o declínio das democracias. Tais processos parecer ser bem mais o resultado do avanço da ignorância do que dos retrocessos da economia.

Nessas fricções do processo histórico e no itinerário da evolução de nações assim confrontadas a desafios adaptativos podem surgir espaços, abrir “janelas”, para que oportunistas dotados de “boa” retórica consigam empolgar as massas com suas propostas disruptivas. Pode ser o começo do declínio, mais ou menos dramático segundo as forças sociais mobilizadas ao redor do personagem: um Mussolini, um Hitler, um Chávez, um Trump, um Bolsonaro.

Não está claro o que pode advir desse tipo de “atração fatal”. O que está claro é que tal tipo de fenômeno deveria, pelo menos, afastar essas teorias deterministas da História. A história de cada nação em particular é um livro aberto ao imponderável, ao contingente, ao inesperado, ao acidental e até ao dramático. Apenas se espera que o Brasil não esteja no vórtice de alguma “atração fatal”.

 

Qual é a conjuntura política existente no Brasil semanas antes das eleições?

Duas semanas antes das supostas festividades pelos 200 anos de nossa independência como Estado autônomo e menos de 40 dias antes do próximo pleito presidencial, o contexto eleitoral que se observa, de um ponto de vista independente, é próximo de um cenário de terra arrasada. As razões não são difíceis de definir, bastando olhar o panorama político.

Nada do que venha a ocorrer no curso das próximas semanas, em plena campanha política presidencial, deveria poder nos impedir de reconhecer exatamente quem são os corruptos, os grandes mentirosos, os incompetentes e até um ou outro desequilibrado, entre os que estão na liça para a presidência nos próximos quatro anos, assim como entre os milhares de candidatos para os demais cargos em disputa. O que já vimos até aqui – em termos de emendas secretas, uso abusivo dos fundos eleitoral e partidário – também pode nos confirmar que o estamento político brasileiro é essencialmente predatório das riquezas duramente produzidas pelo povo trabalhador. Digo estamento num sentido flexivelmente weberiano, pois que a classe política de fato se converteu numa categoria à parte no cenário social brasileiro. Ela se apresenta hoje como sendo o pior inimigo do Brasil e dos trabalhadores brasileiros, que estão sendo sistematicamente extorquidos por ladrões organizados. Esta é uma constatação que se funda na observação dos crimes eleitorais, ou crimes comuns, perpetrados por vários dos candidatos e que, no entanto, estão em liça.

Vai ser difícil reparar tal sistema necrosado pela corrupção entranhada, totalmente alheio a qualquer ética no serviço público, servindo apenas a si mesmo e confiante na impunidade judicial que seus grandes integrantes construíram para si. 

Como chegamos a isso?

Foi um lento acumular de distorções e de deformações banais, que atingiram inclusive as mais altas corporações de Estado, e que produziram um mundo à parte das preocupações mundanas dos brasileiros do setor produtivo, um mundo focado exclusivamente na captura da riqueza criada pelo setor produtivo sob a forma de nacos cada vez maiores do orçamento nacional, sistematicamente desviados para ganhos prebendalistas, o que está no centro do patrimonialismo que nunca deixou de se fortalecer no Brasil.

Nossa decadência política é de um tipo diferente: ela não tem nada de ideológico, pois que todas as correntes de opinião política, todas as tendências do sistema partidário partilham do mesmo afã pelo ganho fácil, pela extorsão legalizada por um sem-número de dispositivos e mecanismos dedicados ao objetivo comum de extrair renda do Estado brasileiro.

Os rentistas do estamento político estão unidos no aprofundamento do declínio da nação e prometem aperfeiçoar o sistema de extorsão legalizada justamente no ano em que “comemoramos” o Bicentenário do Estado independente. Existe maior ironia do destino do que essa?

De fato, podemos proclamar desde já, ou seja, quarenta dias antes dos resultados dos escrutínios – para os cargos executivos e para todos aqueles representativos – que as próximas eleições podem ser totalmente inúteis para a correção das graves dificuldades que enfrenta o Brasil, como resultado do pior declínio político a que assistimos em nossa história republicana, um processo que se arrasta desde o início do século. 

Quer ganhe um ou outro dos principais candidatos, segundo as pesquisas eleitorais, isso não parece ter a menor importância para a governança ou para as reformas necessárias no país, pois a cidadania votante nem se sabe se elas serão, ou não, feitas, algumas sim, outras não, ao sabor das coalizões sempre cambiantes e oportunistas no Parlamento. 

Quem continuará mandando, de fato, serão os políticos predadores e predatórios do largo estamento de hienas do orçamento, pois essa é a última instância de poder. O Centrão, na verdade, nem precisaria existir na sua forma e composição atuais: o que existe, de fato, é uma ameba sequiosa de verbas públicas em favor do seu enriquecimento pessoal, e isso de forma permanente. O velho patrimonialismo continua e continuará forte, feliz e seguro de si no Brasil do Bicentenário. Senão vejamos.

 

Estamos numa conjuntura “gatopardiana”? Mudar para nada mudar?

Menos de três semanas após a data dos 200 anos de independência e de construção tentativa de uma nação controlada e extorquida pelo Estado, o eleitorado brasileiro, independentemente de quem tenha sido o mais votado para a presidência, elegerá, de forma quase inconsequente e inconsciente, os mesmos sanguessugas para os diversos outros cargos — velhos ou novos, não importa— que continuarão a se locupletar com e a partir da riqueza duramente criada pelo povo trabalhador. 

Difícil acreditar, a essa altura das miseráveis negociações pouco republicanas que ocorrem à margem das candidaturas presidenciais, que algo de fundamentalmente diferente ocorra a partir dessas eleições, que tenhamos homens probos no Congresso, engajados por um momento, não em suas prebendas orçamentárias, mas em reformas estruturais no tocante à educação, infraestrutura, segurança, luta contra a corrupção e a insegurança jurídica.

