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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Brasil vai alimentar o mundo? - artigo de Marcos S. Jank

Provavelmente, mas isso depende...
Depende de muita coisa: de melhorarmos nossa produtividade, de deixarmos de ser um país caro, de parar de tributar excessivamente as atividades produtivas e de muitas outras coisas mais, que dependem apenas de nós mesmos, e do governo, claro.
Nos últimos nove ou dez anos, o governo fez de tudo para proteger os bárbaros (no sentido propriamente gótico, ou visigodo, da palavra) do MST e outros movimentos neobolcheviques, que fingem que querem a reforma agrária, mas na verdade só querem aterrorizar o agronegócio e se opor à agricultura comercial de exportação; inacreditável que esses bárbaros (no sentido huno, desta vez) invadiram fazendas produtivas, negócios privados, instituições públicas e NUNCA foram reprimidos. Pode-se pensar que, dentro do governo, existem outros bárbaros (no sentido de mongois, desta vez, stricto et lato sensii) que só pensam em defendê-los.
O Brasil também deve ser o único país do mundo que tem DOIS ministérios da agricultura, com políticas perfeitamente contraditórias, opostas e até inimigas entre si; um se encarrega da agricultura normal, de mercado, o outro só subsidia agricultores inviáveis e patrocina loucuras agrícolas com o nosso dinheiro.
Tem muitas outras coisas erradas no setor primário, e como ele vem fazendo, ainda assim, sucesso, nos últimos tempos, produzindo renda e riqueza, liberando saldos de exportação, enfim, financiando os déficits de outros setores, pode ser que o governo, mais uma vez, queira transformar o setor, como no passado, em uma vaca a ordenhar, literalmente, ou seja, tirar o dinheiro que o setor produz para distribuí-lo entre seus beneficiários improdutivos.
Enfim, sou moderadamente pessimista quanto às chances do Brasil se tornar uma grande economia de mercado. Não com essa obsoleta concepção de mercado, como diria o Polanyi (mas com outro sentido).
Paulo Roberto de Almeida 



A hora e a vez da moderna agricultura tropical
Marcos Sawaya Jank (*)
O Estado de São Paulo, 30/05/2012, Opinião, A-2


Nas próximas décadas o mundo oferecerá uma oportunidade de ouro ao Brasil, que exige, acima de tudo, planejamento e organização. Entre 2000 e 2050, o consumo global de alimentos vai triplicar, pois a população crescerá uma vez e meia (de 6 bilhões para 9 bilhões de pessoas), ao mesmo tempo que cada habitante duplica o seu consumo individual, dado o aumento da renda. A agência americana Usaid estima que nesses 50 anos teremos de gerar um volume de alimentos semelhante ao que produzimos nos últimos 8 mil anos.

Commodities alimentares serão produtos valorizados e dinâmicos num mundo marcado pela urbanização acelerada, pelo crescimento da renda per capita nas economias emergentes e pela mudança dos hábitos alimentares, com a substituição de grãos e tubérculos por proteína animal. A desaceleração da economia chinesa pode até impactar momentaneamente esse movimento, mas ele continuará positivo e exponencial nas próximas décadas, pois tem natureza estrutural. Basta lembrar que a própria China está mudando o foco de seus investimentos de infraestrutura para consumo, o que se traduz por uma migração de commodities minerais para agrícolas e energéticas, com destaque para as carnes e os lácteos. Esse imenso país só tem 15% de terras aráveis e vai investir US$ 630 bilhões em programas de conservação de água nos próximos dez anos, uma questão que já se tornou de segurança nacional. A Índia vem atrás, com problemas semelhantes.