O eleitorado continuará fixado no próximo salvador da pátria e, ao lado disso, os verdadeiros donos do poder — que nem é só o estamento burocrático de que falava Raymundo Faoro — continuarão suas soturnas maquinações em busca da preservação, da manutenção ou da conquista de mandatos parlamentares, que são os que determinam, em última instância, o destino das verbas públicas.

Podemos ter a certeza de que o estupro orçamentário continuará, com todos os tipos de emendas que a imaginação fértil dos sanguessugas congressuais concebeu, que isenções, subsídios e outros favores (sempre setoriais), que perdão de dívidas por impostos não pagos, que concursos públicos para lotar a máquina do Estado de centenas de funcionários muito bem remunerados, que milhares de cargos em comissão, tudo isso continuará a existir, que carros, imóveis e penduricalhos diversos a título de “auxílios” não tributáveis continuarão a existir e que novos serão criados. Enfim, basta dizer que o Brasil continuará sendo muito parecido com o Brasil que já conhecemos.

Não há nenhum pessimismo nesse tipo de afirmação. Basta observar o declínio de outras nações, a decadência democrática e a semiestagnação econômica, processos muito mais frequentes do que progressos fulgurantes em direção à prosperidade. Basta olhar em volta para conferirmos esse tipo de cenário de quase terra arrasada.

O Brasil não é muito melhor do que a Argentina aqui ao lado, que já nos provou que a pobreza pode, sim, voltar e se espalhar, pelas mãos e pés dos mesmos políticos que infelicitam a nação há décadas. O Brasil não é muito melhor, em sua democracia de baixa qualidade, do que os EUA, um exemplo lamentável de retrocessos inacreditáveis num processo de reforço de particularismos anacrônicos trazidos por carolice religiosa, ignorância cidadã e introversão nacionalista da mais baixa qualidade.

As eleições, finalmente, não são a grande festa da democracia, como nos quer fazer crer a propaganda ingênua do TSE. Elas são apenas a continuidade de um ritual compulsório, a que nos conduziram as hordas de políticos hábeis na manipulação de cidadãos — na verdade súditos de um Estado expropriador — com o único objetivo de se constituírem em governantes — federais, estaduais ou municipais — legitimamente mandatados para continuar o processo de extorsão.

O eleitorado se arrastará sem qualquer entusiasmo para as urnas de outubro, sem qualquer esperança de que 2023 será muito diferente do que já vimos nos anos precedentes. Esta descrição relativamente pessimista não é um impedimento absoluto quanto às possibilidades de o Brasil dar um grande salto para a frente na correção das suas piores iniquidades, a desigualdade social em primeiro lugar. Ela deve servir unicamente para nos guardar daquele otimismo reincidente a cada nova eleição: desta vez será diferente…

Será? Observando o cenário de terra arrasada, não existem razões para se acreditar que desta vez possa ser diferente. Inclusive porque, olhando a realidade de frente, a polarização promete tudo contaminar, antes, durante e após o próximo pleito eleitoral

 

O que nos promete o atual processo eleitoral? Nada de muito brilhante.

Parece que, por enquanto, temos pela frente dois responsáveis por dois grandes desastres, que ameaçam se repetir, um por corrupção e sectarismo, o outro por incompetência e perversidade negacionista. Sair dessa camisa de força, mesmo dispondo de alguns bons candidatos alternativos, não depende só deles, mas de um eleitorado pouco educado e muito castigado por frustrações contínuas.

Ninguém, nenhum partido ou movimento, dispõe da chave do futuro: este pode estar na acentuação da divisão do país, como até agora prometido pelas pesquisas eleitorais, ou numa longa caminhada para a normalização da nação, que será efetivamente muito difícil, e não apenas pela amplitude dos desafios econômicos e sociais, mas sobretudo pela péssima qualidade da representação política, que pode ainda se acentuar na próxima legislatura.

Cabe, portanto, ser moderadamente pessimista quanto aos próximos anos: tudo leva a crer que permaneceremos ainda, e durante bastante tempo mais, na mediocridade que tem sido a nossa por quase meio século, com poucos momentos de lucidez. Não somos, infelizmente, o que gostaríamos de ser. 

O Brasil vai saltando de salvador em salvador, continuando a afundar na mediocridade de esperar que um presidente “dê jeito nas coisas”. Construímos nós mesmos essa gaiola de ferro que não leva a nada, a não ser a novas frustrações. 

Ainda não crescemos o suficiente. Custa pensar?

Por que, como é que toda uma sociedade, que possui gente capaz, pesquisadores e professores que produzem obras magníficas de saber consistente, empresários inteligentes e batalhadores, e até alguns políticos sagazes, como é que tanta gente se deixa aprisionar e levar por um punhado de aproveitadores, mentirosos e incompetentes, que são saudados como “líderes”, dos quais se espera a solução a tantos problemas criados pelos mesmos mentirosos aproveitadores?

A sociedade como um todo, em sua grande maioria formada de cidadãos contribuintes e votantes, se deixa levar por alguns poucos pilantras, que continuam a praticar falcatruas a prazos regulares?

Mais de dez mil anos de “civilização”, religiões salvadoras, maravilhas da modernidade tecnológica, e até economistas competentes, para no final nos deixarmos levar por alguns espertinhos, que possuem a retórica adequada em face das dificuldades da vida e que continuam a apregoar falsas soluções? 

Somos tão crédulos assim, ou apenas passivos e acomodados?

Estamos no limiar de um novo exercício do mesmo gênero, mais um autoengano, que vai beneficiar velhos e novos espertinhos, e deixar a maioria mais ou menos como ela estava antes. 

Até a próxima vez…

É, parece que, finalmente, a humanidade, as sociedades nacionais, os povos constituídos em forma de Estados, nós não avançamos tanto assim: continuamos ingênuos e incapazes de cuidar de nós mesmos, e temos de recorrer a outros para organizar a bagunça. Tem um preço em tudo isso: não avançamos tanto quanto poderíamos: conflitos de opinião continuam possíveis. As paixões e os interesse ainda nos dominam.

Finalmente, não estamos tão longe assim da guerra de Troia. Mas mesmo que os brasileiros pretendessem voltar para uma Ítaca imaginária – alguns poucos bons governos no passado de duas ou três gerações: JK, FHC, quem mais? –, o caminho seria longo e semeado de escolhos. Existiria alguma outra via? 

 

Sobre a natureza do declínio relativo do Brasil no último meio século

Não existe qualquer fatalidade interna ou externa que explique a perda de impulso para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social que afeta o Brasil desde a fase final, de crises e desacertos, do regime militar. As razões são essencialmente políticas e self-made.

O Brasil afundou menos pela ação persistente de algum projeto organizado de pensamento equivocado aplicado à nação — como podem ter sido os fenômenos do bolchevismo e do peronismo, nos casos bem mais graves dos desacertos ocorridos na Rússia e na Argentina durante décadas— e mais pela inconsciência geral quanto aos destinos do país por parte daqueles que ascenderam ao poder, de esquerda ou direita, desde aquela época.

Os problemas foram se acumulando lentamente, asfixiando não só a possibilidade de correções pontuais pela via da política, como a própria consciência de que problemas conjunturais estivessem reforçando tendências estruturais negativas, já longamente estabelecidas, como por exemplo a persistência de baixos níveis de educação na população.

A correção dos desacertos é difícil e incerta, ao observarmos o cenário de curto prazo, uma vez que ainda persistimos em identificar um improvável “salvador da pátria” como o redentor dos nossos males, sendo que este pode estar tanto à direita quanto à esquerda. Tais são as indefinições que persistem, e que mostram a divisão do país, num quadro de incerteza geral quanto a um programa geral de ajustes. As “soluções” ainda são buscadas em nível de pessoas, não de políticas.

Difícil vislumbrar qualquer inversão da atual tendência declinante e de recuperação da nação como um processo longo e desgastante, tantas são as deformações criadas por políticos desonestos e medíocres no comando do país — de esquerda e de direita —, ao lado da incultura ainda largamente predominante em todos os estratos sociais.

Não há nenhuma dúvida quanto a inexistência de fatalidades inevitáveis, pois todos os nossos problemas são o resultado de disfuncionalidades cumulativas criadas domesticamente. Mas muitas são as dúvidas de que possamos ter, no ambiente atual da fragmentada política brasileira (ou seja, as “elites dirigentes”) e da virtual inexistência de qualquer consenso sobre a natureza dos desafios entre as elites verdadeiramente dominantes (ou seja, os donos do capital), alguma possibilidade de correção de rumos no futuro previsível.

Em resumo: a retomada do dinamismo é incerta e provavelmente tomará mais de uma geração. Perdemos o rumo e até a consciência de que devemos ter algum tipo de rumo, qualquer que seja ele. Vai demorar para encontrar algum outro, tal a rigidez de interesses consolidados na atual anomia societal.

Se ousarmos pensar no Brasil como “país do futuro”, 80 anos depois que Stefan Zweig ousou predizer boas promessas nessa perspectiva, em boa medida pelo caráter plástico de nossas relações raciais, parece que até isso se perdeu, uma vez que o politicamente correto continua a criar arestas de uma divisão cultural racial que não existia antes da importação das ideias americanas sobre a “afro” descendência. Paramos de insistir naquilo que nos distingue como povo tolerante e culturalmente integrado, e começamos a construir uma sociedade demarcada por conceitos raciais, como os Estados Unidos?

 

A trajetória perversa do estamento político no Brasil

O Brasil está economicamente estagnado há muito tempo. Isso é certo e conhecido.

Mas, uma outra economia cresceu bastante nos últimos anos, a da criminalidade, não necessariamente aquela “normal”, bem conhecida, e sim uma especificamente política, ou melhor, dos políticos. 

Esse aumento da corrupção política dos “representantes do povo” foi acelerado na era Lula, que, para ter maioria no Congresso, passou a comprar, literalmente, parlamentares e bancadas inteiras com dinheiro público e das estatais. Tudo isso está muito bem documentado, embora os lulopetistas pretendam agora reescrever a história.

Daí o processo de corrupção política se desenvolveu enormemente depois, passando de fenômenos como Mensalão e Petrolão para processos endógenos de sustentação financeira, como os fundos e as emendas (de vários tipos), cobrindo todo o espectro do leque político, de um extremo a outro, sem exceções ou muito poucas. Isso também é conhecido.

Um governo fraco, débil, improvisado e caótico, como é o atual desgoverno do psicopata perverso, tornou ainda mais resiliente a criminalidade política, assim como estimulou a criminalidade comum, não só pela crise, pandemia e guerra, mas porque isso corresponde à sua natureza profunda; ele vem desses meios.

Essa é a verdadeira “herança maldita” a ser legada por um ladrão ordinário, fraudador como muitos outros colegas de Parlamento do dinheiro público, via rachadinhas e outras falcatruas, mas que virou, voluntária e involuntariamente, um grande criminoso político. Alguma dúvida? Essa triste trajetória já pode ter ocorrido em diversos outros países, em especial na América Latina, mas o Brasil ingressou, definitivamente, na era da grande criminalidade política. 

Não se pode esperar que o “fenômeno” se dissolva rapidamente. Ele acompanha o processo de deterioração educacional e moral da sociedade, inclusive porque já adentramos num regime “parlamentar”, mas um parlamentarismo de fachada.

O Brasil já chegou ao “parlamentarismo”, mas de um tipo disfarçado, deformado e até criminoso, pois que apenas exercido no sentido da apropriação, em vários casos da extorsão, de recursos públicos por parte dos “parlamentares”, com finalidades exclusivamente patrimonialistas.