O fato é que em 2000, dos US$ 20 bilhões que exportamos no agronegócio, 60% se dirigiram à Europa e aos EUA, ante apenas 14% à Ásia. Em 2011 exportamos US$ 95 bilhões no agro, sendo 25% para a Europa e os EUA e 52% para a Ásia. Um crescimento de 15% ao ano, agora redirecionado para países emergentes - da Ásia, do Oriente Médio e da África -, que nos obriga a repensar toda a nossa política comercial. Estou convencido de que essa nova era "asiocêntrica" é muito mais uma oportunidade do que uma ameaça para o Brasil. Para entender isso é preciso despir-se dos preconceitos históricos contra "commodities" e verificar in loco o que está acontecendo no campo brasileiro: novas tecnologias adaptadas às condições tropicais, importantes ganhos de escala e especialização dos produtores com a migração do Sul para o Centro-Oeste e o Nordeste, novos modelos de gestão e comercialização de produtos, agricultores jovens e dinâmicos, sistemas agroindustriais sofisticados.

Não é por acaso que o mapa das cidades com IDH mais elevado bate exatamente com o mapa da agricultura empresarial mais moderna. Na última década a produtividade total da agricultura (terra, trabalho e capital) cresceu 3,6% ao ano, ante menos de 0,5% ao ano dos setores de serviços e da indústria não agrícola. A quantidade de indústria e tecnologia embarcada num simples grão de soja é grande e é nessa etapa da produção, junto com as soluções de logística, que se encontra o verdadeiro "valor adicionado" que acaba diferenciando produtores e países. As crescentes restrições na disponibilidade de terra e água fazem com que produzir commodities seja hoje mais relevante e complexo que processá-las. A China já percebeu isso, mas não tem saída.

Resta saber se conseguiremos aproveitar essa oportunidade. Primeiro, por causa das travas que tornaram nosso agronegócio um setor com imenso potencial, porém de alto custo. Travas clássicas são as ineficiências estruturais da nossa logística e os crescentes riscos regulatórios - legislação complexa e altamente instável no tempo, por exemplo, nas áreas ambiental e trabalhista, de registros de propriedade precários e restrições para aquisição de terras por empresas nacionais controladas por capital estrangeiro. Segundo, porque os concorrentes não estão parados: oferecem cada vez melhores condições para produzir, principalmente em termos de políticas de atração de investimentos, logística adequada e incorporação de novas tecnologias. No seminário “Perspectivas do Agronegócio 2011-2012” organizado pela BM&F na semana passada, empresários brasileiros declararam que estão considerando seriamente a possibilidade de investir em outras regiões (EUA, Leste Europeu, África), onde as condições para plantar seriam mais atrativas.

Precisamos urgentemente definir com clareza as metas e o papel que o Brasil deveria desempenhar na busca pela segurança alimentar e energética do planeta nas próximas décadas. Em seguida, precisamos definir como as cadeias de suprimento deveriam estruturar-se para atingir essas metas: políticas públicas que garantam segurança jurídica para investir, fortes ganhos de eficiência logística e incentivos à agricultura de alta produtividade e verdadeiramente sustentável, com eficiência econômica e responsabilidade socioambiental. A longo prazo, o que interessa não é o que um país produz, mas como ele produz em relação aos seus melhores concorrentes. O mundo claramente espera proatividade e liderança do Brasil nessa área.

Retornei de uma semana de eventos nos EUA convencido que esta é a hora e a vez da agricultura tropical moderna, não apenas no Brasil. Mas por aqui efetivamente saímos na frente, demos passos importantes nas últimas décadas e não podemos agora ficar parados contemplando nosso próprio umbigo. Não se trata de aproveitar uma oportunidade de mercado ou de ficar repetindo que temos recursos naturais abundantes. Isso não basta, e também não é mais verdade. Precisamos, sim, de muito planejamento e organização para enfrentar uma questão fundamental para o futuro do planeta: como criar cadeias de suprimento eficientes para alimentar 9 bilhões de pessoas, a grande maioria vivendo em cidades, com recursos naturais cada vez mais restritos.

* Especialista em Agronegócio e Agroenergia, foi presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). Email: marcos@jank.com.br

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Tortura: o crime supremo, a diferenca entre a civilizacao e a barbarie...