Isso se deve ao fato de que o presidente atual é um completo inepto em matéria de governança e por isso transferiu — ou transferiram — a essência do seu desgoverno aos profissionais do ramo, os mesmos que elevaram os fundos indecentes a extremos de apropriação.

Se trata de um “parlamentarismo” podre, no qual os parlamentares não assumem nenhuma responsabilidade pela gestão, apenas se dedicam a arrancar nacos do orçamento para seus fins pessoais e familiares. Tudo isso sob o controle de uma espécie de familiocracia miliciana.

 

O Brasil “presidencialista” acabou? 

Com efeito, tudo indica que o Brasil “presidencialista” de tempos atrás, acabou: entramos num híbrido institucional não formalizado, próximo de um parlamentarismo de fachada, que vai nos levar à anarquia política nos anos à frente

Votos à parte, a desorganização financeira e orçamentária promovida pelo atual governo vai impactar negativamente as contas públicas estaduais e da União durante anos à frente. Não existe mais processo orçamentário, e sim uma extrema fragmentação dos recursos públicos em milhares de emendas paroquiais, sem qualquer sentido de planejamento racional e com amplo espaço para a corrupção.

Esta é a verdadeira herança maldita a ser deixada pelo desespero eleitoral do atual dirigente, ao lado da destruição total da cultura, da educação e do fomento à C&T. O Brasil se degrada politicamente pela pior gestão administrativa na história e pelo avanço de um falso parlamentarismo criado e mantido pelo estamento político predatório que se firmou no país.

O número de partidos pode até diminuir — embora apenas formalmente—, mas os caciques partidários passam a controlar um volume exponencial de recursos públicos, dados os fundos Partidário e Eleitoral ao lado do estupro orçamentário de todos os tipos de emendas. Conseguimos nos rebaixar deliberadamente, pela completa ausência de estadistas, ou de dirigentes responsáveis, seja na classe política, seja entre as elites econômicas.

O Brasil se suicida lentamente, não por um projeto consciente, mas pela extrema mediocridade dos que estão no comando político e econômico do país, não excluindo as corporações de Estado desse processo, mandarins do Estado focados exclusivamente em seus ganhos patrimonialistas, inclusive militares e aristocratas do Judiciário. 

Cabe, portanto, prepararmo-nos para uma mudança institucional para pior no Brasil, nos próximos anos, independentemente dos que forem eleitos, em todos os cargos em outubro de 2022. A ideia de uma nação voltada para o futuro terminou: os feudos cuidam apenas de si mesmos. A degradação interna e internacional do Brasil já se tornou visível aos olhos do mundo inteiro. Cada vez mais quadros formados estão abandonando o país. 

 

Sobre algumas das razões de nosso atraso político e econômico

Não existe nenhuma novidade ao se afirmar que o cenário visível do desalento nacional é caracterizado pelo aumento da miséria e da pobreza da população mais carente e a total falta de educação cívica em amplos setores do eleitorado, dois fatores potencializados pelo crescimento do evangelismo extrator, isto é, a indústria religiosa predatória dos pobres e deseducados. 

Se a Receita Federal tivesse condições de avaliar o volume de dinheiro que é carreado de forma praticamente subterrânea para as arcas dos pastores – um indústria que talvez iguale, ou supere, os tráficos de todos os tipos – constataria que ele é muitas vezes maior do que todo o "maná" governamental sob a forma de "auxílio à pobreza", sobretudo porque o maná dos pastores passou do dízimo arrecadado voluntariamente ou das bolsinhas circulando nos cultos, para a forma mais moderna do Pix oficial das "igrejas" (o que aliás facilitaria a avaliação do oceano de dinheiro manipulado por esses "pastores da fé").

O crescimento da demagogia religiosa juntou-se ao velho populismo eleitoral para levar o Brasil para trás, e não apenas no sentido cívico, mas propriamente educacional. Daí decorrem políticas gerais, inclusive econômicas, altamente equivocadas que rebaixam o capital humano daqueles mais desprovidos.

É um imenso problema, nunca resolvido mesmo nos anos de estabilização macroeconômica e que está arrastando o Brasil para trás e para baixo. A diminuição da renda e o aumento dos pobres e famintos são visíveis a olho nu, o que não é só uma decorrência da crise da epidemia e da guerra. A má qualidade do estamento político faz o resto, ao produzir baixo crescimento (ou nenhum em termos per capita, e até recuando), pela adoção de políticas inconsistentes ou simplesmente direcionadas a privilegiar os já ricos.

As políticas de “assistência à pobreza” não eliminam na verdade a pobreza, apenas subsidiam o consumo dos mais pobres, e podem até provocar efeitos deletérios, sobre o mercado de trabalho, por um lado (ao alterar o custo desse fator no plano microeconômico), e, por outro lado, sobre a chamada agricultura de subsistência ou atividades muito elementares que atuavam como “renda” não monetária (e, portanto, não computada nos levantamentos baseados em moeda circulante). 

Se havia desnutrição, subnutrição ou até surtos epidêmicos de fome localizada (secas em determinadas regiões do agreste, por exemplo), não havia gente condenada a morrer de fome pela ausência de ajuda assistencial do governo ou inexistência de alternativas. Um equilíbrio precário, mas não o quadro de pessoas realmente passando fome extrema, pela ausência de algum maná público. 

O desequilíbrio ou interrupção das ajudas levou à dependência passiva, e, portanto, a casos agudos de fome, pois a expectativa era a ajuda, não a busca ativa ou desesperada de uma solução ao nível individual. O tão apregoado e incensado “maior programa de assistência social do mundo” pode ter criado uma cultura da dependência nefasta no plano dos comportamentos sociais e individuais. 

O “Estado” — isto é, políticos demagogos do governo — perpetuam a solução da ajuda pública, pois parece um expediente mais fácil — ou útil eleitoralmente— do que a educação de massa de qualidade e políticas de produtividade do capital humano. As políticas de combate à pobreza podem estar perpetuando a pobreza. 

Poderemos superar os tremendos obstáculos políticos que obstam, presentemente, um processo sustentado de crescimento econômico, com transformação produtiva e distribuição socialmente equitativa dos frutos desse crescimento? Talvez, mas para isso seria necessário um grande esforço da cidadania no sentido de renovar a representação política, empreender as reformas institucionais e econômicas indispensáveis e renovar o sentido de união nacional em torno dos legítimos interesses da população mais pobre. Persistem fundadas dúvidas sobre se tal esforço tem condições de ser levado adiante por estadistas responsáveis, inclusive porque uma das razões do declínio relativo é justamente a falta de estadistas responsáveis que se apresentem à sociedade com um discurso renovado de unidade nacional em torno de metas e objetivos efetivamente conjugados. 

O principal obstáculo parece residir, como já se afirmou repetidas vezes, na notória mediocridade de nossas elites. O atraso não é tanto material, quanto ele é essencialmente mental. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4222: 22 agosto 2022, 12 p.

Publicado na revista InterAção (Santa Maria: UFSM; vol. 13, n. 2, edição especial, setembro 2022; ISSN: 2357-7675). Relação de Publicados n. 1469.




 


sexta-feira, 8 de julho de 2022

Minha postura inteiramente pessoal, mas não subjetiva, sobre o maior problema da atualidade - Paulo Roberto de Almeida

 Minha postura inteiramente pessoal, mas não subjetiva, sobre o maior problema da atualidade

Paulo Roberto de Almeida

Países do Brics se declararam “neutros” na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, ou ignoraram de forma vil essa violação flagrante da Carta da ONU, assim como das normas mais elementares do Direito Internacional, ademais de ser uma enorme indignidade em vista dos crimes de guerra, contra a paz e, possivelmente, de crimes contra a humanidade já registrados. 

Mas como argumentou Rui Barbosa em 1916, não se pode ser neutro entre a Justiça e o crime, no seu famoso discurso conhecido como “Os Deveres dos Neutros” (publicado pela Fundação Casa de Rui Barbosa, sob o título de “Conceitos Modernos do Direito Internacional”). 

Imparcialidade não admite qualquer neutralidade neste caso, mas sim a defesa intransigente do Direito!

As declarações ministerial e de cúpula do Brics ignoraram COMPLETAMENTE o fato mais relevante da atualidade, que é justamente a guerra e seus efeitos sobre a paz e a segurança internacionais, e sobretudo sobre a crise e a recessão globais, a inflação e a ameaça de fome em vastas regiões do planeta.

A História não os absolverá, definitivamente.

Pela acusação:

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8 de julho de 2022

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A ampliação do Brics e o interesse nacional - Paulo Roberto de Almeida

 Meu artigo mais recente: 

Meu artigo mais recente: 1460. “A ampliação do Brics e o interesse nacional”, revista Crusoé (1/07/2022; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/reportagem/a-ampliacao-do-brics-e-o-interesse-nacional/). Relação de Originais n. 4188.

A ampliação do Brics e o interesse nacional

Grupo de países foi dominado pela China e poderá incluir novos membros para se contrapor à hegemonia americana, arrastando com ele a diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida, Revista Crusoé, 1/07/2022

A 14ª Reunião de Cúpula dos Brics, organizada por Pequim, marcou uma mudança importante na natureza e no funcionamento desse grupo de países. Em sua declaração final, com a data de 23 de junho, seus membros afirmaram que apoiavam a discussão para o seu processo de expansão. O efeito foi rápido. Esta semana, Irã e Argentina apresentaram formalmente seus pedidos de ingresso. Senegal, Nigéria, Arábia Saudita, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos, Indonésia e Tailândia podem aderir mais adiante. À falta de um acrônimo que possa incluir tantos integrantes, uma hipótese é de que a instituição ganhe o nome de Brics+. Mas o problema não é só de ordem alfabética. A ampliação em curso serve principalmente aos interesses da China e da Rússia, que buscam uma plataforma para se contrapor ao mundo dominado pelos Estados Unidos. Trata-se de um perfil muito diferente daquele de quando o grupo foi criado, em 2009, o que obrigará a diplomacia brasileira a tomar decisões cada dia mais delicadas. 

O Brics expandido é mais um sintoma de uma mudança geopolítica ampla em todo o planeta, que está revertendo a ordem criada logo no início da Guerra Fria. Em 1947, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos tomou uma decisão, que guiou a conduta desse país nos assuntos internacionais pelo meio século seguinte, e provavelmente até a atualidade: manter uma inquestionável supremacia estratégica em termos militares e geopolíticos. Isso se deu não apenas no confronto com possíveis adversários (a União Soviética era o único, na ocasião), mas também em relação aos seus próprios aliados. A postura foi mantida sob todas as circunstâncias nas décadas seguintes, atravessando desde a fundação da Otan, em 1949, a adoção da doutrina da destruição mutuamente assegurada (MAD), nos anos 1950, a negociação de acordos de limitação de proliferação atômica, a partir de 1968, e até a implosão do antigo inimigo de 45 anos, a União Soviética. Nos anos 1990, os Estados Unidos se encontravam no ápice de seu momento unipolar. O Muro de Berlim caiu, a URSS se dissolveu em mais de uma dúzia de repúblicas independentes e os americanos deram uma extraordinária demonstração de força na primeira guerra do Golfo, em 1991, expulsando as tropas iraquianas de Saddam Hussein do Kuwait. 

De quebra, os americanos ainda tinham obtido um feito extraordinário: separar a China da União Soviética. A visita do presidente americano Richard Nixon ao chinês Mao Tsé-Tung e a subsequente ascensão da China comunista à cadeira da República da China no Conselho de Segurança da ONU, em 1971, consolidaram a ruptura entre os dois grandes inimigos do capitalismo e das democracias de mercado: a China se tornou uma aliada estratégica, ainda que disfarçada, dos Estados Unidos, contra a União Soviética, contra a qual ela tinha várias diferenças antigas e recentes nos milhares de quilômetros de fronteiras e de terras roubadas em séculos passados. 