A diferença entre uma democracia verdadeira e uma ditadura é exatamente esta.
Mesmo quando um regime democrático comete uma barbaridade como a tortura -- em situações extremas, como guerra e terrorismo -- nada impede o sistema democrático de debater amplamente o problema, e de corrigi-lo, pelo menos tentativamente.
Leiam a resenha-discussão abaixo publicada no Mises Daily.
Paulo Roberto de Almeida

How Civilization Deals with Torture States
by David Gordon
Mises Daily, May 21, 2010

Rule of Law, Misrule of Men
By Elaine Scarry
(MIT Press: A Boston Review Book, 2010; Xxii + 191 pages)

Elaine Scarry, a distinguished English professor at Harvard, attracted great acclaim early in her academic career for her study The Body in Pain (1985). It is hardly surprising, then, that the use of torture in the Iraq War has attracted her attention.

In Rule of Law, Misrule of Men, her searing indictment of the Bush administration, Scarry argues that the absolute prohibition of torture lies at the basis of the rule of law.

[I]t is crucial for the country to recognize that there is one crime with a legal profile so singular that it can — even standing alone — convey the wholesale contempt for the rule of law displayed by the Bush administration. That crime is the act of torture. The absolute prohibition of torture in national and international law, as [legal philosopher] Jeremy Waldron argued… "epitomizes" the "spirit and genius of our law," the "prohibition draw[s] a line between law and savagery," it requires a "respect for human dignity" even when "law is at its most forceful and its subjects at their most vulnerable." The absolute rule against torture is foundational and minimal; it is the bedrock on which the whole structure of law is erected. (p. 133)

That is very well said. Those, such as Eric Posner and Adrian Vermeule in their Terror in the Balance (Oxford, 2007), who regard freedom and security as goods to be "traded off" against each other, with nothing counting as absolute, will dismiss Scarry; but she is perfectly right.

The fact that American forces engaged in torture, at Abu Ghraib, Guantánamo, and elsewhere is well known; what is perhaps less well-known is that this occurred with the full knowledge and approval of the highest levels of the administration. In one case, that of Mohammed al-Qahtani, a prisoner at Guantánamo, "against whom all legal charges were eventually dropped… President Bush's team was in direct contact with the room in which the physical injury was taking place" (p.135, parentheses removed). In other cases, people have been "rendered" to Egypt, Saudi Arabia, and other countries known to practice torture.

Scarry extends her criticism of torture in an original and enlightening way. Refraining from torture is but one of several essential conventions that, if observed, prevent war from altogether disrupting civilized life. Civilization depends on communication; and while few agree with St. Augustine and Kant that lying is in no circumstances justified, the use of deception needs to be radically restricted.

But does this apply to war? Are not ruses and deceptions standard procedure? That is indeed so; but, as Scarry points out, international law has condemned certain forms of deception in war as "perfidy," holding them to be inimical to the fabric of communication. Among these are "false flag" operations and abuse of the red cross symbol.

[S]ome small pieces of language in war must remain wholly intact, uncompromised, unwavering, undiluted in their meaning. These few insignia are placed hors de combat, or "out of combat"; they constitute a civil structure that remains in place in the international sphere… (p. 66)

America has used false flags in interrogations, e.g., in the case of accused al Qaeda terrorist Abu Zubayda, in an effort to persuade him that Saudi Arabians were questioning him.

Why is abuse of the red-cross symbol forbidden? Scarry notes that this prohibition rests on another prohibition: hospitals cannot be attacked under any circumstances. The United States violated this prohibition as well, in the famous effort to rescue Private Jessica Lynch from Iraqi captivity. It transpires that the assault on the hospital was altogether unnecessary. Lynch had been well treated, and her captors were endeavoring to return her to an American hospital, an effort rudely interrupted by American gunfire.