Essa conquista extremamente significativa no quadro do seu planejamento geoestratégico foi completamente perdida no curso dos mesmos anos 1990, quando os Estados Unidos, depois de terem patrocinado a incorporação da China à economia global, passaram a tratá-la como adversária estratégica. Essa inversão de política motivou uma pequena revolução na política externa e na postura global da China, que passou a encarar os Estados Unidos, não como um aliado, num eventual confronto com a confusa Rússia desse período, mas como uma potência hegemônica. Os americanos passaram a ser vistos como um obstáculo à irresistível ascensão econômica e política da China, o grande Império do Meio, temporiamente diminuído e humilhado pelas grandes potências ocidentais e pelo Japão. 

A China incorporou o Brics neste contexto. De início, havia a iniciativa de Rússia e Brasil de transformar um exercício intelectual articulado em torno do acrônimo BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China — criado por um economista Jim O’Neill do banco Goldman Sachs, em um grupo diplomático com uma “carteira de negócios”. Assim, provavelmente, o Brics deve ter sido o primeiro grupo de países que não nasceu em torno de um projeto deliberado e racionalmente articulado pela vontade de seus membros constitutivos – com vistas a objetivos comumente determinados, em função dos interesses nacionais de cada um deles –, mas que foi induzido externamente, com base unicamente em projeções de retornos ampliados a partir de quatro economias então relativamente dinâmicas (Rússia e Brasil degringolaram em seguida). 

Não demorou para que a pegada chinesa fosse sentida. Desde o início do grupo, a China já representava mais da metade do seu peso total, em termos de PIB, comércio, finanças, capacidade de investimento, infraestrutura e demais indicadores econômicos. De certo modo, Pequim já podia determinar para que direção caminharia o novo grupo, muito artificial sob todos os demais aspectos políticos, diplomáticos, culturais e, sobretudo, geopolíticos. A oportunidade não foi desperdiçada. Na primeira reunião de cúpula dos quatro dirigentes, em Ecaterimburgo, em 2009, a China buscou uma aproximação com países africanos, pois que tinha enormes projetos de investimentos no continente. Em 2011, por sua influência, a África do Sul foi admitida no bloco, que se converteu em Brics. O acrônimo foi preservado, mas já indicava um grupo que pouco tinha a ver com o espírito inicial do seu “projetista” de investimentos, Jim O’Neill. 

A criação do New Development Bank, o banco dos Brics, e do mecanismo de empréstimos contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014, pareciam sinalizar uma maior adequação dos Brics aos seus objetivos originais. Falava-se em promoção do crescimento econômico, em promover intercâmbios comerciais e financeiros e em incorporar os cinco países de maneira mais ou menos coordenada aos grandes circuitos da economia mundial. 

Essa tendência positiva e pró-globalização sofre uma quebra em 2014, quando a Rússia de Vladimir Putin invade a Ucrânia oriental e anexa a península da Crimeia. A Rússia passou a sofrer sanções dos países ocidentais, mas os demais membros do grupo permaneceram estranhamente silenciosos em face dessa violação flagrante da Carta da ONU e do direito internacional. Além disso, a China, totalmente empenhada na realização da sua nova Rota da Seda, trilhando caminhos nas antigas satrapias da URSS, começou a reforçar sua cooperação com a Rússia. Ao mesmo tempo, os chineses passaram a desenvolver novos caminhos para superar os obstáculos colocados pelos americanos para conter o que eles consideram uma ascensão irresistível. 

A ampliação dos Brics é parte desse esforço. A China quer articular uma coalizão suficiente de países para se contrapor às manobras americanas. Esse é o ponto fulcral. Por acaso, essa expansão também contempla os interesses da Rússia, que precisa escapar do isolamento conduzido pelas principais potências ocidentais após a invasão da Ucrânia. O Brics, portanto, passou a ser usado para fins diversos daqueles concebidos inicialmente. 

Não se sabe ainda como a futura diplomacia brasileira – a atual já quase não conta mais – vai reagir ante à incorporação de novos membros ao Brics. Outro ponto a acompanhar será se nossos representantes continuarão demonstrando a mesma indiferença em relação a uma guerra cruel na Ucrânia, que claramente afronta todos os valores e princípios da política externa e diversas cláusulas constitucionais das relações internacionais.

Esse é o quadro que se apresenta ao Brasil. Durante o governo de Lula, quando o Itamaraty era chefiado por Celso Amorim, o país patrocinou, como um aprendiz de feiticeiro, uma aventura diplomática, ao lado da Rússia de Vladimir Putin e Sergei Lavrov. A ideia foi aceita quase que de imediato pela China e pela Índia, cada um deles de acordo com suas próprias razões. A África do Sul entrou de arrasto, para atender aos desejos chineses, e outros países estão batendo à porta.  

O que o Brasil pode pretender no Brics agora, quando o grupo está sendo claramente manipulado pela China e pela Rússia, em função de interesses exclusivamente nacionais, tanto no plano estratégico, quanto nos seus objetivos táticos? Essa é uma pergunta que não terá resposta imediata, nem pode ter, em virtude da conjuntura eleitoral brasileira, mas que permanece como uma das definições de grande diplomacia a serem equacionadas no futuro de médio prazo.

O fato é que o Brics se tornou um animal muito grande para ser encabrestado por um país de recursos limitados como o Brasil. Nosso país claramente não tem como controlar a direção desse grupo para satisfazer objetivos puramente nacionais de crescimento econômico e de desenvolvimento social, os quais deveriam ser as molas básicas da nossa política externa. A questão de quem manda no Brics está posta. O Brasil saberá responder?

 

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e autor do livro A grande ilusão do Brics: e o universo paralelo da diplomacia brasileira

 

sábado, 5 de junho de 2021

Impacto da pandemia sobre a diplomacia mundial e no Brasil” - Paulo Roberto de Almeida (Sapientia)

 Meu artigo mais recente publicado, nesta revista do curso Sapientia: 

1403. “Impacto da pandemia sobre a diplomacia mundial e no Brasil”, revista Sapientia (ano 9, n. 40, maio-junho 2021, p. 16-19; ISSN: 2446-8827; link: https://conteudo.cursosapientia.com.br/mai21-typage-revista-sapientia-ed-40-org). Relação de Originais n. 3885. 

Impacto da pandemia sobre a diplomacia mundial e no Brasil



 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivo: análise de impacto da pandemia; finalidadecontribuição para revista Sapientia)]; Publicado Revista Sapientia (ano 9, n. 40, maio-junho 2021, p. 16-19; ISSN: 2446-8827; link: https://conteudo.cursosapientia.com.br/mai21-typage-revista-sapientia-ed-40-org). Relação de Publicados n. 1403.

 

 

O mundo pós-pandemia da Covid-19 não será muito diferente do que esse que tínhamos antes, salvo em aspectos marginais, ainda que temporariamente relevantes, como pode ser o ressurgimento de certo nacionalismo econômico. Tendências estruturais ou sistêmicas não mudam de maneira significativa, mesmo sob o impacto de fatores conjunturais de certa magnitude. O mundo pós-Peste Negra, no século XIV, não foi muito diferente daquele que existia no cenário pré-pandemia, que dizimou, ao que parece, entre 25% e 30% da população da Europa ocidental em suas diversas ondas. O que ocorreu, de forma até “positiva” numa certa maneira de ver, foi que, com a diminuição da oferta abundante de mão-de-obra (que vinha sendo garantida por progressos lentos, mas reais, na produção de alimentos ao longo do período final da Idade Média), tanto o custo do trabalho quanto a produtividade do trabalho registraram ganhos expressivos, provocando, portanto, certa “redistribuição” de renda. 

Tampouco o mundo pós-Gripe “Espanhola” – que na verdade era americana em sua origem – foi muito diferente daquele que existia antes da Grande Guerra, talvez apenas um pouco mais propenso a acelerar as pesquisas científicas que levaram, alguns anos depois, a novas vacinas e ao milagroso antibiótico, assim como a melhores cuidados com saneamento básico e medidas associadas a tratamentos preventivos e curativos. Surpreendentemente, poucos historiadores econômicos trataram da mortandade por ela provocada, que vitimou, segundo algumas estimativas, entre 50 e 100 milhões de vítimas. Tendências anteriores na direção do protecionismo comercial, controles de fluxos migratórios e controle estatal sobre políticas setoriais foram reforçadas, tanto que provocaram novo conflito vinte anos depois.

O mundo, tal como existe em suas estruturas braudelianas de longa duração, não se altera radicalmente como resultado das pandemias; tampouco as diplomacias nacionais conhecem mudanças significativas, mas determinadas tendências existentes são aceleradas, ao passo que outras podem ser relegadas a segundo plano. A Peste Negra trouxe várias mudanças nas relações de trabalho e nas inovações técnicas, assim como a Gripe Espanhola gerou progressos gerais nos serviços de saneamento básico e nas instituições estatais cuidando da saúde pública. Mas no plano da psicologia coletiva, o mundo do século XV e o mundo da terceira década do século XX não conheceram mudanças significativas no comportamento das pessoas, dada a tendência a afastar os horrores vividos, esquecer os mortos e passar a tratar dos sobreviventes e dos que estão chegando. A humanidade tende a esquecer grandes tragédias, como ocorreu, talvez, no final imediato do Holocausto, que só começou verdadeiramente a ser objeto de memoriais duas décadas depois. Antes disse, cabe relembrar que não ocorreu nenhum tribunal de crimes de guerra ao final da Grande Guerra, como se fez em Nuremberg, mas as condenações proclamadas em 1946 não suscitaram a criação de instituições permanentes de julgamento de criminosos de guerra, pelo menos até o Estatuto de Roma e o surgimento do Tribunal Penal Internacional. 

As mudanças foram mais significativas no campo das relações internacionais. A diplomacia da segunda metade do século XX deu grandes passos para aprofundar a nova modalidade do multilateralismo, mas essa já era uma tendência que vinha sendo reforçada desde as grandes conferências do final do século XIX – propriedade intelectual, comunicações, direito internacional da guerra e da paz, acordos setoriais, etc. – e que conheceu um grande impulso com o surgimento da Liga das Nações. Mas esta foi mais o resultado dos 14 pontos de Wilson do que da Gripe Espanhola, que começou a se propagar desde que os soldados americanos chegaram à França em 1917; o presidente Wilson foi, aliás, uma provável vítima dessa gripe, quando retornou de dois meses de estada na Europa. 

O desafio ao principal ponto de seu plano de paz, a própria Liga, veio mais do Senado americano do que da pandemia, e assim parte do grande exercício de “pacificação” das relações internacionais no pós-Grande Guerra se perdeu, inclusive porque surgiram problemas para acomodar os interesses das grandes potências militaristas e fascistas – Itália mussoliniana, Alemanha hitlerista, Japão expansionista e União Soviética stalinista – e o ambiente de crises e depressões econômicas tampouco ajudou no restabelecimento de relações de cooperação entre os principais atores das relações internacionais. Foi preciso uma nova e devastadora guerra, impulsionada por essas mesmas potências desafiadoras para que, a partir de Ialta, Potsdam e San Francisco, se desenhasse uma espécie de “paz cartaginesa”, com a derrota completa, a destruição da máquina de guerra e a ocupação física das potências agressoras, o que permitiu o surgimento de um arranjo neo-westfaliano capaz de impor a paz e a segurança internacional com base em mecanismos oligárquicos (como aliás já tinha sido o caso dos arranjos do século XVII, na Viena de 1815 e na conferência de Paris de 1919). 