As if this were not enough, the American forces violated another rule of civilized warfare. These rules strictly forbid assassinations of enemy political leaders; lethal force may be directed only against enemy soldiers. (Scarry notes a dissenting view but argues forcefully that this is unfounded.) America brazenly flouted this rule with its deck of cards depicting members of Saddam Hussein's government. Rewards were offered for the capture of these people, dead or alive, in complete violation of this prohibition.

The depredations of the Bush administration were by no means confined to the enemy. Scarry contends that Bush reversed the proper relation between the people and its government. She maintains that the government should be transparent to the people. Laws result from public deliberation, not the scheming of secret cabals. In contrast, people are entitled to a private sphere immune from the watchful eyes of government. Privacy is a fundamental right, and the Fourth Amendment severely restricts the government's power to search our homes and businesses.

When we say that democracy requires that the people's privacy be ensured, we do not mean that our lives remain secret; we mean instead that we individually control the degree to which, and the people to whom, our inner lives are revealed. (p. 10)

The Patriot Act inverts the Constitutional requirement that people's lives be private and the work of the government officials be public; it instead crafts a set of conditions in which our inner lives become transparent, and the workings of the government become opaque. (pp. 9–10)

The Iraq War did not come about through Congressional decision, as the Constitution mandates. Quite the contrary, Bush launched the attack on his own volition, after a propaganda campaign, based on a false and misleading account of the intelligence available to the administration. That intelligence, in turn, even though it did not support the inferences Bush and his minions drew from it, had been obtained through pressure aimed at securing conclusions given in advance.

The Patriot Act, along with other measures, allows the government drastic powers of surveillance, inconsistent with the Constitution, over Americans. Not only can bank and other records be examined without regard to the limits imposed by the Fourth Amendment, but those from whom such information is demanded cannot, under criminal penalties, disclose these demands to anyone.

In earlier work, Scarry has stressed the ability of the people to act for themselves.1 She returns to that theme here. Many towns and cities have taken matters into their own hands, declaring that they will refuse to cooperate with the Patriot Act. "Despite impediments to resistance, 238 towns, cities, and counties have now created a firewall against executive trespass in their communities" (p. 32; the number comes from an essay that Scarry wrote in September 2004 and is no doubt now greater).

Scarry goes beyond this. She contends that Bush and his leading associates should be criminally prosecuted for their misconduct. Moreover, she holds, in some cases, e.g., infliction of torture, international law requires prosecution. It is not a mere option, to be accepted or rejected on grounds of prudence:

Finally — and for us, most important — the international rules against war crimes and torture do not allow prosecution to be thought of as discretionary; they do not allow an escape based on electoral euphoria or on one's doubts about one's own stamina in fighting injustice. (p. 156)

I do not think that she is correct here. She seems to me dubiously to assimilate international law to domestic law. If a nation violates a treaty, at least one school of thought holds that this terminates the treaty. The treaty, in this view, cannot be treated as ordinary legislation, where someone subject to a law must comply with it whether he wishes to or not. True enough, that is not the prevailing opinion, as the Nuremberg trials and their many successors indicate; but the new view perverts justice. To impose criminal penalties for violations of international law encourages ideological crusades and war to the finish. Those faced with criminal penalties should they lose a war will be reluctant to surrender.2

I should be inclined to think, then, that prosecution along the lines Scarry indicates is a poor idea. Violations of domestic law by the Bush administration are of course another matter; and Scarry has in any case given us in her excellent and provocative book an indictment of recent American policy difficult to answer.

David Gordon covers new books in economics, politics, philosophy, and law for The Mises Review, the quarterly review of literature in the social sciences, published since 1995 by the Mises Institute. He is author of The Essential Rothbard, available in the Mises Store.

Notes
1 See her Who Defended the Country? (2003) on the action of private citizens on the commandeered airplanes involved in the 9-11 attacks.
2 See, e.g., Danilo Zolo, Victor's Justice: From Nuremberg to Baghdad and my review in The Mises Review Fall 2009