Depois de Bretton Woods, os progressos do multilateralismo foram realmente vários e relevantes, embora o processo decisório nas grandes agências do sistema multilateral das Nações Unidas tenha permanecido mais ou menos oligárquico entre 1945 e 1980. Apenas na terceira onda da globalização, as novas dinâmicas econômicas, a partir da consolidação do processo de convergência – depois de quase dois séculos da Grande Divergência –, criaram uma abertura nos processos decisórios, embora tenha sido apenas dez anos atrás que o “resto do mundo” superou, pela primeira vez na história, o pequeno pelotão das economias mais avançadas na formação do PIB global. Esse processo começou nos anos 1960, quando a industrialização das nações periféricas aumenta a participação do Terceiro Mundo na oferta de produtos manufaturados. Desde então, graças sobretudo à Ásia Pacífico, em especial a China, que tinha sido a maior economia mundial até o século XVIII, e a mais avançada cientificamente até o início da era moderna, quando a Europa ocidental conhece sua fulgurante ascensão para a hegemonia mundial. Mas, já no final da Guerra da Secessão, uma nova potência ascendente marca sua presença dominante no contexto da segunda Revolução Industrial. O mundo tinha sido europeu do século XVI ao XIX, e passa a ser americano, a partir do século XX, talvez desde 1898, e mais acentuadamente a partir de 1917, quando os boys desembarcam pela primeira vez nos campos de batalha do velho mundo.

O século americano, inclusive na diplomacia, teve uma vigência de apenas um século, e o século XXI começa pela fulgurante ascensão da China, retomando posições que ela já tinha tido num passado distante. O impacto dessa ascensão será sentido pelo resto do século, mas sua influência nas relações internacionais, e nas práticas diplomáticas, tem muito mais a ver com as dinâmicas econômicas do que com os efeitos sistêmicos da pandemia. Esta será superada em relativamente breve tempo, graças aos avanços fantásticos das tecnologias farmacêuticas, e ela terá consequências sobretudo na aceleração de tendências já presentes anteriormente na economia e na política mundiais, não tanto em mudanças estruturais de grande monta. Ou seja, o mundo não será muito diferente no pós-pandemia, a não ser que diversas atividades – inclusive a diplomacia – terão continuidade no terreno virtual, o que antes seguia um ritmo de tartaruga, dadas as facilidades de transportes e comunicações. A partir de agora, contatos, reuniões e viagens serão mais facilmente substituídos pela versão digital, aliás, com menos despesas e maior frequência.

Uma grande consequência tem a ver com a nova geopolítica do restante do século XXI, mas ela depende mais da postura americana no “enfrentamento” da ascensão chinesa do que propriamente das novas modalidades de práticas diplomáticas. Aquela que vem sendo chamada de segunda Guerra Fria tem um caráter sobretudo econômico, mas já parece ter sido vencida pela China, que tem uma estratégia correta, assim como foi a estratégia da Grã-Bretanha no estabelecimento de sua hegemonia no século XIX, que foi a globalização e o livre comércio, assim como a exportação de capitais, assim como a consolidação de meios e instrumentos de pagamentos que mantiveram Londres no centro das relações econômicas mundiais durante um século e meio. O eixo financeiro só se deslocou de Londres para Nova York com o deslanchar da Segunda Guerra Mundial, embora desde a Grande Guerra os EUA já fossem um grande credor e investidor internacional. Esse eixo vai ter uma base sólida na Ásia Pacífico, em especial na China, inclusive por meio de criptomoedas que vão oferecer concorrência ao dólar, dominante neste século americano (e ainda influente pelas próximas décadas). A própria pandemia revelou enormes fragilidades do sistema americano de saúde, inclusive pelo efeito acrescido da grande desigualdade social que ainda caracteriza o gigante norte-americano, comparativamente a estruturas mais igualitárias em outros países. 

A China, por sinal, acaba de proclamar a eliminação da miséria em seu território, o que é um feito extraordinário para um país que tinha falhado sua inserção nas duas primeiras revoluções industriais e que só se encaixou realmente na globalização no decurso da quarta revolução industrial. O mundo do futuro não será necessariamente chinês, mas ele será forçosamente mais diversificado, inclusive com a ascensão do segundo gigante asiático, a Índia, embora ela continua persistentemente protecionista, a ponto de ter preferido não integrar o RCEP, o grande bloco comercial liderado pela China. 

Quanto ao Brasil, ele é a grande decepção mundial nas últimas três ou quatro décadas, e não parece perto de ser capaz de superar suas enormes dificuldades políticas para vencer obstáculos estruturais – educação, produtividade, nova industrialização e redução das desigualdades sociais e regionais – que se opõem à sua inserção econômica global. Na verdade, o Brasil exibe uma não inserção na interdependência mundial, dado seu renitente protecionismo e a introversão típica de um país dotado de elites tacanhas e mesquinhas (não fosse assim não teriam demorado tanto tempo para extinguir o tráfico e abolir a escravidão). No plano diplomático, aliás, o Brasil é um dos raros países no mundo a ter perpetrado uma espécie de suicídio diplomático, ao ter deliberadamente escolhido ser pária no contexto da pandemia, um pouco como a Coreia do Norte e Mianmar. É algo realmente vergonhoso para um país que tinha construído, ao longo dos quase dois séculos de independência, uma diplomacia tida por excelente, e que teve um papel decisivo na construção da nação, como já argumentou o embaixador Rubens Ricupero em sua obra clássica A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (2017). Mas, imagino que sua leitura, atualmente, teria o dom de provocar depressão em boa parte do corpo diplomático profissional, assim como na quase totalidade dos analistas e estudiosos das relações internacionais do Brasil. 

 

Paulo Roberto de Almeida (5/04/2021)